História O Preço da liberdade - A Primeira fuga

Era manhã, o sol estava estalando, o dia estava bonito quando decidi fazer um piquenique no parque próximo à minha casa. Meu dia de folga merecia ser bem vivido, já que a rotina no laboratório era esgotante. 
Preciso passar no mercado e comprar algumas coisas, quem sabe um vinho para meu piquenique solitário - pensava  risonha comigo mesma, debochando da minha solidão enquanto abria as janelas da casa para deixar a brisa e o sol entrar.
Tomei um banho não muito demorado, vesti minhas roupas, desci e dei bom dia para o senhor Kang, meu vizinho de meia idade, que chegava de sua caminhada matinal. 
No mercado, peguei algumas frutas, dois lanches frios e um vinho. Fiz o pagamento enquanto olhava para fora observando o tempo. 
- Planejando um piquenique? - a senhora do caixa sorria gentilmente me perguntando observando minhas compras e ajudando a embalá-las. 
- Sim! - respondi animada - O dia hoje está maravilhoso, a senhora não acha? 
- Está sim, sortudo seu namorado que irá acompanhá-la. - Ela me dizia enquanto sorria de volta e eu apenas sorri em forma de resposta. 
Pobre mulher, mal sabe ela que não tenho tempo nem para isso - ia pensando enquanto saía do mercado.
 Apesar de estrangeira, sou totalmente fora do "padrão" coreano. Sei que chamo muita atenção devido meus cabelos cacheados, minha pele bronzeada e meus olhos de tom mel, claros. Não me importo com os olhares, mas sempre tenho a sensação de que estão cochichando sobre meu corpo, que é curvilíneo, ou meu estilo. Não faço questão de esconder que sou estrangeira, mas busco não ultrapassar os limites da cultura exibindo muito sobre mim.  
Já em casa, procurei minha cesta, um forro de mesa e alguma taça.
- Será que convido mais alguém? Levo mais alguma taça extra? - pensei encarando as taças
Não! Ficou maluca? Quem iria convidar? Se esqueceu completamente que não tem amigos aqui, por enquanto?  Meu eu interno relutava em chamar minha atenção.
- Eu me esqueço totalmente que estou sozinha aqui na Coréia.. - disse deixando um suspiro sair falando alto comigo mesma. - Bom, escolhas né?! Quem mandou querer "fugir" assim.. acho que para o outro lado do mundo, literalmente, foi um exagero meu - Gargalhei fazendo minha risada ecoar pelo apartamento. 
Terminei de arrumar a cesta e insisti em colocar uma taça extra só para me atormentar, busquei um chapéu estilo bucket em meu quarto, separei umas sandálias confortáveis de couro cru e correias finas para calçar. Como é verão, coloquei apenas um short jeans claro de cintura alta e uma camiseta uns 3 números maior que eu mesma. Não iria me encontrar com alguém, então não me arrumei muito. 
Caminhei até o parque, que tinha uma longa ponte de madeira logo na entrada. Andei por um bom tempo, até chegar em um lugar sossegado, onde quase ninguém passava. Atrás de mim havia um paredão alto de pedra coberto de musgo verde e muitas árvores, poderia escolher uma sem prolemas para montar meu piquenique embaixo.
Lugar perfeito para aproveitar esse dia - pensei.
A grama verde, o cheiro das árvores ao redor, o som de águas correndo, distante em algum riacho, me fez lembrar de alguns acampamentos que fiz na fazenda da minha família no Brasil. 
Que saudade de me reconectar assim... - pensei soltando um sorriso bobo, me espreguiçando. 
Estendi minha toalha quadriculada branca e vermelho, bem clichê de piquenique, fazendo-a pairar sob a grama como uma onda. Me sentei, apalpando a grama felpuda, tirei meus sapatos e comecei a organizar os lanches já abrindo o vinho e tomando um gole quando me deparei com alguém correndo. 
- Oi.. desculpa... eu posso... me sentar aqui... só por um momento??? - Ele me dizia com uma cara de afobação, respirando a cada palavra dita com as mãos no joelho em pose de descanso. 
- QUE?? - Eu disse totalmente assustada - O que tá acontecendo? 
- Prometo que vai ser rápido e te explico... desculpa - ele disse já se sentando em minha frente, tirando o moletom preto deixando uma camiseta branca se sobressair.  Se sentou em cima do moletom ajeitando o boné e colocando um óculos escuro que tirou do bolso. Tirou o tênis e os escondeu atrás da cesta. 
- O que você tá fazendo??? - eu perguntei indignada - Não  disse que poderia.. 
- Não diga que sou eu, só finja que somos um casal... - vendo minha face relutante ele continuou - por favor, é caso de vida ou morte! - Ele dizia muito aflito e eu apenas concordei com a cabeça fazendo-o se ajeitar na minha frente. 
Algumas pessoas passaram correndo, procurando por alguém enquanto ele estava sentado de frente para mim e de costas para eles.
- Oi, bom dia, desculpa estragar o momento de vocês, mas viram um homem correndo passar por aqui? - uma jovem parou e nos perguntou ofegante com um iPad mini na mão e uma câmera envolta do pescoço. 
O olhei, e ele estava totalmente desconfortável com a situação, se quer levantava os olhos.
 Deveria entregá-lo, ou não?