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História Okay - Propriedades


Escrita por: GSilva

Capítulo 4 - Propriedades


Fanfic / Fanfiction Okay - Propriedades

— Você disse no depoimento inicial que essa foi a hora que começou a conhecer os garotos e o sistema do local. Então, poderia nos explicar como funcionava a mente do sequestrador e como percebeu que realmente tinha de ajudá-lo nos seus desejos perversos?

CAPÍTULO 3 PROPRIEDADES

 

            Os outros três garotos ficaram olhando para mim por um tempo. Na escuridão, eu mal conseguia ver os rostos deles, mas podia sentir suas presenças e seus olhares sobre mim. Tentei me levantar uma vez, mas, por algum motivo, não consegui ficar em pé. Pelo jeito, provavelmente o cansaço tinha me abatido e eu tinha sucumbido a qualquer destino que aquela casa havia me reservado.

            Fiquei parado por alguns minutos e consegui sentir a distanciação dos garotos. Meus olhos se acostumaram à escuridão lentamente, e, de repente, a visão de apenas um garoto apareceu ao meu lado. Ele me olhava fixamente, com os olhos arregalados, e eu podia ver isso mesmo no breu.

            Senti a mão dele se aproximando de mim, mas não consegui me mexer. Seus dedos tocaram a área do meu quadril e eu quase dei um pulo de susto. Foi como se todos os meus nervos do corpo estivessem ultrassensíveis, pois consegui notar os dedos dele sobre a minha pele. Por um impulso nervoso, meu corpo se afastou imediatamente.

            — Calma... — Disse o garoto, quase sussurrando, com a voz apaziguadora. — Eu não vou fazer mal.

            Respirei fundo, escutando a voz dele. Podia sentir que ele estava mais perto ainda.

            — Eu só quero ajudar. — Disse ele novamente, com a voz calma.

            — Eu... — Comecei a responder, mas o choque não deixava as palavras saírem. — Eu não...

            — O que foi? Está sentindo muita dor?

            — Não. — Respondi. — Eu não consigo acreditar que isso está acontecendo comigo.

            Ouvi-o bufar humoradamente.

            — Ouça o que eu digo: eu também não acreditava. — Ele respondeu.

            Algo na voz dele despertou um sexto sentido em mim. Foi como ouvir a voz de alguém que já passou por muita coisa, muito sofrimento, mas que já se acostumou com isso. Havia dor no tom de voz dele, além do humor, e eu me senti profundamente ressentido.

            — O quê? — Perguntei.

            Ele bufou outra vez e encostou novamente no meu torso. O toque dele parecia queimar a minha pele e fiquei imaginando se este era mais um dos efeitos do sonífero.

            — Levante-se. — Disse ele.

            — Eu não consigo. — Respondi. — Eu não quero.

            — Vai ser pior se você continuar deitado, acredite em mim. — Disse ele. — O Mestre não gosta que fiquemos perto da entrada do porão.

            — Mestre?

            — Sim. É como chamamos aquele homem desprezível. — O garoto respondeu.

            Tentei olhá-lo nesse momento, mas a escuridão parecia acentuada. Eu mal conseguia ver o contorno do seu rosto. Com um pouco de esforço, concentrei-me em levantar daquele chão empoeirado. O aperto dele no meu quadril ajudou, me deu forças, mas, ainda assim, foi difícil mantar algum equilíbrio.

            Quando estiquei as pernas, percebi que não deveria ter feito isso, pois o teto do porão era baixo demais para alguém poder ficar em pé. Bati com a cabeça nas vigas de madeira e a dor irradiou pelo meu rosto.

            — Nós temos que ficar agachados. — Disse o garoto, fazendo-me olhar para baixo. Aderindo ao que ele disse, abaixei-me para olhá-lo.

            — Onde estamos? — Perguntei.

            — Não sabemos. — Ele cochichou como resposta. — As janelas da casa sempre ficam cobertas. Não sei se você já percebeu isso.

            — Eu não tive oportunidade. — Respondi. — Eu estava sedado.

            — Sei como é. — Respondeu ele.

            Por um momento, o porão todo ficou em silêncio. Eu podia ouvir e sentir a respiração dele, sobre a minha pele, mexendo nos meus cabelos. Parecia haver algo diferente nele.

            — Aqui, tome. — Disse ele, me entregando algum pedaço de tecido. Mesmo no escuro, não demorei muito para perceber que eram os trapos das roupas que o sequestrador tinha rasgado.

            — Estão completamente rasgadas. — Respondi.

            — Sim, mas é melhor do que ficar completamente pelado. — Ele disse, com um tom de humor. — Pode ficar bem frio aqui.

            Olhei para onde imaginava que ele estava e, por um momento, quis me lembrar de alguma coisa no porão. Eu tinha visto tudo quando o “Mestre” acendeu as luzes. Devia haver algo que proporcionasse luz, mesmo que fosse pouca luz.

            — Não se preocupe. — Respondi, lembrando-me da visão que tive quando o sequestrador me levou para o porão. Eu vi três garotos amedrontados, sujos, nus e hostis olhando para mim. Por algum motivo, talvez porque estava na mesma situação que aquele garoto que conversava comigo, eu larguei os trapos no chão. — Vocês precisam mais.

            Senti quando ele puxou os trapos para si mesmo.

            — Obrigado. — Ele respondeu. — Eu sou o Yian.

            — Oliver. — Respondi.

            — É, eu sei.

            Tive vontade de sorrir naquele momento, por nenhum motivo em especial, mas contive qualquer vestígio de felicidade. Eu precisava sair de lá, precisava dar um jeito de sair de lá, e, se fosse impossível, precisava, pelo menos, morrer com um pouco de dignidade. Eu não queria nem pensar nas mãos daquele velho percorrendo o meu corpo, na sua voz perto dos meus ouvidos.

            — Então... — Comecei a falar e senti o garoto prender a respiração. — Como saímos daqui?

            Silêncio. Pude notar que os olhares deles estavam sobre mim, inquisitivos como de costume.

            — É impossível. — Um dos garotos respondeu, com uma voz grave de locutor de rádio.

            — Como assim, impossível? Deve ter uma maneira...

            — Não, Oliver. — Yian interrompeu. — Não tem saída.

            — Nós já tentamos. Não tem como sair dessa casa. — O garoto da voz grave respondeu.

            Uma mão, repentinamente, segurou no meu antebraço e me puxou para baixo. Yian começou a andar e eu fui praticamente obrigado a segui-lo. Quase bati a minha cabeça em outra viga de madeira conforme nos aproximávamos da outra parede do porão.

            Meus olhos, naquele ponto, já tinham se acostumado com a escuridão novamente, então pude ver as silhuetas dos garotos à minha volta. Além disso, o assoalho do andar de cima parecia ter algumas rachaduras que deixavam focos de luzes esbranquiçadas atravessarem o chão até o porão. Pude ver que estávamos nos fundos do local, cercados por caixas de papelão, e três garotos formavam uma meia-lua à minha frente.

            — Desculpe pelo modo como eles estão te tratando. — Disse Yian. — Eles não querem se apresentar.

            — Eu sou Alan. — Disse o garoto que tinha ficado em silêncio desde o início. — E-eu... Eu fico f-feliz em te ver.

            — Eu sou Kaio. — O garoto da voz grave interrompeu. Ele parecia olhar diretamente para mim e eu tive a breve noção de um sorriso em seu rosto. — E desculpe pelo gago aqui. Alan está em choque desde que chegou.

            — Está tudo bem. — Respondi, com um sorriso gentil para Alan. Ele parecia um animal arisco. — Mas, como assim “chegou”? Ele veio depois?

            — Claro. — Kaio respondeu rudemente. — Por quê? Acha que somos os filhos do homem dessa casa e que ele nos prende num porão quando quer dar um castigo?

            — Não, eu não disse isso...

            — Fomos sequestrados, assim como você. — Ele interrompeu novamente. — Eu estava em casa, ele entrou, imobilizou os meus pais e me levou.

            — Meu Deus...

            — Esse nem é o pior caso. — Disse Kaio, com um tom de humor. — Vamos, Yian, conte como chegou aqui.

            — Não. — Yian disse seriamente.

            — Ah, vamos.

            — Não. — O garoto repetiu.

            Eu olhei para Yian, que parecia mirar o chão com uma seriedade súbita. Algo que Kaio falou o deixou extremamente irritado, como se tivesse acendido uma chama dentro dele. Eu quis me aproximar e perguntar o que havia acontecido, como ele tinha chegado à casa e por que ficou tão irritado com a frase do outro garoto, mas mantive minha posição. Ele segurou no meu antebraço novamente e puxou-me para longe.

            — Oliver... — Disse ele.

            Distanciamo-nos dos outros garotos lentamente. Yian me puxava contra si, quase cochichando, provavelmente não querendo ser bisbilhotado por Kaio ou Alan.

            — O quê?

            — Eu preciso falar com você. Tipo, agora. — Disse ele. — Você não pode confiar no Kaio.

            — Como assim? — Perguntei, refazendo essa pergunta pela quinquagésima vez em menos de uma hora. — Ele não é como vocês? Não foi sequestrado?

            — Sim, mas... Mas ele manipula. Ele foi o primeiro. — Yian respondeu, com um tom sério. — Não converse com ele. Eu precisava te avisar isso antes que formassem uma amizade.

            — Tudo bem. — Respondi. — Mas eu nem estou entendendo o que está acontecendo! Eu nunca li um livro sobre isso, nunca pesquisei sobre isso, mas tenho a sensação de que um sequestro não é bem assim.

            — Isso não é bem um sequestro, realmente. — Yian interrompeu. — Está mais para um... Comércio.

            — Comércio? Tipo, comércio de pessoas?

            — Isso mesmo. — Ele respondeu. — E tem mais: você precisa tomar cuidado aqui dentro. Estou te falando isso porque percebi que você é diferente dos outros que já passaram por aqui. — O tom na voz dele era sério e gentil ao mesmo tempo. — Promete que vai ser forte?

            Fiquei em silêncio por um longo tempo, olhando para a silhueta do rosto dele. Tudo o que eu queria era responder que sim, que seria forte, por mim e por eles, mas as palavras simplesmente tomaram um rumo diferente. Eu não podia ser forte, ser corajoso diante daquela situação desesperadora, se não sabia onde estava me metendo.

            — Eu prometo, mas só se você me explicar exatamente o que é isso. — Respondi. Ele bufou exasperadamente e começou a falar.

 

            — Foi nesse momento que Yian explicou como funcionava o sistema do sequestrador?

 

         Sim, e eu me lembro com todos os detalhes. Ele largou o meu antebraço e puxou a respiração, preparando-se para falar. Meu coração batia forte, provavelmente pressentindo que, seja lá o que ia falar, não seria boa coisa.

         Ele me explicou que aquilo realmente não era um sequestro. Yian me disse que participávamos de um sistema pior do que um sequestro. Era um comércio, assim como ele disse, um comércio de pessoas. O sequestrador, o Mestre, na verdade, era como um caça-talentos. Por isso ele estava no Instituto de Artes naquele dia, porque estava disfarçado, procurando por mais um garoto para seu jogo doentio.

         O sistema funcionava como um programa de eliminação. Praticamente toda semana, um garoto novo entrava. Geralmente permaneciam quatro garotos, nunca mais do que isso, mas o número podia se reduzir para três. Isso só aconteceu uma vez, Yian me disse, quando um garoto, Matheus, que havia chegado há duas semanas antes de mim, foi levado pelo Mestre. O primeiro garoto sequestrado (pelo menos, era isso que Yian achava) foi o Kaio. Quando Yian chegou, o Kaio já estava lá, e três semanas depois Alan também entrou no grupo, depois Matheus. Quando Matheus se foi, eu entrei em seu lugar.

         A base era de quatro garotos. A cada semana, o Mestre levava alguém para cima, para um lugar que os outros não sabiam onde ficava. Os que eram levados, provavelmente morriam.

 

         — Então isso significava que, com as sua chegada, mais alguém morreria?

 

         Ainda não, faltava um garoto. A pior parte é que nós nunca sabíamos quem ia morrer. Não tinha como saber. Nós éramos as propriedades dele.



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