História O Outro Lado de Pan - Garotos não voam

Era uma quinta-feira chuvosa, quando acordei no meio da noite, deitada sobre o sofá acolchoado embaixo da janela. - O que eu fazia ali? Estou tão cansada que acabei dormindo aqui mesmo - imaginei soltando um longo bocejo, enquanto coçava de leve minhas pálpebras com o dorso da mão.

Me levantei, abri uma das portas do armário com delicadeza, peguei uma coberta de lã. Fechei a porta, ajeitei o travesseiro e me deitei na cama. Estava escuro demais para ir até meu quarto e eu não tinha intenção de acordar meus irmãos, então fiquei por lá, observando o voal da janela se mover de leve, fazendo um balanço suave que ia apaziguando minha mente e me fazendo fechar as vistas.

Acordei novamente, dessa vez meio assustada, senti uma sensação estranha em minha bochecha, parecia ter sido tocada. Levei a mão até as maçãs e alisei meus dedos sobre elas. Aventurei meus olhos sobre o cômodo em busca de sinais, mas como era de se esperar, só vi o vento encanando.

Ao fechar os olhos me senti estranha, vigiada, então quando abri eles novamente, me assustei ao encontrar um menino flutuando sobre mim. Me sentei depressa pensando em gritar, mas ele recuou, então virei bruscamente pro lado e comecei a tatear o abajur desesperada. Quando a luz iluminou o cômodo, a figura desapareceu, me deixando sozinha e apavorada. 

Cerrei os olhos com força e passei a mão na testa preocupada, depois os abri os olhos receosa, confirmando a ausência de qualquer ser além de mim. Permaneci alguns segundos sentada, ainda chocada com o que tinha acabado de acontecer e corri até a janela para fechá - la. Voltei até a cama, me cobri até a cabeça e comecei a repetir meu mantra "Pensamentos felizes te fazem voar, pensamentos felizes te fazem esquecer...". Acabei por dormir pensando no menino voador. 

No outro dia, acordei com o barulho de passos. Eram Ana, a governanta, e Lucy, a arrumadeira, que entraram no quarto com vassouras e produtos de limpeza nas mãos. Eu me virei para elas com um sorriso forçado, devido às circunstâncias, mas doce. Ana e Lucy paralisaram diante da porta, até Ana decidir se manifestar:

- Senhorita Katherine? O que faz aqui? Achamos que a senhorita só ia se mudar para o quarto de sua irmã, na semana que vem.

- É... não se preocupe Ana. Não tenho a intenção de dormir aqui nos próximos dias. Ontem resolvi...ahn.. visitar o quarto!  Acabei pegando no nosso sem querer.

Ela me olhou de maneira desconfiada, mas acabou por aceitar, então me retirei depressa.

Durante a tarde, fiz minhas obrigações e depois fiquei pensando no ocorrido da noite. Lembrava somente dos olhos do rapaz, grandes, castanhos e curiosos. No fim me convenci que o acontecido era obra do cansaço, afinal ele voava!! E garotos não voam! Mesmo com a cabeça cheia de dúvidas, decidi não pensar mais naquilo.