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História O Templo nas Sombras: A Rebelião das Três Irmãs - Um Caminho Sem Luz


Escrita por: MarchHare

Notas do Autor


Um capítulo sobre dar as mãos, fechar os olhos e respirar fundo.

Capítulo 14 - Um Caminho Sem Luz


- Essa voz – o prisioneiro estava mortalmente magro e vestia apenas trapos que deixavam exposta uma horrorosa quantidade de cicatrizes e marcas de tortura. Seus cabelos aparentavam ter sido negros como a noite em épocas mais felizes, mas agora não passavam de um cinza quebradiço. Serena percebeu que ele não tinha qualquer resquício de barba ou pelos pelo corpo, assim como todos os outros elfos que ela já vira. Não pode deixar de invejá-los. Ele se esforçou para sorrir, exibindo uma série de dentes lascados e, ainda assim, brancos como as teclas de um piano novo. – Será possível que o Mestre dos anjos veio interceder em meu favor?

- Frederick, meu amigo. – Drew avançou para o elfo em passos largos, ajoelhando-se e segurando-lhe o rosto com as mãos para poder olhá-lo nos olhos. – Seu povo acredita que está morto, um falso rei desonra seu trono.

- Dimitry. – Frederick engasgou ao pronunciar o nome, a tosse seca como a de um cadáver. – Nenhum de nossos deuses abençoaria um regicida. Ele não teve coragem para tomar o reino com sangue, então o tomou com mentiras. Fui mantido aqui desde então, vendo tudo me ser roubado diante de meus olhos, até que a luz finalmente me foi roubada também.

- Zefir parece ser o único que sabe deste lugar, ele nos guiou até aqui. – O som de um nome querido depois de tantos anos devolveu um pouco de luz ao rosto do elfo.

- Zefir... Prometeu que me tiraria daqui. Eu sinto que está acompanhado, velho amigo, ele está aqui com você?

- Não, mas imagino que ele esteja por perto. Tenho comigo Ylua, de asas azuis, moradora do Templo e amiga querida, e Serena, uma humana, a razão de nossa visita e quem nos trouxe até você. – Frederick repetiu para si mesmo o nome de Serena, tentando juntar mentalmente todas as peças daquela história.

- Talvez eu deva chamá-lo – a voz de Serena ecoou pelo lugar – imagino que ele esteja me esperando em algum lugar lá fora.

- Por favor. – Frederick tentara identificar a origem da voz da garota, mas o eco tornara sua posição impossível de identificar. Ao falar com ela, ele fitava o nada ao seu lado. – Apenas um de nós é capaz de me tirar daqui.

- Neste caso, talvez Serena possa ajudá-lo. – O anjo sorria, os olhos dourados brilhavam acolhedores. – Zefir a presenteou com um par de braceletes, sem que Dimitry desconfiasse. Você vai achá-la uma humana interessante, meu amigo. – Ele fez sinal para que ela se aproximasse e tomou-lhe as mãos, colocando-as sobre os pulsos acorrentados do elfo, que estremeceu com o primeiro toque.

- Existe magia em você, datada de outras vidas. É algo muito antigo e... cruel.

- Zefir disse que a magia não escolhe lados.

- Mas você escolhe, e escolheu caminhos tortuosos antes de chegar até aqui. – Pela primeira vez, Frederick acertou o caminho até os olhos de Serena, e a encarou com tanta intensidade através dos olhos vazios que ela sentiu-se corar e desviou os olhos, ainda que ele não pudesse vê-la.

Serena estava preparada para golpear os grilhões que prendiam o elfo com os braceletes, assim como havia feito com a cela que prendia os anjos, mas Drew novamente tomou-lhe as mãos e ordenou que relaxasse. – Você ainda vai aprender que a energia da raiva não resolve tudo. Eu preciso que você se concentre. – Ela fechou os olhos e respirou fundo enquanto ele colocava suas mãos sobre o ferro nos pulsos do elfo. As pontas de seus dedos formigavam e ela sentiu quando Drew, de alguma forma, a ajudou, e logo as algemas que prendiam Frederick contra a parede caíam pesadamente no chão. O elfo, finalmente livre, caiu de joelhos.

- Quer que eu chame Zefir agora? – Ela e o anjo ajudaram Frederick a se levantar. Drew assentiu, servindo de apoio ao elfo enquanto Serena o soltava, mas ele a segurou pelo pulso antes que ela pudesse se distanciar.

- Espere. Deixe-me convocá-lo. Os grilhões anularam por anos a magia que existe em mim, tornando-me um completo inválido, mas agora talvez eu possa pegar um pouco da sua emprestada, se você permitir. – Frederick estendeu as mãos e Serena, dando de ombros, estendeu as suas para ele. Ao menor choque de energia, ele respirou fundo e se endireitou, a cor voltando singelamente para o seu rosto, e ela pode ouvi-lo murmurar o nome do arqueiro junto de uma série de palavras que ela não entendia. Após alguns minutos de um silêncio tenso, os passos leves e apressados de Zefir foram ouvidos atravessando as masmorras. Ele estava ofegante quando entrou no salão, mais por nervosismo do que por cansaço.

- Majestade! – Zefir parecia quase sem fôlego e, sobretudo, apavorado por encontrar seu rei naquelas condições. Ele correu até ele, ignorando a presença de todos os outros, e o abraçou com força. – Oh, meu rei, o que fizeram com você? Tive medo de nunca conseguir tirá-lo daqui... – Serena viu quando Zefir, apertando os olhos para não chorar e separando-se o menos possível do amigo, tocou-lhe a testa carinhosamente com as pontas dos dedos, para voltar a abraçá-lo em seguida.

- Isso é pra demonstrar o quão feliz ele está por vê-lo aqui. – Serena sussurrou para Drew, satisfeita. – Ele me ensinou isso mais cedo.

Em resposta, o anjo sorriu para ela:

- É quase isso. – Serena não entendeu o “quase”, mas decidiu que teria muito tempo para perguntar depois.

- Zefir, meu amigo, é bom sentir um toque familiar depois de tantos anos... Quisera eu ter a sorte de poder vê-lo.  – A voz de Frederick era carinhosa e acolhedora, e só então o arqueiro percebeu a cicatriz grotesca que atravessava os olhos de seu rei, roubando-lhes a cor. De lá, os olhos e os dedos do elfo percorreram toda a infinidade de cicatrizes visíveis, o roxo de seus olhos embaçando-se pelas lágrimas, o lábio inferior sangrando pela força com que fora mordido para conter a raiva.

- Deixe-me consertá-lo. – Ele disse, a voz subitamente repleta de certeza. Em resposta, Frederick o olhou horrorizado, afastando-lhe as mãos com força.

- Não seja ridículo. Você nada poderia fazer além de pegar para si a minha tragédia. Eu não roubarei de você o que Dimitry roubou de mim.

- Talvez Ylua possa ajudá-lo. – Drew parecia tão desconfortável quanto Zefir. De fato, Serena precisava admitir que a condição em que o elfo fora deixada não era bonita de se ver. O arqueiro o encarou com desesperados olhos roxos.

- A magia dos anjos não funciona dentro dos limites do castelo, e mesmo lá fora elas não teriam efeito em um de nós. Seus poderes não são compatíveis com nossa existência, apenas um de nós conseguiria curá-lo.

- Então talvez – era a primeira vez que a voz de Ylua era ouvida – Serena possa ajudá-lo. – Ela ficou visivelmente desconfortável ao ver-se o centro das atenções, e começou a explicar-se muito rapidamente ao ver o olhar horrorizado que Drew lhe dirigia. – Se os metais dos elfos servem para canalizar e direcionar a magia, e se realmente existe magia em Serena, imagino que Zefir poderia canalizá-la assim como Frederick fez para convocá-lo. Ela seria capaz de curar Frederick e, assim que sairmos daqui, será fácil para eu consertá-la. Nós já fizemos isso antes, Drew! Você provavelmente não estaria aqui agora se ela não tivesse tirado a Marca de você, e eu a curei depois disso sem problemas, você sabe que daria certo!

“E depois vocês inventaram um terremoto, fizeram lavagem cerebral em um casal de pobres coitados e nos largaram em um hospital”, foi o primeiro pensamento de Serena antes de perceber que todos os olhares estavam pausados nela, aguardando uma resposta.

- Isso quer dizer que todas essas marcas no corpo dele vão passar para mim e que eu vou ficar cega? Desculpa, mas eu me lembro de como foi quando eu tirei aquele machucado de você. Doeu bastante.  – Zefir parecia querer dizer alguma coisa, mas a mão de Frederick pousada delicadamente em seu ombro o calou. – E eu nem sei como vamos conseguir sair daqui numa boa, com aquele louco de máscara lá fora esperando por mim. Ele achava que eu era um presente, sabia disso?!

- Eu jamais pediria para você tomar tal fardo para si, menina. – Frederick a interrompeu, recebendo por isso um olhar grato de Drew. – A escuridão tem sido minha companheira por mais anos do que eu consigo me lembrar, mas isso não a torna mais agradável. A escolha, Serena, é sua e apenas sua, e depende apenas do que seu coração e sua alma decidirem.

- Minha alma? – Serena repetiu, mais para si do que para os outros. A voz de Frederick tinha sobre ela um efeito parecido com o da voz de Drew, mas enquanto o anjo frequentemente a fazia sentir como se tivesse feito algo estúpido, a do elfo lhe fazia sentir-se como uma criança arrependida, ainda que ela própria não soubesse o que fizera de errado.

Ela só imaginava as coisas horríveis que sua alma havia feito em outras vidas, o sangue derramado, os caminhos tortuosos sobre os quais Frederick falara. Caminhos que a levaram até ali, onde anjos estavam ao seu lado para tentar consertar as coisas. Até aquele momento ela não via motivo para se preocupar com suas decisões em outras vidas, mas, de repente, sentiu-se responsável por todas elas. Talvez, só talvez, fosse tempo de fazer escolhas certas.

Serena, que sempre destruíra, pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo, seria capaz de restaurar. Ela olhou para cada um deles. Ylua a olhava com esperança enquanto Drew evitava seu olhar, Frederick estava impassível e Zefir a olhava suplicante, provavelmente pronto para ajoelhar-se e implorar se fosse preciso. – Eu só quero saber – ela disse, finalmente – como vamos fazer para sair daqui depois disso.

- Nossos deuses só reconhecem um rei quando o rei anterior está morto, e nenhum deles abençoa o regicídio. Frederick ainda é nosso único e verdadeiro rei, ainda que Dimitry tenha conseguido convencer a todos de que ele estava morto.

- E nenhum elfo vai atacar o próprio rei. – Ylua completou. – Ninguém se revoltou contra Dimitry por acharem que ele era o rei, e ninguém vai obedecê-lo quando virem que o verdadeiro rei está vivo. O que eu não entendo é como só você sabia que ele estava vivo, enquanto todos os outros acreditaram na história que Dimitry contou. – Ao ouvir aquilo, Zefir corou violentamente e voltou os olhos roxos para Drew como um pedido de socorro. O anjo logo intercedeu por ele, voltando o assunto para Serena:

- Acredito que nós não precisaremos perder mais do que o tempo estritamente necessário dentro deste castelo. Ainda que haja algum imprevisto, eu garantirei que você e Ylua consigam sair na frente e que fiquem em segurança até que você esteja curada. – Drew conhecia Serena o suficiente para já ter formulado uma série de argumentos, esperando por um ataque de teimosia e uma série de palavrões, em sua velha opinião de “cada um por si”, de forma que ele foi incapaz de esconder a surpresa e o sorriso extremamente satisfeito quando ela caminhou até Frederick e deu-lhe tapinhas nos ombros, com um sorriso meio mau-humorado:

- Acho que é hora de eu escolher um lado diferente. Vai ser muito ruim?

- Vai doer bastante. – A sinceridade de Frederick era tão incômoda quanto sua seriedade, ele parecia ser do tipo que tinha a mesma expressão tanto dentro de uma maternidade quanto dentro de um necrotério. Serena estalou a língua e deu de ombros.

- Que merda. Bem, foda-se, você me paga uma bebida depois, vamos em frente com isso.

Os olhos de Zefir se iluminaram e ele agarrou as duas mãos dela com força, murmurando um milhão de agradecimentos. Ela o mandou ficar calmo e terminar logo com aquilo. Com muito cuidado, Zefir tirou seus braceletes e tornozeleiras e colocou nela, assim como seus brincos e os enfeites que usava no cabelo. Ele guiou uma das mãos da garota até uma das mãos de Frederick e segurou a mão que restara com firmeza. Frederick continuava impassível, mas o sobe e desce rápido de seu peito denunciava o nervosismo. Zefir fechou os olhos e respirou fundo, Serena o imitou. Ela demorou alguns instantes para perceber que ele voltara a murmurar palavras que ela não conhecia, mas a dor a atingiu antes mesmo da curiosidade sobre o que ele dizia. Começou pelo peito, que sempre fora seu ponto fraco. O ar foi roubado de seus pulmões e ela se dobrou de dor, incapaz até mesmo de gritar. Como se tivesse sido golpeada, suas pernas se dobraram violentamente sem aviso, derrubando-a de joelhos. Ela arqueava as costas para frente e para trás, mordendo o lábio inferior com tanta força que o fazia sangrar. Quando ela tentou se separar dos elfos, percebeu que não sabia mais onde terminava o seu corpo e começava o daquelas estranhas criaturas; a energia que passava por ela era tão forte que parecia queimá-la por dentro.

Por impulso, Drew tentou ir até ela. Ele queria ajudá-la de alguma forma, obrigar Zefir a parar com o encantamento, levá-la para longe deles ou apenas consolá-la, mas Ylua se colocou entre ele e a menina, os olhos azuis o encarando com seriedade. Atrás dela, Serena encontrara forças o suficiente para gritar, e só então Drew percebeu que Frederick também fora ao chão, o rosto escondido pelo braço, a mão cerrada em punho contra a pedra fria, os dedos da outra mão entrelaçados nos de Serena. Ele rastejou até ela e a abraçou com força, afundando o rosto da menina em seu peito que, de repente, não tinha qualquer cicatriz ou marca. Ele mantinha os olhos cerrados e murmurava para ela, dizendo-lhe para ser forte

. Diferente de Frederick, ela mantinha os olhos muito abertos, sendo capaz de acompanhar todas as fases da cegueira que lhe dominava. Ela encontrara o olhar dos anjos e vira neles uma mistura de dor, preocupação, ansiedade e, talvez, esperança. Lentamente, a cena saía de foco, e o que antes eram seus dois amigos agora eram apenas vultos, um azul e um branco, com dois reflexos de luz amarela como a chama de uma vela olhando em sua direção. Sem conseguir aguentar a dor, Serena fechou os olhos com força e, quando voltou a abri-los, não viu absolutamente nada. Só então a dor passou e Serena sentiu lágrimas em seu rosto que não eram suas, mas de Frederick, que murmurava repetidos pedidos de desculpa. De repente, ela sentiu-se exausta.

“Talvez eu esteja dormindo... Talvez eu já esteja dormindo e sonhando... É por isso que está tudo tão escuro, é porque meus olhos estão fechados e eu já estou dormindo”. Com este último pensamento, Serena desmaiou contra o peito do elfo que a segurava com firmeza e que mantinha os olhos cerrados, com medo da luz que subitamente invadira seu mundo.


Notas Finais


Eu lembro de como me senti quando escrevi esse capítulo pela primeira vez, na história original, lá pelos tantos de dois mil e lá vai pedrada. Naquela época a trama era completamente diferente, era tudo mais rápido, fácil e simples e não tinha Zefir. Gosto de pensar que evoluímos bastante desde então, eu e a história, mas isso vai da opinião de vocês.
Espero que tenham gostado, que votem, comentem e continuem acompanhando, também tá liberado divulgar a história pros outros e shippar Frederick e Zefir.

PS. O lance dos dedos na testa, se alguém ficou com dúvida de como funciona, é com o dedo indicador e o médio juntos, começa no meio da testa e desce até o ossinho do nariz, entre as sobrancelhas. Tá liberado fazer isso nos amiguinhos também.


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