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História Obscuro - I


Escrita por: coldweather

Capítulo 1 - I


Três e meia de uma madrugada frígida, e lá estavam os meus pneus percorrendo a rodovia pacífica. Estava realmente satisfeito por ter tomado a decisão de dirigir na madrugada, porque se esperasse pela manhã do dia seguinte – que era a preferência dos meus pais que não gostavam nem um pouco de me imaginar dentro de um carro de madrugada – enfrentaria um trânsito pavoroso, e isso é um grande castigo quando você nasce desprovido de qualquer resquício de paciência. Eu odiava com todas as minhas forças rodar com baixa velocidade, ficar parado em uma fila de carros enorme por vários minutos e às vezes por horas intermináveis.  Daquela forma, no escuro e no completo vazio, era como se eu estivesse no comando da pista. Apenas eu e os meus vagos pensamentos.

Estava tão afastado e tão envolvido com o trabalho do outro lado da cidade, que já estava sentindo falta da minha família e da casa onde havia sido criado. Aquele cheiro de caramelo impregnado nos carpetes, as janelas com grades de proteção porque minha mãe morria de medo de altura, mesmo morando no sétimo andar do prédio... Não entendia a sua lógica, mas pouco me interessava já que ela tinha qualidades maravilhosas. Ela era a melhor pessoa do mundo. Seu coração era puro e sempre estava pronto para ajudar qualquer pessoa que fosse.

 Já conseguia visualizar a alegria e o brilho de seus olhos ao ver o seu menino grande – era assim que ela gostava de me chamar – que já havia feito à cobertura de mais de duzentas e cinquentas reportagens. Eu era o motivo de seu orgulho, ela sempre fez questão de deixar isso muito claro para mim e para o restante da família e amigos próximos.

Antes as pessoas não depositavam nenhum pingo de confiança em meu futuro, e para ser sincero, nem eu mesmo. Estava longe de ser um exemplo de pessoa, não era um aluno interessado, nunca dava a mínima para os estudos. Enquanto os meus amigos estavam trancados dentro do quarto nos finais de semana enfrentando os livros para passarem em vestibulares, eu estava me drogando e me afogando em bebidas no bar da esquina, sem me importar com o porvir. Fui o típico adolescente rebelde que presenteava frequentemente os meus pais com preocupações e dores de cabeça. Entretanto, com o passar do tempo, fui adquirindo certo grau de maturidade e a minha fase – mamãe, olhe para mim – acabou me abandonando.  Em um clique, acabei reconhecendo que estava errado e que a minha vagabundagem precisava cessar.

Decidi cursar jornalismo quando notei que levava jeito para a área. Como nada é fácil da vida, fui drasticamente barrado pelo meu pai. “Jin, desista disso. O jornalismo não é pra você.” Ele queria que eu o ajudasse em sua empresa de turismo, mas eu sabia que aquilo que não era pra mim. Eu ansiava me aventurar, fazer o meu nome, mostrar para todos do que eu era capaz. No principio, as discussões já eram rotineiras em casa, porém quando meu pai reconheceu que eu realmente estava encantado com o meu curso, decidiu interromper as pressões que me cercavam a todo o momento.   

Com a minha carreira, havia conseguido subir na vida e até mesmo mimoseá-los com uma nova casa e um carro para o meu pai. De qualquer forma, eles estavam felizes por me verem realizado. Constantemente ficavam impressionados com a dimensão da minha influência na mídia. Quando me assistiam diariamente na televisão, sabia que ficavam empolgados. E eu gostava de ser jornalista. Manter as pessoas informadas sobre o mundo que, infelizmente ficava cada vez pior. Envolto com tanta tragédia, covardia e violência... Claramente, essa era a parte mais difícil. Eu nunca estava totalmente preparado para lidar com tanta atrocidade. Uma vez, me disseram que eu me acostumaria com tudo aquilo e que as tragédias passariam a serem naturais para mim. Ainda estava esperando por este dia.

Permiti que o céu acima de minha cabeça me envolvesse. As nuvens alaranjadas pairavam pelo céu decididamente, tentando ocultar as estrelas. Lembrei-me de quando eu tinha mais ou menos cinco anos, e amava acordar no meio da noite apenas para observar as pequeninas luzes. Sentia-me o maior aventureiro de todos os tempos, e o fato de eu saber que era o único acordado da casa me fazia parecer poderoso.

O costume foi ficando para trás, eu sempre estava cansado demais para conseguir acordar no meio da noite. A minha rotina era exaustiva o suficiente para que eu passasse os finais de semana envolto nos meus lençóis e me alimentando de industrializados. Tudo bem, eu fugia um pouco dos padrões dos caras da minha idade, mas eu realmente valorizava muito a minha carreira e me dedicava ao máximo.

Enquanto eu descansava, Kim Taehyung assumia o meu lugar. Ele tinha muito talento, nisso eu tinha que concordar, mas não éramos colegas de trabalho. Ele tinha a vida dele e eu tinha a minha. Ele fazia o seu papel e eu fazia o meu. Sabíamos separar as coisas, simples assim. Não sabia exatamente o que me incomodava nele. Talvez fosse aquele típico sorriso quadrado ou a sua mania irritante de fazer todo mundo rir como se fossem loucos nos corredores do estúdio, ou talvez fossem os seus cabelos tingidos que eu achava impróprios demais para um sério jornalista.

Estava começando a ficar entediado e ainda tinha muito chão pela frente com toda aquela paisagem tranquila e inativa, enquanto o farol do meu carro iluminava todo o percurso. Foi só me dar conta disto que subitamente meus olhos captaram ao longe algo que se parecia muito com uma silhueta. Foi preciso que eu forçasse a minha visão para ter a certeza de que se tratava mesmo de uma pessoa. Diminui a velocidade, até aproximar-me.

Meus lábios se abriram automaticamente ao perceber que se tratava de um garoto. Ele estava completamente imóvel e insistia em fitar algum ponto no chão. Possivelmente estava morrendo de frio porque suas roupas estavam muito longe de serem quentes.  

Já com o carro inerte, pude o analisar melhor. Sem dúvida, ele era mais novo do que eu. Sua regata preta deixava em evidência a pele lívida dos braços e o seu cabelo era completamente negro, se permutando com a imensidão atrás. Era curioso. Por que um garoto estaria parado de madrugada naquele lugar, aparentemente sozinho? Senti-me na obrigação de abaixar o vidro fume, suportando o furor do frio que golpeou o meu rosto brutalmente. Contorci-me, ainda observando o garoto que continuava na mesma posição.

— Ei. – Minha voz quebrou o silêncio, fazendo com que ele olhasse ligeiramente para mim. Senti um arrepio atravessar a minha espinha dorsal. Seus olhos lembravam-me pedras de ônix muito absorvedoras. Minhas palavras empacaram no meio da garganta, pois me senti impedido de pronunciar qualquer palavra que fosse. Estranhamente, a minha presença não o espantou, mas eu estava sendo surpreendido por um temor distinto. 

— E aí. – Sua voz soou rouca, permutada com o vento. Seu olhar continuou fixo ao meu e seus lábios marcavam uma linha rígida.

— V-você... Você está perdido?

Seus cabelos balançavam rebeldemente com a ventania. Ele pendeu a cabeça levemente para o lado, observando a minha expressão assustada, fazendo-me cravar os dedos no volante. Por um momento, era como se eu estivesse sendo invadido.

— Sim.

Não estava mais suportando aquele ar frígido que nos envolvia. Coloquei-me em seu lugar e me perguntei como é que ele ainda estava vivo. Ao repara-lhe melhor, a ponta de seu nariz tomava um tom rubro muito proveniente à baixa temperatura.

— Se quiser, eu posso lhe dar carona. – Nem me preocupei em pensar se ajudá-lo tomaria o meu tempo ou se correria risco em me atrasar. Ele estava mesmo precisando sair daquela friagem, se não poderia adoecer.

Ele continuou me fitando duvidosamente. Não sabia se era mais estranho para mim encontrar um garoto perdido no meio da rodovia, ou se para ele, que estava recebendo um convite para entrar no carro de um cara que ele nunca tinha visto na vida. Se eu estivesse em seu lugar, não aceitaria. Todavia, como aparentemente éramos muito diferentes, fui surpreendido com a porta sendo aberta. Ele se sentou silenciosamente no banco ao meu lado.

O seu aroma que era diferente, mas extremamente agradável, penetrou por todo o carro, sem exagero. Ele não me dirigiu o olhar, e desta forma, dei partida novamente. Também não fez questão de se pronunciar, e talvez se eu não dissesse nada, permaneceríamos daquela forma até deixá-lo em algum lugar. Porém, como eu sempre fui um cara caracteristicamente curioso, não consegui me contentar com aquele sossego supérfluo.

—Preciso te perguntar uma coisa... – Minha visão periférica o estudou. Ele coçou o queixo, e como optou por ficar calado, prossegui. — Qual o seu nome?

Seus dedos se entrelaçaram por cima do colo, e só assim notei algumas manchas escurecidas neles. Não tinha como duvidar, eram hematomas.  

— Jeongguk. E você é o Jin.

O garoto percebeu o meu sobressalto após a menção do meu nome, mas ele nem ao menos tentou se explicar, permaneceu com o olhar fixo para o painel a nossa frente, enquanto eu tentava encontrar algum sentido naquilo tudo.

— Já nos conhecemos? – Levantei o cenho.

— Eu o conheço. Você é o cara do jornal.

Não tinha percebido que eu tinha prendido o ar, e só assim, pude voltar a respirar novamente. “O cara do jornal.” Era assim que eu sempre era chamado pelas pessoas que me reconheciam. Era apenas o cara que aparecia na televisão, apenas. Será que as pessoas sabiam que eu tinha uma vida por trás daquilo tudo?

— Sim, sou o cara do jornal. E então, já sabe que não lhe farei nada de mal, certo?

Desta vez, lançou-me aquele típico olhar. Visto tão de perto, parecia carregar uma raiva oculta, não necessariamente da minha pessoa, mas do mundo. Depois de tanto me avaliar, voltou a olhar o horizonte.

— Só porque é o cara do jornal? – Seu tom de voz era alto. — Não confio em você.

— E por que não?

Ninguém é confiável o bastante.

Sua cabeça apoiou-se no vidro. Ele parecia estar gostando da quentura do ambiente e de ter sido resgatado, mesmo não me agradecendo pela minha gentileza. Não o cobrei, ainda não sabia o que esperar daquele garoto peculiar.

— Eu sei disso. – Confessei.

Pela primeira vez, a linha reta de seus lábios se afrouxou, alargando-se nos cantos, deixando em evidência uma pequena covinha que surgiu próximo a sua bochecha. Assim, ele não aparentava ser tão revoltoso.  Na verdade, era quase um retrato perfeito de alguém sossegado. Quase...

— Se soubesse, não teria me deixado entrar aqui.

Mais uma vez, precisei lidar com as minhas palavras sendo tomadas bruscamente. Como ele conseguia fazer aquilo sem o mínimo esforço? Sua expressão embora amável, carregava uma audácia sobre-humana. Quiçá, eu devesse temer com aquela criatura ao meu lado e que querendo ou não, me deixava apreensivo, mesmo que eu me esforçasse para não deixar transparecer.

— O quer dizer com isso, Jeongguk?

Suas pálpebras se abriram tão rapidamente afastando para bem longe o meu controle mental, ainda mais quando ele jorrou aquele olhar impávido. Sua cabeça se desencostou do vidro, ficando bem próxima do meu ombro, e que jurei poder sentir o local se esquentar no mesmo instante. Eu queria revelar alguma autoridade, algo que eu pudesse mostrar que o carro era meu e que eu poderia muito bem ditar as regras, mas só a sua presença deixava claro o quanto eu era pequeno, um ser humano qualquer que não o ameaçava.

Se eu continuasse o encarando, acabaria com o carro enfiado no meio de algum poste. Sendo assim, me obriguei a afrontar a nossa frente. O problema é que ele continuava com a cabeça perto demais do meu ombro. Não fazia ideia se era proposital, mas aquilo parecia o divertir bastante.

— Tire as suas próprias conclusões. – O seu hálito quente tocou a minha nuca, fazendo o meu corpo inteiro se eriçar.

O meu interior estava envolvido em uma grande mixórdia. Ele era um garoto! Eu não poderia nem ao menos entender o que estava acontecendo comigo. Enquanto os meus ombros se encolhiam, ele aproveitou o momento para inclinar o seu corpo para frente, se distraindo com os botões do painel. Aquelas várias informações chamaram a sua atenção, e só assim pude tentar acalmar a minha respiração que estava inacreditavelmente ofegante.

Jeongguk percorria os dedos manchados por cima dos botões, sem encostar de fato. Enquanto dedicava toda a sua atenção ali, seus lábios se entreabriram involuntariamente. Era certamente uma mania, e eu achava que estava ficando louco ao ponto de reparar os detalhes de sua personalidade. Levei uma de minhas mãos até o meu cabelo na simples tentativa de me distrair. Enquanto passava os dedos nos fios, senti bruscamente a mão quente de Jeongguk descansar em minha coxa. Incrédulo e sem saber muito bem que atitude deveria tomar, empurrei a sua mão para longe, ignorando o formigamento que havia experimentado no local.

— O que foi isso? Você é louco? – A voz saiu mais alta do que gostaria, mas a culpa era toda dele. Obviamente, completamente, exclusivamente dele.

Em poucos minutos, já sabia que a manipulação era um de seus dons. Eu estava sendo escoltado por um olhar que dissimulava ingenuidade outra vez. Enquanto o meu peito subia e descia pela a exaltação de seu movimento veloz, ele ousou em colocar a mão sobre o meu peito descompassado.

— O que foi, Kim Seokjin? Por que está tão agitado? – Kim Seokjin... Ele pronunciou o meu nome completo com a sua voz lenta, transformada em um sussurro provocativo.  

— N-não estou agitado!

—Ah não? – Aqueles dedinhos hábeis afagariam suavemente o meu mamilo, se este não estivesse coberto por uma grossa camada de tecido. — Sabe... Está parecendo que não está conseguindo respirar direito. – Seus dedos subiram até ao meu pescoço, acariciando levemente aquela área descoberta. Meus olhos se estreitaram e engoli em seco. — Mas deve ser só impressão... – Sussurrou calmamente.

—Pare com isso! – Ordenei. — Coloque o cinto e fique quieto.

— Cinto! – O garoto foi tomado por risadas escandalosas. — Eu não preciso usar cinto nenhum. – A risada logo se tornou um pouco mais intensa, como se eu tivesse contado a melhor piada do século.

— Coloque logo o cinto. – Ele continuou com as séries de gargalhadas e eu continuei procurando a graça.

— Isso foi tão desnecessário, cara.

Depois de algumas risadas bobas que insistiam em escapar de seus lábios rosados, ele se aquietou e olhou para as poucas estrelas. O seu perfil era cuidadosamente desenhado, rico em detalhes. Seus cabelos pretos lhe caiam impecavelmente bem, pois contrastavam com a sua tez. Pela primeira vez, ele não percebeu que eu estava o encarando, ou pelo menos eu achava que não. Estava tentando me acostumar com a sua presença porque tudo nele era tão... Distinto.

Meus olhos decaíram em suas mãos novamente para estudar aqueles hematomas escuros que não combinavam com os seus dedos. Atentei-me ao fato de que alguém poderia ter o machucado... Afinal, ele parecia tão indefeso com a cabeça baixa, como se fosse apenas uma vítima do mundo... Mesmo que de seus olhos saíssem faíscas tenebrosas e intimidadoras... Ou será que ele havia machucado alguém também?

Como se ele pudesse ler os meus pensamentos, fechou os punhos trazendo para perto de seu rosto. Ele separou os dedos algumas vezes, apertou as manchas e fez uma expressão de dor.

— Não ouse em me perguntar onde foi que consegui isso.

Aquele mistério todo estava me perturbando. Tudo bem que eu não tinha nenhum direito de me intrometer em sua vida, mas eu merecia ao menos uma breve explicação.

— Sobre isso eu não irei perguntar, respeito a sua privacidade. Mas pelo menos pode me dizer o que estava fazendo no acostamento sozinho?

Entrei em uma espécie de zona proibida. Seus olhos raivosos me fitaram outra vez, mostrando o quão temível ele poderia ser e tendo consciência disso, tirava vantagem das suas vítimas. Como aquilo era possível? Eu estava ao lado de um estranho que não queria ter os seus enigmas desvendados.

— Existem perguntas que não podem ser respondidas.   

— Jeongguk... – A minha voz falhou após ter pronunciado o seu nome. — Você estava lá fora no maior frio. Aconteceu alguma coisa, não foi?

Ele me encarava incrédulo, minha insistência em descobrir a verdade parecia o tirar do sério. Mas, eu não conseguia me controlar, precisava saber o motivo dele estar ali, isolado. Precisava de pelo menos uma meia verdade... Apenas algumas palavras que conseguissem abrandar o furacão de curiosidade dentro de mim.

— Nada que você precise saber.

A minha falta de paciência não colaborou muito naquele momento. A fúria tomou conta de mim e soquei o volante firmemente. Jeongguk apenas me fitava, enquanto o seu corpo balançava com o ritmo do carro, e como se não bastasse, abriu um sorriso satisfeito com a minha reação. E foi aí que senti raiva de mim. O certo seria largá-lo ali mesmo e continuar com a minha viagem, deixá-lo passando frio sem dó e sem piedade, porém por mais que eu quisesse, não conseguiria ser tão desumano. E também eu já estava envolvido demais com a situação, e envolvido demais aquele garoto de personalidade impressionante.

 Eu queria muito estar enganado, entretanto, sabia que não estava. Jeongguk era um estranho e no fundo, bem no fundo mesmo, eu gostava daquilo porque era tudo muito intrigante. Toda aquela obscuridade me submergia e chegar naquela conclusão só me deixava mais aborrecido ainda.

Senti-me nauseado ao perceber que minha mente começou a demandar por mais algum tipo de contato visual, e eu como um tolo, a obedeci, mas o arrependimento veio logo em seguida, assim que vi os seus dois dentes da frente avantajados que ganhavam um destaque especial quando os seus lábios se entreabriam. Droga, ele era verdadeiramente muito bonito. Não era só o sorriso, mas... As suas feições por completo. Mas que porra estava acontecendo comigo, afinal?

Cuidadosamente, ele dobrou as pernas em um movimento quase silencioso, se não fosse por sua calça preta que roçou no couro do banco. Seu joelho dobrado tão próximo do meu, aqueles cabelos pretos desabando por cima dos seus olhos, os dentinhos saltando para fora de seus lábios, os rebentos que voltaram a me fitar subversivamente.  Eu estava ficando louco?

Engoli em seco, voltando a encarar a estrada. Sua risada abafada invadiu a minha audição, causando-me um desconforto por ainda estar com ele ali. Eu precisava me livrar o mais rápido possível de sua presença, e só assim seria possível organizar os meus pensamentos que estavam um tanto confusos. 

— Para onde você precisa ir? – Tentei não me distrair com a sua mão que pousava no joelho, tão próxima da minha perna.

Muito cruelmente, ele se virou para mim e aquele calor todo de seu corpo já emanava em minha direção, me deixando entorpecido. Talvez algo em minha expressão o incentivou e ele se sentiu confiante novamente para me judiar, inclinando-se ainda mais para cima de mim. Ah, droga! Aquilo não era justo, era um golpe baixo sem fundamento algum. Era inconveniente, era... Surreal.

 Estava errado em pensar que conseguiria me controlar quando o garoto sem nenhum pingo de vergonha aproximou os seus lábios do meu ouvido.

Me leve para onde você quiser, Kim Seokjin. – Seus dentinhos mordiscaram o lóbulo da minha orelha e não pude deixar de estremecer.

Sua língua quente roçou em minha pele, e minha respiração começara a falhar novamente. Eu juro que tentei me desviar, mas ele só se divertia ainda mais com a minha tentativa frustrada. As pontas de seus dedos acarinharam o meu queixo, impedindo que eu me afastasse tanto. Queria muito fechar os olhos, mas não poderia porque ainda estava dirigindo e tinha que me manter atento com a estrada.

Era inexplicável como o seu toque tinha um poder tão intenso sobre mim. Queria muito fugir de suas garras, contudo não podia mentir para mim mesmo, queria que ele continuasse com aquelas carícias.  

— Pa-ra, p-ara com isso! – Tentei impor algo que eu não ansiava, mas que eu sabia que era o certo. E como se ele soubesse de meus desejos ocultos, resolveu tomar as rédeas da situação, nem pensando em parar. Por que pararia, afinal? Ele estava mesmo se empenhando para atrair a sua presa inofensiva e assustada.

— Ah... – Sua voz soprou abafada. — Vai me dizer que você não gosta disso?

Não. Eu não gostava. O meu negócio era mulher. Peitos fartos, bunda arrebitada... Eu era heterossexual e nunca tive dúvidas disso. Mas, por que raios o meu corpo estava reagindo aos seus toques daquela maneira que me deixava tão amendrotado?  Eu não poderia permitir que Jeongguk me deixasse tão confuso. Ele era só um garoto. Um garoto extremamente seguro de suas ações, mas ainda sim, um garoto.

— É melhor você se afastar.

Jeongguk me surpreendeu, voltando á se sentar no banco da mesma forma que estava antes de se empolgar. Ainda podia sentir o seu calor perto de minha orelha, e só de lembrar-me daquela imagem, me sentia estranho. Mas, era melhor assim.

Coloquei a imaginação para trabalhar, criando uma muralha entre nós dois dentro daquele carro. Estava me agarrando em qualquer método da querida e tão funcional psicologia na tentativa de me deixar mais equilibrado e aliviado.

O silêncio permutou pelo automóvel e eu me esforçava muito para não olhá-lo novamente, mas devo os créditos á minha aguçada visão periférica que acompanhava o modo como o seu peito se mexia minimamente enquanto respirava pesado. Visivelmente, ele estava ficando impaciente com a falta de diálogo e com a falta do que fazer. Olhava para o dedo, para as mãos, para fora da janela enquanto a paisagem corria ligeiramente e depois quando já não tinha ideia nenhuma do que fazer, olhou para mim.

— Posso ligar o rádio? – Usou o tom mais meigo que poderia imaginar.

Assenti, e ele tocou o botão. Música... Ah, música era sempre a melhor saída para dissolver o silêncio, e que dispensava qualquer diálogo inútil. Ele foi mudando de estação tranquilamente, até encontrar algo que o agradou de imediato, sorriu e tornou-se a apoiar suas costas no encosto do banco.

Não. Não era possível ser aquela canção. Não poderia ser! De tantas estações de rádios, de tantas músicas... Logo aquela. A minha favorita. Jeongguk balançava a cabeça no ritmo gostoso da bateria ao fundo, fechou os olhos apertando-os e começou a cantar baixinho.

“I heard your voice through a photograph. I thought it up it brought up the past. Once you know you can never go back. I've gotta take it on the other side.”

Eu era mesmo um ridículo ao ponto de gostar da forma como ele cantava. Despreocupado, relaxado, como se nada pudesse o atingir, desfrutando de cada detalhe e de cada tom da conexão dos instrumentos. Era... Era incrível. Eu não sabia mesmo lidar com aquilo e como conter os meus sentimentos equívocos. Por um lado eu estava arrependido de ter lhe encontrado, mas por outro... Um sorriso tímido resolveu moldar os meus lábios.

“Centuries are what it meant to me. A cemetery where I marry the sea. Stranger things could never change my mind.”

Jeongguk abriu os olhos para me olhar de maneira empolgada. Levantou as mãos, indicando que gostaria muito que eu o acompanhasse na canção. E foi o que eu fiz.

“I've got to take it on the other side. Take it on the otherside...”

Ele realmente gostou quando cantamos juntos. Nossas vozes se permutaram, predominando um sorriso orgulhoso e vencido do garoto. E eu? Admito que também acabei gostando muito daquilo, e independentemente dos meus pensamentos e bloqueios, lhe dirigi um sorriso sincero e satisfeito.

“Take it on... Take it on.”

Ele interrompeu a nossa interação bruscamente para voltar a se trancafiar em seu mundo. Surpreendi-me com quantidade de vezes que ele mudava o humor. Provavelmente eu tinha o assustado com a minha rápida socialização e a tentativa de fazer o clima melhorar. A música ainda rolava, e precisei fingir que não senti uma pontinha de pesar quando ele parou de cantar.

— Jin, é melhor você encostar o carro.

—Está falando sério? Nós não podemos parar agora.

—Por favor. – Sua voz suplicante tornou-se a mexer comigo.

Eu tinha tudo para não obedecê-lo, mas a urgência no tom de sua voz me fez ceder. Sem dar ouvidos aos meus aforismos mais ajuizados, parei o carro no acostamento.

— Está tudo bem? – Perguntei.

Muito inutilmente me arriscava em entender o que se passava com ele e o motivo de termos interrompido a viagem. Jeongguk era um mistério. Estaria tudo bem comigo se ele não tivesse começado a me fitar como na primeira vez em que nossos olhares se encontraram. Estava tudo muito semelhante, tirando o fato de que estávamos próximos demais, e que o seu cheiro já estava me embriagando. Como já era de se esperar, aquele arrepio retornou a cursar pela minha espinha. Sensação que eu só havia conhecido naquela noite. Apesar de o garoto ser muito calado, eu sabia que o seu olhar estava dialogando com o meu, eu só não sabia como dar continuidade. Agora, o perdido era eu.

Eu queria que ele me explicasse o que estava acontecendo ali, e o que estava acontecendo comigo. Por que eu estava começando a gostar da ideia de termos nos encontrado tão repentinamente? Por que eu estava gostando de dividir o pequeno espaço com ele? Por que raios eu estava gostando de sentir o meu coração pulsar de forma descontrolada? 

— Por que não estaria? – Um sorriso simpático moldou o seu rosto, conseguindo me deixar ainda mais confuso.

— Por que me pediu para parar? – Estava torcendo para ele ser rápido. Então, como se pudesse demonstrá-lo que toda a minha atenção estava depositada nele, larguei as mãos do volante, deixando com que elas se cruzassem acima de meu peitoral. O pulsar constante e ansioso do meu coração não estava conseguindo mais ser ignorado por mim.

Jeongguk também estava atento em meu rosto, olhando-me através dos fios de sua franja negra. Ele realmente gostava muito de me ver nervoso e sem ter domínio das sensações do meu próprio corpo. Aqueles amontoados de células e sensações que eu julgava conhecer tão bem resolveram me surpreender de uma hora para outra. Quando se tratava dele – dono dos olhos mais indagadores que eu já vi – ficava inteiramente entregue. Eu sabia disso, e ele também. O seu sorriso de canto reapareceu, e ele foi avançando vagarosamente, deixando os nossos rostos na distância de um mísero centímetro. O seu ar abrasador me envolveu tão rapidamente, que nem recuei quando sua mão encontrou a minha nuca.

— Você está com medo? – O seu hálito era tão convidativo, tão exótico e excepcional.

— Não...

Suas unhas roçaram em minha pele. Droga. Estava acontecendo aquilo mesmo? Eu estava tão perdido... Eu precisava tomar o controle da situação, eu precisava... Ah... Aqueles olhos estavam flamejando para mim? O seu dedo indicador traçou o caminho da minha nuca, atravessando o meu maxilar e parando na frente de meus lábios.

— Já te disseram o quanto a sua boca é bonita? – O seu toque acima dos meus lábios me fizeram entorpecer. Percebi que eles tremiam por conta de uma mistura louca de temor, agonia e inquietação.

Ele não tinha o direito de jogar tão baixo daquele jeito. Não quando ele já havia conhecimento de que eu estava transtornado, mas inteiramente magnetizado. Por mais que eu estivesse tentando não me deixar seduzir por aqueles olhos transcendentes, eu sabia que não teria mais sucesso. Jeongguk havia me ganhado.

— Por que... Por que você não prova? – Assim que minhas palavras saíram nervosamente e tremulas, não consegui acreditar no que eu mesmo tinha acabado de proferir.

Recebi do garoto um sorriso como se ele tivesse ganhado algo muito valioso. Sua cabeça pendeu para o lado e a ponta de seu dedo começou a adentrar entre os meus lábios que naquela altura, já ansiava pelos seus. Eu precisava suavizar aquela curiosidade... Ansiava prová-lo. Absolutamente necessitava daquilo mais do que tudo. Se ele estava procurando, então, ele teria.

“I’ve got to take it on the otherside, take it on the other side. Take it on, take it on.”

Ele repetiu a letra da música, enquanto deixava o seu banco para vir para o meu, sentando-se em cima do meu colo, de frente para mim. O peso de seu corpo, o seu calor, o seu aroma... Eu estava perdendo o controle, a sanidade estava me abandonando. Maliciosamente, o garoto levantou o meu rosto com uma das mãos, encarando-me de forma hipnotizadora. Sendo assim, seus lábios se encaixaram em meu queixo, e era como se o meu estômago estivesse levando múltiplos murros. Internamente, eu estava sendo tomado pela intensa ansiedade.

Jeongguk começou a sugar a ponta do meu queixo, enquanto uma de suas mãos adentrou-se dentro do meu casaco. O contato direto quase me fez saltar, mas ele tratou de me acalmar, acariciando o meu abdômen.

— Sua pele é tão quentinha. – Disse, enquanto seus dedos subiam e desciam, contornando o meu umbigo.

Eu já havia decidido: Eu o queria. Eu precisava dele, precisava sentir o seu corpo ali mesmo, eu não me importava. A cada toque de Jeongguk, meu corpo clamava por mais, e eu sabia que estava sendo entrelaçado por alguém inexplicavelmente hábil demais para a pouca idade que aparentava ter. Aliás, era um ponto muito importante, não era?

— Quantos anos você tem? – Interroguei.

Pergunta feita na hora errada. Ele levantou a cabeça, interrompendo aquelas sucções tão deliciosas para olhar para mim. Talvez estivesse surpreso com a minha pergunta repentina, e pareceu até mesmo pensar... Olhou para cima, como se avaliasse se deveria ou não acabar com pelo menos uma de minhas infinitas dúvidas, mas como já era de se esperar, ele não respondeu. Apenas resolveu ocupar a minha mente com outra coisa. Com outra sensação. O garoto começou a movimentar os quadris vagarosamente em cima do meu membro que já se encontrava rijo. Era impossível não se excitar com aquela cena e com aqueles movimentos tão lascivos. Seus dentes morderam os próprios lábios, enquanto eu sentia o meu membro pulsar fortemente.

— Se você quiser saber a minha idade, terei que parar de esfregar em você desse jeito, Jin... – Ele começou a se movimentar um pouco mais rápido, fazendo com que um gemido rouco me escapasse. — Você quer que eu pare?

Por que estava brincando comigo daquele jeito tão massacrante? O que eu tinha feito na vida para merecer encontrar Jeongguk naquela noite, exalando sensualidade, tirando quaisquer chances que eu teria de resistir? Por que aquele garoto conseguia me dominar como ninguém e me fazia desejá-lo desesperadamente?

— Isso é tortura. – Acusei-o.

Seu sorriso se alargou. Ah, ele devia parar de sorrir daquela maneira tão envolvente e extraordinária, pelo seu próprio bem. Eu reconhecia que estava em uma espécie de transe, uma hipnose ou algo do tipo. Estava com uma sede que não conhecia, era algo muito mais forte do que eu. Eu tinha sede... Sede de Jeongguk.

As chamas já estavam me invadindo, e ele percebeu isso e assim, foi parando de se movimentar em meu colo, fazendo uma carinha mal-intencionada. Impulsivamente, dei-me a liberdade de tanger seus hematomas. Manchas de tons escuros apavorantes naquela pele tão descorada e enfeitiçante.  Suas veias acima do dorso estavam saltadas, provavelmente machucadas com a força que precisou fazer por algum motivo que iria além da minha imaginação.

Enquanto o tocava, seus lábios se entreabriram como antes, se concentrando no que eu poderia fazer, algo que nem eu sabia. Que ardência no peito era aquela que estava tomando conta de mim? Até onde eu poderia ir? Até onde eu me permitiria? Aquelas dúvidas surgiam apenas para bombardear a minha mente, enquanto os meus dedos deslizavam livremente pelos seus braços acentuados, onde também havia indícios de leves arranhões. Segui uma linha reta até o seu ombro, onde apoiei o peso dos meus dedos. Jeongguk continuava com os lábios semiabertos, onde os meus poderiam se acomodar perfeitamente. Desta vez, fui eu que aproximei os nossos rostos de maneira pausada, desejando aproveitar o momento da melhor maneira possível e gravar cada minudência de suas feições tão enigmáticas.

O garoto mordiscou o próprio lábio inferior, suspirou profundamente e pronunciou as piores palavras que eu poderia pensar em escutar:

— É aqui que nos separamos, Jin.

 

 


Notas Finais


O QUE? Como? Onde? Estão muito surpresos com essa personalidade do Jeongguk? JDKLAJDAJKLDAJAD. Bom, postarei em breve a ÚLTIMA PARTE do shot.
Ah, e pra quem quiser saber, a música que eles estavam ouvindo se chama Otherside da banda Red Hot Chili Peppers.
E é isso aí, beijos, até logo!


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