Eu estava prestes a ter um fim trágico sem ao menos ter a chance de revidar... bom, pelo menos é isso o que acontece quando uma pessoa se depara com uma situação quase inacreditável, quando nos deparamos com o desconhecido, na verdade, eu já li sobre isso em algum lugar, em casos de perigo extremo o corpo libera uma grande quantidade de adrenalina para que o organismo possa se proteger — seja correndo, nadando ou lutando contra a ameaça — mas há casos em que o corpo não esboça qualquer reação, está é a condição em que chamamos de “fingir-se de morto”. De acordo com Sartre, todos os homens sentem medo e quem não tem medo não é alguém que se possa classificar como normal, afinal, medo não tem nada a ver com coragem. Acho que agora eu entendia bem aquelas palavras, meu corpo sem se mover diante de uma situação desesperadora e tudo o que eu posso fazer é filosofar comigo mesmo nos segundos finais que antecedem o meu possível fim.
Não! Não posso ter um fim aqui que irá comprometer a missão, minha total devoção à terra é uma prova disso. Deixei para trás família, amigos e meus superiores. Não devo trair a confiança deles em um momento como esse, general Ernesto ainda espera por um relatório, e é nesse relatório que irei comunicar a notícia mais impactante de todo o projeto “visitantes”, a existência da magia.
Tenho que ganhar algum tempo, a arma de gelo está em meu bolso direito, se eu usá-la, posso ganhar algum tempo até que os guardas sintam minha falta, mas tenho que acreditar que Sir Magnus vai ser rápido o suficiente, assim ele poderá me salvar. Magia, é? Esse encapuzado de vestes negras não perde por esperar, se é com magia que ele quer brigar, irei lhe apresentar uma porção do que é a tecnologia. Enquanto ele utiliza sua magia para atirar chamas em minha direção, eu utilizo minha arma de gelo para tentar ganhar algum tempo, mesmo com os meus músculos vacilando devido ao choque psicológico, eu ainda consegui pará-lo. Talvez ele também esteja surpreso, pelo menos é isso que devo torcer para que ocorra.
Finalmente minhas previsões estavam corretas, Sir Magnus sentiu que algo estava errado, era possível escutar alguém correndo rapidamente para o local onde labaredas de chamas foram lançados há pouco tempo. O cara do capuz negro agora voltava suas forças para derreter o gelo, mas antes que eu pudesse apertar o gatilho mais uma vez para impedi-lo, dois comparsas o ajudaram.
Sir Magnus chegou alguns segundos após a fuga daqueles que me atacaram, eu estava suando frio, acabara de descobrir a existência de algo que deve ser relatado aos meus superiores o mais rápido possível. Logo após a chegada do cavaleiro vermelho, Lucrécio e os guardas que nos acompanhavam chegaram também.
“Mas o que aconteceu aqui?”
Um dos guardas pergunta.
“Eu estava me preparando para voltar ao local de onde nos separamos quando fui surpreendido por um cara de capuz trajado com vestes negras, e ele não estava sozinho, havia mais duas pessoas que o ajudaram a fugir”
Eu expliquei também sobre a minha luta contra o capuz negro, e pelo que pude perceber, algo deixava Sir Magnus intrigado, uma vez que ele estava analisando os arredores.
“Explique-me, como exatamente você lutou contra eles?”
“Eu usei magia de gelo contra eles”
“An? Magia?”
Lucrécio interveio rapidamente.
“Lucrécio, cale-se!”
Sir Magnus o retrucou.
“Merlim, o que você está dizendo é que pode utilizar magia de gelo?”
Sir Magnus estava agora com seus olhos totalmente focados em mim, acho que seria questão de tempo até que ele ligasse os fatos de que alguns guardas sob seu comando tinha sido presos sob efeito de uma magia de gelo. Mas agora não há tempo para me preocupar, pelo olhar dele, ele ficou mais surpreso com o fato de eu estar utilizando magia do que os próprios encapuzados, em circunstancias normais isso seria estranho, será que ele tem alguma ideia de quem sejam os malfeitores que me atacaram?
“Sim, isso mesmo, mas foi em legítima defesa, talvez eu não iria sobreviver se não revidasse. Mas por que o senhor pergunta? Pensei que os encapuzados utilizando magia é que fosse o problema, não é mesmo?”
“Você está certo, de acordo com os relatos, criminosos estavam utilizando magias para seus crimes, mas eu não permitir que colocassem isso no cartaz. Isso poderia causar pânico desnecessário já que eu próprio estaria vindo resolver a situação. Me desculpem por não ter-lhes contado.”
Nossa, nem mesmo eu acreditaria que um nobre poderia chegar a pedir desculpas a simples burgueses. Todavia, talvez isso é o esperado de alguém que carrega o titulo de um cavaleiro.
“Mas parece que estamos diante de uma situação deveras intrigante, sr. Merlim”
“An? Não estou entendendo”
Eu não esperava que ele estivesse mais curioso com relação a mim do que aos próprios criminosos, o que será que o preocupava? Lucrécio e os guardas me olhavam com uma ar de curiosidade ao mesmo tempo em que apenas ficavam calados observando as deduções de Sir Magnus.
“O tipo de magia que você usou não é comum. Geralmente as magias são baseadas nos elementos da natureza, ou seja, fogo, terra, água e ar. Para criar gelo seria necessário mesclar os elementos ar e água, que é extremamente difícil”
Droga! Eu sabia que utilizando minha arma algo assim aconteceria, mas não pude esperar que isso causasse um impacto desse tipo. Sir Magnus continua explicando:
“São poucos os que tem uma magia única com dois elementos. Podemos contar com você nas próximas missões meu jovem?”
“Sim, podem contar comigo. Mas, posso fazer uma pergunta?”
Sir Magnus assentiu com a cabeça.
“Existe alguma restrição quanto ao uso de magia?”
“Depende, menos da metade da população da cidade pode utilizar a magia como bem entender. Geralmente a magia é um dom que precisa ser estudado, e somente alguns nobre tem acesso ao ensino de magia, por isso a magia é mais poderosa em nobres do que nas outras pessoas”
“Espera, quer dizer que a magia é algo que pode ser treinada?”
“Bom, algo assim. Antes de eu me tornar um cavaleiro, eu precisei aumentar minha proficiência em magia do elemento terra, isto é, precisei entrar na universidade. Você também pretende ir para universidade, não é?”
“Sim, é isso mesmo. Mas como você soube?”
“Lucrécio me disse”
Eu olhei para Lucrécio e ele parecia expressar algo como um pedido de desculpas. Logo após o incidente, voltamos para a muralha e depois fizemos um relatório a respeito dos caras encapuzados. Depois de uma noite intensa de descobertas interessantes, eu me preparava para ir embora junto com Lucrécio quando...
“Sr. Merlim”
Sir Magnus me chamou.
“Preciso acertar com você algumas pendências, venha aqui”
Lucrécrio assentiu com a cabeça e disse que iria me espera. Eu e Sir Magnus seguimos em direção ao escritório dele na muralha, era uma sala bem limpa e grande, com estandes de livros em cada lado da sala, ao fundo estava uma mesa com alguns papéis empilhados e com uma enorme janela com vista para o interior da cidade. Eu estava olhando em cada canto da sala até ele me chamar a atenção.
“Aqui, este é o dinheiro da recompensa pelo seu trabalho proposto no cartaz. Espero que você nos ajude novamente até encontrarmos os encapuzados”
“Sim senhor. Mas eu irei trabalhar apenas apara adquirir dinheiro suficiente para entrar na Universidade Suevos, até lá, eu posso deixar o trabalho a qualquer momento”
“Bom, você pode escolher isso se quiser, mas eu tenho uma proposta bem interessante caso você tenha interesse”
“Proposta?”
“Sim, eu posso ajuda-lo com a universidade. Na verdade, eu posso fazer com que você não tenha que pagar a taxa de admissão”
“Essa é uma proposta muito boa para ser verdade, mas acho que você não daria essa oportunidade de bom grado para alguém como eu. O que você está planejando Sir Magnus”
“Acho que você é mais esperto do que podia imaginar, sr. Merlim. Sim, eu não daria de bom grado uma oportunidade dessas, não para uma pessoa qualquer. Mas você é diferente, você e essa sua magia de gelo. Digamos que o que eu preciso é que você continue trabalhando com a gente aqui na muralha. Empreste seus poderes a mim e eu poderei ajuda-lo, caso você não saiba, já que é um viajante, meu nome é Magnus Suevos, ou seja, sou filho do rei.”
Minha nossa, talvez a sorte esteja do meu lado, ou talvez isso seja uma armadilha. Se o filho do próprio rei Suevos está utilizando sua influência por conta de uma suposta magia de gelo, não imagino o que ele poderá fazer comigo quando descobrir que o que eu uso é um dispositivo que permite congelar o alvo dentro de uma determinada área e não algo que emana do meu corpo. Mas depois de um cientista, eu sou um soldado a serviço da terra, está é uma oportunidade de ouro para entender as leis deste mundo. Os riscos são pequenos comparados aos gastos do projeto “visitantes”.
Eu aceitei a proposta de Sir Magnus... não, de Magnus Suevos, o filho do rei Suevos. Antes nobre do que um cavaleiro, isso vai ser de grande ajuda para minha missão. Agora eu devo aproveitar o resto da noite para escrever um relatório do que aconteceu nos últimos dias em que eu estive aqui, mal posso esperar para ver a reação dos generais quando souberem.
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