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História O teste 3 - Será pior..


Escrita por: Lehh-Ama-AlanWalker

Capítulo 14 - Será pior..


Ao voltar para dentro, tento chamar Namjoon no Comunicador de Trânsito. Nunca quis tanto ouvir a voz do meu irmão. Como ele não responde, Taehyung me convence de que deveríamos dormir. Deitada no cobertor, com o Comunicador perto da cabeça e de mãos dadas, ouço quando a respiração de Taehyung fica uniforme, e tento limpar a mente para também cair no sono, mas as preocupações são muitas.

 Por fim, o sono chega. Como sempre, nos meus sonhos vejo o rosto dos que morreram durante o Teste. Vejo também aqueles que fracassaram depois dele, bem como o rosto de estudantes lá de casa, que sei que poderiam sofrer a mesma sina se eu fracassar. No meio deles todos, está Soobin. Sua mão queimada se estende até mim, enquanto Jihyo aparece atrás dele. Acordo de um salto, com a imagem do sorriso enigmático de Jihyo gravado firmemente em minha memória. Apenas a visão de Taehyung ao meu lado faz com que eu volte a me deitar e relaxe o bastante para dormir.

 Da próxima vez que acordo, raios tímidos de Sol espiam pelas janelas. Eles banham a sala com uma luminosidade pálida. Sorrio por um instante. Depois, vejo que Taehyung não está no cobertor ao meu lado. Sento-me. Nossas duas sacolas estão ao lado do sofá detonado. Vêlas faz com que eu me sinta melhor, enquanto me levanto e vou dar uma sondada. Encontro-o parado ao lado de um balcão recém-limpo na cozinha cortando maçãs que deve ter tirado da minha sacola, ou trazido de sua república. Quando me vê, seu rosto se ilumina com um sorriso. 

Pego as fatias de maçã que ele oferece, e percebo que não foi apenas o balcão que Taehyung limpou. A mesa quebrada foi removida, e o chão foi varrido. 

— Não conseguia dormir, então resolvi dar uma arrumada e dar uma olhada no lugar, uma vez que é possível que fiquemos aqui por um tempo.

 Nós dois sabemos que o mais provável é que não fiquemos aqui por tempo nenhum, mas é gostoso fingir que podemos relaxar, nem que seja por um momento. Que esta é nossa casa. Que estamos tomando o café da manhã no começo de um dia típico. 

— Deixei a água correndo na pia por uns cinco minutos. Isso parece ter tirado a maior parte da ferrugem que se acumulou. Fiquei preocupado que o barulho fosse te acordar. Imagino que não tenha dormido muito bem. 

Passo a mão no cabelo e dou uma alisada nele. 

— Estou tão ruim assim? 

— Não. — Taehyung passa uma mecha de cabelo rebelde para trás da minha orelha. — Mas tive problemas pra dormir. Imaginei que você também poderia ter tido. Ontem foi duro. 

Pego na mão de Taehyung. 

— Hoje será pior.

 Seus dedos apertam os meus.

 — Eu sei.

 Sentamo-nos sobre o cobertor na sala, com a lista de nomes e as fatias de maçã em um prato lascado, mas limpo, entre nós. Trato o machucado da minha perna com mais pomada. Fico feliz ao ver que ele não está inflamado como ontem, e o cubro com um curativo novo. Então, em meio a mordidas na maçã, explico o que Jackson me contou sobre as pessoas da lista. 

Taehyung pega um lápis e risca os nomes que indiquei, deixando os outros cinco.

 — Estes são os que temos de encontrar. 

— Acho que o pai de Jackson e a professora Chen têm informações de que precisamos. 

— Que tipo de informações? 

Explico sobre o desaparecimento da irmã de Jackson, e sua busca por ela e pelos outros estudantes que foram Redirecionados do programa da universidade. 

— Acho que os candidatos do Teste das duas primeiras rodadas de testes foram Redirecionados para o mesmo lugar que a irmã de Jackson. Se conseguirmos que esses oficiais nos contem o que sabem, poderemos encontrá-los.

 Por mais que eu queira acabar com o Teste, estou igualmente determinada a encontrar aqueles que não corresponderam aos padrões do doutor Barnes. Meus olhos resvalam no bracelete no meu pulso. Não tenho mais uso pra ele, mas ainda preciso mantê-lo. Posso precisar dele de novo, e ele me lembra algo que Jin disse no dia em que me mudei para a república dos Estudos Governamentais. Ele disse que a balança da justiça simboliza a necessidade de o governo equilibrar humanidade e bondade com lei e justiça. Talvez, se eu encontrar alguns dos estudantes Redirecionados vivos, isso contrabalanceie as mortes pelas quais fui e serei responsável. 

Tirando os gravadores da minha sacola, explico: 

— Acho que a professora Chen e o oficial Wang sabem o que acontece com os candidatos Redirecionados. Se os incentivarmos a falar, podemos gravar a conversa.

 Essa prova pode não influenciar os maiores admiradores do doutor Barnes, ligados ao governo, a acabar com o Teste, mas nos dará o que precisamos pra encontrar a irmã de Jackson e todo mundo que o doutor Barnes mandou embora.

 — Depois que gravarmos o que eles sabem, a gente os mantém confinados. A presidente e seus oficiais da segurança podem se encarregar deles quando tivermos terminado nossa missão. 

Os olhos de Taehyung se toldam. 

— Se eles estiverem tão ligados ao Teste como a presidente acredita, mantê-los vivos não é uma opção. Não, se queremos que o Teste acabe.

 — Tem de ser. 

— Porque um deles é pai do Jackson? 

— Não. — Porque ver Soobin em agonia e a morte de Hyunjin me ensinaram uma coisa preciosa. Embora eu seja capaz de fazer o que for necessário, não sou o doutor Barnes. — Esses oficiais falharam com o próprio país, mas não cabe a mim e a você determinar sua punição. Se a presidente e os líderes da Câmara de Debates quiserem matá-los por terem participado da perpetuação do Teste, eles é que terão de fazer isso. — Não tenho dúvida de que a presidente dará um jeito para que eles morram, mas minhas mãos não estarão sujas com o seu sangue. 

— E quanto aos outros três? — Taehyung pergunta. — A gente também os mantém presos?

 — Não. — A maçã pesa como chumbo no meu estômago. — Para eles não temos escolha. O controle que Symon tem sobre os rebeldes é muito forte. Mesmo que a Câmara de Debates votasse pela remoção do doutor Barnes e pelo fim do Teste, o ataque que o doutor Barnes e Symon organizaram ainda aconteceria. Quem sabe quantos morreriam se fosse permitido que isso acontecesse? Namjoon poderia estar entre eles. 

Se quisermos que o Teste tenha um fim antes que Symon e o doutor Barnes tenham uma chance de provocar mais mortes, não temos escolha. Eles têm de ser mortos. 

Nossos olhos se encontram. Vejo nos olhos de Taehyung a determinação que combina com a minha. 

— Portanto, vamos descobrir como fazer isso. Trouxe algumas coisas que acho que podem ajudar.

 Esvaziamos nossas sacolas e colocamos nossos suprimentos no chão. Colocamos as maçãs, os pãezinhos, os biscoitos e o queijo na cozinha. Depois, avaliamos o resto. Se Taehyung fica surpreso com as armas e os explosivos que eu trouxe, não demonstra. No entanto, embora esteja disposto a manejar as armas de fogo, evita olhar para as facas e se encolhe quando toco no cabo delas. Coloco-as de lado, para que Momo não lhe venha à cabeça todas as vezes que as vir. 

Alguns dos itens que Taehyung trouxe com ele, eu esperava: roupas, comida, água e o rádio que ajustei. Contudo, fico surpresa ao ver frascos de amostras cheios de plantas, um pilão e um socador, dois pequenos fogareiros e fósforos. Quando me vê piscar, Taehyung sorri.

 — Não estava certo do que precisaríamos, então peguei um monte de plantas do laboratório, antes de sair.

 Pego os frascos e olho dentro. 

— Eles deixam este material disponível perto da sua república? — Apesar de entender que os especialistas em Engenharia Biológica precisam ter fácil acesso ao material genético com que têm de trabalhar, algumas das plantas, como a papoula roxa ou as raízes da uva-derato, têm propriedades que deveriam ser mantidas trancadas. 

— Algumas delas. — Ele dá de ombros. — Meu guia está nas classes adiantadas que estudam as melhores maneiras de invalidar a mais mortal das plantas mutantes. Ele prefere trabalhar num laboratório improvisado, que criou em um dos seus cômodos, a trabalhar no estádio. Nosso coordenador da república lhe deu permissão especial pra pegar plantas no viveiro e trabalhar com elas lá. Fui até seu apartamento resolver uma dúvida, e fiz a Kit dar uma passada por lá pra distraí-lo. Enquanto ele a acompanhava até seu apartamento, peguei algumas coisas da sua sacola. 

Taehyung e eu separamos as amostras com base em características. Três plantas matarão quando ingeridas; duas são usadas com mais frequência como sedativos e várias serão úteis se algum de nós for ferido. 

Coloco a amostra mais fatal no canto do cômodo. Depois, sento-me ao lado do resto da pilha, para decidir como obter as respostas de que precisamos e eliminar o doutor Barnes, a professora Holt e Symon — todos nas próximas vinte e quatro horas. Raffe disse que ele e Stacia se juntariam a nós assim que conseguissem sair do campus. Se precisarmos que eles tragam suprimentos, temos de fazer com que leiam a mensagem a tempo.

 — Namjoon terá de eliminar Symon. — Meu peito se aperta ao perceber que ainda não tive notícias dele.

 — Mesmo que ele faça isso — Taehyung diz —, ainda sobra para nós quatro interrogar dois da lista da presidente e eliminar outros dois, tudo em uma noite. — Taehyung olha para o conjunto de suprimentos ao nosso lado, e franze o cenho ao contemplar a dificuldade da tarefa. — Acho que temos de pensar nisso como uma prova matemática. A gente entende a pergunta. Agora temos de listar tudo o que sabemos sobre os tópicos, nossas habilidades e os obstáculos que enfrentamos. Talvez, então, a gente encontre uma maneira de resolvê-la.

 Mais fácil falar do que fazer. Existem inúmeras variáveis: as patrulhas extras de oficiais da segurança; nossa falta de familiaridade com áreas que teremos de visitar; a imprevisibilidade de quanto tempo levará para atingirmos nosso objetivo quando chegarmos a cada lugar. É uma equação impossível com as cifras atuais. 

Enquanto Taehyung vai até a cozinha pegar pãezinhos e água para o almoço, ouço uma série de cliques. Namjoon. Pego o Comunicador de Trânsito, respiro fundo e aperto o botão.

 — Jennie. — Apenas ouvir a sua voz já me traz emoções que tenho mantido a distância. No entanto, não posso deixar que ele me sinta fraca ou com medo, ou virá à minha procura. Por mais que eu queira ver meu irmão mais velho, preciso que ele fique onde está. 

— Como os rebeldes estão reagindo ao adiamento da proposta da presidente?

 — Segundo Symon, tudo vai seguir como previsto. Se a presidente realmente adiou seu pronunciamento na tribuna da Câmara de Debates, a notícia não chegou até nós. O ataque continua sendo planejado para o final desta semana. 

O que significa que temos de terminar nossa missão antes disso.

 — A antecipação do ataque deixou as emoções à flor da pele. Foi por isso que não consegui contatar você. Esta é a primeira chance que tenho de te prevenir. Você precisa dar o fora do campus. Parte do ataque vai acontecer lá. Não quero te ver no fogo cruzado. — Namjoon diz, enquanto Taehyung  entra na sala. 

— Já fiz isso — digo. — Ontem à noite aconteceu uma coisa. — Sacudo a cabeça. Não é hora de contar sobre o Soobin. — Taehyung e eu conseguimos dar o fora do campus e estamos escondidos enquanto esperamos alguns dos nossos amigos. 

— Bom. Isso é bom. Se você ficar onde está até depois...

 — Não vou ficar aqui. A presidente me pediu pra ajudar a acabar com o Teste e salvar os rebeldes, e vou tentar, mas não posso fazer isso sem você. 

— Você não devia se envolver nisso, Jennie. 

— Está brincando? Eu passei pelo Teste. Eu me envolvi no minuto em que eles me escolheram pra vir pra Tosu City. Pediram que eu fizesse umas coisas que eu detesto, mas vou fazer porque a alternativa é ainda pior. Você não pode me impedir, mas pode me ajudar. Onde está o Symon agora?

 — Está se encontrando com os líderes da sua equipe. Moonbyul quer começar posicionando os grupos de ataque de sua facção rebelde, hoje à noite, ao redor da cidade, para que se misturem. Eles não querem que ninguém questione sua presença antes de sexta-feira, quando o ataque vai começar.

 Taehyung pega o Comunicador e pergunta: 

— Você consegue se aproximar de Moonbyul o bastante pra conversar com ela?

 — Taehyung? Minha impressão é de que, se alguém pudesse fazer Jennie sair dessa, esse alguém seria você. — Quando Taehyung não responde, dou um aperto em seu braço. — Moonbyul  anda muito ocupada no momento — Namjoon continua. — Duvido que tenha tempo pra alguém como eu.

 — Se você encontrar um homem chamado Dreu, aposto que consegue convencê-lo a arrumar tempo pra alguém de Cinco Lagos. Ele é irmão da magistrada Hwasa, e temos motivo pra acreditar que está trabalhando com a rebelião. Encontre-o e ele poderá ajudá-lo a frear o ataque, ou fazer com que você se aproxime o bastante pra acabar com o Symon para sempre.

 — Precisamos de você pra eliminar o Symon, Namjoon — digo, antes que meu irmão possa responder. — Nenhum de nós conseguirá se aproximar tanto para poder matá-lo. Podemos acabar com o doutor Barnes e com os outros da lista, mas Symon controla a supervisão de um número muito grande de rebeldes. Você tem de se encarregar do fim dele. Caso contrário, sabe-se lá o que vai acontecer.

 Taehyung e eu olhamos um para o outro, enquanto o silêncio do outro lado se prolonga.

 — Namjoon? — pergunto baixinho. Quando ele não responde, repito seu nome. — Namjoon, você está aí?

 — Estou aqui. Papai costumava falar sobre Dreu. Ele gostava de ficar no pé do pai pra aprender a criar novas plantas. Papai disse que eu me igualava a Dreu no departamento de fazer perguntas. Se Dreu estiver aqui, vou arrumar um jeito de conseguir sua ajuda. Senão, não se preocupe, eu mesmo mato o Symon.

 Fecho os olhos, enquanto sou tomada por sensações: alívio porque Namjoon vai ajudar; orgulho, porque parou de falar comigo como se eu fosse uma criança; e tristeza, por fazê-lo prometer matar uma pessoa.

 Quero lhe agradecer, mas as palavras entalam na minha garganta. Como a gente agradece a uma pessoa por prometer matar? Sei que, ao fazer isso, Namjoon pode morrer, e, se ele conseguir, sua vida mudará para sempre por causa disso.

 Engolindo com dificuldade, sufoco as lágrimas e me concentro.

 — Estamos esperando a chegada do restante da nossa equipe. Se tudo der certo, começaremos nosso ataque hoje à noite. 

— Então, da minha parte vou tentar estar preparado. Mande três sinais quando estiver começando seu ataque. Com sorte, descobrirei Dreu e entrarei em contato antes disso. E Jennie... Tome cuidado.

 — Você também.

 O Comunicador dá uns estalidos e depois fica em silêncio. A preocupação me consome, ao pensar no perigo em que Namjoon  está mergulhado. 

Como ainda não sabemos quantos de nós estarão trabalhando para encontrar nossos alvos, concentro-me em um problema do qual temos certeza. As patrulhas extras de segurança que estão percorrendo as ruas de Tosu City. Enquanto Taehyung e eu discutimos isso, olho nossos suprimentos e tenho uma ideia. Como eles têm instruções para ficar atentos em relação a mim, Taehyung e qualquer um com que estivermos, a melhor maneira de passar despercebidos é fazêlos acreditar que já nos encontraram.

 Colocando os três recipientes com explosivos que tirei do depósito da presidente à minha frente, explico minha ideia. Os oficiais da segurança saberão sobre a explosão no meu quarto. Se ouvirem uma explosão em algum lugar da cidade, aposto que se sentirão compelidos a procurar por mim nos arredores. Só precisamos ter certeza de que as explosões ocorram numa área longe dos nossos alvos, e que saiamos antes que detonem. 

Nos minutos seguintes, Taehyung e eu percorremos a casa à procura de itens que possamos usar para fazer um cronômetro para as bombas que pretendemos explodir. É mais difícil criar um cronômetro do que o interruptor que usei na minha primeira bomba. Aquele interruptor era operado manualmente. O dispositivo, agora, requer um controle remoto, de modo que quem quer que o coloque tenha tempo de escapar da explosão. Apesar de nunca ter acoplado um mecanismo de cronometragem a um explosivo, ajudei meu pai a criar cronômetros para sistemas de irrigação. O princípio que os rege é o mesmo, e não é tão complicado, mas não tenho certeza de que conseguiremos tudo de que precisamos. 

Taehyung e eu encontramos uma caixa de circuito elétrico no armário da cozinha e empurramos a chave geral para a posição Off, só por precaução. Abrimos um buraco na parede do quarto menor, e retiramos fios, circuitos e interruptores. Eles serão preciosos, mas ainda precisamos de um cronômetro pra disparar a detonação.

 Percorremos a casa de novo. Quando voltamos de mãos vazias, solto o relógio solar que trago pendurado na alça da minha sacola. Esperava encontrar alguma outra coisa para usar, de modo que tivesse um relógio durante nossos ataques. Vou ter de me virar sem isso. Taehyung também. Quando ele me vê abrindo o painel traseiro do relógio, oferece seu relógio idêntico. Removendo a engrenagem interna, acho bem fácil localizar e retirar os fios de alarme. Sem uma ferramenta de solda, leva mais tempo e algumas tentativas com o fogareiro que Taehyung trouxe para ligar novos fios aos condutores. Conecto os fios a uma das bobinas de relé que recuperamos do sistema elétrico da casa. Feito isso, construímos um acendedor solar parecido com o que construí ontem, e completamos o circuito com uma das baterias solares que Taehyung trouxe com ele. 

Depois que os dois cronômetros são construídos, decidimos não ligá-los ainda aos explosivos. Vamos deixá-los à parte, até precisarmos armá-los.

 Agora que, potencialmente, temos alguma coisa pra distrair os oficiais da segurança, discutimos os outros assuntos. Nossa falta de familiaridade com as áreas em que nossos alvos vivem é um problema. Stacia tem a mesma dificuldade. Jackson  conhece a cidade melhor do que nós, então vai ter de atuar como nosso guia. No entanto, como Taehyung ressalta, por mais que nossa distração funcione, não tem como nós quatro nos deslocarmos pela cidade sem sermos notados. Teremos de nos dividir em dois times. Eu chefiarei um deles. O outro... Acho que teremos de esperar pra ver se Jackson e Jihyo chegam aqui, antes de decidirmos quem vai assumir a liderança do outro. Taehyung seria a escolha natural, mas não sei como ele vai se sentir quanto a se separar de mim. Independentemente de quem assuma o comando do segundo time, teremos os rádios de pulso. Jackson conseguirá ajudar ensinando o caminho, se o segundo time se perder; e, se alguma coisa der errado, temos de poder avisar isso ao outro time.

 Sabendo que seremos divididos em dois times. Tiro meu rádio e gravo uma mensagem pra que Jackson traga mais uma lanterna, se possível. Enquanto esperamos que Jihyo e ele cheguem, Taehyung e eu reviramos o restante do nosso suprimento. Cada um de nós pega dois dos gravadores que apanhei na sala do quinto andar da presidente. Depois, cada um põe uma garrafa de água, um pouco de comida e um dos cronômetros e das latas em nossas sacolas. Também damos mais uma olhada nas folhas com a lista e com as informações fornecidas pela presidente. Com base nas coordenadas de cada residência, decidimos dividir os alvos em dois grupos. Um irá atrás da professora Holt e da professora Chen, que parecem morar a menos de quinhentos metros uma da outra. O outro time focará o oficial Wang e o doutor Barnes.

 — Acho que é o máximo que podemos planejar até os outros chegarem. Se eles não conseguirem, teremos de nos separar. Se chegarem, a estratégia mais lógica será ter Jackson no time designado pro pai dele, uma vez que ele cresceu no bairro e o conhece bem. Pode ser, porém, que Jackson não consiga lidar com isso. Não dá para sabermos até perguntar a ele — diz Taehyung, enquanto nos sentamos no chão com as mãos dadas entre nós. O dia todo, encontramos maneiras de nos tocar. Um roçar no braço, um beijo no rosto. Sei que estamos armazenando lembranças, para o caso de um de nós não estar aqui amanhã. Posso ver na intensidade do olhar de Taehyung  que ele aceitou essa possibilidade. 

Taehyung olha para um dos cronômetros e suspira.

 — Está começando a ficar tarde e ainda tem algumas coisas que quero fazer antes que os dois cheguem aqui. 

Depois de dar um beijo de leve nos meus lábios, ele se levanta, pega o pilão e o socador e várias amostras de plantas, e desaparece na cozinha. Volta um pouco depois, e pega os frascos com as amostras que deixei de lado. Depois, torna a deixar a sala. 

Eu me levanto para ir atrás dele e perguntar no que está trabalhando, mas depois paro. Confio que Taehyung me dirá o que está fazendo quando achar que é hora. E estou feliz por estar sozinha, porque também aceitei que posso não estar viva para ver o amanhã, e, assim, tem uma coisa que preciso fazer. 

Pego um dos meus lápis de carvão e várias folhas de papel reciclado cinza e branco no fundo da minha sacola. Por alguns instantes, limito-me a olhar para as páginas. Depois, começo a escrever. Não sei se as cartas chegarão aos destinatários, mas escrevê-las me ajuda a organizar os pensamentos.

 Pro meu pai, explico que fracassei em considerar o seu alerta, que, apesar de não poder viver a vida sem confiar em alguém, sei melhor a quem entregar essa preciosidade, e que as coisas que faço agora é com aqueles que acreditam no que acredito. Eles, assim como eu, não podem saber o que sei e permitir que um processo desordenado continue. Peço desculpas se as escolhas que fiz o deixaram infeliz, ou trouxeram problemas para ele ou para o resto da minha família, mas explico que não posso viver a vida fingindo que o que sei não é real. Ele me ensinou que mesmo o mais contaminado torrão de terra pode ser transformado em um lugar onde coisas vivas se desenvolvam, desde que alguém se dedique a essa causa. Esta é a minha causa. Não posso fazer com que as plantas cresçam, mas posso me comprometer a eliminar a corrupção neste solo. Talvez, se eu tiver sorte, algo forte e bom crescerá neste lugar. 

Lágrimas mancham a página ao assinar meu nome e passar para a carta destinada a minha mãe. A dela é mais curta, mas cheia de amor, bem como a que escrevo pros meus irmãos, inclusive Namjoon. Será que ele encontrou Dreu? Será que eles já conversaram com Moonbyul? 

Esforçando-me pra colocar esses pensamentos de lado, volto minha atenção para a última página e escrevo. Apaguei as marcas das minhas lágrimas e estou enfiando o papel no bolso lateral da sacola de Taehyung, quando ele volta da cozinha com quatro garrafas de água, duas em cada mão. Pousa as que estão na mão direita, pega o meu lápis e desenha um círculo na lateral delas. 

— Esta daqui contém uma composição saturada da nova linhagem de valeriana e lavanda. 

Essa combinação seria para relaxar músculos e reduzir a dor. Poderia também levar algumas pessoas a cair num sono profundo. Deve ajudar, caso um de nós fique gravemente ferido.

 Ele coloca uma das garrafas na sua sacola, passa a outra pra mim e depois pega as outras duas, e marca cada uma delas com um grande X preto.

 — Estas têm uma combinação de ervilha do rosário, uva-de-rato e oleandro. Provavelmente, esta segunda garrafa não será necessária, mas achei que poderia ser bom tê-la, em caso de emergência.

 Penso em perguntar que tipo de emergência ele imagina, mas, antes que as palavras possam atravessar meus lábios, compreendo. A garrafa não é para as pessoas da lista da presidente Tiffany. Ela também é destinada a nós. Se formos pegos pelo doutor Barnes, ou pelos oficiais da segurança, Taehyung pretende se matar, e, pela maneira como me olha, sei que ele quer que eu faça o mesmo. 

Engulo em seco e me obrigo a respirar, enquanto o choque se transforma em horror. Tenhamos ou não sucesso, podemos morrer. Embora eu aceite o que possa acontecer, não posso e não vou optar por acabar com a minha própria vida. Escolher a morte é dizer que cansei de lutar. Que desisto não apenas de mim mesma, mas de tudo o que eu amo. Penso nas cartas que escrevi, e sei que nunca poderia abandonar de bom grado a minha família.

 No entanto, embora eu esteja determinada a lutar até o fim, Taehyung não sou eu. Vi a culpa e o desespero se formando dentro dele desde o Teste. O que aconteceu no estádio só aprofundou sua tristeza. Uma semente de raiva o manteve em função, mas o rastilho de Taehyung está chegando ao fim. Depois que o fogo se apagar, sua vontade de lutar também terá ido. Principalmente se achar que a luta foi em vão.

 Assim, por mais que eu queira lhe dizer pra desistir das garrafas, ou prometer que não vai usá-las, fico quieta. Em vez disso, pego a garrafa que ele oferece e a coloco no bolso lateral da minha sacola, para que não seja confundida com as outras. Respirando fundo, caminho de volta até ele, fico na ponta dos pés e coloco meus lábios contra os dele, injetando no beijo todo amor e compreensão possíveis.

 Mal registro o clique no Comunicador de Trânsito quando Taehyung me puxa mais pra perto. Só quando o som se repete é que entendo. 

— Namjoon está chamando. — Sinto que o constrangimento esquenta meu rosto, enquanto desfaço o abraço de Taehyung e vou até o Comunicador.

 — Você achou o Dreu? — pergunto a Namjoon. — Ele está aí? 

— Perguntei pra umas duas pessoas do meu grupo. Se ele estiver aqui, provavelmente está com Moonbyul. Alguns dos meus amigos vão perguntar por aqui, porque eu disse que Dreu e eu somos da mesma colônia. Até onde sei, ele tem trabalhado em pesquisa médica e vem desviando recursos para os rebeldes sempre que possível. Parece que ele não vem aqui com muita frequência.

 O que significa que Namjoon estará por conta própria. 

— Dá pra você descobrir uma maneira de conversar com a Moonbyul sem ele? Talvez se você disser que conhece o Dreu?

 — Vou tentar, mas não tenho certeza de que alguém vá me deixar entrar pra vê-la. Grupos de rebeldes já começaram a se dirigir para Tosu. Se for pra eu me aproximar do Symon, tenho de fazer isso agora. Caso contrário, ele pode deixar a base. Depois disso, não dá pra saber pra onde ele vai. Mas, se conseguir chegar até Moonbyul antes, eu te conto. Está havendo muitos boatos de que alguns grupos de ataque receberam esquemas diferentes, com base em serem da facção de Symon ou de Moonbyul, então a tensão está pra lá de alta. Quando é que vocês estão planejando começar a atacar? 

Não podemos ter certeza até a chegada dos outros. Mas com o posicionamento dos rebeldes e a chance de que a ordem pra atacar possa ser dada antes do horário previsto, não existe outra opção a não ser dizer: 

— Hoje à noite. Estamos planejando acionar algo que distraia a atenção das patrulhas de segurança. Depois que você der um jeito no Symon, poderia vir pra cá — digo, e leio as coordenadas no Comunicador de Trânsito. Namjoon não tem a menor ideia de como é Tosu City. A não ser que consiga convencer Moonbyul sobre a necessidade de matar Symon, será visto como um traidor no acampamento. Precisará de algum lugar pra se esconder. 

— Se eu terminar e der o fora da base, não vou me esconder. Vou te ajudar. 

Não que eu possa impedir isso. Como ele não sabe onde me encontrar, acredito que não consiga cumprir a promessa. 

— Tenho de ir, mas Jennie...

 — O quê, Namjoon? 

Suas palavras não passam de um sussurro, ao dizer: 

— Não sei quando voltaremos a conversar, mas queria te dizer... Eu te amo. Tome cuidado, ouviu? 

A tensão cresce dentro do meu peito e no fundo dos meus olhos. 

— Eu também te amo, Namjoon. E Namjoon... Não faça nenhuma loucura. 

— Quem, eu? — Sua risada escancarada me faz sorrir. — A gente se vê logo. 

— Estou contando com isso — digo. Apesar do clique do Comunicador, continuo com ele aninhado nas mãos. Como se segurá-lo, de algum modo, mantivesse Namjoon a salvo, ou pudesse trazê-lo pra mais perto de mim. Taehyung tenta passar os braços ao redor dos meus ombros. Sei que ele quer me oferecer apoio e conforto, mas me afasto e vou para o outro lado da sala. Mesmo amando Taehyung, preciso ficar sozinha com os pensamentos no meu irmão. 

Não sei muito bem por quanto tempo fiquei parada segurando o Comunicador, mas as sombras no chão tinham se deslocado quando ouvi o som baixo de vozes do outro lado da porta de entrada fechada com tábuas. 

Tem alguém aqui. 

— Taehyung — sussurro. Sem ouvir a resposta, atravesso a sala e sussurro seu nome de novo. 

— O que foi? — ele pergunta, ao aparecer na entrada da sala.

 Com o dedo nos lábios, espero pelas vozes de novo. Quando elas voltam, Taehyung  fica rígido. Infelizmente se calam e nos impedem de saber se pertencem a oficiais da segurança, aos nossos amigos ou a alguém da vizinhança curioso pela nossa presença. Devagar, cruzo de volta até a minha sacola, enfio o Comunicador lá dentro e pego minha arma. As vozes se foram, mas noto que a luz do meu rádio de pulso está acesa. Mostro a luz para Taehyung que acena pra que eu aperte o Play. 

— Estamos aqui fora e precisamos entrar. 

Jackson. 

Pouso o rádio, mas mantenho a arma firme na minha mão, enquanto vamos até a cozinha e abrimos a porta dos fundos. A luz do Sol é intensa. Tenho de piscar pra focar a vista. Ao fazer isso, vejo Jackson e Jihyo  parados à minha frente. Jackson está equilibrando as duas bicicletas, e depois de uma olhada em Jihyo, o motivo fica claro. Ela levou um tiro. 

Jihyo aninha um braço junto ao peito. A mão que usa para proteger o braço machucado está manchada de sangue. Seu rosto está pálido, e ela não está firme. Entrego a arma a Taehyung  e a levo até o cobertor estendido no chão. Tiro sua jaqueta, e uso meu canivete pra cortar sua camisa logo acima do cotovelo, e poder olhar melhor. Vejo Jackson e Taehyung parados na entrada e pergunto: 

— O que houve? Um oficial da segurança tentou deter vocês? 

Jackson e Jihyo se entreolham, enquanto Jackson diz: 

— Não exatamente. Jin deu uma avaliada na área e contou pra gente que as patrulhas estavam concentradas perto da entrada principal, então dava para irmos pelo lado norte e contorná-las. Ele me deu uma ideia sobre o melhor caminho a seguir, e voltou pra nossa república pra manter os estudantes rebeldes de lá distraídos, de maneira que não notassem que eu tinha saído. Jihyo e eu estávamos tão entretidos evitando os oficiais, que não percebemos que dois estudantes rebeldes tinham seguido a gente. 

— A culpa é minha. — Jihyo hesita. — Eram estudantes do quarto ano de Medicina. Os dois eram conhecidos por atormentar os do primeiro ano. Então, não dei a mínima quando me seguiram pra fora da república. Entrei no prédio de História pra que pensassem que eu tinha ido pra aula. Quando se afastaram, achei que tinham perdido o interesse em mim, mas estavam esperando a gente na rua, em frente à saída principal do campus.

 Embora eu não tenha dúvida de que Jackson tenha pelo menos uma arma, fico surpresa de que tenha conseguido achar uma maneira de usá-la e dar o fora depois de ter sido pego de surpresa. Quando digo isso, Jackson balança o corpo, desconfortável, e diz: 

— Na verdade, nós não escapamos deles por nossa conta. Tivemos ajuda. 

— Jin? — Taehyung pergunta.

 — Eu — diz uma voz familiar às nossas costas.

 O medo toma conta de mim, enquanto viro em direção à porta a tempo de ver uma figura inconfundível entrar decidida na sala, com um amplo sorriso: Kwangmin. 



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