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  3. 11 de dezembro, 2018 - Terça (23h57)

História O Monótono Diário de Isaac - 11 de dezembro, 2018 - Terça (23h57)


Escrita por: lyanklevian

Notas do Autor


Oi



LEIA ESTE AVISO.






SÉRIO, LEIA MESMO!!





Pessoas lindas de meu coração... Lyan aqui.

Tem gente perguntando "quem é esse tal PRIMO do Isaac". 🙄

Essa pergunta só é feita por quem ignorou meus avisos dos capítulos anteriores (aquele do capítulo "3/dez", de quando as publicações voltaram).

Se uma pessoa IGNORA os avisos, é isso que acontece: fica sem entender as mudanças JÁ INFORMADAS.

É por isso que os avisos não podem ser ignorados, OK? Às vezes coisas importantes são informadas lá... ;-)

Para quem ignorou o que eu falei na volta dos capítulos, vou repetir tuuudo de novo, na maior boa vontade (E NA ESPERANÇA QUE SEJA LIDO):

Depois de repensar algumas coisas dessa história, decidi que o Jonas (noivo invisível da Jaqueline) vai ser PRIMO do Isaac. Motivo dessa minha decisão? Simples: Criar um vínculo maior desse personagem com a história e com as leitoras/leitores.

Tem um outro aviso que dei naquele capítulo (3/dezembro) sobre a MÃE do Isaac. Sugiro que dê uma lida no aviso daquele capítulo (3/dezembro) para entender melhor.

Então, a partir dessas minhas novas postagens, já estou escrevendo os capítulos com essas duas alterações em mente (sobre o PRIMO e sobre a MÃE do Isaac).

Se este fato te surpreendeu, é porque não leu meu aviso naquele dia... (desculpe-me... estou um pouquinho brava, sim, porque as pessoas ignoram meus avisos e pulam direto para o capítulo... depois ficam boiando e não sabem por quê).



Enfim... Passou, passou. Não estou mais brava ^_^



Quando eu for revisar tudo para publicação oficial, acertarei esses detalhes nos capítulos antigos também (obvio, hahaha). Então saibam que: mesmo que estejam lendo essa versão do livro agora, na versão oficial vocês terão MUITAS NOVIDADES 💜 Podem ficar ansiosos, porque vai valer a pena 💜


Abaixo, imagem dos Funko Pop de Kenan e Lucio, feitos em biscuit pela leitora Giovana Van. Para ver detalhes deles, acesse meu Instagram ^_^

Capítulo 141 - 11 de dezembro, 2018 - Terça (23h57)


Fanfic / Fanfiction O Monótono Diário de Isaac - 11 de dezembro, 2018 - Terça (23h57)

11 de dezembro, 2018 – Terça (23h57)


De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Na beira do precipício

 

Fiz de novo. Estraguei tudo. Pisoteei todos os sentimentos bons que estavam sendo construídos nessa casa. Destruí que nem um desgraçado ingrato e egoísta que só faz merda.

Só. Faz. Merda.

Eu não sei lidar com essa culpa, amiga. Não sei lidar com o ódio que sinto de mim mesmo. Não consigo! Eu simplesmente não consigo… E tudo começou pela manhã, quando recebi uma mensagem da depravada desgraçada da Hellen. Eu juro que achei que aquela garota tinha ficado no passado. Mas, ah, que ingênuo do caralho! Que ridículo eu fui. Ignorante!

Hoje cedo, quando eu estava terminando de lavar a louça de nosso café da manhã, antes mesmo de sair para a área da floricultura, recebi as seguintes mensagens:


 


 

Hellen: Oi, bebê! Fiquei sabendo do sequestro… Sinto muito, viu? Deve ter sido a maior barra pra você. Mas ainda bem que deu tudo certo no final, e o cara empacotou, né? O diabo levou ele daqui. Enfim, meu Isaquinho… Saber disso me fez pensar muito em você, sabia? Fiquei lembrando da última vez que nos vimos, quando veio para cá. Você saiu correndo e nem conversamos direito.


 

Hellen: Quero pedir desculpas por te forçar a usar aquelas coisas. Sei que você não está acostumado, e acabei sendo meio escrota ao fazer você se drogar sem saber. Mas eu estava carente, bebê… Eu estava muito carente, e precisava de sua companhia, como nos velhos tempos. Você sempre foi meu melhor amigo, e o único que sempre me entendia. Sabe disso, não é?


 

Hellen: Ah, mas tenho que lembrar que ao fazermos você foi muito brutinho, viu? Da próxima vez você vai me comer de um jeito mais fofo, combinado? Porque apesar de tudo, eu gostei. Deu uma adrenalina louca fazer com você, mesmo que tenha acabado muito rápido.


 

Hellen: Ô, meu bebê… Visualizou e nem respondeu nada? Ainda está bravo comigo? Poxa, eu que devia estar brava, por você me abandonar. Mas, é sério. Você ainda é o único que presta. Eu que não enxerguei isso a tempo. Eu havia começado a namorar um babaca quando entrei na faculdade, e achei que aquela galera eram meus amigos, mas errei. Eram apenas bagagem do meu ex. Não estavam nem aí para mim. Foi quando me dei conta que você sempre esteve ao meu lado que nem uma sombra fofa e depressiva que eu tinha que cuidar e guardar num potinho, pra te isolar do resto do mundo.


 

Hellen: Deixa eu ir na sua casa, bebê? Quero fazer as pazes (e, quem sabe, poderíamos continuar de onde paramos).


 


 

Ok, começou assim. Nas duas primeiras mensagens, eu senti apenas raiva. Mas da terceira em diante, começou a brotar uma coisa ruim em meu estômago, e senti um nó na garganta. Lembrar do que fiz, e da culpa que senti naqueles dias por ter abandonado o Nicolas num momento importante… Eu achei que tivesse superado aquilo, juro que achei! Mas a dor veio como garra de fogo esmagando a alma. E saber que poucas semanas depois fui estragado pelo Marcus, deu uma zoada na minha cabeça… Eu saí de mim, amiga. Primeiro, joguei o celular no chão da cozinha. Ninguém viu. Estavam todos lá fora, inclusive o Lucas, o que agradeço profundamente. Depois, dei um murro na parede de madeira imaginando a cara da Hellen ali. Parecia que tinha uma nuvem escura em volta dos meus olhos, porque eu mal enxergava o que estava em minha frente. Só via a porcaria do celular, no chão e com um novo trincado na tela, apitando com novas mensagens. Peguei de volta.


 


 

Hellen: Eu sei que visualizou, amore. Responde logo…


 

Hellen: Se eu pegar o ônibus agora, consigo chegar aí perto da hora do café da tarde. Seria bem legal. Vou comprar minha passagem, tá?


 


 

Neste momento, um gelo horrendo subiu por minha espinha. Em vez de digitar, gravei um áudio porque minhas mãos começaram a tremer:

Como você consegue ser tão falsa? Você me despreza e me trata mal desde que me conheço por gente! Sempre fazendo questão de me colocar pra baixo de um jeito ou de outro! Não se atreva a vir aqui, Hellen! Se você aparecer no meu portão eu juro que te deixo dormir na rua, igual eu tive que fazer no dia que me drogou! Aqui não tem mais lugar pra você. Aliás, nunca teve! Os Belson estão morando comigo agora, e não quero uma falsa sujando meu piso! Suma da minha vida, Hellen! DESAPARECE!

Eu estava entrando numa crise. Senti as mãos formigarem, e as coisas em volta se moviam de uma forma estranha. Andei pela cozinha de um lado a outro, sem ter a menor ideia do que fazer em seguida. Minha vontade era surgir ao lado dela e bater naquela cara de pau até a pele de minhas mãos esfolarem. O que aquela vaca tinha na cabeça? E como ela soube do sequestro? Minha avó, com certeza. Sempre abrindo o bico para quem não deve. Sempre achando que uma mera informação é inofensiva! Ah, que ódio…

Continuei andando com o celular numa das mãos, enquanto a outra mão passava freneticamente pelos meus cabelos – puxando-os, bagunçando-os. Nem sei dizer de onde veio tanto nervoso, mas foi como se o tampo de um bueiro imundo fosse arrancado, deixando escapar minhas piores lembranças. Acho que o nome dessa merda é “gatilho”, né? Odeio esse termo. Banalizaram ele com memes na Internet, e agora me sinto um otário por ser vítima dessa merda! Bom, eu nem sei dizer exatamente qual foi a porra do gatilho, mas foi qualquer porcaria no meio das mensagem da Hellen. Acho que uma mistura de culpa pelo que fiz somada à culpa pelo que deixei fazerem comigo naquela noite. Uma noite que me tornou ainda mais sujo do que eu já era. Me fazendo ser a pior companhia possível para o Nicolas.

E eu ainda tive a ousadia de pensar em ser como um segundo pai para o Lucas! Rá! Onde eu estava com a cabeça? Em que mundo um incompetente como eu estaria apto a uma tarefa tão importante? Em que mundo um cara que trai quem mais ama pode fazer algo tão digno? Em que mundo um assassino pode ousar ser chamado de “pai”? A cena de um Isaac insano, drogado e bêbado, penetrando a Hellen… Que foi sobreposta pela imagem da caminhonete capotando com o Nicolas preso por cordas. A perna dele, com fratura exposta, e a dor expressa no rosto lindo dele… A arma em minha cabeça fazendo eu pensar que era nosso último dia nesse planetinha do inferno. A invasão do desgraçado em meu rabo, me fazendo mover para frente e para trás no chão de terra. O beijo hipócrita que dei nele antes de empurrá-lo na frente no caminhão. Nem sei porque fiz aquilo. Deboche, talvez. Sou tão desgraçado quanto aquele que me violou. Nem sei se tenho a porcaria do direito de me sentir injustiçado. Está tudo errado, tudo errado!

Minha mente girava enquanto eu andava pela cozinha que nem barata envenenada. Meus cabelos já estavam desgrenhados de tanto puxar e torcer. Eu devia estar parecendo um louco (se é que já não sou um). Minha respiração estava acelerada a ponto de minha garganta arder, e minha cara já estava encharcada de lágrimas, horrorosa e avermelhada pelo choro. Foi quando veio a mensagem:


 


 

Hellen: Nooossa, quanta grosseria! Não fale assim com a única pessoa que te suporta, Isaquinho. Te conheço desde sempre, e te aceito do jeito estranho que é. Sério, eu não ligo de você ter essa personalidade meio desalinhada. Nem ligo se você ficar com caras de vez em quando. Só deixa eu ir aí para cuidarmos um do outro, como antes, tá bom?


 

Hellen: Peraí, ouvi seu áudio de novo, e… Você disse que aqueles gêmeos estão morando aí? Oh, meu bebê… Tão bonitinho, mas tão ingênuo… Se ainda não percebeu, vou te mandar a real: eles estão se aproveitando da situação. Esse casarão que você comprou é enorme, e deve valer uma boa grana se reformado. Acha que eles não perceberam isso? Vão te sugar, roer até os ossos, e depois vão largar a carcaça, bebê. E eu não quero carcaça, porque não sou urubu.


 

Hellen: E tem outra coisa… Esse seu namorado gostoso não tem cara de quem curte a fruta, viu? Abre os olhos, porque ele está te enganando. Aquela irmã fresca dele também. Cuidado com ela. Você não viu o jeito que aquela vadia me olhou na vez que fui aí? Vai por mim, porque sou seis meses mais velha que você, e sei do que estou falando, meu fofo.


 

Hellen: Mas parte disso é minha culpa, bebê. Se eu não tivesse te deixado de lado, e ficado com o pessoal da faculdade, você não teria se sentido carente. Não teria se mudado para tão longe de sua verdadeira família. Sua avó sente sua falta, sabia? Por isso tudo, quero ir aí para reparar meu erro e te colocar de volta no meu potinho.


 


 

A essa altura, minha crise já estava próxima do auge. Eu fazia sons que misturavam choro com um grito contido. Minha vontade era realmente a de berrar e destruir tudo em volta. Acabei esbarrando na pilha de panelas no escorredor de louça, e elas caíram. O estardalhaço serviu para duas coisas: primeiro, piorou meu estado, pois minha cabeça gritava “Olha aí, o que você fez, seu inútil”. Segundo, serviu para alertá-los, lá fora, de que algo estava errado. E foi a Jaqueline quem chegou primeiro, colocando a cabeça para dentro da porta da sala e perguntando por mim.

Olhei para ela, que se assustou ao me ver em meio a uma crise “do nada”. A única coisa que pensei em falar na hora foi:

O Lucas. Tira ele daqui, não deixa ele me ver assim, pelo amor de Deus, Jack! Não deixa ele vir aqui. Tira ele, não deixa, não deixa…

Fiquei repetindo isso como um disco quebrado enquanto agarrava meus cabelos e andava em círculos, desviando das panelas no chão. Ouvi ela perguntando o que aconteceu, em tom preocupado, mas logo em seguida ela se virou para fora e falou em tom afável. Era o Pinguinho, que tinha seguido a tia.

Não foi nada, amor”, disse ela, mantendo-o na varanda. “O Dáki só derrubou umas panelas. Vou ajudar ele a arrumar, tá bom? Volta lá com o papai.

Enquanto ela falava com ele, tapei a boca e o nariz para que meu som de desespero não escapasse sem querer. Se o Lucas me visse daquele jeito, eu iria querer desaparecer do mundo. Ele é pequeno demais para ver alguém ter um surto psicótico. Minha aparência fica tão alterada que ele certamente teria medo de mim. Eu saio de meu normal, e parece que um demônio realmente tomou conta.

Bom, em seguida a Jaqueline entrou e me abraçou. Acariciou meus cabelos (ou os penteou com os dedos, não tenho certeza) e disse que estava tudo bem, que ela estava ali.

Mas não estava tudo bem. E talvez fosse o fato de ela estar ali, saindo do padrão dela para ajudar um babaca desesperado, que piorasse tudo. Eu sabia que estava atrapalhando. O expediente já havia começado, e lá estava eu, tendo a porcaria de uma crise para atrapalhar a vida de todos. E este pensamento não fazia com que eu simplesmente parasse de ter a crise e voltasse ao normal. Eu bem que queria, mas a coisa vem forte, amiga. Vem forte e toma todo o meu ser, como se algo de fora me controlasse.

Ela continuava me penteando num abraço, dizendo que estava tudo bem. A voz tranquila dela conseguiu ao menos fazer com que eu respirasse numa cadência mais humana, mas a coisa ruim ainda estava dentro de mim, fazendo eu querer meter a cabeça na parede, me arranhar até o sangue jorrar pelo chão. Eu cheguei a olhar para uma das facas que eu havia recém lavado, e me perguntei: “O que aconteceria com eles se eu passasse essa faca no meu pescoço agorinha mesmo?”. Apenas as cenas que se seguiram em minha imaginação foram o bastante para que eu voltasse a chorar.

Eu foderia com a vida deles, e não era isso que eu queria. Abandonei a ideia de fazer mais merda.

E foi nessa nova onda de soluços incontroláveis que o Jonas entrou em casa.

Jack, cadê ele? Que houve?”. Foi quando ele viu meu estado. “Ah, não… De novo, Isaac?

Percebi que a Jaqueline deu algum tipo de bronca silenciosa nele. Como eu estava abraçado a ela, não percebi o que foi. Mas meu primo estava certo naquela reação. Se eu me dividisse em dois, e minha parte sã me visse (se é que ela existe), eu diria a mesmíssima coisa que. Com a mesma entonação.

Eu mesmo já estou de saco cheio de mim mesmo.

Quer me contar o que desencadeou isso?

Em vez de falar qualquer coisa que eu pudesse me arrepender, peguei meu celular no chão, dei boas vindas aos novos trincados na tela (me amaldiçoando por dentro), e mostrei aos dois. Meu primo conhece a Hellen, por ela ter sempre morado na casa à frente da minha. Então ele já conhecia a peça. Sabe como ela é, e tem uma leve noção de como eu era tratado no passado, porque via.

Enquanto ela lia (e ouvia meu áudio desesperado), manteve a expressão serena. Mas teve uma hora que ela torceu os lábios. Certamente quando viu que a Hellen a chamou de fresca vadia, e insinuou que os Belson são interesseiros. Quando terminou de ler, suspirou. Olhou para o noivo.

Môr, liga pra essa guria e dá um jeito de ela não dar as caras por aqui.

Com o meu próprio telefone, ele se afastou, e percebi que começou a conversar com ela enquanto eu e minha cunhada assistíamos de longe. Notei que a Hellen atendeu bem rápido, provavelmente pensando que fosse eu. A voz do Jonas se alterou em alguns momentos. Deu pra notar que estava irritado, mas não ouvi as palavras exatas. Pouco tempo depois ele voltou e apoiou uma mão em meu ombro:

Resolvido. Ela não vai vir, pode ficar de boa. Não precisava ter essa reação toda só por causa da tua ex vizinha, primo.

Môr, não força a barra… Fecha a floricultura, pega o Lu e vai dar uma volta bem demorada no mercado. A lista de compras está na geladeira.

Falou… Percebo quando não sou bem vindo…

Nessa hora a Jaqueline saiu do meu lado e foi até ele. Segurou-o pelas bochechas e deu-lhe um beijo.

Não, meu anjo… É que você fala umas coisas ásperas às vezes, e o momento é delicado, tá bom? E preciso que alguém confiável e incrível cuide do Lucas.

Ele deu um riso sem graça, e veio até mim. Bagunçou o cabelo que a Jack havia penteado com os dedos.

Vê se fica bem, primo. Volto mais tarde.

Ele tem esse jeito meio sincerão que irrita às vezes, mas gosto dele. Essa fala antes de ele sair me fez sentir um por cento melhor. Para demonstrar gratidão, forcei um sorriso que não convenceu a ninguém.

Quando ele saiu, afastei as cortinas novas para espiá-lo pela janela. Ele se afastou e, lá longe, perto do portão, falou com o Nicolas. Como a distância da casa até a entrada é grande, não deu para ouvir nada. Mas consegui perceber certa preocupação no rosto do Nicolas. Ele veio rápido na cadeira de rodas enquanto o Jonas animava o Pinguinho para um passeio. Fiquei sabendo depois que eles passaram também na sorveteria, e que o Lucas recebeu uma aulinha de meu primo sobre somar o preço das coisas no mercado – detalhes como esse fazem eu perceber que ele realmente é perfeito para a Jaqueline.

Assim que o Nicolas chegou na frente da casa, fui ate lá e sentei num dos degraus de madeira. A segunda onda de minha crise, a mais forte, estava na espreita. Esperava um momento de fraqueza para dar as caras.

Zak… Você está bem? O Jonas disse que teve uma crise só porque a Hellen disse que viria aqui. Mas… Não acho que tenha sido só isso”, ele falou, e inclinando em minha direção ainda confinado à cadeira de rodas. “O que realmente aconteceu?

Não tive coragem de olhar nos olhos dele. Percebi os passos da Jaqueline se aproximando, e se sentando ao meu lado.

Eu fiz aquilo com ela, logo depois de ter abandonado vocês num momento importante, na época do processo da guarda do Lucas…

Dáki, isso já passou.

Eu achei que tinha passado, mas não passou, não. Me sinto repugnante quando lembro que aceitei beber com ela, mesmo com vocês precisando de ajuda num momento complicado. E depois fiquei tão drogado que… Tsc… Vocês sabem

Eu não sei a cara que o Nick estava fazendo, mas a voz foi serena quando falou:

Zak, na semana que você voltou, conversamos sobre isso. Eu não estou mais bravo, não tenho mais mágoa. Eu também tive culpa ao me fechar, lembra? Então pare com isso.

Agora, vou falar uma coisa estranha, e que nem eu compreendo, amiga. Quando ele falou que também teve culpa, duas vozes gritaram dentro de mim. A primeira voz concordava, dizia que ele realmente tinha sido um cretino, se fechando e extravasando a tensão com um sexo frio como se eu fosse um boneco inflável. A outra voz fez meu coração martelar de dor – uma dor física, real – dizendo que eu deveria protegê-lo, e nunca fazê-lo se sentir culpado assim. Essa dualidade fez meu cérebro fritar. Eu não sabia o que pensar, nem como me sentir. Queria castigá-lo e ao mesmo tempo protegê-lo do mundo e de mim mesmo. Essa sequência de sentimentos, apesar de complexos, vieram num estalo de segundos.

Eu gritei:

Para! Para de falar que é culpado! Para! Você está com a perna desse jeito porque eu sou um retardado de ter feito tudo errado! Era pra eu estar assim, não você! E depois ele me estragou daquele jeito, Nicolas! Eu vi a forma como olhou pra mim! EU VI, PORRA!

Eu não lembro da cara deles, amiga. Não lembro de ter olhados para os gêmeos. Só o que me lembro é que estava tudo girando de novo. Comecei a olhar em volta, sabendo que a única forma de eu me sentir melhor seria me punindo por ter feito tudo aquilo. Por ter permitido deixar a situação chegar naquele ponto. Comecei a andar pelo terreno à procura de alguma coisa que tivesse uma ponta. Havia vários galhos no chão, mas todos fracos. Quebrariam com o impacto.

Eu sei que é ridículo. Eu sei que é insano. Mas eu não estava normal, amiga. A coisa estava ali, me rodeando, fazendo minha visão ficar turva.

O que está procurando, Isaac? Jack, vai lá, faz ele parar. Eu não consigo, a cadeira não chega onde ele está!

E quando ouvi a voz dela se aproximando, por algum motivo me apavorei. Ela iria me parar antes que eu aplicasse a punição que eu merecia. Então vi o tronco daquela árvore cheia de pontas. A mesma em que o desgraçado do Marcus me jogou, dando uma cicatriz em minha testa. Corri até lá.

Eu não queria outra cicatriz no rosto. Então calculei algum lugar no braço, ou na perna, para que a punição não ficasse visível. Eu estava com medo. O otário aqui estava com medinho da dor. Ridículo. Frouxo. Covarde. Esses segundos de hesitação foram meu erro. A Jaqueline me alcançou e me segurou. Mas eu me debati. Estava realmente fora de mim. Eu queria me punir por ter trazido tanta dor a eles. E me debati, tentando me soltar dos braços da Jaqueline. Ela é mais forte do que parece. Mas um movimento brusco meu fez com que nos desequilibrássemos.

Minha punição, o corte que era para ir em meu corpo, acertou o braço dela. O grito de dor da Jaqueline congelou meu espírito. Ela se machucou. Era o sangue dela que escorria, e não o meu. E mesmo assim ela voltou a me segurar, e me afastou da árvore de tronco pontiagudo.

Ela estava chorando.

Dáki, pelo amor de Deus, para com isso, Dáki… A gente ama você, e não quer te ver assim… Por favor, para com isso…

O choro dela não era pela dor do corte. Era por causa de minha existência na vida deles. Eu nunca ouvi a Jaqueline chorar. Desde que a conheci, eu nunca a vi daquele jeito. Mesmo quando estavam com o risco de perder a guarda do Lucas, a reação dela sempre foi a de uma leoa. Mas eu a fiz desmontar. Eu, um inseto imprestável, fiz a garota mais incrível do mundo desmontar. E o Nicolas, mesmo na cadeira de rodas, tentou vir até nós. Ele também estava alterado. Preocupação e desespero estampados no rosto.

O que aconteceu? De quem é esse sangue todo?

Agora posso dizer que o corte não foi sério, apesar de ter sangrado um bocado. Mas na hora aquele vermelho todo manchando a nós dois deixou meu namorado perdido. Ele não tinha como se levantar e correr até nós. Ele não tinha como me parar, então foi a Jack que continuou tentando me segurar enquanto eu gritava. Me ajoelhei, batendo a cabeça no chão. Eu não enxergava nada além da raiva de minha própria existência. E nem sei mais se eu chorava ou se eu rosnava de ódio. Era uma mistura dos dois. Uma cena bem feia de se ver.

Quando vi o Nicolas saindo da cadeira e começando a se arrastar no chão, corri até ele.

O que pensa que está fazendo? Volta pra porcaria dessa cadeira!

Zak

Eu não suportei o golpe que senti com o olhar triste dele. Não sei nem como descrever… Parecia desolação. Ele não sabia o que falar. Ficou quieto, olhando pra mim e para a irmã. Procurou em mim a fonte do sangue. A Jaqueline chegou, e segurou meu rosto.

Dáki, pare de tentar se punir por algo que não é sua culpa… Por favor, pare com isso…

Eles me olhavam como se eu fosse uma bomba relógio. Não sabiam qual fio cortar.

Parem vocês dois!”, gritei, me afastando. “Parem de se importar comigo, droga! PAREM DE SE IMPORTAR COMIGO! Não percebem que só estão se machucando? Saiam de perto de mim! SAI, JACK! PARA DE ME SEGURAR!

Ela se afastou. Colocou uma das mãos sobre o ferimento, e continuou chorando, sentada no gramado, suja de terra e sangue. Foi com um aperto no coração que notei que o Nicolas também chorava, mas de forma contida. A visão dos dois daquele jeito, olhando para mim, fez eu me sentir cada vez pior. Cada vez pior… Pior… Pior… Pior.

O que eu posso fazer para te ajudar, Zak? Por favor, me fala como posso te ajudar

Eu quis morrer. Olha só a dor que eu estava causando para as pessoas que eu sempre digo amar. Eu não mereço nem um pingo de tudo o que eles dão para mim. Esse amor todo, não sei o que fiz para merecer. Porque o que eu merecia, recebi do Marcus. Às vezes acho que ele deveria ter puxado o gatilho daquela arma. Ao menos acabaria ali mesmo a dor de todos. Eles não teriam que lidar com um problemático quebrado como eu. Eu não seria a causa de eles sofrerem mais. Não haveria mais crises.

Zak… Como posso te ajudar?”, ele tornou a perguntar.

Mas eu não sabia a resposta. E ainda não sei. Na verdade, não há nada que ele realmente precise fazer, porque eu é que tenho que carregar essa cruz. Sozinho.

Por favor, Zak” ele pediu, com voz embargada. Como é triste ouvi-lo falar assim.

Um ser quase imperceptível, dentro de minha cabeça, sussurrou que eu deveria parar de fazer aquilo. Que poderia ser pior se eu continuasse. Acho que era minha consciência, dando o ar da graça. Um resquício de sanidade que conseguiu se sobrepor à loucura naquele breve instante. Acho que percebi que, se eu seguisse naquele ritmo, poderia causar algo irremediável. Isso me deu uma onda de pavor. A verdade é que não quero morrer, amiga. Acho que já te falei isso algumas vezes, não é? Apesar das coisas que faço contra mim, me ferindo, eu não quero morrer. E também não quero vê-los daquele jeito. Não quero nunca mais ver a Jaqueline sem saber como agir. Ela, que sempre tem uma resposta para tudo, que sempre está preparada, ficou estática, chorando ao ver meu estado deplorável.

Acho que foi isso, misturado ao meu medo de causar algo irreparável, que fez com que eu desmontasse no chão, e desligasse. Perdi a consciência. Foi estranho demais. Tudo escureceu e eu simplesmente… Puf. Quando voltei a abrir os olhos parecia que uma eternidade havia se passado, mas a Jack disse que foram apenas uns quinze segundos. Coisa rápida. Ela me ajudou a levantar, mas não tive força nas pernas.

Zak, vem aqui”, pediu o Nicolas, e fui parar no colo dele. Ficamos ambos na cadeira de rodas, que a Jaqueline conseguiu empurrar até a varanda de casa.

A sensação que eu estava em meu corpo era estranha. Parecia que somente uma parte muito pequena de consciência estava presente. Apenas o suficiente para eu saber que estava vivo. O suficiente para eu entender que duas pessoas incríveis estavam se importando mais do que deviam com um garoto de tendências suicidas. Um garoto quebrado por dentro, com um peça que veio fora do lugar desde o nascimento.

Consegui subir as escadas, mas precisei de um esforço maior que o normal. Minhas pernas pareciam gelatinas, e todo o meu sangue parecia veneno dentro de mim, pois tudo ardia… Só depois fui descobrir que estava com febre alta.

Você precisa de um banho, Dáki”, disse a Jaqueline, com voz mais calma que suas feições. “Consegue ficar em pé? Nick, fica com ele, e me chama se acontecer algo.

Eu apenas ia fazendo o que me pediam. Eu realmente estava fora do ar. Era como se algum espírito tivesse dado uma injeção de falsa tranquilidade em mim. E digo “falsa”, porque eu não estava verdadeiramente calmo. Era apenas uma letargia generalizada que havia me tomado por inteiro. Parecia que eu assistia tudo de fora, como espectador.

Usei o pouco da força que me restava para ficar em pé durante uma ducha fresca. O Nicolas ficou um pouco longe, pois ainda estava na cadeira de rodas, mas ia me incentivando. E como eu estava altamente sugestionável, fazia tudo o que ele pedia. Se naquele momento ele falasse para eu lamber o sabonete, eu o faria, de tão aéreo que estava. Quando acabei, e me enrolei na toalha, minha presença foi voltando aos poucos. Isto é, a minha consciência de estar ali, dando trabalho e enchendo o saco deles no meio de uma terça-feira em que era para todos estarem trabalhando.

Culpa. De novo. Voltei a chorar, mas dessa vez mais contido. Não era o choro desesperado de antes.

Enrolado na toalha, me esforçando para ficar em pé no banheiro, murmurei:

Me desculpa… Ferrei com tudo…

Está tudo bem”, o Nicolas respondeu. “Não fique pensando nisso, ok? Aqui, vista essas roupas.

Peguei a bermuda e a camiseta que a Jaqueline havia trazido. Eram brancas. Não entendi de onde ela havia cavado aquilo, pois a maioria de minhas roupas são pretas, vermelhas, ou qualquer coisa num tom escuro. Eu devo ter ficado um tempo olhando para a camiseta, com cara de bobo, pois o Nicolas deu um riso fraco e comentou:

É minha. A Jack pegou um de meus antigos uniformes do mercadinho. Foi lá que te vi pela primeira vez. Lembra?

Sim. Era óbvio que eu me lembrava. Foi quando travei com uma pergunta simples do homem mais lindo que já havia cruzado meu caminho. Não respondi. Apenas o olhei com uma mistura de gratidão e pedido de perdão. A Jaqueline veio logo em seguida.

Agora é minha vez de tomar um banho, meninos. Nick, leva o Dáki pro quarto dele, tudo bem? Depois do meu banho vou lá conversar com vocês. Ah, e faz ele tomar isso. É dipirona.

Ela foi bem enfática ao falar do meu quarto. O lugar que eu havia cedido para ela ficar antes de se casar. Quando cheguei lá, percebi que nos poucos minutos em que tomei meu banho, minha cunhada havia tirado suas coisas do local. Era meu velho quarto novamente, mas com um extra: as coisas do Nicolas também estava lá, junto com um colchão extra, encostado na parede.

Não tive forças para perguntar. Me sentei na cama, e desmoronei no travesseiro. Ainda com os cabelos molhados. O Nicolas deu um impulso nas rodas da cadeira, e parou do meu lado. Segurou minha mão, e ficou me olhando. Havia uma seriedade misturada à tristeza. Senti como se ele estivesse olhando para um enfermo grave – e provavelmente era isso mesmo, porque me sinto doente. Ele passou a mão em minha testa, e tirou o comprimido da cartela.

Toma, isso vai ajudar com a febre.

Engoli o remédio enquanto minha mente repassava as coisas que fiz. Olhei para o relógio e me assustei ao notar que já passava da uma da tarde. Quanto tempo fiquei mergulhado naquela crise? Eu não sabia. Mas sentia uma dor de cabeça terrível. Creio que por causa do choro excessivo. Parece que quando fico daquele jeito, sobrecarrega alguma coisa dentro me minha cabeça. Não é à toa que fico com a cara vermelha e inchada quando choro. E o resultado depois é a dor de cabeça explosiva. Latejava a ponto de eu ouvir um zunido em meio ao silêncio sepulcral. O único som ambiente era dos pássaros, do vento nas árvores, e do chuveiro da Jack. O Nicolas, depois de uns minutos me olhando, adquiriu uma postura de boneco de cera, fixando os olhos num canto do quarto.

Nunca, desde que o conheci, vi a aparência dele tão esgotada, amiga. Nem naquela noite em que tudo aconteceu. Era como se, naquele momento, ele tivesse uma alma centenária enclausurada num corpo de vinte e cinco anos. E tudo porque eu sou um imbecil depressivo.

Eu queria pedir para que ele falasse alguma coisa, nem que fosse para me xingar. Que não mantivesse aquele silêncio horrível. Mas fiquei quieto. E meu namorado também. Meu maior medo era que ele estivesse pensando em terminar comigo. Se afastar. No fim das contas, ainda sou um egoísta mesquinho e carente. Reconheço isso sem um pingo de orgulho. Aliás, acho que você é a única para quem admiti isso, amiga. A única.

Quando o som do chuveiro cessou, ainda demorou um tempo até que a Jaqueline entrasse no quarto. Só depois eu soube que era porque ela falou com o Jonas ao telefone, pedindo para que enrolasse mais um pouco com o Lucas na praça. Quando ela entrou no quarto, tinha uma faixa enrolada na região do [bíceps] onde fizera o corte. O primeiro som que o Nicolas produziu depois de todo aquele tempo foi:

Não vai precisar dar ponto?

A Jack forçou um riso enviesado, e fez que não com a cabeça. Deu uma piscada, tentando voltar a ser a garota despreocupada de sempre, mas até um palerma como eu notou que não era natural. Ela trazia uma cadeira lá de baixo, de nossa mesa de jantar. Colocou perto da gente, e sentou. Meu coração ficou apertado. Ela se inclinou em minha direção e passou a mão em minha testa, constatando que ainda estava febril. Perguntou se eu estava melhor.

Eu teria um discurso para falar, questionando o que seria “sentir-se melhor”, mas não quis ser mais cretino com os dois do que já estava sendo. Então apenas murmurei:

Uhum

Ao menos, eu não estava mais com ganas de me jogar no tronco daquela árvore espinhuda. Não tinha mais vontade de fazer meus membros sangrarem, nem de bater com a cabeça na parede. Mesmo porque, ela já estava doendo demais. Aliás, ainda dói um pouco, enquanto te escrevo este e-mail.

A primeira coisa que a Jack falou foi:

Acho que vocês perceberam que tirei minhas coisas desse quarto né?

Eu, que já havia notado, respondi:

Não precisa fazer isso. Pode trazer de volta. Eu durmo na sala.

Não, Dáki. Aí é que está: você precisa de uma vida normal, e isso começa com o lugar onde você dorme. Eu trouxe as coisas do meu irmão também, mas… Aí vocês podem conversar e ver se ele realmente vai ficar aqui, ou não. O que não pode é continuar com você não tendo seu quarto em sua própria casa, Dáki. Eu fui tonta demais em ter aceitado. Na época não achei que faria diferença, mas faz. E muita.

O Nicolas, até então apenas ouvindo, disse:

Zak, eu posso continuar com o Lucas, se for melhor para você. Mas se quiser, posso começar a chamar esse quarto de meu, também.

Meu olhar estava fixado num ponto da parede de madeira.

Eu não tenho o direito de escolher porcaria nenhuma…

Ele ficou bravo.

Isaac, ouça o que você está dizendo! Pare de se tratar assim! Me ajude a te ajudar, cacete! Eu quero saber se você quer que eu fique, porque se minha presença for ser pior para você, então é melhor que eu continue no quarto do Lucas, porra!

A essa altura você deve saber que para o Nicolas falar um palavrão que seja, ele precisa estar fora de si. O curioso é que não aparentava. No geral ele tinha um jeito calmo, mas os olhos demonstravam aflição.

Eu não quero”, murmurei. Devo ter soado enigmático, porque os gêmeos não entenderam. Então repeti, e completei: “Eu não quero que você saia daqui, Nick… Se não for horrível demais estar perto de mim, então pode ficar. Mas apenas se você realmente quiser… Não quero que durma no mesmo quarto que eu só por pena.

Para ser sincero, quando ele cogitou de me deixar sozinho para dormir no outro quarto, um aperto me tomou. Tê-lo dormindo num quarto separado, sendo que agora moramos juntos, me parece sinal de mau agouro.

Eu quero ficar porque gosto de estar perto de você, Zak…

Ele se inclinou e apoiou a cabeça em minha testa. Segurei a camiseta dele, e senti que voltei a chorar. De novo. Dá até raiva de estar escrevendo isso para você, amiga. E isso porque ao relatar tudo vejo como meu lado emocional é imaturo, molenga, e caindo aos pedaços. Bom, em minha defesa, digo que não foi um choro descontrolado. Apenas escorreram algumas lágrimas. Talvez de gratidão, não tenho certeza. Estiquei a outra mão e segurei a calça da Jaqueline, que me afagou.

A gente te ama, Dáki… Você foi entrando em nossas vidas de um jeito tão intrínseco, que agora faz parte da família. E queremos te ajudar… Isso me leva para a outra coisa que eu preciso falar.

Ela fez suspense. O Nicolas voltou a encostar na cadeira, e ambos me olharam como se eu pudesse explodir – e não lhes tiro a razão. Até eu tenho raiva ao perceber como sou instável, e como é fácil apertar o botão errado para que eu simplesmente comece a contagem regressiva da bomba.

Vou procurar algum terapeuta para você, Dáki.

Eu ri. Não achando graça, mas com certo deboche. E o deboche não era com minha cunhada, mas com os psicólogos em geral. Como vou confiar num completo estranho para contar as coisas íntimas que só conto para você? Eu simplesmente não consigo me imaginar conversando com quem eu sequer convivo. E a pessoa achar que tem o direito de falar como eu tenho que agir ou pensar, me irrita. Eu sei dos meus defeitos, sei onde estou quebrado. Não preciso que um terapeuta venha e aponte.

Não ria, Zak… Ela está falando sério.

O Nicolas tinha um olhar grave sobre mim. Eles devem ter conversado sobre isso em algum momento. E meu riso debochado sumiu tão rápido que me impressionei. Durou uns quatro segundos, e parou. Olhei para um canto, onde as coisas do Nicolas haviam sido organizadas, e perguntei:

Então você vai dormir na minha cama até sua perna ficar boa, e eu fico no chão, né?

Sim, eu desconversei de propósito. Mas era verdade que eu estava me perguntando sobre isso. Minha vontade era a de entrar no assunto da compra de uma cama de casal, mas achei que era informação demais para minha cabeça naquele momento. Aliás, ainda é.

Se você não se importar, é isso”, ele respondeu.

E não tem problema o Lucas ficar lá, sozinho? E você, Jack? Não vai ser ruim dormir na sala até o dia de seu casamento?

Quanto ao Lu, ele vai acostumar. Assim como você, Dáki, ele também precisa ter certa individualidade. Você e meu irmão são um casal”, disse ela, olhando para o Nicolas. “Por isso é importante que tenham a intimidade de vocês. Um cantinho dos dois que não seja o quarto de uma criança ou uma sala comunitária. Um lugar que possam trancar e viver num mundo à parte. Acho que você precisa disso, Dáki. Precisa mesmo.

É, ela tinha razão. Eu permaneci quieto, e vi um sorriso surgindo no rosto do Nicolas. Era um sorriso tímido, fofo, e naquele momento tive a certeza de que ele realmente queria estar comigo.

É estranho… Esses vários Isaacs dentro de mim às vezes querem me ferrar, e às vezes afagam meu ser. As certezas destoantes de minhas versões só me deixam confuso, porque tem hora que tenho a certeza de que não valho o ar que respiro, e tem aquelas horas, como essa que estou contando, em que o sorriso de meu namorado faz eu agradecer por estar vivo. E acho que foi esse lado menos sádico de mim que fez com que eu voltasse naquele assunto delicado:

Sobre a terapia, vou pensar. Mas não me arrastem para uma internação igual fizeram com a Sônia, por favor. Quero que seja no meu tempo. Eu ainda não sinto que estou pronto para falar com um estranho sobre minhas coisas.

Meu lindo”, disse a Jack, me dando um beijo em cima da cicatriz da bochecha. “Pode pensar, mas não deixarei que se esqueça, tá bom? E não vou arrastar você à força com uma condição, Dáki… Não faça mais o que fez hoje. E saiba que estou falando sério. Da próxima vez que você levantar um dedo que seja contra si mesmo, vou te levar à força, mesmo que eu tenha que te amarrar”. Dei risada e olhei de um para outro. Nenhum dos dois acompanhou meu riso. “Não, Dáki. Não é brincadeira. Estou falando sério mesmo. Se você tentar se machucar outra vez, eu e o Jon vamos dar um jeito de te salvar de si mesmo. Hoje foi só meu braço que teve um corte, mas não sei do que você pode ser capaz se houver outro descontrole. Você pode acabar deixando a gente, Dáki, e isso eu não suportaria. Por isso estou avisando: se tentar de novo, eu não vou deixar passar. Te levo à força, e eles vão te encher de remédios.

Nessa hora voltei a desfocar meu olhar, matando aquela risadinha besta de quem pensa que algo grave é piada. Minha memória começou a coletar aqui e ali os vários momentos em que quase fiz uma merda irreparável, e a culpa estava voltando a dar as caras, quando minha mão foi puxada na direção dos lábios do Nicolas. Ele a beijou, de olhos fechados. Beijou várias vezes meus dedos, e depois voltou as esmeraldas para mim.

Não é isso que a gente quer, Zak. Por isso, tente não se agredir de novo”. Ele suspirou de forma dolorosa. Em seguida, a voz veio embargada: “Você não tem noção do que eu sinto quando faz essas coisas contra si mesmo… Tente se colocar em meu lugar por um segundo, Zak… Como você se sentiria se me visse fazendo aquelas coisas? Eu fico me sentindo um inútil, porque não consigo te ajudar… Não consigo fazer você parar… Tudo o que falo nesses momentos só piora a situação. Fico impotente, e me dá um desespero em pensar que posso te perder por minha própria incompetência em te proteger de si mesmo! Me dá um pavor saber que não posso deixar você sozinho, sabendo que algo horrível pode acontecer por seu próprio descontrole! Tem noção do que é ver a pessoa que mais amo se batendo e se ferindo, Zak? Tem noção do que é essa sensação de responsabilidade que tenho com você, como se eu não pudesse tirar os olhos um segundo que algo terrível vai acontecer? Eu não quero ter medo de te deixar sozinho, Zak… Não quero ter a sensação de que uma das pessoas que mais amo está o tempo todo a um passo de desaparecer… Por isso, por favor… Prometa que não vai mais tentar essas coisas contra si mesmo! Eu não aguento mais… Isso está me destruindo por dentro, Zak… Dói demais… Por isso, se você tentar de novo, não vou me opor a te internarem de forma compulsória…

Nesse ponto, ele já não segurava o pranto. E isso me levou a acompanhar, deixando que meu travesseiro ficasse encharcado. Ouvir essas palavras do Nicolas foi difícil. Doeu demais, e fez eu me sentir o pior ser humano do mundo. Mas, ao mesmo tempo, fez eu me colocar no lugar dele pela primeira vez. Eu nunca tinha feito isso, ao menos não de forma tão intensa, ouvindo da boca dele como realmente se sentia. Se abrir daquele jeito não é do feitio do Nick, e me surpreendeu quando ele fez isso.

Desculpa”, foi a única coisa que consegui dizer. Se eu falasse mais, em vez de palavras sairia um berreiro doloroso.

Dáki… A gente quer o seu bem”, disse ela, baixinho. Concordei com a cabeça. “Vai se preparando mentalmente para a ideia de conhecer um psicólogo.

Ainda não… Por favor, me dá um tempo!

O Nicolas, que conseguiu retomar um tom de voz controlado, olhou para a irmã e depois para mim:

Tudo bem, mas isso vai ter que acontecer, Zak. Você tem guardado coisas demais aí dentro. Mesmo que sempre escreva naquele diário, eu gostaria que começasse a contar mais de seus pensamentos para mim. Dessa forma, além de eu começar a entender a forma como sua mente funciona, você também pode treinar se abrir para alguém que está na sua frente.

Por um momento, fiquei sem saber o que dizer. Eu sei que ele sabe de meus e-mails para você. Bom, quero dizer… Talvez ele não saiba os detalhes, como o fato de eu realmente direcionar minha conversa a uma amiga espiritual. Mas ele sabe que eu escrevo sobre meus tormentos, e eu já sabia que ele sabia. Só que, quando ele fala a respeito, fico sempre chocado.

Posso tentar… Mas não sei se eu conseguiria falar tudo da forma como escrevo.

Não precisa ser igual… Apenas converse mais comigo e guarde menos essas dores para você. Por favor…

Fiz que sim com a cabeça. A Jaqueline suspirou e colocou a mão no peito. Sorriu.

Posso pedir para o Jonas voltar com nosso pitoco, e trazer algo bem gostoso pra gente comer?

Uhum… Mas fala pro Lucas que estou doente, tá? Não deixa ele entrar aqui, por favor… Não quero que ele me veja assim.

Agora pensando, acho que nem foi mentira dizer ao Pinguinho que estou doente. Afinal, estou me sentindo assim de verdade. Parece que algo sugou toda a minha energia. Estou quebrado, com dor de cabeça, e um resquício de febre. Sem falar dos pensamentos mórbidos que às vezes surgem do nada.

Meu primo voltou com três pizzas enormes para nossa janta. Três! Eu comi no quarto, sentado no chão da sacada, e o Nicolas fez questão de ficar comigo. A Jack e o Jonas comeram na mesa com o Lucas, lá em baixo, como seres humanos normais.

Enquanto eu mordia os pedaços da pizza, pedi algo que o Nicolas achou inusitado:

Me fala sobre as coisas que você estuda na faculdade de Engenharia da Alimentação.

Ele arregalou os olhos, e segurou a pizza suspensa diante da boca. A cena me fez rir um pouco, e ele acompanhou a risada. Eu sabia que era um pedido estranho, mas eu precisava mesmo me distrair com qualquer coisa que não fosse a minha realidade.

Como estou de férias, as coisas não estão na ponta da língua, mas… Digamos que tudo começa com…

E ele começou a falar de coisas relacionadas a química e a genética. Fiquei surpreso ao notar que compreendi uma coisa ou outra, e que minha mente não estava tão embotada quanto eu pensava. Acho que os dias que passei ajudando ele a estudar para o vestibular ajudaram nisso.

Depois de uns quatro pedaços de pizza (e nem sei como consegui comer tanto) continuei sentado na sacada. O Nicolas tomou o banho dele, numa cadeira de rodas diferente (uma que pode molhar), e disse para que eu descansasse. Mas o que aconteceu é que peguei o notebook e comecei a escrever para você. Quando ele saiu do banho, sorriu para a cena e se deitou em minha cama. No fim das contas, é ele quem está dormindo, e eu estou até agora escrevendo enquanto olho para as estrelas no céu escuro. O som dos insetos, à essa hora, faz com que a noite fique mais misteriosa. E aquela sensação estranha de infinito está dentro de mim, fazendo com que eu me sinta estranhamente calmo.

Tem vezes que a consciência de minha pequenez perante o universo me deixam deprimido. Mas em outras vezes, como agora, simplesmente faz com que eu me tranquilize. Fico tentando enfiar na cabeça que meus problemas também são tão pequenos quanto eu. Não que isso funcione, mas… Ajuda um pouco, sabe?

Enquanto eu escrevia esse e-mail tive momentos em que voltei a sentir raiva de mim. Mas relembrar as coisas às vezes ajuda a esclarecer.

Me vejo de longe, e percebo como sou ridículo. Como agi de forma infantil. E não adiantaria eu voltar para o Isaac de hoje cedo e falar essas coisas. Eu me mandaria à merda. E isso porque, na hora que a coisa acontece, não há lógica que sobreponha minha loucura. E é isso que tenho medo, ao imaginar que eu posso acabar tendo uma recaída, e sendo levado para uma internação.

Eu não quero isso, amiga. Não vou deixar isso acontecer. Não vou. Não vou. Não vou.

O dia de hoje foi intenso o bastante para eu saber que se acontecer de novo a gente pode quebrar por dentro. Alias, eu já estou todo zoado. Mas percebi que estou também afetando demais o Nicolas e a Jaqueline também.

Eles não merecem ver as coisas que viram hoje. Eles não merecem ver um Isaac perdendo o controle e agindo daquela forma.

Aiai, que merda de sentimento. Parece um lodo preso em meu estômago.

Não. Não é a pizza. Eu realmente estou com uma coisa ruim morando aqui dentro.

Bom, agora que consegui contar tudo, vou me deitar. Meu colchão está ali, ao lado da cama onde o Nicolas capotou há horas. Eu não estou muito a fim de pegar no sono, pois sei que aqueles pesadelos de merda vão tomar conta. Por isso, deixei alguns vídeos para assistir no celular.

É isso, minha irmã espiritual. Desejo que tenha uma noite sem sonhos ruins. É tudo o que eu mais queria nesse momento, e não consigo ter há quase um mês. Bye…


 


Notas Finais


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