História O Olho de Jade - Shae

Ainda sob os lençóis, Shae deu outra olhada no quarto. Era enorme e, mais cedo, ela havia ficado impressionada com a qualidade da madeira da cama e do guarda-roupas.

Claro, Shae já havia sido parte de uma família abastada também, mas os anos na miséria a tinham feito esquecer de como o luxo podia ser algo bom. Eve era louca de fugir disso.

Mas então se lembrou de que a outra garota passara boa parte da vida em um templo e não ali. Ainda assim acreditava que ela poderia ter fugido para aquela casa quando foi expulsa, pela forma como o homem que as recebera havia falado, parecia que eles a acolheriam.

Homem? Ele dê certo não era um garoto, mas também não parecia velho, talvez tivesse uns vinte anos. Tinha o mesmo cabelo ruivo da irmã e se observasse bem, os dois eram muito parecidos. Os dois pareciam muito ligados um ao outro.

Shae lembrou de seu próprio irmão, Petter. Agora ele teria quase a idade em que ela tinha quando ele morreu. Se sua vida tivesse sido poupada talvez agora eles tivessem uma amizade como aquela.

Tentando expulsar aqueles sentimentos de sua cabeça, se levantou. De que adiantava pensar naquilo agora? Nenhuma lágrima, nenhuma memória traria Petter de volta. Só havia uma coisa que poderia dar um jeito nessa dor.

Saindo do quarto, ela começou a descer as escadas. Esperava não encontrar ninguém pelo caminho, era uma estranha ali e não sabia a forma como deveria se comportar se os pais de Eve aparecessem. Vozes vindas do andar de baixo a fizeram parar.

— Ela não pode ficar aqui. — Uma voz feminina chegou até seus ouvidos.

— Mãe, não fique brava com Eve, ela passou por muita coisa — Liam respondeu.

— Eve passou por muita coisa? Pelo amor das deusas, Liam! Eu é quem passei por muita coisa. Eu. E a ingrata não conseguiu se aquietar no templo. Ela tinha tudo lá, por que teve que fugir? Se passou por muita coisa, foi tudo por culpa dela. Dela, está ouvindo? Eu fiz tudo o que podia. — A mulher voltou a falar. Parecia desesperada, a beira de lágrimas.

— Mãe!

— Não, Liam, não. Vamos leva-la de volta ao templo hoje mesmo.

— Você sabe que eles não a aceitarão. Você quer mesmo sentenciar sua filha à morte?

— Foi isso o que ela escolheu, mesmo depois de tudo o que eu fiz por ela...

— Querida. — Uma nova voz se intrometeu na conversa. — Acalme-se, assim que ela acordar nós conversaremos com ela e vamos tentar entender o que aconteceu. Ninguém dúvida dos esforços que fez, mas sabíamos que era um plano com falhas. Ninguém pode ser culpado agora!

Plano? Que plano? Será que Eve sabia sobre aquilo? A mente de Shae tentava assimilar o que ela ouvia com as coisas que sabia sobre Eve. A mãe a havia feito que aceitasse ser uma seguidora de Cersey aos doze anos e desde então ela vivera no templo, até se entregar a Kaylan. Em que parte da história esse plano se encaixaria? Estaria Eve mentindo?

Ela estava quase voltando para seu quarto, não queria correr o risco de ser descoberta bisbilhotando, quando a mãe de Eve voltou a falar.

— E aquela garota? Além de tudo, trouxe mais alguém.

— Tenho que admitir que não gostei da presença dela, mas temos que esperar Eve explicar tudo. — Shae não ficou surpresa com a declaração de Liam, ela tinha visto em seu olhar que ele não simpatizara com ela.

— Minha filha tola... Depois de tudo o que fiz por ela.

Shae não havia percebido o quão agarrada estava ao corrimão até que sua mão escorregou e ela bateu o braço no metal frio.

— O que foi esse barulho? — A voz do pai de Eve se aproximava.

Não demorou para que ela se visse encarando três pares de olhos. Ela queria desviar o olhar, mas seus olhos a traíram e ela se pegou observando a mãe de Eve. A mulher de olhos verdes e cabelos ruivos, como os da filha, possuía um ar severo. O rabo de cavalo que usava acentuava esse aspecto que era suavizado pelo vestido branco feito de tecido caro.

— Desça — a mulher ordenou e logo se virou, chegara a hora de Shae dar explicações.

Apenas quando se sentou na poltrona ele prestou atenção ao pai de Shae. O homem possuía um rosto muito mais amigável, cheio de marca de expressão. Parecia alguém que sorria muito, apesar de estar com a cara fechada naquele momento. Decidiu que era a pessoa a quem dirigiria seu olhar durante o interrogatório, mas, quando a mulher começou a falar, foi obrigada a encara-la.

— Não sei o que minha filha te contou sobre nós, mas eu sou Lady Charlotte e este é meu marido Lorde Elias. Você já deve conhecer nosso filho Liam.

Shae assentiu, sem conseguir responder com palavras.

— E você, quem é?

Shae continuou em silêncio, com medo de que sua voz falhasse.

— Segundo Eve, seu nome é Shae — Liam respondeu por ela.

— Shae? Hm... Não perguntarei seu sobrenome, pois você não me parece disposta a responder. Mas espero que entenda que está em minha casa e, portanto, vai me contar o que eu quero saber, não me importa os métodos a que terei que recorrer para isso. Entendeu?

— Querida. — Lorde Elias tentou chamar a atenção da esposa, que o ignorou.

— Também não me importo com quem você é. Só quero saber por que está com a minha filha e o que vocês fizeram. Por que se Eve voltou para csa, ela deve ter feito algo muito grave.

Ela permaneceu calada. Charlotte era, no mínimo, intimidadora e Shae não queria dizer nada que pudesse colocar Eve em problemas maiores ainda.

— Por que não perguntam isso para mim? — Todos os olhares se voltaram para Eve e, mais uma vez, Shae se sentiu aliviada em vê-la.

Não ser mais o centro das atenções, fez com que a tensão em Shae se dissipasse e ela finalmente pudesse dizer algo.

— Por favor, não brigue com a sua filha. Ela não fez nada de errado!

Lady Charlotte lançou mais um olhar para a garota e, novamente, ela se calou.

— Está tudo bem, Shae. Já estava mais do que na hora de termos essa conversa, não é mesmo, mãe?