História O Monótono Diário de Isaac - 07 de Outubro, 2018 - Domingo (16h01)

07 de Outubro, 2018 – Domingo (16h01)

De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Nasci amaldiçoado… Só me diz: por quê?

Merda, merda, merda! Eu não consigo ter nem uma semana de paz, amiga… Nem a porra de alguns dias de sorte! Quando minha “roda da fortuna” começa a girar para cima, surge algo (ou alguém) que me joga pra baixo novamente, lambendo a lama que a vida reserva apenas para os mais desgraçados neste inferno de planeta!

O mais sufocante é esse medo que fico. Não tem coisa pior do que não saber o que vai acontecer. Absolutamente, não tem!

Ah, merda… Desculpe! Eu já fui começando este e-mail sem mais nem menos. Nem te cumprimentei e já estou vomitando um monte de desgraças, amiga! Vamos ver… Por onde começo antes de soltar a bomba?

Hum… Ok… Ontem foi um dia comum, com todas as coisas no lugar. Tudo como deveria ser… Como deveria ser todos os dias! O Lucas correndo de bicicleta pelo meu quintal, a gente gritando pra ele ficar longe do mato alto (porque pode ter algum inseto do mal, vai saber), clientes vindo para ver os vasinhos que anunciei na Internet (e comprando mais do que pretendiam, o que é ótimo). Eu poderia viver o resto de meus dias assim, que não enjoaria. Sério: seria um sonho.

Já essa manhã, foi dia de votação presidencial (não se fala em outra coisa nas redes sociais, um inferno). Eu fui com o Nicolas e a Jaqueline numa escola (que é onde organizaram as urnas), e os dois ficaram empolgados me mostrando tudo, pois foi onde fizeram ensino fundamental e médio. O Nicolas mostrou um canto da quadra onde ele deu o primeiro beijo com uma garota, e fiquei com um micro ciúmes (micro, ok? Já sou um cara maduro… Ou quase isso… Estou tentando ser), mas isso foi na sexta série dele.

Os gêmeos ficaram mostrando lugares, contando lembranças para mim e para o Lucas (o Jonas foi votar em outra cidade – já eu tive que justificar, pois não troquei meu local de votação ainda, e nem fodendo que eu iria voltar novamente para a cidade de meus pais), e quando percebemos já tinha passado quase duas horas de passeio pela escola (inclusive, com a Jack encontrando um universo de conhecidos, foi impressionante).

Depois disso voltamos todos para a Casa das Flores para almoçarmos. E foi durante o almoço que a Jaqueline recebeu uma ligação da Lílian…

Amiga, se você visse a cara que a Jaqueline fazia enquanto ouvia a noticia da advogada, teria ficado com o coração tão apertado quanto o meu. No fim da ligação ela agradeceu a Lílian, e depois olhou para nós: “Teve fuga em massa na prisão… Eles aproveitaram o período de votação para fazerem isso”.

“E o Marcus?”, foi o Nicolas que perguntou, porque minha garganta estava travada.

“Pelo que a Lílian falou, ele foi um dos cabeças por trás disso… Eu não acho que tenha sido coincidência. Com certeza ele fez isso motivado pela visita dela, depois de saber que o cara do canivete o delatou. Recapturaram vários, mas o Marcus não estava entre eles. Então… Ele está solto.”

Nessa hora, comecei a sentir meu estômago revirar, mesmo tendo comido tão pouco.

“E não foi só isso. Teve um assalto a veículo numa avenida perto da prisão, e a vítima do assalto confirmou a identidade… Era o Marcus. Então além de ter fugido, roubou um carro.”

O Lucas estava com a gente, e ficou quietinho nos olhando. Me pergunto o quanto ele entendeu do que realmente está acontecendo…

Amiga, você tem noção da merda que aconteceu hoje? O cara que disse que viria atrás de mim dois dias antes, FU-GIU. Fugiu e roubou um carro. Isso significa que o fato de ele estar distante sequer vai ser um alívio! Ele pode vir até aqui a qualquer momento e sabe-se lá o que vai fazer, aquele desgraçado filho da puta! Ai que ódio! QUE ÓDIO! Por que aquele desgraçado não MORRE de uma vez?

Não dá, amiga… Eu devo ter sido amaldiçoado no momento de meu nascimento. Não importa o quanto eu tente, as coisas ruins continuam a me perseguir… E no caso do Marcus, que culpa eu tive, caralho? Eu nunca o provoquei, nunca me insinuei para ele, nem nunca fiz nada para que ele quisesse fazer o que fez na boate! E agora eu tenho que ficar que nem um rato de esgoto, morrendo de medo que uma iguana do inferno me estraçalhe!

AI QUE ÓDIO!

Eu acho que essa minha raiva deve ter emanado de mim enquanto almoçávamos, porque o Nicolas olhou para mim com certa urgência: “Calma, Isaac… Vamos para sua casa, ok?”, e viemos para cá. Com certeza foi para proteger o Lucas da cara de terror que eu estava fazendo.

Assim que cheguei perto da porta do Pântano dos Mosquitos, meu estômago (que não parava de revirar) finalmente se rebelou. Antes de abrir a porta para minha sala, me debrucei no parapeito da varanda e vomitei. Todo o almoço que ajudei os gêmeos a fazer estava indo garganta afora, se espalhando pelo meu gramado. E quando pensei que estava tudo bem, tendo subido para tomar banho, vomitei novamente, mas dessa vez apenas líquido.

O Nicolas ficou do meu lado o tempo todo, fez chá pra mim (a única coisa que consegui tomar sem ter ânsia novamente) e tentou me acalmar.

“Você não tá entendendo, Nick… Ele está vindo pra cá!”

“A gente vai ficar atento. Vamos manter tudo trancado… E vou deixar o Lucas dormindo na avó dele por uns dias”.

“É porque eu sou o alvo, né? Se o Lucas ficar perto de mim, corre perigo, não é? Eu sou um ímã de desgraça, mas que droga!”

“Zak, por favor, pare de dizer essas coisas tristes… É só precaução. A gente não tem certeza se ele vai vir mesmo para cá, tá certo?”

“Sim, ele vai… Eu sei que vai… Tô com essa sensação estranha de que algo vai acontecer… O que eu faço, Nick? Pelo amor de Deus, o que eu faço? Estava tudo dando certo… Por que eu não posso ser feliz, ao menos por umas duas semanas inteiras sem que algo estrague tudo?”

“Shhh… Não fale assim, ok? A gente vai passar por isso. A polícia daqui foi avisada, então eles estão de olho. Logo a gente recebe a notícia de que ele foi pego, e vai ficar tudo bem novamente”.

“Eles não têm como ficar de olho o tempo todo, principalmente nesse beco escuro onde fica meu casarão! E eu não quero morrer, Nick… A Lílian disse que ele prometeu vir atrás de mim, não foi? Foi isso que ela disse, não é? Que o desgraçado viria atrás de mim!”

Eu achei que o Nicolas fosse dar uma resposta incrível, que fosse dizer a exata palavra mágica que eu precisava para me acalmar, mas… Ele engoliu em seco e me abraçou em silêncio.

Sei que ele também está preocupado, amiga. Tenho certeza disso. O Marcus já não era flor de se cheirar antes, mas depois que ele foi preso as coisas pioraram. Parece que ele agora aprendeu como ser ruim de verdade, você me entende? A Jack já veio aqui pra ver como eu estou, mas acabei me fechando no quarto com meu notebook.

Fico o tempo todo olhando para fora, tentando ver se alguém vai rondar meu terreno, sei lá…

Estou com medo, amiga. Estou realmente com muito medo, e não sei como lidar com isso. Quando olho para os gêmeos, vejo-os com olhares de medo espelhando o meu, então… Não é exagero meu quando digo que estou ferrado. E odeio saber que eles estão assim por minha causa. Porque o problema do Marcus é comigo, não com eles.

Eu e o Nicolas conversamos exatamente sobre isso: dividir os problemas e talz… mas agora entendo ele, por ter se fechado daquele jeito. Eu meio que queria fazer o mesmo, para afastá-los dos meus problemas (e estou fazendo, né… Me tranquei em meu quarto), mas sei que essa não é a solução. O problema é que não tenho ideia de como agir na frente deles. Não quero ficar chorando e mostrando que estou cagando de medo, caralho!

Só sei de uma coisa: às vezes falo que quero morrer, e tudo o mais… Mas a verdade é que não quero. É sério, eu pensei mesmo nisso. Fico pensando em partir dessa para outra e deixar as pessoas que aprendi amar para trás.

E não quero isso. Tampouco quero ficar internado no hospital como daquela vez… E é nisso que estou pensando: que talvez o Marcus volte para fazer direito o que não fez antes, e fazer até o fim o que o cara do canivete não conseguiu. Então eu teria um estupro seguido de morte, e não quero isso, amiga… Meu Deus, eu não quero, não quero…

Ainda tenho a cicatriz na barriga, e lembro de como aquilo doeu… De como foi apavorante ver meu sangue escorrendo para o chao da praça sem que eu pudesse fazer nada, como se minha vida estivesse se despedindo de mim…

Eu não quero morrer… Se alguém tiver que morrer, por que não aquele desgraçado? Se eu pudesse, daria um jeito de sumir com o filho da puta. Desaparecer de vez com esse fantasma que vai me perseguir sabe-se lá até quando.

Não é esse tipo de vida que quero pra mim… Se nem com o Marcus na prisão eu estou seguro, então por que o desgraçado não sofre um acidente de carro e morre antes de chegar em mim?

E tem o Lucas… Meu Deus, o que poderia acontecer com o Pinguinho se o louco resolver usá-lo como refém? Ah, Deus… Que seja eu, então… Que seja eu em vez do Lucas, pois eu não iria suportar viver se algo acontecesse com o Lucas por minha causa.

Ah, merda… Eu estou me exaltando, amiga… Não sei o que fazer, não sei o que fazer, não sei o que fazer! E pra piorar eu não consigo conter essa merda de choro! Ah, que ódio de mim mesmo!

Sim, eu estou chorando, cacete! Estou mesmo, e daí? Eu estou com medo, amiga, estou morrendo de medo e nunca na vida senti isso dessa maneira. Parece que a expectativa é pior do que a desgraça em si, inferno!

Ah… Droga… O Nick está batendo na porta… Deve ter me ouvido chorar. Merda. Eu não queria que ele me visse nesse estado deplorável, mas vou ser sincero: quero a presença dele agora…

Por que eu sou tão desafortunado nessa merda de vida? Parece que para cada bênção que recebi, pago com três maldições…

Bye, amiga… Acho que agora mais do que nunca, me deseje sorte… Porque estou sem nenhuma…