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História O Vigia - Never Grow Up (part 1)


Escrita por: lavegass

Notas do Autor


Olá, gostaria de avisar que como esse capítulo ficou enorme eu optei em dividi-lo e provavelmente irei postar a segunda parte dele amanhã. Espero que gostem!

Capítulo 2 - Never Grow Up (part 1)


“Oh darling don't you ever grow up, don't you ever grow up
It could stay this simple”

Sábado, 5 de Dezembro de 2015.

Aos sábados eu me dava ao luxo de acordar mais tarde, porém por estar a tantos anos na mesma rotina meu despertador biológico não me permitia ficar na cama após as nove da manhã. A melhor parte de acordar mais tarde é que Márcia já havia ido para o trabalho e eu não precisava lidar com o mau humor matinal dela. Esse sábado eu passaria com a minha filha e nada nem ninguém seria capaz de estraga-lo.

Levantei-me e fui até o quarto de Carolina, ela ainda dormia tranquilamente. Resolvi trocar de roupa e ir até a padaria para preparar um café da manhã especial, pois ontem a noite ela havia me dito que não estava comendo bem na faculdade devido à falta de tempo. Nessas férias eu me dedicaria em nutrir a minha filha.

A padaria ficava perto de caso, por isso optei em ir caminhando. Várias das minhas vizinhas da terceira idade exercitavam juntas, elas faziam isso há anos e nunca notei nenhum resultado.

- Oi Fernando. – Falaram em couro quando passaram perto de mim.

- Olá, bom dia. – Respondi. E pude ouvir o meu nome em meio a alguns cochichos quando elas se afastaram.

A parte da manhã no meu bairro também era dedicada em levar os cachorros para passear e isso honestamente era capaz de me causar calafrios. Sim eu tinha medo de cachorros, ou melhor, pavor. Nunca fui mordido por nenhum, mas só de senti-los se aproximar ou ouvir algum latino eu me arrepiava de medo. Provavelmente esse trauma se deu após eu ter assistido “Cujo” do Stephen King pela primeira e única vez. Eu atravessava a causada para não ter que passar perto de um deles, mas aparentemente eles notavam o meu desconforto e faziam questão de me olhar e se aproximarem. O que me desesperava profundamente.

Fui rezando até a padaria para não me encontrar com mais nenhuma dessas criaturas peludas e caso isso acontecesse que pelo menos eles estivessem presos em uma coleira com seu respectivo dono segurando-a fortemente.

Cheguei à padaria e provavelmente entrei de uma forma desesperada, pois varias pessoas direcionaram seu olhar para mim. Sorri sem graça e fui em direção ao balcão analisar o que eu iria pedir. Eu pretendia engordar Carolina, mas de uma forma mais saudável. Ontem ela havia reclamado de espinhas, então também teria que evitar coisas doces. Nada de frituras e nem doces. Isso definitivamente tornava as coisas mais difíceis, afinal se é para comer tem que ser algo gostoso não é mesmo?

Revirei a padaria e acabei optando em levar o bom e velho pão de queijo. Faria um suco de laranja e picaria algumas frutas, afinal precisava sobrar espaço para o almoço e esse sim eu não importaria em abusar.

- Mais alguma coisa? – Perguntou Dona Cecília uma das atendentes da padaria.

- Não, hoje é só. Tenha um bom dia.

- Para você também. – Respondeu ela de forma simpática como sempre.

Estava prestes a caminhar em direção a saída quando ouvi uma doce voz chamar pelo meu nome, era ela, Letícia.

- Oi, seu Fernando.

- Oi... Letícia! – Falei tentando me fazer de esquecido, é claro que eu me lembrava muito bem do nome dela, mas na hora pensei que se me fizesse de desinteressado daria um certo charme.

- Os pões de queijo estão bons? – Perguntou olhando para a minha sacola. Eu também a olhei e assenti.

- Sim. Quer dizer, eu ainda não experimentei, mas provavelmente sim. – Sentia-me um tolo quando conversava com ela, da minha boca só saíam coisas inúteis e na maioria das vezes sem sentido. Letícia me deixava nervoso e eu esperava do fundo do meu coração que ela ainda não houvesse notado isso.

- Talvez eu leve alguns. Foi bom te ver. – Falou aproximando-se mais do balcão. – A visita lá em casa ainda esta de pé.

- Claro, é só marcar um dia que nos iremos.

- Que tal almoçarem lá hoje? – Perguntou ela e eu engoli em seco. Como poderia almoçar com a Letícia na casa dos pais dela? Como disfarçar a forma que eu provavelmente a olhava?

- Hoje? – Falei coçando a cabeça em busca de uma desculpa, mas foi em vão. Eu não faria absolutamente nada hoje além de passar o dia todo na frente da TV junto a Carolina. – A Márcia vai trabalhar até as duas. – Foi a única coisa que me lembrei e ainda assim não era uma desculpa boa o suficiente.

- Por que não vem só você e a Carolina? – Poxa Letícia para de arrumar solução! E agora Fernando? Por que você não pode ir com a sua filha almoçar com seus vizinhos da casa ao lado? Eu a encarei por um tempo como se aquele rosto angelical fosse me fornecer uma historia convincente o suficiente para se safar daquilo, mas ao olha-la a minha maior vontade foi dizer sim, sim para o almoço e para todas as outras coisas que ela poderia me pedir futuramente.

- Tudo bem. – Respondi derrotado. – O que eu posso levar?

- Nada, sua presença e a da Carolina são o suficiente. Aguardo vocês ao meio dia, combinado?

- Claro. – Respondi oferecendo a minha mão a ela para que apertasse. E não, eu não fazia ideia do porque eu havia feito isso. Não estávamos fechando um acordo, mas ao tentar ser respeitoso com ela estava me passando como um tolo. Letícia olhou para a minha mão e sorriu como se achasse aquilo extremamente estranho e é claro, ela estava certa. Pelo menos, para o meu constrangimento não ser ainda maior ela a segurou de volta. No vácuo eu não fiquei a olhei sem graça e me despedir.

Na volta para casa eu não me dediquei apenas em rezar para que nenhum cachorro cruzasse o meu caminho, mas também para que eu não cometesse nenhuma grande gafe nesse almoço, afinal bem no fundo eu já torcia para que ele fosse apenas um de muitos que eu teria com Letícia.

...

Quando cheguei a minha casa já eram quase dez horas da manhã, segui para a cozinha e preparei o nosso café, assim que terminei de arrumar a mesa avistei Carolina descer as escadas sonolenta.

- Bom dia meu amor!

- Bom dia! – Respondeu ela espreguiçando-se. – Vejo que alguém caprichou. – Comentou ao aproximar-se da mesa. – Esta tentando me conquistar senhor Fernando?

- Esse é o meu objetivo na vida. – Falei dando a ela um beijo na bochecha. – Não exagere no café porque logo vamos almoçar fora.

- Sério? Em que restaurante você vai me levar? Ou iremos à casa dos meus avós?

- Na verdade, vamos almoçar com os vizinhos do lado. – Falei tentando parecer o mais desinteressado possível enquanto comia alguns morangos.

- Letícia? – Perguntou Carolina e eu apenas assenti. Pude notar que ela ainda me encarava na espera de uma explicação.

- Eu a vi na padaria hoje cedo e ela acabou nos convidando.

- E o senhor é claro não podia recusar. – Implicou Carolina.

- Eu tentei, mas ela é muito insistente. – Menti.

- Sei.

Nosso café da manhã seguiu com Carolina lançando-me olhares desconfiados, o que me deixava extremamente sem graça. Ela me conhecia tão bem que às vezes eu me assustava. Assim que terminamos Carolina me ajudou a ajeitar a cozinha. Tomamos um banho e nos vestimos. Carolina me apressou, pois disse que mesmo conhecendo pouco o pai de Letícia ela sabia que ele odiava atrasos e eu é que não iria correr o risco de deixar o velho de mau humor.

- Nervoso? – Perguntou Carolina ao aproximarmos da porta da casa de Letícia.

- Por que eu estaria?

- Você sabe exatamente o porque. – Respondeu tocando a campainha.

Não demorou muito para que uma simpática senhora atendesse. Ela deveria ter uns 50 anos e lembrava vagamente Letícia. Assim que nos viu ela sorriu.

- Vocês devem ser Fernando e Carolina, certo? Venham, entrem. – Chamou, e assim fizemos. – Meu nome é Julieta. Eu já te vi várias vezes no bairro, mas nunca tivemos a oportunidade de realmente nos conhecer. – Disse referindo-se a mim.

- Sim, eu também me recordo da senhora. – Menti. Eu não me recordava, mas provavelmente havia a visto. Eu não costumo prestar muita atenção nas pessoas, principalmente do meu bairro.

Ela apenas sorriu novamente.

- Vamos para a sala de jantar, Letícia e Erasmo já devem estar descendo. – A casa deles era ainda maior que a nossa e definitivamente melhor decorada. Márcia não ligava para essas coisas e eu mesmo tentando não tinha um olho bom para isso, minha mãe foi quem me ajudou a decorar a casa na ultima vez, mas acabamos tendo diversas controvérsias que me fizeram desistir de tentar algo como isso novamente.

Nos sentamos á mesa que já estava posta, a comida cheirava bem e chegou a me deixar com água na boca. Dona Julieta nos contou que ela mesmo havia preparado aquele banquete sozinha, e eu é claro fiquei impressionado. Apesar de não levar muito jeito cozinhar era uma de minhas paixões, nos finais de semana eu costumava a inventar receitas e testar coisas novas, o que eu não faço a um tempo desde que estraguei a frigideira preferida de Márcia. Sempre que me aproximo da cozinha ela faz questão de me lembrar disso, me desanimando imediatamente de tentar qualquer coisa.

Em menos de cinco minutos avistei Letícia descendo as escadas com o Pai. Erasmo aparentava ser um pouco mais velho que Julieta e ao contrario da mesma não tinha uma aparecia simpática, mas sim rabugenta.

- Olá. – Falou com a voz grossa de forma intimidante assim que se aproximou de onde estávamos. Eu o encarei por um tempo até sentir Carolina pisar no meu pé. Levantei-me rapidamente para cumprimenta-lo.

- Oi, eu sou Fernando e essa é minha filha Carolina. – Falei estendendo-o a mão. Erasmo a encarou por um tempo e eu pensei que não a apertaria, mas assim que a apertou me senti arrependido de tê-la oferecido, seu aperto era tão forte que cheguei a pensar que sua real intenção era quebrar todos os meus dedos.

- O prazer é todo meu. Mesmo morando há meses aqui ainda não havia tido a oportunidade de conhecê-lo, só a Julieta que faz Pilates com a sua esposa. – Disse Erasmo de forma menos assustadora dessa vez. – Falando nisso onde ela esta? – Perguntou.

- Trabalhando, volta apenas à tarde. – Expliquei.

Ele me olhou e fez sinal para que eu me sentasse. Letícia se sentou na minha frente e eu finalmente pude olhá-la. Estava ainda mais lindo do que pela manhã. E notar o carinho que ela tinha com os pais me encantou ainda mais.

Carolina ao perceber que eu já estava olhando demais fingiu um engasgo. Logo entendi e concentrei-me no meu prato. A comida não apenas cheirava bem como também estava deliciosa. Em meio a uma agradável conversa acabei tendo coragem de repetir o prato. Erasmo me contou sobre o seu negócio de vinhos que estava cada dia melhor e ainda pediu para que eu o lembrasse de me dar uma garrafa quando estivesse indo embora. Erasmo era um homem serio que amava a família e estaria disposto a fazer e enfrentar qualquer um por elas e isso me deixou admirado. Julieta por outro lado era tão doce quanto Letícia, parecia ver o mundo de uma forma diferente, conversar com ela poderia lhe proporcionar uma boa sensação de que a vida afinal faria algum sentido e que talvez apenas estivéssemos vivendo-a de forma errada. E eu definitivamente estava.

Letícia ao contrario de seus pais não falou muito durante o almoço, mas o pouco que falou foi o suficiente para que eu levasse varias pesadas no pé de Carolina. As duas falaram sobre a faculdade, sobre os professores e sobre a cidade onde estavam vivendo.

- E você Fernando? Qual faculdade fez? – Perguntou Erasmo.

- Na verdade eu não fiz faculdade. – Respondi e ele e Julieta me olharam espantados.

- Por que não? – Questionou Julieta. E eu soltei um breve suspiro, sempre quis entrar na faculdade, sempre fiz um milhão de planos para que isso acontecesse, mas infelizmente nenhum deles foi colocado em pratica.

- Eu não tive tempo. – Respondi e novamente recebi olhares questionativos, até mesmo de Letícia. Senti-me na obrigação de explicar-me melhor, mas tinha medo de que tal explicação chateasse Carolina. Eu a olhei e ela deu um sorriso frouxo como se dissesse que estava tudo bem. – Eu e Márcia tínhamos 16 anos quando ela ficou grávida de Carolina, logo em seguida nos casamos e eu tive que começar a trabalhar. Mesmo com certa dificuldade consegui terminar o ensino médio. Assim que nos formamos Márcia entrou para a faculdade e eu não pude porque precisava ficar com Carolina, eu pensei que assim que ela se formasse eu poderia começar a minha, mas eu adiei tanto e acabei não fazendo. – Assim que acabei de me explicar notei que eles me olhavam abismados e principalmente Julieta parecia estar com pena.

- Bom... Você fez o certo. Família em primeiro lugar. – Falou Erasmo, exibindo pela primeira vez algo próximo a um sorriso.

- Ainda dá tempo de entrar, se esse ainda for o seu desejo. – Disse Letícia.

- Acho que já estou um pouco velho para isso. – Respondi sincero.

- Por favor, senhor Fernando, você não chegou nem nos quarenta ainda. Velha sou eu e o Erasmo.

Julieta, Letícia e Carolina riram, mesmo querendo não me senti a vontade em fazer o mesmo.

- Eu concordo com Letícia. – Disse Erasmo dando um gole em seu vinho. – Se o senhor ainda quer, deveria correr atrás disso. Vou lhe contar a história de um tio meu, o tio Lazáro...

- Papai! – Repreendeu Letícia.

- O que foi? Tenho certeza que ele vai gostar. – Respondeu Erasmo continuando e eu poderia dizer a vocês sobre o que a historia falava se ela não fosse tão chata a ponto de fazer o meu cérebro desligar novamente.

Após o almoço ainda tivemos uma deliciosa torta de sobremesa, conversamos durante um bom tempo e eu contei para eles sobre a empresa do meu pai. Havia comido tanto que estava com medo de não conseguir me levantar da mesma, mas ao ouvir o meu telefone tocar e ver na tela o nome de Márcia o susto fez com que eu desse um pulo. Ela nunca me ligava a não ser que fosse algo sério. Pelo menos para ela.

- Eu preciso atender. É a minha esposa.

- Tudo bem. – Disse Erasmo. – Pode conversar mais a vontade ali na sacada. – E assim o fiz, caminhei até a sacada para atender ao telefone.

- Alô?

- Finalmente! Pensei que teria que ir até ai para abrigar você a atender essa merda de telefone. – Respirei fundo, não queria brigar.

- Eu estava ocupado.

- Ocupado? Por favor, Fernando! Quem esta ocupada sou eu que estou trabalhando desde as oito da manha e vou largar só ás três da tarde. De qualquer forma eu não liguei para discutir quem é que trabalha mais nessa família, mas sim para te lembrar de que a festa vai ser ás sete, então faça tudo que eu escrevi no bilhete antes disso. – A festa. Droga, havia me esquecido completamente dela. Honestamente eu nem se quer li o bilhete por completo, mas se Márcia soubesse disso me mataria.

- Sim, claro. Não se preocupe.

- Ótimo! Eu vou para o salão com umas colegas assim que o meu experiente terminar, então quando faltar quinze minutos para ás sete horas você passa aqui para que a gente vá. Combinado?

- Sim. – Respondi. Não estava com nenhum pouco de animo para ir nessa festa, mas não queria ver a Márcia zangada comigo o resto da semana.

- Deixa um dinheiro para Carolina comprar algo para jantar e pede ela ajuda para dar um jeito nesse seu cabelo. Pelo amor de Deus Fernando não se atrase! – Disse quase gritando. Afastei o telefone do ouvido para não correr o risco de ficar surdo.

- Não irei. – Prometi.

- Ok. – Respondeu ela com um tom de voz mais calmo. – Vejo você mais tarde.

- Até. – Respondi desligando o telefone logo em seguida. Caminhei até a sala de jantar onde todos ainda estavam reunidos. Conversamos por mais um tempo e depois eu e Carolina ajudamos eles a recolherem tudo, mesmo ambos insistindo para que não o fizéssemos.

- Por que não fica para assistir ao jogo? – Convidou Erasmo, e aquela era uma proposta tentadora.

- Eu adoraria, mas não posso. Se eu atrasar para a festa minha esposa me mata. – Expliquei. Os três riram e apenas Carolina sabia que eu estava falando serio.  – O próximo será lá em casa, combinado?

- É claro. – Respondeu Erasmo segurando minha mão e me dando alguns tapinhas no ombro. Logo nos despedimos de Letícia e Julieta e seguimos para a nossa casa.

- Até que você se comportou bem. – Disse Carolina assim que entrei. – Não encarou tanto a Letícia.

- Sim, porque eu tive dó do meu pé.

- Sinto muito por isso, só não queria que o Erasmo percebesse e te expulsasse a ponta pés.

- Tudo bem. – Falei beijando sua testa. – Agora você vai ter que me ajudar a me arrumar para a festa que vou ter que ir com sua mãe. Falei subindo rapidamente as escadas.

- Pai? Onde você esta? – Gritou Carolina do andar de baixo. Peguei a carta e o envelope com os convites que Márcia havia deixado no meu criado mudo e depois fui novamente ao encontro de Carolina.

- Essa é a lista de tudo o que sua mãe quer que eu faça. – Disse entregando-a o bilhete. Carolina me olhou desconfiada e começou a ler. Ela soltou uma risada debochada e sacudiu a cabeça.

- Isso é serio? – Perguntou.

- Seriíssimo. – Respondi.

- E o senhor vai mesmo fazer tudo que ela esta mandando? – Apenas assenti. – Isso é inacreditável pai.

- Eu não quero irrita-la...

- Mas isso é humilhante. – Interrompeu Carolina. – Ela te trata como você fosse o brinquedo dela e quer que você esteja impecável para apresentar para os coleguinhas. Não posso deixar o senhor se submeter a isso.

- Não se preocupe comigo Carol, eu já estou acostumado...

- Mas não deveria. Você precisa ter uma voz. - A olhei com ternura sabia o quanto Carolina se preocupava comigo, mas estava bem. Na medida do possível.  Já havia me acostumado com minha relação com Márcia e não via nenhum problema em fazer o que ela havia pedido.

- Eu prometo que vou lutar para que as coisas mudem. – Disse sincero, eu realmente pretendia fazer isso. – Mas só por hoje pretendo agradar a sua mãe. Pode me ajudar nisso? – Pedi. Carolina hesitou um pouco mais acabou concordando.

O primeiro passo foi separar o meu terno, o analisei a procura de qualquer sujeira ou macha, por sorte ele estava impecável. O passei e o pendurei na parte mais vazia do nosso closet, não queria que o contato com outra roupa o amarrotasse novamente.

Carolina cortou o meu cabelo, algo que ela já fazia desde os 12 anos, ela sempre teve jeito para essas coisas e o seu sonho de menina era ter um salão, mas Márcia insistiu tanto que ela acabou se rendendo a Odontologia. Minha barba se encontrava maior do que eu normalmente a deixava e com a ajuda de Carol eu a aparei, em seguida engraxei os sapatos e tomei um demorado e relaxante banho de banheira. Porque era exatamente isso que eu precisava: Relaxar. Provavelmente ouviria e aguentaria muita coisa naquela noite e deveria estar o mais calmo que o normal para não fazer uma cena na frente de dezenas pessoas que eu não conhecia e não tinha vontade nenhuma de conhecer.

As seis em ponto eu sai do meu banho, me perfumei e troquei de roupa. Carolina me ajudava com o nó na gravata.

- Você está muito lindo pai. – Comentou Carolina ao terminar de me ajudar com o terno.

- Obrigado.

- Desse jeito vai até arrumar uma namorada. – Brincou.

- Você esta lembrada de que eu estou indo com a sua mãe, certo? – Perguntei.

- Sim, mas uma garota pode sonhar não é? – Respondeu me puxando para um beijo na bochecha. – Eu te amo tanto pai, por favor, nunca mude esse seu jeito de moleque por ninguém.

- Infelizmente não posso prometer isso, porque hoje interpretarei um homem maduro.

- Ainda bem que não estarei lá para assistir. Agora vai logo antes que se atrase e a Dona Márcia te mate. – Pediu. Despedi-me de Carolina com um beijo e segui em direção à garagem, ao dar pardita no carro me assustei com um cachorro que passava pelo meu jardim e acabei esbarrando o carro em uma das roseiras de Márcia. Fechei os olhos e bati a cabeça no volante algumas vezes. Ela iria me matar. Pensei em sair e tentar concertar aquilo, mas eu estava atrasado e não podia chegar com o terno sujo de terra, porque seria morto de qualquer forma. Por isso optei em seguir em frente e rezar para que ela não percebesse o que havia acontecido, pelo menos não hoje.

Assim que cheguei ao salão que Márcia havia me indicado ela me esperava do lado de fora enquanto conversava com algumas mulheres. Márcia estava muito bonita com um longo vestido de vermelho, e assim que me viu estacionar ela sorriu. Se ela sorriu e ao invés de ter ficado feliz com esse ato eu me assustei.

- Bom meninas eu vou indo. Vejo vocês daqui a pouco. – Falou ela abrindo a porta do carro e entrando. As mulheres acenaram e ela correspondeu fazendo em seguida um sinal para que eu seguisse em frente.

- Você esta muito bonita. – Comentei. E ela me olhou erguendo uma de suas sobrancelhas.

- Você também não esta nada mal. – Respondeu após me analisar de cima a baixo. Dei um sorriso torto e voltei a me concentrar no transito.

A festa seria em um dos maiores salões de nossa cidade que se localizava em um bairro chique, onde meus pais moravam. Assim que nos aproximamos do local um manobrista apareceu oferecendo-se para estacionar o carro. Eu poderia estacionar o carro sozinho e eu queria fazer isso, mas ao perceber que essa era a minha intenção Márcia me fuzilou com o olhar e eu rapidamente cedi às chaves a ele. A beleza dela naquela noite já havia desaparecido e a velha Márcia estava de volta.

Ela entrelaçou os braços nos meus e caminhamos em direção ao salão, como era de se esperar eu não conhecia ninguém que estava ali, e assim que entramos todos os olhares se direcionaram a nos. Márcia parecia não se importar com isso, afinal, ela sempre gostou de ser o centro das atenções, mas eu me sentia desconfortável e sabia que cedo ou tarde iria cometer uma grande gafe e a envergonharia a ponto de brigar comigo mesmo estando na frente de todo mundo.

Márcia me arrastou para o meio daquela multidão e saiu me apresentando para alguns colegas, parecíamos até mesmo um casal. Ela era simpática com todos e eu fiquei me questionando o porquê dela não conseguir ser assim dentro de casa.

- Esse é Otávio, meu chefe e essa é a sua esposa Bárbara. – Apresentou Márcia, um homem alto e grisalho e uma mulher magra e loira.

- Muito prazer. – Respondi apertando a mão de Otávio. – Senhora... – Falei beijando a mão de Bárbara. Márcia me deu uma cotovelada no mesmo instante, estaria ela com ciúmes?

- O prazer é todo meu. – Respondeu Bárbara. – Márcia nunca havia mencionado que tinha um marido tão jovem e charmoso. – Completou ela em meio a um sorriso frouxo. Após esse comentário olhei imediatamente para o seu marido, mas ele não pareceu se importar. Provavelmente os dois estavam em um casamento parecido com o meu.

- Sabe como é. – Disse Márcia abraçando o meu braço esquerdo. – Eu não costumo ficar me gabando por ai do que eu tenho em casa. Isso pode atrair olhares invejosos. Não é mesmo amor? – Amor? Márcia havia mesmo me chamado de amor? Eu não ouvia isso já fazia uns dez anos.

- Claro querida. – Respondi entrando na brincadeira também. Otávio deu uma risada a qual eu podia jurar que foi de deboche. Bárbara olhava para Márcia com um certo desdém e logo notei que as duas provavelmente se odiavam e passavam a maior parte do tempo se alfinetando.

O restante da noite foi perturbador, e os diversos copos de uísque que tomei não pareciam me ajudar a suporta-lo. Os colegas de trabalho de Márcia eram esnobes e fúteis e ela é claro parecia se encaixar muito bem ali. Carolina estava certa, ela me queria lá para me usar como um boneco e me exibir para todos, fazendo o retrato de um casamento perfeito que estava longe de ser o nosso. Nos sentamos em uma mesa junto a Otávio e Bárbara. Márcia conversava com Otávio enquanto eu estava concentrado na comida, que por sinal estava ótima. Um ponto positivo para a festa. De repente me assustei ao sentir algo acariciar a minha perna. Devido ao medo pensei que fosse um cachorro, mas após considerar essa ideia impossível concentrei-me em minha comida novamente, até que as carias voltaram. Era um pé. Mas de quem? Se tem uma coisa que eu sou, essa coisa é curioso, por isso disfarçadamente olhei de baixo da mesa. Era Bárbara.

Meu corpo gelou aquela mulher só podia ser louca. Eu estava ao lado da minha esposa e ela ao lado do marido dela, mas não parecia se importar com isso. Tentei ignorar aquelas carias, mas quando elas subiram, eu não pude evitar em dar um pulo.

- Esta tudo bem Fernando? – Perguntou Márcia. E Bárbara me olhou mordendo os lábios. Louca, ela era louca.

- Sim, sim. – Falei nervoso. – Eu só preciso ir ao banheiro. – Completei, afinal, foi à primeira desculpa que encontrei para sair daquele lugar. Márcia me encarou desconfiada.

- Tudo bem, vamos ficar te esperando aqui. Não demore. – Apenas concordei e sai rapidamente daquele lugar, pude notar que Bárbara me olhava, mas decidi não me virar, porque do jeito que era doida ia acabar indo atrás de mim.

O banheiro estava lotado e eu não tinha vontade nenhuma de ir, mas precisava encontrar algum lugar para fazer hora. Caminhei em direção a uma área aberta para tomar um ar, mas era a área de fumantes e assim que respirei fundo me engasguei com a fumaça.

Comecei a tossir e notei que um rapaz ria enquanto me olhava, ele era familiar.

- Acho que você esta no lugar errado. – Comentou ele.

- E eu tenho certeza respondi. – Assim que o olhei melhor logo o reconheci. – Você é o Omar não é? Filho dos Carvajal?

- Sou sim. – Respondeu.

- Eu sou Fernando, seu vizinho da frente. – Falei entendo-a a mão. Ele me olhou animado e a apertou.

- Ah claro! Você é o pai daquela gos... Menina inteligente. – Fiz a minha melhor cara de bravo para encara-lo, mas não a mantive por muito tempo.

- O próprio. – Respondi. Omar apenas riu e deu mais um trago em seu cigarro.

- Esse tem um cheiro diferente não é? – Comentei me referindo ao cigarro.

- É porque é maconha. – Respondeu ele calmamente e eu arregalei os meus olhos. Como ele tinha coragem de admitir assim? – Quer um trago? – Perguntou.

- Não, não. Muito obrigado. – Neguei.

- Tem certeza? Parece que você esta precisando relaxar.

- Sim eu tenho.

- Tudo bem então. Quando precisar é só bater lá em casa.

- Você é traficante ou algo assim? – Perguntei.

- Não eu sou fornecedor.

- Fornecedor de drogas?

- Sim.

- Então não é o mesmo que traficante?

- É, mas... Acho o termo “traficante” um pouco pesado. Eu só vendo maconha e eu mesmo a planto.

- Isso parece errado. – Confessei.

- Por favor, não conte o meu pai. Ele não sabe. – Pediu Omar.

- Eu não posso te prometer isso. – Respondi de forma sincera. Eu sempre fui um homem muito correto e saber de uma informação dessas e permanecer calado não fazia parte dos meus princípios.

- Por favor, eu fico te devendo uma e assim que você precisar de mim, farei o que quiser.

- Eu vou pensar. – Falei e realmente pensaria. Não era tão simples bater na porta da casa dos pais deles e acusa-lo de algo como esse. Omar era jovem e jovens fazem coisas estúpidas. Eu melhor do que ninguém sabia muito bem o que era isso.

- Obrigado.

Passei mais tempo conversando com Omar do que havia planejado, e percebi que a vida dele era tão fodida quanto a minha. Omar não havia conseguido passar em nenhuma faculdade e todos os empregos que ele havia tido não duraram muito, as pessoas queriam alguém com experiência, mas não davam a oportunidade para que pessoas jovens como ele adquirissem essa experiência. Enquanto eu estive com ele Omar não fumou mais, mas nos pegamos uma garrafa de uísque e nos sentamos em uma mesa afastada dentro do salão para bebermos e conversarmos.

- Você é um homem engraçado Fernando. – Falou ele com a voz embriagada.

- Você é que está bêbado e drogado demais para achar isso. – Respondi e caímos em uma longa gargalhada. Assim como Omar eu havia bebido demais e sentia que não tinha força o suficiente para me levantar daquela cadeira. As pessoas que passavam por nossa mesa pareciam nos encarar, mas dessa vez eu não me incomodei. A bebida fez com que eu me sentisse alegre e naquele momento era tudo o que me importava. Omar tentava me contar uma piada, mas sempre era interrompido por sua própria risada. E eu acabava rindo também. Meu sorriso só se desmanchou a avistar Márcia caminhando furiosa até a nossa direção.

- Onde você estava? – Perguntou cruzando os braços. – Eu estou que nem uma retardada te esperando há horas! Você disse que só iria ao banheiro e nunca mais voltou.

- Calma, calma. – Pedi e minha voz saiu mais estranha do que o esperado.

- Você está muito bêbado Fernando.

Eu apenas ri e ela me olhou com mais raiva ainda.

- Sim eu estou. Esse é meu amigo Omar, ele é filho dos nossos vizinhos da frente. – Apresentei, mas Márcia pareceu não se importar.

- Vamos embora antes que você me faça passar por algum vexame na frente de toda essa gente. – Chamou.

- Não eu não quero ir. – Falei.

- Ah, mais você vai.

- Não.

- Vai sim.

- Não.

- Fernando! – Xingou ela. Omar assistia a tudo aquilo calado e parecia estar se divertindo. – Por favor. – Pediu segurando o meu braço com delicadeza.

- Tudo bem. – Disse me rendendo. – Até mais Omarzinho.

- Até brother. – Respondeu ele.

Márcia me arrastou para fora do salão evitando que eu cruzasse com alguém, pois achava que eu não estava em condições de me comunicar com nenhum dos seus amigos. Entramos no carro e é claro ela foi quem dirigiu. Seguimos o caminho todo em silêncio, Márcia às vezes me olhava e suspirava pesadamente, provavelmente estaria fazendo o seu discurso para me xingar assim que chegássemos em casa.

Ela me arrastou para dentro e me mandou tomar um banho gelado. Carolina já estava dormindo e por sorte não nos viu chegar. Assim que entrei no quarto, Márcia me olhou com desprezo sacudindo a cabeça.

- Precisava beber tanto Fernando?

- Me desculpe. Acho que me descontrolei. Estava me sentindo deslocado. – Ela revirou os olhos e se deitou pesadamente na cama.

- Tudo bem, eu deveria saber que não posso contar com você para nada. – Respondeu. E por algum motivo aquelas palavras doeram mais do que o esperado.

...

Domingo, 6 de Dezembro de 2015.

Acordei com a minha cabeça explodindo, tive uma enorme dificuldade em abrir os meus olhos, mas assim que consegui avistei um copo de água e um comprimido. Os tomei e logo em seguida peguei o bilhete que estava junto a eles.

“Você provavelmente vai precisar disso após a sua palhaçada de ontem. Poderia esconder todos os remédios da casa e deixar que você passasse o dia inteiro com a cabeça doendo, mas não sou tão mal assim. Fui até ao clube com minhas amigas do trabalho, Carolina não quis ir, então você é quem vai ficar por conta dela. Não façam muita bagunça e nem gastem muito dinheiro. Volto antes das seis. Beijos. Márcia.”

Revirei os olhos ao terminar de ler, Márcia não se importava em passar nem um dia se quer com Carolina. O que para mim era bom já que adorava o meu tempo sozinho com a minha filha, mas sabia que no fundo ela sentia falta da mãe. Márcia nunca teve muito jeito para essas coisas, principalmente para demonstrar carinho. Ao longo do nosso casamento sempre que eu chegava a sugerir que tivéssemos mais filhos ela quase me apedrejava. Acabei desistindo de insistir.

Meu domingo com Carolina havia sido maravilhoso: Nos fizemos o almoço juntos e depois fomos a uma sorveteria perto de casa, visitamos os meus pais e passeamos pela pracinha que sempre íamos quando ela era criança. Carolina e eu sempre tínhamos assunto um com o outro e uma grande liberdade.

- Então a festa foi realmente um desastre? – Disse ela se sentando em um dos balanços da pracinha.

- Eu me diverti. – Respondi sincero. – Acha que isso me aguenta? – Perguntei referindo-me ao balanço ao lado do dela.

- Acho que você pode tentar. – Sugeriu e eu me arrisquei sentando-me.

- Pelo menos não quebrou. – Comemorei.

Ficamos mais um bom tempo lá e eu narrei a ela todos os acontecimentos da festa, omitindo é claro a parte em que o Omar foi abusado o bastante ao chamá-la de gostosa. Eu poderia ter gostado dele, mas eu era ciumento, principalmente com a minha filha. E enquanto eu pudesse manter o maior numero de rapazes possíveis longe dela eu manteria.

Voltamos para casa e Márcia já estava lá. Nos três fomos para cozinha e preparamos o jantar, apesar de ter tido algumas discussões em momentos como esse eu me sentia parte de uma verdadeira família e isso me deixava realizado.

Subi para o meu quarto na intenção de dormir mais cedo, afinal, no dia seguinte eu tinha trabalho, e até então não sabia, mas aquele dia séria também o começo da grande mudança em minha vida. 


Notas Finais


Ao contrário de "Fernando" essa história não se desenvolverá tão rápido, mas isso não significa que será enrolada, apenas mais rica em detalhes. Espero que fiquem atentos em cada uma das cenas desses primeiros capítulos porque além de serem cruciais para os acontecimentos que estão por vir, ela também dá várias pistas deles. Na segunda parte desse capítulo vocês finalmente irão entender o motivo do titulo essa história ser " O Vigia" além de ter um grande aproximamento entre Letícia e Fernando. Obrigada por todos os comentários no capítulo anterior.


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