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História O Preço da Adoração - Capítulo 20


Escrita por: rbmutty

Capítulo 20 - Capítulo 20


A mansão nem estava concluída e minha família já decidiu se mudar. Eu não reclamaria da pressa, claro. O cheiro de tinta e o barulho dos pedreiros não se comparava ao fedor de peixe da nossa antiga vizinhança.

Nossos quartos já estavam quase concluídos, e construí o meu como o lugar dos meus sonhos: um amplo ambiente com cama king-size, sofás de grife, tapete de lã de alpaca e um terraço com piscina, que ainda estava em obras.

Aquele quarto talvez fosse a única coisa na minha vida que eu podia chamar de sonho, mesmo que a inspiração tenha vindo das diversas mansões que frequentei, e por razões nada agradáveis.

Eu acariciei os lençóis de algodão egípcio, macios e geladinhos apesar do calor lá fora. Cada almofada, cada taça de cristal na adega, cada luminária… tudo resultado do meu esforço.

Talvez eu devesse sentir nojo, porém mal conseguia segurar o riso. Eu tirei do bolso os meus fiéis dadinhos vermelhos e levantei contra o sol, fazendo a luz dançar dentro do plástico colorido. As palavras obscenas brilhavam conforme o mover dos meus dedos.

Alisson ficaria tão impressionado. Ele me imploraria de volta e então eu sentiria aquele calor de novo. Aquela pequena luz quente que me fazia sorrir.

Meus breves devaneios foram interrompidos por uma batida na porta. Eu rapidamente guardei meus dados na bermuda.

“Michel. Que milagre te ver tão cedo.” Meu pai entrou e sentou na minha cama. Ele trajava seu terno e gravata favoritos, feitos sob medida. “Não vai dormir na namorada, hoje?”

“Hum, nós... terminamos.” Eu vasculhei a mochila, inexpressivo. “Mas tive uma reunião com a dona Cícera. O Clube de Equitação exibirá o logotipo da loja nas próximas dez corridas.”

Eu entreguei o contrato assinado ao meu pai, que sorriu ainda mais.

“Incrível, meu filho. Você herdou meu talento aos negócios.”

Eu mantive uma expressão congelada, se eu tentasse rir talvez chorasse por acidente. Enquanto meus pais não soubessem, tudo ficaria bem. E eu era ótimo em manter segredos.

Deixei escapar um suspiro, e isso fez o pai segurar meu ombro, com um sorrisinho complacente no rosto.

“Escuta filho, esses romances de juventude são complicados mesmo. Traga suas namoradas uma hora, sua mãe adora cozinhar para…”

“Preciso dormir, foi um dia cansativo.” Falei, livrando-me de sua mão. “Manda o mordomo preparar a hidromassagem.”

“Já? Mas a sua mãe cozinhou um delicioso… “ ele continuou. Não aguentei e dei uma encarada feia, o calando. “Tudo bem. Ela pode congelar de novo. Bom descanso, filho.”

O pai fechou a porta, e pude enfim me jogar no colchão.

O teto ondulou na minha visão, ainda estranha pela picada de antes. Logo eu precisaria de mais, mas ainda mais importante era tomar banho e me livrar daquele cheiro.

Eu me decidia entre levantar ou simplesmente apagar por dois dias, quando bateram na porta de novo.

“Não quero jantar, que merda!” Rosnei, por pouco não arremessando a mochila na porta.

Minha mãe entrou, doce é um pouquinho assustada.

O sorriso da mãe relaxou meus nervos, mesmo que só um pouco. Ela sempre foi dócil e distraída, mas era difícil me perguntar como ela nunca percebeu as olhadelas e risos das outras senhoras, que frequentavam os mesmos chás beneficentes.

“Que foi, mãe?” Eu me levantei e desci as mangas dá camisa, temendo revelar alguma agulhada.

“Deveria comer alguma coisa, filho. Seu rosto parece um papel, tão branquinho…” Ela folheou os envelopes em suas mãos, e me entregou alguns. “Estas cartas chegaram hoje para você. Posso pedir que a criada traga um prato de...”

Três cartas, eu constatei entediado, lendo o remetente da primeira. Quando Kandi desistiria de falar comigo? Todo mês ela mandava alguma coisa, já deveria ter percebido que eu nem olhava. Eu não precisava da amizade dela e nem de ninguém.

A segunda carta também era dela, óbvio, e eu previa o mesmo para a terceira, mas então meu sangue congelou nas veias.

“Quero ficar sozinho, mãe.” Falei seco, com o coração zunindo no peito.

Uma carta do Alisson.

Minha mãe falou qualquer coisa, mas eu já não ouvia, ensurdecido pelo bater do meu próprio coração.

Era um envelope pardo comum, como o que ele enviaria à própria mãe. A ausência de selos indicava uma entrega local. Alisson já estava em Orla das Sereias? Ele mandou entregar pessoalmente? O que ele queria? Minhas mãos tremiam.

Assim que a mãe deixou o quarto eu rasguei o topo e encontrei um segundo envelope, mas este era preto e elegante, com um adesivo dourado fechando a aba.

Atrás, em rebuscadas letras douradas, havia o escrito Para Michel Goldapfel e família. A letra era elegante demais para ser do Alisson. Parecia coisa de calígrafo profissional.

Sentindo o suor descer pelo meu rosto, eu soltei o delicado adesivo e ergui a aba. Lentamente eu puxei o cartão no interior, estranhando a fita de cetim e estampas florais.

 

Convite

Convidamos à cerimônia civil do casamento de

ALISSON e SIMONE

A realizar-se às 20 horas do dia...

 

O cartão caiu das minhas mãos anestesiadas e escorregou para baixo da cama. Mas tudo bem, eu já havia lido o suficiente.

Tudo estava ótimo.

Eu comecei a rir, primeiro de mim mesmo e depois nem sabia do quê. Eu ri daquele quarto luxuoso, que o Alisson nunca conheceria, e daquele pôr-do-sol fantástico, que Alisson nunca veria, e do cheiro pútrido de talco impregnado no meu corpo, que o Alisson nunca descobriria, e me abraçaria, e diria que tudo ficaria bem.

Mas tudo estava ótimo, eu pensei acho que em voz alta, pegando os dadinhos e apertando na minha mão até a pele esbranquiçar e doer.

Tudo estava ótimo.

Tudo estava perfeito.

Tudo estava tão maravilhoso, que quando notei eu havia corrido da mansão até os pedregulhos negros além da praia.

Eu chutei uma pedra com tanta força que meu sapato rasgou. A pedra foi engolida pelas ondas, então chutei outra, e outra, até que a dor de fora distraísse da dor de dentro, só um pouquinho.

Minha garganta ardia de tanto gritar, mas não derramei uma só lágrima. Minhas lágrimas pelo Alisson já haviam secado há muito tempo.

“Tá tudo bem?” Perguntou uma voz de menina.

Eu me virei e percebi uma garota logo atrás de mim, olhando para meus sapatos destruídos.

Incapaz de responder, eu soltei com relutância as pedras nas minhas mãos. Nunca eu quis tanto machucar alguém, mas não podia agredir uma desconhecida.

“Que foi?” Perguntei, arfando.

“Ahm...” Ela enroscou o dedo no cabelo, corando. “Você é o filho dos Goldapfel, não é? Eu vi o projeto do shopping, vai ficar lindo.”

Minha respiração acalmou, e enfim entendi a situação diante de mim. Eu sorri com o canto da boca e desci meus olhos afinados pelo corpo da menina.

Shortinho, seios enormes esmagados pela blusinha amarela, cabelos longos e escuros ondulando até a cintura. Bastante sexy, para uma menina de uns quinze anos.

Percebendo meu olhar, a garota encolheu os ombros e avermelhou mais, cruzando os braços em frente ao peito. Havia um temor delicioso em seus olhos azuis, e eu lambi os lábios ao percebê-la recuar os mesmos passos que eu dava em sua direção.

“Como é seu nome, novinha?” Perguntei.

“Emily.” Ela gaguejou, enfim deixando eu me aproximar.

Eu dei uma risadinha, metendo as mãos nos bolsos e brincando com os dadinhos lá dentro.

“Se gostou do Shopping, vai adorar minha mansão.” Falei, saboreando aquela mistura de medo e curiosidade. “Gostaria de conhecer minha banheira de hidromassagem?”

“Eu... eu não sei... Tá meio tarde.” Ela baixou o olhar.

Contendo uma risada, eu ergui a mão para revelar o par de dados presos entre meus dedos.

“Tem certeza, novinha? Vou te ensinar um jogo bem divertido.”

Alguém me faça parar.

Como um peixe mordendo o anzol, a garota aceitou o pedido e sorriu empolgada. No caminho de volta ela até abraçou meu bíceps, e eu me diverti ao imaginar seus pensamentos. Ela devia se achar tão sortuda, mas o que ela entendia de sorte?

A sorte era daqueles que sabiam usá-la, e neste jogo o jovem aprendiz havia se tornado um mestre.

Eu guardei os dadinhos antes que certas memórias emergissem. A Surfe Somos Nós em breve se tornaria a maior empresa da região, e eu confiava que meu pai soubesse mantê-la no alto. Meus dias de negociação haviam chegado ao fim.

Naquele exato momento, Grande Alisson colhia os frutos de sua fama e poder. Estava na hora de eu fazer o mesmo e saborear minha própria vitória, tão doce quanto o xampu de cereja nos cabelos daquela menina.


Notas Finais


Dia de postagem dupla! O próximo capítulo será postado daqui a pouco.


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