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História O Templo nas Sombras: A Rebelião das Três Irmãs - A Leoa de Atenas


Escrita por: MarchHare

Notas do Autor


Nhaaaaa, acho que esse foi o capítulo que eu mais gostei de escrever até agora! Espero que gostem!

Capítulo 10 - A Leoa de Atenas


 Dentro da velha igreja, Drew passou a mão pelos cabelos brancos ensopados e esticou as asas num espasmo que retirou as gotas de chuva de suas penas, molhando tudo ao redor. Ele olhou distraidamente as imagens e os vitrais antes que sua voz severa ecoasse por todo o espaço vazio.

- Aika...

De trás da grande estátua da Virgem Maria, a anja de volumosos cabelos brancos apareceu, seus olhos sem cor estudando o amigo profundamente. Eles conversaram em voz baixa e sem pressa, Drew evitava olhar nos olhos vazios da amiga, com medo de que ela previsse suas intenções. Ele lhe contou sobre Serena, sobre o selo e sobre a fracassada tentativa de execução.

- Eu e Ylua ficaremos na Terra, pelo menos até encontrarmos alguma solução. Você pode ordenar que os grupos da Sala dos Relógios de desfaçam e a rotina do Templo pode finalmente voltar ao normal. – Ele pediu para que Aika lhe contasse sobre o Templo e ficou satisfeito com o que a anja tinha a dizer. O silêncio se instalou depois que ela terminou de falar. Não era um silêncio confortável, Aika sabia que Drew estava ansioso com alguma coisa.

- Aika, eu... Eu não sei quando eu poderei voltar ao Templo. Pode ser que eu nunca mais retorne.

- Não diga bobagens.

- Eu falo sério. Ainda que eu retorne, eu não posso me dar ao luxo de esperar até que a vida humana de Serena se esvaia e abandonar o Templo sem um Mestre enquanto isso. – Ele fez uma pausa e pela primeira vez procurou os olhos da amiga. Como ela permaneceu em silêncio e fitando o nada, ele continuou. – Aika, ajoelhe-se.

- Não vou. – Ela disse imediatamente, sem se dar ao trabalho de olhá-lo.

- É uma ordem.

- Eu não vou obedecer.

No instante seguinte, Drew estava atrás da anja e golpeara seus joelhos com tanta força que ela caiu, apoiada no chão com as mãos em punhos, os olhos arregalados e a boca entreaberta. Quando ela tentou se levantar, sentiu a lâmina fria da espada de Drew contra sua nuca.

- Você sabe que é a decisão mais acertada, é a única coisa que eu posso fazer, não vou abandonar o Templo a própria sorte. Eles precisam de um Mestre. – A espada desapareceu da mão de Drew tão rápido quando havia aparecido. Ajoelhada no chão, Aika chorava.

 Acima da cabeça da anja, Drew estendeu a mão fechada em punho, de onde saía um brilho amarelado muito leve. Este brilho logo tomou a forma de uma adaga fina, que Drew usou para cortar a palma da mão de um lado ao outro, deixando que seu sangue manchasse os cabelos brancos de Aika enquanto ele murmurava versos muito antigos e impossíveis para um humano compreender.

 Era a primeira vez que Drew recitava aqueles versos e a dor que eles proporcionavam beirava o insuportável, como se toda a pele se seu corpo fosse arrancada de seus músculos.  Aika abraçara o próprio corpo e chorava e soluçava como uma criança, pois ela entendia o que aqueles versos significavam. Quando ele terminou de falar, o sangue terminou de escorrer e ele pediu que ela se levantasse. Quando Aika estava de pé, Drew se ajoelhou.

- Mestra.

Ao ouvir a palavra, Aika disparou um tapa tão forte contra o rosto do anjo que ele quase perdeu o equilíbrio.

- Você não tinha esse direito. – Ela soluçou, enxugando as lágrimas. Drew colocou-se de pé e a abraçou com força, e lá ficaram até que a anja parasse de chorar.

- E o que vai fazer agora? – Ela perguntou, desvencilhando-se do abraço.

- Visitarei a Leoa de Atenas.

Aika ficou um momento em silêncio, como que unindo mentalmente o nome, a imagem e a história e digerindo a informação.

- Tem certeza que é uma boa ideia?

- Tenho certeza que é minha única ideia, não sei mais o que fazer. Ela já nos ajudou antes, talvez ajude de novo.

- Neste caso, é melhor você ir agora. – Aika caminhou lentamente até a estátua da Virgem Maria, os saltos de suas botas ecoando contra as pedras do chão da igreja. – E, Drew? – Ela o olhou com severidade. – Quando você voltar ao Templo, eu recitarei estes versos para você.

Sem esperar resposta, Aika voltou para trás da estátua e, de repente, não estava mais lá. Drew saboreou a solidão por um momento antes de desaparecer por entre as pedras da igreja.

Uma lenda muito antiga contava que, em Atenas, se você tivesse um problema sem solução e alguma sorte, você talvez encontrasse o caminho para um jardim subterrâneo. Lá, além de um vasto lago cristalino e uma imensidão de flores e árvores frutíferas, você encontraria um templo não muito grande e eternamente com aparência de novo. Pode-se contar nos dedos de uma mão o número de mortais que encontraram este lugar, e o número de mortais que conseguiram voltar era ainda menor.

Para entrar no templo é necessário pagar um preço àquele que, seguindo as ordens de seu mestre, guarda a entrada. Se o pagamento oferecido for suficiente, o porteiro te poupará a vida e te deixará entrar. Lá dentro reside uma leoa gigantesca, mais velha do que a própria Grécia, capaz de destruir uma fileira de soldados com apenas um movimento da cauda e de devorar um inteiro vilarejo de uma só vez. A leoa não tem um dos olhos, pois não precisa dele para ver. Você deve alimentá-la e, se conseguir satisfazê-la (ou convencê-la a não devorá-lo também), ela lhe dará a solução para seu problema.

Drew não precisava de sorte, ele conhecia o caminho de cor e também sabia o preço que deveria pagar ao porteiro.  O sol da manhã brilhava em Atenas quando ele chegou, e menos de uma hora havia se passado quando ele reuniu em uma bolsa de couro o pagamento necessário. Uma vez que encontrou o caminho para o jardim subterrâneo, ele caminhou pelo que pareceu ser três dias e três noites, mas ele sabia que lá embaixo o tempo corria de modo diferente. Os antigos diziam que até o Tempo temia a poderosa leoa, de forma que, quando ele voltasse à superfície, apenas alguns minutos teriam passado.

O anjo seguiu o som de água corrente e a grama que timidamente crescia no chão até encontrar o maravilhoso jardim. O sol brilhava num céu sem nuvens e uma brisa primaveril banhava as folhagens. Flores que não existem no mundo dos humanos coloriam o lugar e todas as árvores estavam carregadas dos mais curiosos frutos, mas Drew sabia que deveria ignorar tudo aquilo. Ele caminhou até o templo com passos duros e decididos e avistou, encostado em uma das colunas, aquele que servia de porteiro. Seus cabelos estavam cuidadosamente penteados para trás e suas vestes eram tão brancas quanto o mármore onde ele se encostava e seus olhos estavam ocultos por trás dos óculos escuros. Ele sorria com crueldade.

- Coríntio, pesadelo¹.

- Então é você aquele que chamam de anjo? – Drew tentou não se ofender, mas sua expressão arrancou de Coríntio uma gargalhada maldosa. – O que procura neste lugar que sua maravilhosa condição não possa oferecer?

- Uma resposta. Um caminho.

 - Pague o meu preço e eu te mostrarei o caminho. – Ele disse, ainda sorrindo maldosamente e apontando para a gigantesca entrada do templo. Sem desviar o olhar dos óculos escuros de Coríntio, Drew retirou a bolsa de couro presa em sua calça e lançou para ele, dizendo:

- Os de uma criança, os de um velho e os de uma virgem que ainda jovem optou pelo caminho de Deus. – O porteiro desamarrou a bolsa e derrubou os três pares de olhos na palma de sua mão, gargalhando de satisfação.

- Os de quem viu muito, os de quem viu pouco e os de quem passou a vida procurando ver seu Deus. E nenhum pingo de remorso no anjo que os colheu.

- Tenho pecados maiores nas costas.

- Ah, eu sei muito bem – Lentamente, Coríntio retirou os óculos escuros, fitando o anjo com órbitas vazias que sorriam para ele com dentes afiados como os de uma fera – eu vi seus pecados, anjo. Você pode passar.

Drew deixou o pesadelo a sós com sua refeição e entrou no templo, que era enfeitado com tapeçarias coloridas que contavam histórias que os homens não conheciam. Havia ricas almofadas no centro, e pilhas de antigos ossos aqui e ali.

- Oráculo. – Drew chamou com a voz cheia de certeza.

- Drew, já faz tanto tempo... Você está diferente.

- Da última vez, você me direcionou para o caminho que resultou onde eu estou hoje. Novamente eu necessito de seu conselho.

De trás da pilha colorida de almofadas, ela surgiu, saltando com graciosidade: uma gata de pelos curtos e alaranjados que não pesava mais de 6 kg, um de seus olhos era uma órbita vazia.

- Eu não sou o único que está diferente. – Drew sorriu e a gata retribuiu o sorriso enquanto se aproximava graciosamente. O anjo ajoelhou-se no chão de mármore e colocou um embrulho entre ele e a gata: um pássaro morto. A gata lambeu os beiços e seu único e amarelo olho fitou o anjo com aprovação.

- Então você já sabia.

- Eu suspeitava, embora sinta falta da gigantesca presença de antes. Por que abandonou a forma da leoa?

- Naquela época eu sabia muito, hoje eu sei ainda mais. Quando se sabe tanto quanto eu sei, não precisa ser grande como eu era. Você bem sabe, querido anjo, que os olhos são os maiores traidores do homem. – Assim que a Leoa de Atenas terminou aquela frase, um poder tão grande emanou dela que Drew por pouco não foi jogado para trás, ela estava mais forte que antes. Ela terminou a refeição em poucas dentadas e ronronou de satisfação, ordenando ao anjo que se sentasse em seguida. Ele acomodou-se na almofada do centro e a gata aninhou-se em seu colo, espreguiçando-se e afiando as unhas em sua calça. – Você veio aqui com um problema... Um problema mortal.

- Seu nome é... – Ele foi silenciado pelas unhas da gata, que se enterraram na pele de sua perna.

- Serena, eu sei. Da primeira vez que você veio aqui, eu já sabia que você voltaria. Eu sabia o que você se tornaria, que as Irmãs escapariam e que Serena entraria em sua vida, e ainda assim eu te guiei por este caminho. Você sabe o por quê?

- Porque assim era para ser.  – A gata deu um risinho.

- E agora você está aqui, me alimentando e perdendo seu tempo, procurando por uma resposta que você já tem. – Drew permaneceu em silêncio. – Desde o início você sabe o que tem que fazer, mas você tem medo desta resposta. Rá! O poderoso Drew, que conseguiu mudar a própria existência, que sozinho reescreveu o livro do Destino², tentando fugir de um capítulo que há tanto tempo foi escrito!

- Eu consegui reescrever um capítulo, por que não conseguiria reescrever outro?

A Leoa de Atenas mostrou-lhe os dentes.

- Não abuse da sorte, anjo, você não é especial, não tanto assim. O capítulo que você mudou resultou no capítulo que está vivendo agora, e se o próprio Destino não faz nada além de ler seu livro, o que um pobre anjo poderá fazer? Aceite a realidade, anjo, você não pode escapar do que está por vir. Você veio aqui com a esperança de eu lhe oferecer uma saída confortável, sendo que até mesmo a mortal já entendeu qual é a sua única alternativa. Não seja burra, criatura. Por mais que eu aprecie a sua companhia, eu não gosto de quem perde meu tempo com enigmas de fácil solução. Empunhe sua espada, anjo, pois está na hora de fazer aquilo que você foi criado para fazer. E da próxima vez é melhor vir até mim com um problema de verdade, ou nem todas as aves do Paraíso me impedirão de fazer de você a minha refeição.

Drew respirou fundo, tentando aceitar os fatos. Ele acariciou a nuca da gata e lhe agradeceu, retirou-a de seu colo e a colocou na almofada, levantou-se e, sem dizer mais nada, foi embora.

 

 Estava no meio da tarde quando Serena acordou e viu que Ylua ainda cochilava no sofá, ela deixou a anja dormir enquanto preparava omeletes para as duas, mas ela acordou a tempo de ajudar a arrumar a mesa. Elas comeram em silêncio, mas aos poucos voltaram a conversar. Serena ainda tinha muitas perguntas a fazer sobre anjos e sobre todas as outras coisas do mundo que ela não sabia que existiam, e Ylua parecia feliz em lhe explicar.

- É difícil explicar como os anjos nascem – ela dizia – eles simplesmente aparecem, é uma manifestação impressionante de energia. É algo muito raro hoje em dia, em mais de mil anos, só uma nasceu. – Serena não sabia que Ylua falava da própria irmã. – Eu tenho dois amigos que são irmãos gêmeos, isso é ainda mais raro, eles são os únicos de todo o Templo. O único que sabe quando um anjo vai nascer é Drew, porque ele é o Mestre. Assim que um anjo nasce, Drew reúne todos os anjos do Templo ao redor dele e lhe pergunta seu nome e quem é seu irmão ou irmã, então o anjo-bebê se apresenta e diz quem será sua família, isso é algo que nós nascemos sabendo. Na maioria das vezes o anjo não tem família, então todos os outros anjos são responsáveis por ele, mas ser nomeado irmão de um anjo-bebê é uma grande honra, porque nessa época o poder do anjo ainda não tem forma, está em seu estado mais puro. Drew costuma dizer que nós temos mais a aprender com os bebês do que eles conosco.

- Então o anjo que escolhe seu próprio nome?

- Ah, não, não é ele que escolhe. Acredita-se que o nome surge ao mesmo tempo em que o anjo, nosso nome é a primeira, talvez a única certeza de nossa vida. O nome diz muito a respeito do anjo, então nunca existiram dois anjos com o mesmo nome. Eu sei que vocês têm significados para seus nomes, mas nós também temos e os nossos são muito diferentes dos seus significados. Nós temos nomes para os quais vocês nem mesmos tem significados!

- Como o seu.

Ylua riu.

- Como o meu. Mas não só o meu! Além de Ylua, tem Erayel, Astrael, Samandrael... Mas temos também Topazio e Therion, que são os gêmeos que eu comentei, Aika, Letus, Orianne...

- Drew. – Serena arriscou, mas Ylua a olhou com desconforto.

- Drew... Não é um nome de anjo.

- Como não? E o que significa?

A anja de olhos azuis engoliu em seco, refletindo por um tempo se deveria responder. Por fim, ela respirou fundo e disse:

- Significa “arma”. 

O silêncio que se instalou foi cortado pelo som da campainha. Quando Serena abriu a porta, o olhar de Drew caiu sobre ela e, por um minuto, ela podia jurar que ele sorriu ao vê-la.


Notas Finais


¹ Coríntio originalmente é um personagem da obra Sandman, criada por Neil Gaiman e que muito me serve de inspiração para essa história, ele é um pesadelo criado por Sonho.
² Destino originalmente é um personagem da mesma obra.


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