Acordei mais cedo do que de costume, mas esperei um pouco antes de sair do quarto. Ao ouvir passos no hall eu me apressei e me encaminhei para o café da manhã. Draco ainda estava se sentando quando entrei logo em seguida dele.
— Bom dia - cumprimentei ao sentar
— Bom dia - respondeu ele com naturalidade, mas notei que ele parecia um pouco distante.
— Está tudo bem? - perguntei tentando descobrir se nessa interação corriqueira eu conseguiria perceber o que não havia conseguido antes.
— Está sim - assegurou mexendo o açúcar recém colocado em sua xícara - meu pensamento que está longe.
Ele parecia preocupado. Terminou seu café em silêncio e se retirou pouco depois.
Com cuidado pra não alertá-lo me espreitei pela casa seguindo-o. Nessas horas faz falta o presente de Ignoto. A capa de invisibilidade tornaria essa tarefa bem mais fácil.
Eu o vi entrando em seu quarto e sair em seguida com a mesma sacola que vi na sala de poções ontem. Ele se encaminhou para a biblioteca sem se dar ao trabalho de fechar a porta.
— Caverna da Manticora - ouvi ele dizer e em seguida o som inconfundível das chamas da rede Flu surgiram e sumiram.
Entrei na biblioteca a tempo de ver as chamas da lareira se extinguirem. Resolvi aguardar mais alguns segundos para não dar de cara com ele.
Peguei o pó de Flu e entrei na lareira. Por sorte ele havia usado o Flu, pois se ele tivesse aparatado seria bem complicado segui-lo.
— Caverna da Manticora - repeti o destino dito por Draco e soltei o pó vendo as chamas me envolverem e me levar para outro lugar.
Ao chegar no destino notei algumas mesas com aspecto velho e com muito uso, algumas pessoas conversando em uma mesa no canto e um balcão onde um rapaz talvez um pouco mais velho que eu servia um copo generoso de whisky de fogo a um senhor careca de vestes esfarrapadas.
Era um bar bruxo. Ele me lembrava um pouco do Cabeça de Javali, era bem soturno.
— Vai beber algo, Mademoselle? - o rapaz do balcão perguntou cheio de sorrisos me olhando dos pés à cabeça.
— Eu estou à procura do meu marido - falei num tom intencionalmente ríspido, no intuito de evitar uma possível tentativa de flerte do jovem francês - talvez o tenha visto. Alto, jovem, loiro, cabelos curtos.
— Ah sim... - o rapaz afirmou meio desnorteado - ele acabou de sair. Acho que foi ao hospital como de costume.
Como de costume? Processei por um segundo essas informação e agradeci o rapaz saindo do estabelecimento e notando que ao chegar na calçada pude ver, não muito longe a Basílica de Notre-Dame de la Garde. Eu estava em Marselha. As pessoas andavam despreocupadas pelas ruas apinhadas de gente, e entre moradores e turistas enxerguei quem eu procurava. Caminhei a uma distância seguindo-o e o vi indo para a direção de um prédio grande que ocupava boa parte do quarteirão. Na fachada do prédio tinha uma placa dizendo "Hospital de lá Timone". Entrei atrás dele e o vi caminhar pelos corredores com a normalidade de quem sabe o caminho que está tomando. Passou pela recepção e cumprimentou com um sorriso e breves palavras a senhora de cabelos grisalhos que estava lá.
— Posso ajudá-la Mademoselle? - perguntou a senhora que estava na recepção do hospital vendo que eu me encaminhava para o mesmo corredor acessado por Draco.
— Sim - falei tentando passar o máximo de simpatia possível na voz - eu vim com meu marido, mas fiquei estacionando o carro enquanto ele entrava e agora nem faço ideia pra que lado ele foi. Talvez você o conheça - acrescentei ao vê-la ficar levemente desconfiada - Draco Malfoy.
O rosto da mulher se iluminou.
— Oh você é a Madame Malfoy? - disse surpresa - que prazer conhecê-la. Nós sempre nos perguntávamos se ele a traria algum dia.
— Pois é - afirmei sem saber ao certo o que dizer pra sustentar minha farsa - demorei um pouco, mas cá estou - Sorri de maneira simpática tentando conter meu nervosismo dentro de mim - sabe dizer onde o encontro?
— Claro - ela agora transbordava gentileza - siga por esse corredor, terceira porta a direita.
— Muito obrigada - cumprimentei amavelmente e segui pelo caminho indicado pela velha senhora.
Fui pelo corredor com respiração presa no peito, sem saber ao certo o que eu iria encontrar, mas acho que a cena com a qual me deparei jamais me passou pela cabeça.
Draco estava com um dos joelhos no chão e no outro uma criança estava sentada e animadamente conversava com ele enquanto outras crianças cercavam os dois.
— ... E então a bicicleta tomou velocidade e só no meio da descida é que eu me lembrei que eu estava sem freios - contava o garotinho com entusiasmo - daí eu vi o lago e virei a bike pra lá, mas ao invés de cair na água eu caí na parte lamacenta da margem - Draco riu da reviravolta na história do garoto - não me machuquei, mas fiquei parecendo o monstro de lama.
— Você tem que tomar mais cuidado Simon - Draco advertiu o menino ainda com a voz repleta de humor pelos risos dados durante a história, mas com um tom extremamente paternal na voz - ainda bem que você não se machucou, mas imagina só, agora que o tratamento está funcionando, você ter que ficar internado aqui com a doutora Anne por estar todo estropiado.
— É eu sei - o menino pareceu meio envergonhado - mas não foi por querer eu não quis deixar meu pai preocupado.
— A sua sorte é que você domou sua bike e pensou rápido - disse Draco colocando o garoto no chão.
— Sorte foi o pai dele ter dado só uma semana de castigo pra ele, por ter pegado bicicleta do primo dele sem pedir - uma menininha loira disse arrancando risos de seus amiguinhos.
— Guarde isso pra mim amigão - Draco entregou a sacola ao garoto que prontamente foi levando ela para uma mesa - E você minha pequena artista? Como foi sua semana? - perguntou para menina loira.
— Eu terminei o desenho do pomar do mosteiro, mas não consegui achar a cor para os pêssegos, e então... - contou ela, mas parou de falar ao ser a primeira a me notar na porta - tem uma moça olhando pra você - sussurrou ela, mas não baixo o bastante já que pude ouvi-la.
Então ele, ainda ajoelhado pra ficar da altura das crianças, me viu e pareceu surpreso, mas simplesmente esboçou um sorriso de canto.
— Ela é minha esposa - confidenciou ele à garotinha num sussurro no mesmo tom do anterior, intencionalmente alto pra que eu também ouvisse, mas que desse a impressão a ela de ser um segredo entre eles.
— Ela é muito bonita - disse a menininha ainda em tom de quem está contando um segredo.
— Eu sei - Draco respondeu ficando de pé indo ao meu encontro - O que está fazendo aqui?
— E-Eu... - gaguejei sem saber o que dizer espantada pelo que eu tinha encontrado ao chegar aqui.
— Draco - uma das garotinhas nos interrompeu - esse livro que queremos que você leia hoje.
Entregou ao loiro um exemplar surrado de "Os três porquinhos".
— Hum... - Draco analisou o livro com interesse - esse eu ainda não conheço.
A garota riu achando graça, provavelmente pensando se tratar de uma piada, já que é uma história amplamente conhecida, mas eu desconfiava que Malfoy realmente nunca tivesse tido contato com a história.
— Quem é essa? - a menina perguntou me fitando com curiosidade.
— Marie, essa é a Hermione - a garota estendeu a mão e eu aceitei cumprimentando-a.
— Você é a namorada do Draco? - ela falou com uma doçura infantil que me fez sorrir.
Estranhamente me senti ruborizar. Talvez pelo fato de nunca ter cogitado ser namorada de Draco Malfoy.
— Sou esposa dele, na verdade - falei em meio a um sorriso sem jeito.
— Você vai ficar pra ouvir a história com a gente? - ela falou já me puxando.
— Bom... Eu não sei se eu deveria - falei um tanto desnorteada.
— Ah por favor - pediu a menininha sem me dar a chance de negar, pois já tinha me colocado sentada e tratou de sentar no meu colo.
Os pequenos começaram a se juntar e sentar no chão rodeando a cadeira que Draco ocupou.
Draco inciou a história e logo percebi o porquê das crianças estarem ansiosas pela sua leitura. Ele adicionava uns comentários sarcásticos e apontava absurdos que só quem não cresceu ouvindo e aceitando que eram assim que as coisas funcionavam conseguia notar.
Enquanto ele lia, eu tentei entender o que significava tudo aquilo. Eu percebi onde estávamos. Tinha uma placa escrito "Oncologia" na porta, era a ala de tratamento contra o câncer. O que Draco estaria fazendo aqui? Era óbvio pela interação dele com as pessoas, que essa não era a primeira vez dele nesse lugar, mas a situação era tão fora da realidade que minha mente não conseguia juntar as peças pra formar o quebra cabeça.
—... Entenderam, não é crianças? - falou ao finalizar a narrativa - Se forem construir uma casa em uma floresta povoada por lobos com super pulmões, tem que ser de tijolos - as crianças riam e eu não pude disfarçar um riso - e além disso sempre tenham um caldeirão de água fervendo no fogo.
Eles riram novamente e os pequenos começaram a cerca-lo pedindo uma nova história enquanto ele se esforçava para acalmar o ânimo dos baixinhos.
— Então é verdade? - perguntou uma mulher loira de cabelos levemente ondulados e um jaleco branco dirigindo-se a mim - Draco finalmente resolveu trazer a famosa Madame Malfoy - estendeu a mão me cumprimentando - Eu sou a Dra. Vilancourt.
"Famosa Madame Malfoy?" O que será que isso quer dizer? Antes de conseguir ponderar a respeito, por educação aceitei o aperto de mãos.
— Hermione Granger - falei com um sorriso para a jovem doutora. Ela era muito atraente e brevemente me perguntei se o primeiro nome dela seria Cordelia - Quer dizer que Draco fala muito de mim?
O semblante dela mudou ficando um pouco assustada pela minha pergunta.
— Oh não - apressou-se em dizer - ele apenas havia mencionado que você era muito ocupada e trabalhava para alguém muito importante, mas que ele não tinha permissão de contar quem era. Eu apostei que era o Messi - confidenciou num sussurro.
Eu ri me imaginando trabalhando com o astro do Paris Saint German.
— Não - assegurei a ela com bom humor - Não é com ele que eu trabalho.
— Mas você diria se fosse? - perguntou com diversão na voz.
— Provavelmente não - admiti.
— Então eu vou dizer para todo mundo que você não negou.
Eu ri e notei que de repente o foco da doutora mudou e percebi que ela olhava com carinho e certa admiração para Draco, que naquele momento imitava o som de um lobo enquanto as crianças riam.
— Draco parece bem a vontade aqui - comentei observando-o também.
— Sim... ele faz muito sucesso - disse a doutora ainda com a admiração na voz e em seguida desviou o olhar ruborizada - com as crianças eu quero dizer.
Arqueei a sobrancelha. Era evidente não era só a ala infantil que gostava dele.
— Ele conquistou de verdade essa galerinha - ela deu um sorriso olhando a interação dele com as crianças - aliás, todo mundo aqui adora ele.
— É mesmo? - perguntei um tanto curiosa.
— Bem... As doações com certeza deixaram o diretor do hospital muito feliz, mas acho que ele conquistou a equipe toda quando cortou o cabelo pra mandar fazer uma peruca para Lia.
Meu queixo caiu naquela hora e não pude disfarçar o meu espanto ao olhar de volta para eles e encontrei a garotinha loira com os cabelos dele, que nesse momento estava mostrando a ele o caderno apontando para o que quer que estivesse na folha e ao notar o meu olhar enfim veio até onde estávamos.
— Doutora Anne - cumprimentou ele - vejo que conheceu minha esposa.
— Sim, estávamos conversando e eu agora tenho setenta e oito porcento de certeza que é para o Messi que ela trabalha - a médica disse bem humorada arrancando um sorriso do meu marido.
— Doutora Anne - gritou um dos meninos no fundo da sala - o Sebastian não quer me dar o último de suco uva e ele já pegou um.
— Já volto, vou até ali resolver esse conflito de grande importância - ela falou nos deixando a sós.
Ele me olhou com o rosto impassível.
— Não sei o que você procurava quando resolveu me seguir, mas pela sua cara não foi nada do que estava esperando, estou certo?
— Definitivamente não - falei um tanto envergonhada.
— Vai me contar por quê me seguiu?
Seu questionamento não veio com a rispidez ou a irritação que talvez fosse o normal naquela situação. Foi uma pergunta sincera e sem a exigência de uma resposta.
Antes que eu pudesse dizer a garotinha dos cabelos loiros iguais aos de Draco chegou junto de nós.
— Eu trouxe pra vocês também - a menina mostrou três das caixinhas de suco que eu tinha visto ontem e então eu gelei. A situação toda foi tão chocante que eu tinha até me esquecido - Qual você vai querer, Draco?
— Você escolhe, qual você acha que eu vou gostar? - disse ele com gentileza me desarmando.
— Hum... Acho que o de morango - respondeu com sua sagacidade infantil.
— Espertinha - ele pegou o suco que ela ofereceu - como descobriu que é meu preferido?
Ele furou a caixa com o canudinho e tomou um generoso gole.
— E pra você o de Laranja - falou me dando a outra caixinha aguardando pra saber se tinha acertado.
— Acho que a madame Granger prefere maracujá - Draco avisou a menininha me direcionando um sorriso de canto.
Era irritante ele me conhecer tão bem assim. E me fazia me sentir como se ele soubesse me ler como ninguém e, embora ele tivesse acertado, não daria o braço a torcer.
— Mounsier Malfoy está errado - falei com simpatia à garota - eu amo suco de laranja. Obrigada!
— De nada madame Granger - falou com um sorriso enquanto ela mesma furava seu suco para toma-lo.
— Pode me chamar de Hermione. E você como é seu nome?
— Cordelia, mas todo mundo me chama de Lia - explicou ela.
— Cordelia? - falei com espanto. Essa garotinha não pode ser a autora daquele retrato, ou será que pode? Me lembrei que quando eu cheguei ela mencionou o desenho de um pomar - Você que fez o desenho de Draco que está na nossa biblioteca?
Seu rosto se iluminou em um sorriso.
— Você guardou meu desenho? - ela perguntou a ele sem disfarçar a felicidade em seu rosto.
— Você tá brincando? - ele falou quase como se fosse absurdo que ela pensasse o contrário - eu coloquei em uma moldura e deixei na minha mesa onde eu possa sempre olhar para ele.
Os olhos dela marejaram e num movimento espontâneo ela abraçou Draco, envolvendo seus braços na cintura dele apertando o rosto contra seu abdômen. Draco me olhou quase tão surpreso quanto eu, mas no mesmo instante um sorriso repleto de carinho e cuidado surgiu em seu rosto ao afagar de leve os cabelos da menina. E ali eu tive a certeza do que eu já desconfiava, seja lá o que ele tenha colocado naqueles sucos, não tinha o objetivo de ferir aquelas crianças.
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