História O teu sabor - Como é que você foi parar aí?

P.O.V ELENA

“Você tem certeza disso?” Jungkook sussurrou perto do meu ouvido.

“Eu sou uma piada para você? Pare de me tratar como uma criança medrosa. Eu tomei essa decisão com toda a certeza que poderia ter em meu coração”

“Então está certo”

“Eu vou ficar bem” assegurei a ele e ouvi o pequeno motor da máquina que marcaria meu corpo “O que de pior que pode acontecer?”

“ELA DESMAIOU?!” Yoongi caiu em risadas assim que Jungkook terminou de contar sobre minha experiência traumática no tatuador.

“Estava assim” Jungkook imitou minha postura “E de repente assim” colocou a língua para fora, revirou os olhos e deitou o corpo na poltrona.

“Não vou mais transar com você” falei olhando para ele.

“Pessoal” Yuri falou mansa debaixo do abraço do Jimin no sofá em frente ao meu “Peguem leve! Tem gente que desmaia diante de situações de estresse! Isso é muito comum”

“Obrigada” falei.

“Mas qual foi a situação de estresse?” Hoseok perguntou “Você já não sabia o que te esperava?”

“Mano! Dói demais na costela!” cruzei os braços e senti a área sensível “Só eu sei a dor que eu senti”

“Porque você insiste em fazer tatuagem sendo que não tem coragem para o procedimento?” Jimin me perguntou.

“Eu acho bonito” justifiquei.

“Pelo menos conseguiu finalizar?” Yuri perguntou sendo a única que não estava rindo de mim.

“Consegui”

“Desculpe” Jungkook fez um carinho no topo da minha cabeça e sentou no braço do sofá “Você foi muito corajosa” olhei para ele de canto e por um instante ficamos quietos “Espera, que eu acho que vou desmaiar!” ele imitou minha voz e eu o empurrei para o chão.

P.O.V YURI

“Huuum... Jimin?” cutuquei o braço dele para ver se ainda estava acordado “Dormiu?”

“Dormi, mas acordei com as suas cutucadas”

“Que bom, eu estou meio pensativa”

“Sobre o quê?” murmurou sonolento.

“Esse filme que você me fez assistir”

“Eu não te obriguei!”

“Se eu não dormir, você também não vai”

“Você é muito medrosa”

“Falou o Sr. Coragem”

“Eu sou mesmo” disse rindo, seus olhos ainda fechados.

“Está mais para Coragem, o idol covarde”

“Yuri, foi só um filme! Não tem motivos para um espírito nos atacar”

“Nunca tem motivos para um espírito atacar alguém” passei a mão pelos cabelos dele “Podíamos conversar até eu esquecer e dormir”

“Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah” ele resmungou de forma rouca e se sentou ao meu lado “Você não vai me deixar dormir mesmo”

“Não, é o seu castigo”

P.O.V MISUMI

“Você está viciada” Taehyung falou por cima do meu ombro.

“E a culpa é toda sua” apertei a tempo de não perder “Você me apresentou para esse jogo”

“Vou ver se faço o Jimin comprar ele também, assim podemos fazer um grupinho”

“Jungkook foi para o gancho” Olhei na aura dele e tentei me aproximar, mas o assassino estava campando ele “É um camper! Que otário! Isso destrói o jogo”

“Você vai dormir aqui?”

“Vou”

“Que bom” disse um pouco mais baixo “Eu queria passar mais tempo com...”

“PUTA MERDA” assim que tirei Jungkook do gancho, o assassino apareceu e esfaqueou os dois “Eu odeio esse assassino! É muito injusto ele conseguir ficar transparente! Estamos sempre em desvantagem”

“Realmente muito chato”

“Aí! Agora eu vou morrer! É minha terceira vez no... ELE ME DEU MEMENTO!”

“Que tal dar uma pausa no dead by daylight” Taehyung pegou minha mãos de cima do teclado do notebook “Eu queria te fazer uma massagem”

“Onde?”

“Onde você quiser receber”

“Pode ser nos pés”

“Perfeito” Taehyung saltou da cama com tamanho entusiasmo e passou pelo armário de cosméticos rapidamente para retornar com uma loção “Me dê esses pezinhos bonitinhos”

“Eu posso jogar enquanto ganho massagem”

“Chega de jogo por hoje” falou mais alto e eu fechei o notebook “Esse é o nosso momento, precisa ser sagrado”

“Okay” encostei no travesseiro e ele começou por meu pé direito.

“Como você está se sentindo?”

“Hoje particularmente eu estou estranha”

“Em que sentido?”

“Bom, eu tenho uma sensibilidade alta com coisas sobrenaturais e eu tenho certeza que tinha um espírito me seguindo na rua. Geralment...”

“Errr... espera um pouco! Eu ainda estou processando o espírito seguindo na rua”

“Eu não falei muito depois disso”

“Como você sente essas coisas? Não pode ter sido apenas um cara estranho?”

“Era um espírito”

“Como sabe a diferença?”

“Pessoas tem formato de pessoa e espíritos tem formato de espírito” dei de ombros e ele continuou me encarando com uma feição confusa “Espíritos são mais como massas de cor desforme”

“Okay” ele voltou para a massagem com um riso descrente no rosto.

“Não acredita?”

“Eu... sou o tipo de pessoa que acredita no que vê, mas eu respeito”

“Quer que eu te mostre? Posso incorporar um”

“VOCÊ PODE O QUÊ?”

P.O.V YURI

“Minha vó me contou uma história uma vez, como ela veio de sítio, tinha muitos contos de lobisomem” falei animada “Ela dormia com a cachorrinha no quarto para não correr riscos dele atacar ela” Jimin tinha um bico no rosto “Que cara é essa?”

“Você disse que queria esquecer e está falando de lobisomem”

“É... mas quando minha vó contava não dava tanto medo”

“Mas você acredita mesmo nessas coisas?”

“Lobisomem? Nãaaaaaaaao”

“Mas acredita em espíritos”

“É diferente. Lobisomem é uma lenda, algo mais... místico. Espíritos são nossas almas. É algo maior”

“Mas se parar para pensar, não existe nenhuma prova concreta de que nossas almas continuar existindo depois que nossos corpos dissolvem”

“O que é uma prova concreta? Cada um tem uma vivência diferente, uma crença diferente”

“Acho que muitas vezes as pessoas temem mais a ideia de um completo vazio depois da morte do que uma eternidade de castigo ou recompensas”

“Eternidade é um tempo muito longo, não acho que ela é passada apenas de uma forma”

“Então você acredita em outras vidas”

“Claro que acredito”

“Mas qual propósito elas teriam? Evolução?”

“O propósito de receber tudo que é tua responsabilidade para receber. Cada palavra, ação e pensamento que temos gera uma consequência com a qual teremos que lidar. Eu procuro acreditar que a justiça... divina... é mais certeira. Que mesmo aqueles que achamos que não pagam por suas maldades, pagam em outros momentos”

“E como você acha que está a sua trajetória nisso tudo?” encostou nos travesseiros com os braços cruzados.

“Eu não sou um ser iluminado e também já consumi muito ódio dentro de mim”

“Você? Tem certeza?”

“Ah Jimin” revirei os olhos “Você até que me conheceu em uma boa fase. Mas eu já fui muito odiosa, invejosa e... e amargurada. Eu não aceitava que minha vida não fosse o que eu queria que fosse e descontava apenas raiva nisso. Podia não ser verbalmente, mas aquilo me corroeu por anos.”

“E do que tinha mais raiva?”

“De mim mesma. Minha voz era aguda e irritante demais. Minha personalidade idiota demais. Meu cabelo oleoso demais. Meu corpo... nem quero começar com os pensamentos que tinha sobre meu corpo. Eu fiz de tudo para me tornar alguém que eu vislumbrava como melhor e mesmo assim não foi o suficiente.”

“E você ainda sente isso hoje?”

“As vezes sim, mas eu faço terapia para isso” dei um risinho.

“Você acha que terá consequências por isso? Acha que ainda terá que enfrentar um carma pelos pensamentos que teve?”

“Sim...”

“Talvez seu próprio sofrimento já seja a sua consequência”

“Talvez”

“Só para constar, eu acho a sua voz uma coisinha gostosa de ouvir” ele sorriu.

“Obrigada”

P.O.V JUNGKOOK

Sem muito sono fiquei no celular vendo alguns vídeos no youtube. Elena dormiu quase que profundamente mais rápido do que desmaiou mais cedo. Levantei para fazer um xixi e continuei com os fones no ouvido. Terminei, lavei as mãos e voltei a passos curtos. Ao me aproximar da cama notei que estava vazia. Olhei ao redor e retirei um dos fones.

“Elena?” chamei, mas sem resposta.

Abri a porta do quarto e caminhei pelo corredor escuro bocejando, ao final dele acendi a luz da sala. Procurei na cozinha e também não a encontrei. Se Elena não tinha levantado daquela cama acordada, tinha levantado dormindo e esse sempre cenário esporádico já não me alarmava mais. Porém naquela noite em especial, algo parecia estranho, diferente do usual. Ela não estava se batendo em nenhuma porta, murmurando palavras desconexas ou correndo de um lugar para o outro. Hoje ela simplesmente sumiu. De primeira, eu não me desesperei. Não tinha tantas opções para ela ir. Corri de volta a sala e tranquei a porta que dava acesso a sacada. Coloquei uma caixa no início da escada para o segundo andar do apartamento e comecei a acender todas as luzes possíveis.

P.O.V MISUMI

“Huuuuuum acho que não vou conseguir” falei ainda de olhos fechados.

“Quantas vezes você fez isso?”

“Sozinha nenhuma, mas acompanhada umas três vezes” abri os olhos, estávamos sentados um de frente para o outro no tapete do quarto “Minha avó era incrível, as pessoas a viam como uma guia espiritual”

“Ela puxava espíritos para si?”

“Sim, ela era muito forte”

“E você abandonou essa... coisa toda por que?”

“Eu nunca me senti muito confortável, era algo que me desgastava demais. Uma energia que sempre continuava comigo. Minha mãe diz que eu fazia errado, mas como eu não segui a mesma religião que minha avó, acabei abandonando tudo. Ainda assim era divertido”

“E o que você sentia quando estava fazendo isso?”

“Era um calor muito forte, como se estivesse diante de um sol escaldante e meus olhos tremiam, tudo muito rápido. Lembro de ouvir as vozes na minha cabeça e visualizar alguém ali”

“Parece intenso”

“Eu entendo que pareça só besteira para quem não acredite e talvez exista uma explicação cientifica para isso, mas eu individualmente acredito nessas experiências como algo maior” alisei a textura do sofá enquanto falava

“A única coisa que me vem a mente é a menina do exorcista”

“Nunca vi ninguém nesse estado” bocejei e ele fez o mesmo em seguida “Você quer tentar?”

“Não tenho sensibilidade para isso não” ele encostou na beira da cama “Talvez seja por isso que eu tenha dificuldade de me conectar com uma religião”

“Não acho que seja fácil”

“E a ideia de que existe alguém poderoso brincando de the sims com todo mundo aqui me incomoda profundamente”

“Essa visão é muito cristã, acho que religiões mais politeístas acreditam em algo mais abstrato do que um senhor sentado no trono decidindo quem sobe e quem desce” dei de ombros “Nunca me identifiquei muito com o cristianismo”

“Eu acho interessante a conexão que a Elena tem com a religião dela e como isso está realmente se tornando parte da vida dela” ele falou enquanto ajeitava a touca na cabeça, estava tão bonito com ela “Os símbolos, os significados, os livros, é tudo muito visualmente bonito. Mas as vezes me passa uma sensação literária demais. Como um Senhor dos anéis. Eu não consigo olhar e sentir que verdade acredito que aquelas entidades estão olhando por mim”

“Acho que as religões mais antigas da europa foram muito mistificadas em novelas e filmes, é fácil vislumbrar como algo falso por conta disso. Mas acho que toda religião tem como soar assim para quem escuta de fora.”

“Isso é verdade”

“Acho que a Elena é bem sensível também e ela leva muito a sério a crença dela”

“Eu poderia chamar ela de bruxa?”

“Acho que sim, ela faz as bruxarias dela” dei risada “Mas acho que ser bruxo não é algo tanto de religião e sim de prática de magia e magia se pode praticar em muitas religiões. Talvez eu esteja falando besteira, ela explicaria melhor.”

“É... complexo” ele cruzou as pernas “Eu não sei se algum dia vou sentir essa identificação com algum caminho”

“Não acho que precisa esquentar muito a cabeça com isso, acho que essencial é além de acreditar ou deixar de acreditar em algo”

“E o que seria?”

“Buscar fazer o melhor que pode. Eu conheço pessoas que não acreditam em nenhum Deus e elas são incríveis. Acho que mesmo que existisse alguma entidade, difícil que todas as coisas boas que fizeram fossem jogadas fora apenas pela descrença em algo... invisível aqui. E se alguém precisa da ameaça de um inferno para ser alguém bom, isso significa que ele não é genuinamente bom.” Arqueei as sobrancelhas para ele.

“Isso é...”

P.O.V YURI

“Não está com nem um pouco de sono?” Jimin passou o dedo indicador pela ponta do meu nariz “Um tiquito?”

“Pior que não”

“Eu poderia sugerir sexo, mas estou com preguiça demais para isso” se espreguiçou na cama.

“Também estou”

“Abre o tiktok, ficar passando pelos vídeos me dá sono” virou de lado com as mãos embaixo do rosto “Eu não consigo mais te acompanhar nesse jornada”

“Tudo bem, vai dormir meu dengo” dei um beijo na sua testa e ele fechou os olhos “Obrigada por tentar fazer companhia, mesmo que seja sua culpa, me assustando com esses filmes estranhos”

“Para de ser dramática”

Encostei a cabeça na cabeceira da cama e fiquei observando ele pegar no sono. O quarto ficou num silencio profundo e sua aura calma me deixou entorpecida. Deslizei o corpo para baixo e fiquei alisando sua bochecha. Jimin passou o braço por cima da minha cintura e me puxou para perto.

“Se algum espírito tentar me atacar você vai me proteger?” sussurrei.

“Eu sou um pouco cagão para essas coisas. Mais provável que eu te puxasse para correr comigo” balbuciou de volta.

“Mais provável que corresse sem olhar para trás e só lembrasse de mim quando se sentisse em segurança”

P.O.V ELENA

Ao abrir meus olhos dei de cara para um cenário muito estranho e isso me fez levantar a cabeça as pressas, me fazendo colidir com a madeira.

“Como é que você foi parar aí?” ouvi a voz do Jungkook na minha lateral esquerda e me virei, demorei para focar na face dele, ainda me sentia desnorteada.

“Onde é aqui?” Sem meus óculos fica um pouco mais difícil, mas assim que tomei mais consciência percebi que estava debaixo da cama dele.

“Você está muito inquieta nos sonos, algo está te perturbando?” Jungkook estava deitado no tapete olhando para mim.

“Muitas coisas me perturbam, não consigo escolher só uma”

“A abertura do estúdio é uma”

“É uma que traz junto outras mil” cocei os olhos freneticamente.

“Você precisa acreditar mais em si mesma”

“Eu acredito em mim, mas tenho muito mais gente dependendo de mim para acreditar também”

“Deixar de dormir certamente não vai ajudar”

“Você fala como se fosse algo que eu pudesse controlar” virei a cabeça de lado e encarei a sua imagem embaçada “Sabe que mesmo sem óculos eu ainda te acho um gato”

“Devia ter visto o susto que me deu” ouvi sua risada breve “Eu estava te procurando e de repente a cama começou a mexer sozinha”

“Igual no exorcista?”

“Pique o exorcista” imaginar a cena me fez rir junto com ele “Eu me abaixo para ver e lá está você falando coisas em francês com os olhos esbugalhados de tão abertos”

“Credo”

“Como eu sempre tenho medo de te acordar nesses casos, fiquei aqui esperado você sair ou acordar” ele explicou ainda risonho “Mas você certamente deixou uma imagem traumática na minha memória”

“Mais uma para você guardar no seu coração” comecei a deslizar para fora dali. Por sorte o chão estava limpo e eu não fiquei coberta de pó. Sentei na cama e ele pegou o meu pé “Eu nem me lembro com o que eu sonhei”

“Você é uma figura mesmo”

“Vai ficar me zombando por isso também?”

“Mas é claro! Não é todo dia que se vive um atividade paranormal ao vivo”

“Não foi um atividade paranormal” dei risada.

“Te ter andando pelo quarto falando sozinha sempre me deu vibe de atividade paranormal”

“Pelo menos você enfrenta, se fosse como o Jimin já teríamos terminado”

“MAS ISSO É MAIS QUE ÓBVIO”

“Temos que fazer essa pegadinha com ele um dia desses”