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História O Monótono Diário de Isaac - 18 de Novembro, 2018 - Domingo (19h31)


Escrita por: lyanklevian

Notas do Autor


Esses capítulos não têm sido fáceis (por motivos óbvios)...

E com esse frio, tudo piora. Moro num iglu (não literalmente, gente... só força de expressão).

Capítulo 133 - 18 de Novembro, 2018 - Domingo (19h31)


Fanfic / Fanfiction O Monótono Diário de Isaac - 18 de Novembro, 2018 - Domingo (19h31)

18 de Novembro, 2018 – Domingo (19h31)


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Café amargo como a vida e banhos frios para lavar minha imundície

 

Eu odeio café, amiga. Mas é o que mais tenho tomado hoje.

Meus olhos estão pesados, mas o que vai acontecer se eu dormir? E se eu encontrá-lo nos sonhos? A Jaqueline sempre diz que ao dormirmos nosso espírito consegue sair e conversar com os mortos. Ela falou isso no dia de finados, quando explicou que às vezes sente que conversou com os pais. Naquela hora achei isso muito interessante, mas… Se for verdade, eu não quero mais dormir.

Ele provavelmente estará me esperando.

Enfim, não quero pensar nisso, então vou mudar de assunto…

O Nicolas vai ficar uns dias dormindo lá em cima, no quarto que arrumamos para o Lucas – inclusive, é lá que ele está agora. E isso por causa do gesso na perna: não seria conveniente ter que subir e descer escadas sempre que precisasse ir ao banheiro, ou tomar banho (tarefa que já se mostrou complicada com gesso – eu o ajudo nisso). E para ficar perto de meu namorado, coloquei ao lado da cama um colchão que estava guardado. Não que eu esteja pensando em dormir de fato… Essa noite meu plano é pegar o notebook e ficar jogando para espantar o sono.

Essa tarde nossa advogada, a Lílian, conversou com a polícia para checar o andamento das coisas e checar o que foi falado. E não é diferente do que já lhe contei: meu pai deu um depoimento sobre ele e o Nicolas terem sido sequestrados, e falou que a morte foi resultado acidental de uma briga entre nós.

Eu pedi para que o Nicolas confirmasse essa parte, inclusive a mentira sobre meu pai ter sido sequestrado também. Assim que pedi isso, essa tarde, ele fechou a cara.

Você sabe que discordo disso, não é? Seu pai é cúmplice, e não vítima”.

Eu sei, Nick! Mas não estou fazendo isso pra defender ele… Você sabe que ele viu! Se eu contar sobre ele…

O Nicolas estava sentado na cama, e abaixou a cabeça soltando o ar dos pulmões. Depois esfregou o rosto e me olhou com uma cara triste.

Eu sei, eu sei… Vem aqui”.

Quando me aproximei, ele puxou minha cabeça para o peito dele, e lá fiquei ouvindo as batidas do coração e o calor que emanava nele.

Calor de um corpo que está vivo… E foi por tão pouco…

Ele continuou me abraçando forte, e isso fez meu peito arder. Tem uma coisa aqui dentro que ainda não saiu. É tipo uma bola de lava queimando dentro de mim e que não si de jeito nenhum.

Nesse abraço, ouvi um leve fungado que denunciava que ele quase começou a chorar. Mas quando levantei a cabeça para encará-lo os olhos estavam secos, apesar de tristes.

Como você tá, Zak?

Dei de ombros. Como eu estou? Bom, naquela hora eu não tinha uma resposta (não que agora eu tenha). Eu gostaria de responder que está tudo bem, que já passou, mas seria uma mentira tão deslavada quanto dizer que não estou com sono.

Bem que eu queria poder descansar com a garantia que não terei pesadelos. Não quero sonhar com ele.

Ah, e por falar nisso, o velório vai ser amanhã. Eu não vou, e nem o Nicolas, por motivos óbvios. Dar as caras lá seria o cúmulo da hipocrisia. E eu não iria querer olhar para o caixão fechado sabendo a atrocidade oculta lá dentro. Partes do corpo mutiladas, e um cadáver já quase sem sangue restando nas veias, por estar tudo esparramado numa velha estradinha de terra distante da civilização.

No semanário do vale que a Maria Onésia nos mostrou hoje tem a nota de “acidente” ocorrido na madrugada de sábado. Esse pessoal é bem rápido. Provavelmente alguém no jornal tem contato com a polícia, porque as notícias em Vale do Ocaso correm mais rápido que fofoca de vizinhos. Minha sorte é que a polícia ficou satisfeita com a versão contada, sobre o atropelamento ser um acidente.

A Jaqueline disse, inclusive, que os policiais não pareciam lamentar nem um pouco o ocorrido. Um deles tentou acalmar o caminhoneiro dizendo que o morto não prestava.

Eu não vou discordar disso, mas ainda tenho pena quando lembro da cara que o motorista fez ao ver o atropelamento com sangue fresco escorrendo para baixo do caminhão.

… Mais uma xícara de café goela abaixo. Nem coloquei muito açúcar – para chocar o paladar, mesmo –, porque a intenção é manter os olhos abertos. Mas está cada vez mais difícil. A cada vez que a Jaqueline me vê bocejando, pede para que eu vá descansar. Minha resposta é sempre a mesma:

Não quero encontrá-lo”.

Dáki, apesar do que eu falei, esses encontros espirituais não acontecem de forma tão fácil, assim… Então, por favor, descanse um pouco pelo amor de Deus!

Outra coisa que fiz foi tomar uns três banhos frios. Isso está ajudando um pouco a espantar o sono, e ao mesmo tempo tira essa nojeira invisível que ficou presa em meu corpo depois de tudo o que aconteceu. O problema é que poucos minutos depois sinto a imundície voltar a se prender em minha pele nos lugares onde ele tocou. É como se tivesse uma porção de pus malcheiroso cobrindo minha pele, e o cheiro não passa. O Nicolas disse que é coisa de minha cabeça, pois não havia cheiro algum, mas eu continuo sentindo.

A sorte é que ele ainda não viu minha pele avermelhada na parte das coxas e nas nádegas, de tanto que esfreguei com a esponja. Não quero que ele veja isso, porque não está agradável aos olhos.

Arde, mas ao menos me sinto menos sujo.

Espera, vou subir rapidão…

Ok, pronto. É que coloquei alarmes em meu relógio para os horários dos remédios do Nicolas. Ele está tomando um anti-inflamatório, um antibiótico, e às vezes algum analgésico para a dor. Ao menos não teve febre.

Tentei conversar um pouco com ele, mas ele responde pouca coisa, e fica acariciando meu rosto, perguntando como estou. Sempre que ele faz isso lembro do que aconteceu, da cena que meu namorado viu, e o peito volta a ser corroído.

Eu queria me esquecer. Adoraria que houvesse um obliterador que fizesse com que minha memória das últimas 42 horas se apagasse, para que eu pudesse adentrar a escuridão da inconsciência sem medo de ser trucidado pelos pensamentos.

Quem me dera a versão contada à polícia fosse a verdadeira. Se fosse assim, eu abraçaria o Nicolas e me entregaria ao sono desgraçado que estou sentindo.

Mas a versão verdadeira coloca o sangue dele todo em minhas mãos. Quando eu vi as partes do Marcus mutiladas na estrada, tive plena consciência de que a culpa era minha.

Ao mesmo tempo, sei que se não fosse isso, o velório de amanhã não seria o dele.

Mas que droga! Ele estava apontando uma arma em minha nuca, porra! Na frente do Nicolas! Depois que ele terminasse, atiraria em quem primeiro? Em mim ou em meu namorado?

Independente de quem fosse o primeiro, a tragédia seria enorme. E ele não deixaria por isso mesmo. Provavelmente iria atrás da Jack, e quem sabe o que mais iria fazer… Você não concorda? Por favor, me diga que concorda comigo, porque eu estou surtando aqui… Não quero pensar que Deus agora me odeia ainda mais. Não quero mesmo! Se minha avó soubesse disso iria parar de me defender. Me veria como o próprio demônio, e não como um simples garoto perturbado.

Ela me rejeitaria como neto, e isso eu não suportaria. Ela pode ser preconceituosa, mas é a única pessoa de meu sangue que não me quis morto antes do nascimento. Aliás, foi graças à insistência dela que nasci.

Quero acreditar que o que fiz não foi assassinato, mas sim algum tipo de heroísmo, sei lá… Auto defesa, entende? Eu não queria esse fardo em minhas costas. Não queria mesmo! Minha consciência fica sussurrando lá no fundo a verdade que não tem como ser desfeita: eu fui responsável pela morte de um ser humano.

Por isso não quero dormir. Por isso não posso me entregar ao sono agora.

Acho que estou ficando louco, amiga…

Hum, a Jack está subindo as escadas para levar algo quente para o irmão, e me chamou para ir junto.

Ela está com aquela cara de quem quer ter uma conversa séria.

Droga… Não tem como fugir dos Belson.

Então acho que é “tchau”, por enquanto, amiga.

 


Notas Finais


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