Na manhã seguinte, dirigi-me, um pouco receosa, para a entrada da sala comum dos Slytherin. Ainda não estava segura de que o que Blaise dissera era totalmente mentira. Cada minuto de espera parecia uma hora. Por fim lá apareceu Draco, com um ar muito bem disposto.
- Bom dia, Viviane! – Cumprimentou-me alegremente.
- Estás com febre outra vez? – Perguntei, estranhando. Draco nunca me cumprimentava. Os seus bons-dias eram dados sempre com um arremesso de livros para as minhas mãos.
- Importas-te de chegar atrasada às aulas um pouco?
Antes de eu poder responder que me importava sim, já estava a conduzir-me para um corredor deserto.
- Draco, o que estás a fazer? É melhor irmos para as aulas!
- Acredita, quando eu te der uma coisa, tu até te vais esquecer que as aulas existem.
Eu estava a ficar um pouco desconfiada e muito, muito curiosa.
- O quê? Não podíamos tratar disso mais tarde?
- Não me faças arrepender da minha decisão, Viviane, porque senão vais sair muito a perder.
Ele remexeu nos bolsos da capa, mas parou e pareceu ter uma ideia brilhante. Só faltava mesmo a lâmpadazinha acesa em cima da cabeça.
- Fecha os olhos! – Ordenou.
- Nem pensar! – Respondi firmemente.
- Não confias em mim? – Perguntou com aquele tom de voz, que me faz sempre sentir como se estivesse a caminhar à beira de um abismo.
- Não! – Respondi de imediato.
- Vá lá, Viviane, colabora um pouco! – Pediu ele.
Uau, ele chamara-me de Viviane três vezes seguidas. O dia de hoje promete!
- Hum...
E já está. Já estou a hesitar. Como é que Draco consegue sempre que eu faça tudo o que ele quer? É que já nem é chantagem, é puro carisma!
- Quanto mais tempo ficares a empatar, mais atrasada chegas às aulas. – Lançou o argumento conclusivo.
Suspirei e semicerrei os olhos.
- Estás a fazer batota! – Acusou ele.
- Não estou não! – Neguei.
«Rais, como é que ele percebeu?»
Inspirei profundamente para ganhar coragem e fechei mesmo os olhos. Estava tão nervosa que as pernas me tremiam. Sentia-me vulnerável!
Apesar de não conseguir ver, conseguia cheirar Draco e por isso tinha noção de que ele estava mesmo em frente a mim. Acho que foi quando as mãos dele me rodearam o pescoço que eu comecei a ficar ofegante. Ou talvez já estivesse antes... O meu coração começou a bater com tanta força que era no mínimo constrangedor. Ouvi um som metálico e senti um peso no pescoço e, no momento seguinte, Draco afastou-se de novo, consegui percebê-lo por causa da deslocação do ar.
Abri os olhos devagarinho, levei as mãos ao pescoço e descobri o que ele tinha me dado. Aposto que sorri como uma tola ao percorrer com os dedos a superfície em forma de coração do medalhão de ouro, herança do meu pai.
- Obrigada, Draco! Muito, muito obrigada!
Ele afastou-se de mãos estendidas.
- Ok, ok, segura a empolgação que eu já sei como é que costumas agradecer. E eu dispenso!
Corei. E não só por Draco ter-me relembrado da noite em que recebera Panty e lhe agradecera com um impensado beijo no rosto, mas também por tomar consciência que por um momento quase que o voltara a fazer.
- Não pode ter sido assim tão mau! – Defendi-me.
- Foi ho-rrí-vel! A pior experiência que já tive na vida!
- És tão arrogante! Qualquer outro rapaz agiria de maneira diferente!
Ele sorriu desdenhoso.
- Eu não sou qualquer outro rapaz!
- Pois, decididamente não és! – Respondi com um sorriso.
- Isso quer dizer o quê? – Perguntou irritado, certo de que eu o estava a ofender. – No bom ou no mau sentido?
Eu cometi o estúpido erro de o olhar nos olhos e voltei a dizer a verdade.
- Em ambos, sempre em ambos!
Comecei a sentir-me tonta e os livros que carregava nos braços tornaram-se de repente mais pesados. Foi como se a exaustão dos últimos tempos se abatesse sobre mim e eu tropecei, caí, e todos os livros se espalharam pelo chão, caindo abertos sobre o pavimento.
- Desculpa! – Gemi e comecei a tentar remediar o mal antes que Draco começasse a gritar comigo e a culpabilizar-me. Não gostava nada quando ele o fazia no meio do corredor cheio de estudantes.
Notei que Draco começou também a apanhar os livros. Amontoou os dele todos numa pilha e simplesmente disse:
- Podes ir para as aulas, acho que não morro um dia se carregar meia dúzia de livros.
Fiquei chocada, paralisada a meio caminho entre a posição de agachamento e de pé.
- Passa na sala comum quando acabares as aulas. Temos de delinear um novo horário. Porque é que não me disseste que estavas cansada?
- Hã... Eu... Quer dizer, eu ia... Mas...
- Tudo bem, vemo-nos mais tarde!
Depois de longos momentos eu lembrei-me de que deveria estar nas aulas e fui a correr para Defesa Contra As Artes Das Trevas. A minha mente, no entanto, estava longe da matéria. Não larguei o medalhão uma vez só, nem sequer para escrever. Sentia o olhar irritado de Harry queimar-me as costas, achei um pouco estranho, normalmente ele só me ignorava, mas, mesmo assim, nem o ódio de Harry, que normalmente me deixava muito triste, foi capaz de desviar o rumo dos meus pensamentos desordenados.
Teorias
1ª – Draco sofre de dupla personalidade
2ª – Draco tem um irmão gémeo com personalidade oposta à dele
3ª – Sou transportada sem perceber para uma dimensão paralela onde a personalidade das pessoas é trocada
4ª –
- Posso saber o que está a escrever, senhorita Melmarine? – Perguntou o professor Lockhart.
Eu dei um pulo na cadeira. Num gesto rápido troquei a folha de papel onde eu começara a desenhar rabiscos e a escrever teorias pela folha de papel que continha os apontamentos da aula.
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- Então certo, eu não preciso de te acompanhar para as aulas e também posso ir para a minha sala comum às seis.
- Sete! – Corrigiu.
Fiz uma careta de desagrado. Eu e Draco estávamos na sala comum dos Slytherin, a discutir sobre os meus direitos como elfa.
- Está bem, seis! – Cedeu.
No momento em que a lareira se apagou, deixando-nos na penumbra, sobressaltei-me.
- Já escureceu! Que horas são? – Perguntei.
- Deve ser quase meia-noite!
Estremeci. Ter de percorrer os caminhos desertos até ao dormitório dos Gryffindor aterrorizava-me. Nunca tivera medo do escuro, nunca me incomodara com a solidão... Até agora! Lyonette é quem tinha razão! Quase dá para imaginar o som do monstro a aparecer a cada esquina.
Draco levantou-se, soltou um longo bocejo e preparava-se para subir quando reparou que eu permanecia imóvel com cara de quem não se iria levantar do sofá tão cedo.
- Viviane... Pretendes passar a noite aqui, com a lareira apagada e às escuras?
Eu apenas balancei o corpo de um lado para o outro.
- Qual é o problema? – Perguntou ele, com um tom aborrecido.
O que podia fazer? Mentir para quê?
- Eu tenho medo de ir sozinha... Por causa do monstro de Salazar Slytherin! – Confessei abraçando as pernas com os braços de modo a ficar encolhida e aproveitar o calor do corpo. A lareira apagara-se há poucos minutos e já a sala estava a ficar gelada.
Esperei que Draco começasse a zombar de mim e a chamar-me de covarde e infantil. Afinal, eu estava no meio do esquema para encontrar a câmara dos segredos e derrotar o monstro e, no entanto, morria de medo dele aparecer e me matar.
- É... natural, eu presumo! – Disse ele, para meu enorme espanto. – Afinal, és descendente de Muggles, um alvo perfeito se te aventurares sozinha pelos corredores. Há inúmeras probabilidades de não chegares viva à torre dos Gryffindor.
Descendente de Muggles em vez de sangue de lama? Ele está mesmo a respeitar-me?
- Tu és... – Engoli em seco e comecei a fazer círculos no estofo do sofá - ...és puro-sangue. Se estivesses comigo, o monstro não nos atacaria.
- Existe coisa pior que o monstro, acredita! Eu é que não quero correr o risco de ser apanhado pelos professores a vaguear pelos corredores à noite.
- Como é que é? E quanto a mim que tenho que quebrar uma dúzia de regras da escola só para satisfazer os teus caprichos?
- Isso é contigo! – Respondeu simplesmente.
Seguiu-se um longo momento de silêncio. Deixei os meus olhos habituarem-se à penumbra. Olhei para o lago que se via da janela. Realmente é algo incrível, uma sala comum ser construída abaixo do nível da água. A água verde era trespassada pelas mais esquisitas criaturas. Nos primeiros dias, eu tinha medo que a parede transparente se partisse e toda a sala fosse inundada com monstros marinhos e litros de água salobra. Depois cheguei à conclusão de que tal era muito improvável já que não ocorrera nada semelhante desde a fundação de Hogwarts, muitos anos atrás.
- Bem, suponho que tenho de ir! – Afirmei calmamente enquanto olhava nos olhos de um grande salmão.
- Agora quem não te vai deixar sair daqui sou eu. Queres ser atacada pelo monstro, ou quê?
Deu-me vontade de choramingar. Eu estava a enregelar, bem que podiam haver umas mantinhas espalhadas pela sala comum. Será que todos os Slytherin são alérgicos ao calor?
- Então... Eu vou dormir aqui? – Perguntei em tom queixoso.
- Nem pensar! Queres que a meio da noite o Blaise ou outro Slytherin de más intenções venha até aqui e te agarre?
A forma como ele disse aquilo, levou-me a desconfiar de que talvez Draco tivesse ouvido a minha discussão com Blaise. De qualquer modo, Draco tem razão! Parece o tipo de coisa que Blaise faria!
- Então o que posso fazer? – Perguntei já irritada. Estava a ficar exausta e a minha caminha fofa no dormitório dos Gryffindor parecia-me cada vez mais distante.
- Vem comigo! – Ordenou ele.
Segui-o, com passos lentos e cansados. No entanto, quando ouvi o som de uma chave a rodar na fechadura, a névoa que me toldava as ideias desapareceu.
Draco entrou no quarto dele e esperou que eu o seguisse. Como viu que isso não acontecia, voltou atrás. Encostou-se na lombada da porta com um sorriso trocista.
- Não estavas com sono? Porque estás aí especada? Por acaso... Estás com medo de mim?
A forma como ele inclinava a cabeça e me olhava com aqueles olhos claros, visíveis mesmo na escuridão, de imediato me fizeram ficar sem a brilhante resposta que ia dar.
Dizer que sim era apunhalar o meu orgulho, dizer que não era mentir.
- E eu tenho razões para ter medo? – Insinuei, tentando parecer firme. O som saiu da minha boca como o guincho de uma ratinha assustada.
- Eu não sou o Blaise! – Respondeu simplesmente.
- Mas és Slytherin!
- O que é que tens contra os Slytherin? – Perguntou ele abafando o riso.
- Nada! Eles é que costumam ter algo contra mim! – Defendi-me. - Pansy, Blaise, Snape, o grupo de Bullies Slytherin da escola... todos eles me odeiam.
- Pansy é uma ciumenta, Blaise um tarado, o professor Snape simplesmente sabe dar valor a quem merece e quanto àquele grupinho violento, esse mete-se até com alguns colegas Slytherin. É por isso que não me junto a eles, agem como animais irracionais. Prefiro a inteligência à força!
- Fala o rapaz que tem sempre dois guarda costas a defenderem-no!
Draco percebeu que eu estava a empatar. Ou talvez soubesse isso desde o início.
- O que interessa agora é... vens ou não?
Eu entrei hesitantemente no quarto, sentindo-me uma ovelha a entrar no covil de um lobo. A porta fechou-se atrás de mim fazendo-me dar um salto. A escuridão era tão intensa que até tropecei em algo que não identifiquei.
- Acende a luz! – Ordenou Draco.
- Mas eu não vejo nada!
- Por uma centena de Muggles montados em jumentos! És uma feiticeira ou não és?
Eu procurei a varinha dentro do manto.
- Lumos
A ponta da varinha iluminou-se revelando que eu tropeçara na preciosa nimbus dois mil e um do Draco. Empurrei-a discretamente com o pé, tentando colocá-la a um canto. Draco já se deitara na cama e estava de pijama.
- Quando é que trocaste de roupa?
- Agora mesmo!
- Mas... Como? Agora, agora? Tu não devias... Assim... T-t-trocar de roupa à minha frente!
Por favor! Alguém me mate agora mesmo! Aquele sorrisinho sarcástico dele está a dar-me nos nervos. Sou uma estúpida que não sabe quando deve ficar calada e depois começa a gaguejar, a remexer nos cabelos e a corar, corar, corar...
- Estava muito escuro! Tu não viste nada! – Garantiu ele.
- Mas podia ter visto! Queres traumatizar-me para a vida toda?
- Segunda gaveta.
- O quê?
- O teu pijama!
- O meu pijama? Mas ele está no dormitório dos Gryffindor.
Ele gargalhou.
- Referes-te àquele mini vestido branquinho e gasto que não te chega aos joelhos?
- Sim, esse mesmo! – Murmurei, corando ainda mais.
- Não podes vestir algo que está tão longe! Eu estava a referir-me a um pijama que está na segunda gaveta que acho que deve servir-te se dobrares um pouco as pontas. E é de seda, aposto que nunca tocaste seda.
Eu sentei-me no chão.
- Acho que prefiro dormir vestida... – Repliquei, embora aquele fatinho de empregada fosse curto como o meu vestidinho de noite.
Ele lançou-me uma das inúmeras almofadas que povoavam a cama.
Coloquei a almofada no chão e acomodei-me. Era muito desconfortável, de facto, mas eu estava habituada a dormir em cama de palha.
O único problema era que o fato de empregada era muito curto e eu estava a morrer de frio. Sentei-me, esfreguei as pernas tentando aquecer-me, sem resultado nenhum.
Draco estava virado para o outro lado, mas parecia que adivinhava o meu problema porque a cama oscilava com o riso dele.
Rendi-me. Fui buscar o tal pijama de seda à segunda gaveta e tenho que admitir que foi uma decisão acertada. Além de ser mais confortável, era mais quente.
- Sempre vais vestir o pijama, afinal. – Observou Draco.
Ignorei-o.
- Nox.
E o quarto ficou completamente às escuras mais uma vez.
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- Viviane! – Chamou ele, na mais completa escuridão.
- O que foi?
- Fecha os olhos! Parecem dois faróis, assim não consigo dormir! – Reclamou.
- Desculpa!
Fechei os olhos mas abri-os logo de seguida porque um relâmpago cruzou os céus, tão perto que o quarto se iluminou.
E logo de seguida veio o inevitável trovão. Tapei os ouvidos e comecei a tremer. Sempre tive medo de trovões, parece que a Natureza está zangada e quer castigar-nos de alguma maneira.
A chuva devia estar a cair com muita violência, porque até ali, nas masmorras, se ouvia. Estremeci. Se o trovão fora tão forte abaixo do nível das águas, devia ter caído nos campos de Hogwarts.
«Será que o Hagrid está bem?» Reflecti enquanto a chuva continuava a cair em força.
Novo trovão. Se pudesse ter-me-ia escondido debaixo dos lençóis, mas eu não tinha nada a cobrir-me, o que me deixava ainda mais aflita, desesperada.
- Tens medo da trovoada?
Não respondi. Não era necessário. Qualquer um podia ver que eu estava a morrer de medo.
«Draco deve achar-me uma medrosa! Se calhar porque é isso que sou!»
- Sabes, quando eu era mais pequeno também tinha medo dos trovões. E ia a correr para o quarto dos meus pais. – Contou ele, enquanto uma saraivada de granizo redemoinhava com o vento e fazia estragos.
«Mas que raios! Draco está diferente! Ele não me insulta, não faz troça dos meus medos, quase que me sinto... Protegida, quando estou ao pé dele.»
- Depois, passei a gostar imenso! Não sei a que se deveu a mudança! – Continuou.
Queria responder qualquer coisa, afinal, se falasse com ele talvez me esquecesse da tempestade, mas parecia que o medo me colava a língua ao céu da boca.
Um trovão caiu dentro de água, a luz ramificou-se, pude ver a electricidade a percorrer o meio aquoso. Um peixe morto afundou e passou pela pequena janela do quarto.
Tapei os ouvidos e preparei-me psicologicamente para o que vinha a seguir, mas não consegui evitar soltar um gemido quando o horrível som surgiu, inesperado. Como é que aquela demonstração de força da Natureza não quebrava o castelo ao meio? Como é que alguém podia gostar de algo que matava seres vivos?
Se não estivesse completamente aterrorizada ao ponto de parar de raciocinar, nunca deixaria que acontecesse o que aconteceu de seguida.
Draco desceu da cama dele e, para meu enorme espanto, começou a acariciar o meu cabelo. Antes de eu ter tempo de lhe perguntar o que ele estava a fazer, apercebi-me de que ele estava deitado junto a mim, mesmo junto a mim, com os braços a rodearem-me a cintura. Nem pensei em reclamar, porque, de súbito, a tempestade pareceu acalmar, os relâmpagos não me assustavam mais. Também já não estava com frio e sentia-me bem, não da maneira que me sentia quando a minha mãe me abraçava, era uma sensação diferente.
Abri os olhos, sentei-me e abanei a cabeça com força, tentando voltar a mim. Quanto fora sonho e quanto fora realidade? Não havia trovões, não havia chuva ou granizo e Draco dormia calmamente na sua cama.
Só então reparei num pormenor. Eu não estava mais destapada, eu tinha sobre mim um cobertor de seda, tão leve e suave quanto o pijama que vestia.
Por isso é que eu não sentia mais frio! Draco tapara-me com o cobertor da sua cama, provavelmente para eu parar de bater o dente e deixá-lo dormir. Como eu já anteriormente tinha dito, Slytherins são alérgicos ao calor e a prova disso é que Draco dormia pacificamente, apesar da baixa temperatura.
Deitei-me, cobri-me o melhor possível com o cobertor e não tardei a adormecer.
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