1. Spirit Fanfics >
  2. One me two hearts >
  3. Cemitério, doce lar

História One me two hearts - Cemitério, doce lar


Escrita por: unkn0w

Notas do Autor


E ai, vcs tão bem?

Capítulo 4 - Cemitério, doce lar


Fanfic / Fanfiction One me two hearts - Cemitério, doce lar

NICO

Nico acordou com as costas e o rosto doendo. Quando se mexeu para levantar, descobriu o motivo: havia adormecido em cima das teclas do piano. Deu um salto para trás. Mal se lembrava do motivo de ter tocado na noite passada, ele odiava cantar, odiava ouvir música, odiava tocar. Simplesmente não suportava.

— Foi porque você não suportava outras coisas — disse a voz dentro da sua cabeça. — A única maneira de aliviar aquela agonia era fazer algo que te agoniasse mais.

— Bianca — falou firme — não é uma boa hora.

— Existe boa hora na sua vida, Nico?

Nico grunhiu.

— Você não é minha irmã.

— Depende do seu conceito de “ser”.

— Pare.

— Existem muitos complementos pra esse verbo, não acha?

Nico levantou-se bruscamente, ficando de costas para o piano e de frente para onde sentia Bianca.

Não era exatamente um enxergar com a visão, era simplesmente ver com um outro sentido. Ele jamais poderia descrever a sensação de ver dessa maneira. Era algo como uma visão periférica, porém mais nítida, e algo tão entorpecedor quanto um sonho.

— O que você está fazendo aqui? — ele esbravejou.

— Não sei. E você? O que está fazendo aqui?

Nico ficou em silêncio. Bianca continuou como se ele tivesse dito algo.

— Por que você continua vivendo? Por que você continua tentando?

— Eu não sei. Você sabe?

— Como eu poderia saber? Eu nem sou a sua irmã.

— Claro. Você nem é a minha irmã.

Bianca sorriu. Os dentes escuros contrastando com a pele pálida. Ele caminhou até as cortinas e as abriu, fazendo-a ser nada além de um espectro opaco e quase invisível.

— Você sabe que eu ainda vou estar aqui, certo? Na luz, no escuro, nos seus sonhos ou nos seus pesadelos.

— É claro — ele prendeu a respiração e saiu do quarto.

Você sempre está.

Andou enquanto sentia, com a ponta dos dedos, as marcas certamente avermelhadas em seu rosto. Lambeu os lábios secos, e sem querer eles se romperam num corte bem no meio. O gosto de sangue invadiu sua boca.

Nico subiu as escadas do centro do corredor. Notou que o carpete preto que antes a cobria fora substituído por um vinho. No sótão, havia uma espécie de torre. Ele não ia lá desde que era criança.

Subiu e notou que uma porção de vestígios da natureza tomava o lugar. Plantas crescento nas frestas entre as pedras, Hedera canariensis subindo pelas paredes. O sino gigantesco continuava lá, mas o badalo havia sido retirado. O metal estava bem enferrujado, também. 

Nico não gostava de lá.

Que animal poderia gostar depois do que aconteceu?

Ia passar os dedos por cima das inscrições que ele e Bianca haviam feito cinco anos antes — um B e um N com uma carinha sorridente ao lado — mas estava coberto de um pó preto não muito convidativo.

Talvez ele começasse a sangrar se tocasse naquelas paredes.

Desviou então sua atenção para além da torre, pelo jardim e pela estrada.

As colinas ao longe e o sol suave da manhã deveriam ser inspiradoras. Aquele ar frio que o fazia tremer de leve, com o aroma agradável de outono também. Ou a cor linda que a copa das árvores ganhava naquela época do ano, com certeza isso deveria trazer alguma ideia a ele.

Mas não. Nada aconteceu.

Talvez fosse errado tentar tirar proveito da dor.

Nico suspirou. Impassível, observou a cidadezinha colina abaixo. Dali, tudo parecia tão patético.

Como uma música ambiente, o tom alaranjado das folhas lhe lembrou da pele bronzeada de Will Solace.

E o nome “Will Solace” o lembrou daquele convite.

“Quando você chegar ao desespero, me prometa que vai me deixar te mostrar algo incrível”

Nico negou com a cabeça. Não era nada competitivo, mas jamais conseguiria aceitar aquela proposta do Solace.

Eles se detestavam.

Eles eram opostos.

Nico desceu as escadas para o sótão, e depois para o hall de entrada. Seguiu para a cozinha, esfregando os braços. Era para a mansão estar por volta dos vinte graus, uma temperatura agradável, mas sentia como se estivesse ali pelos quinze.

Entrou no cômodo e Melissa, a cozinheira de rosto e curvas agradavelmente arredondadas, sorriu com suas bochechas coradas, lhe desejando bom dia.

— Bom dia, Melissa. Pai.

Hades murmurou bom dia ainda com a xícara de café nos lábios. Ele tinha um livro de bolso entre os dedos da mão esquerda, sua aura era calma e refinada.

O homem olhou por cima dos óculos de leitura para Nico e depois voltou seu olhar para o livro.

— Vai acabar com cáries se continuar não escovando os dentes pela manhã — Nico levou a mão à boca e notou que tinha baba seca no canto. — Ou com infecção estomacal. Ou com acne no rosto por não lavá-lo ao acordar.

Nico retrucaria, mas não sentiu vontade. Olhou sem ânimo para aquele café da manhã riquíssimo em nutrientes, montado inspirado no estilo parisiense que seu pai tanto insistia em adotar. Nico queria pão com ovos e bacon, tudo com o máximo de gordura, igual o café da manhã da Olympus. O suco era de limão e tinha um leve amargor. Mas ele não reclamou, gostava de coisas amargas.

— Eu vou sair hoje — avisou.

— Para onde?

— Sei lá.

— É seguro?

— Não sei você, mas eu não confio muito nos mortos.

— Espero que se divirta.

— Obrigado.

Nico agradecia por Hades não perguntar demais. Talvez ele não se importasse, talvez ele quisesse deixar o filho em paz.

Hazel ainda não havia chegado, e ele era grato por isso. Não estava muito no espírito de parecer saudável, e Hazel não merecia vê-lo daquele jeito, todo derrotado e perdido. Assim, depois de beber todo o copo de suco e deixar a comida intacta, voltou para o seu quarto para se arrumar.

 

Era perto de onze horas da manhã. Assim que entrou no cemitério, tudo pareceu errado. Pediu permissão para entrar e ela foi concedida, no entanto, o guardião parecia relutante. Estava tudo muito quieto e vazio, ele se sentia vazio.

Almas estavam silenciosas naquele dia.

Bom ou mau presságio?

Passou por um carro esporte branco e subiu uma pequena colina próximo ao bosque atrás dos limites do cemitério. Sentou-se ali, debaixo da sombra de uma árvore. Colocou fones de ouvido, pôs seu caderno de desenho no colo e armou sua lapiseira. 

Apesar dos fones, não colocou música alguma. Era apenas confortável.

Pensou em sinos. Algo com esse ar de morte e igreja se encaixava com a visão do cemitério pela manhã. Os raios de sol refletindo nas lápides e a brisa movimentando as folhas e as flores.

Luz? Movimento?

Não, não parecia funcionar.

Passados longos momentos de frustação, Nico levantou o olhar. Ao longe, viu um cara alto e loiro caminhando em sua direção. Por alguns segundos pensou que seria Will.

De repente, o coordenador Apolo estava a cinco passos dele.

Não pôde deixar de se sentir levemente decepcionado.

— Olá, Nico. Posso sentar? 

— Pode?

— Acho que posso.

— Então pode.

Assim ele o fez.

— Sr. Solace, o que o senhor está fazendo aqui, que mal lhe pergunte?

— Eu queria conversar com você faz um tempo.

— E daí contratou um detetive particular pra me achar em pleno sábado?

— Tenho meus contatos — Apolo piscou um olho.

— Tenho medo dos seus contatos.

— Eu estava passando por aqui. Te vi. Só queria conversar. Tudo bem por você?

— E eu tenho escolha?

O coordenador deu um sorriso sapeca e ignorou o desconforto do aluno.

— Então, Nico. Eu soube que suas notas no colégio andam baixas.

Nico respirou fundo, esperando um sermão.

Era feriado, pelo amor de Deus, quem em sua plena saúde mental procuraria um aluno para falar de notas assim?

— Não entendo o motivo. Você é uma das pessoas mais talentosas que já vi. Talvez não esteja se esforçando, ou tenha desistido de si mesmo. Ou nem tenha tentado — depois de uma pausa sem Nico falar nada, retomou. — Ontem eu fui à sua casa pela parte da noite, eu e seu pai tivemos uma reunião. Eu escutei você cantando e tocando... Você é talentoso demais na música. Por que só faz artes plásticas e letras?

Por que?

Essa resposta é engraçada.

— Eu odeio música.

Nico queria poder apagar a noite passada. Não queria seu pai se envolvendo com o colégio, e muito menos  queria Apolo Solace escutando sua música.

Não ele. Não o pai de Will.

— E esses fones?

— Abafar a poluição sonora.

Apolo negou com a cabeça, incrédulo.

— Como alguém pode não gostar de música?

— Eu te explicaria, mas acho que o senhor não gosta muito de histórias de terror.

Nico encostou-se à árvore. Sua voz saiu ácida e afiada como uma navalha. Apolo estava sendo rejeitado.

— Nico, eu entendo que a dor tira algo de dentro de nós, uma coisa preciosa pros seres humanos. Acredite, eu entendo mesmo. — deu um sorriso suave, um pouco distante. — Mas, por favor, não desperdice o seu futuro por algo que já se foi.

Não, não se foi. Continua vivo, se arrastando debaixo de sua pele, pulsando com seu sangue, deixando um rastro viscoso em tudo que toca. Os fantasmas ainda vivem.

O inferno está vazio e todos os demônios estão aqui.

— Entende?

Nico soou sarcástico e vazio.

— Eu também perdi pessoas.

Nico ficou em silêncio.

— Quer ouvir uma história de terror? Ao contrário de mim, você parece gostar.

Nico riu.

— Vá em frente.

— Muito bem. Na faculdade, tinha essa menina que sempre andava suja de tinta e com um sorriso enorme no rosto. Ela era estranha. Não andava com ninguém, mas era amiga de todo mundo. Tinha vergonha de falar em público, mas vivia dançando no meio do campus. Ela comia café da manhã em todas as refeições do dia. Nunca a vi com namorado nenhum, mas todos os garotos e garotas que a conheciam, de alguma forma, sabiam que ela era a mulher mais perita em dar prazer.

Apolo sorriu largo e olhou para muito longe. 

— Eu a amei. Por algum motivo, ela me amou de volta. Foi intenso. Foi uma música frenética. Ela dizia que eu era o seu poeta, e que eu sabia tocá-la igual a um instrumento. Eu a amei tanto que ainda a amo.

Nico virou para encarar Apolo.

Ele não parecia estar triste.

Como pode?

— Angie engravidou dois anos depois de nos conhecermos. Foram meses lindos. Quando Will entrou nas nossas vidas algo queimou dentro da gente, sabe? Acho que quando duas pessoas tem um amor em comum, o laço entre elas se torna ainda mais forte.

— Will nasceu saudável e perfeito. Mas com três horas de idade, ele perdeu sua mãe. Metade de mim foi com ela. Hemorragia pós-parto, dá pra acreditar? Se pudesse, Angie riria da própria morte.

Nico não tinha ideia do que falar. Tudo parecia errado.

Will, aquele adolescente cheio de energia e motivação, também não tinha a mãe? Parecia impossível.

— Eu não sei pelo que você passou, mas gostaria que confiasse só um pouquinho em mim quando digo que você tem talento e não pode desistir dele assim, tão fácil.

Fácil?

— Minha música já acabou. Acabou antes mesmo de começar.

Apolo não entendeu, mas sorriu. O silêncio ficou confortável por um tempo.

Tinha uma espécie de conexão estranha entre eles. Uma linha tênue que só os segredos podem construir.

— Ah, Will comentou algo sobre esperar que você fique desesperado. Você está?

Nico revirou os olhos e deu uma risada fraca.

— E o que você estava fazendo para me achar aqui mesmo?

— Na verdade, eu estava visitando a minha mãe. Ela mora mais ou menos perto de vocês. Desculpe, eu te chateei vindo até aqui?

— Imagine.

— Ótimo. Então, o que vai fazer depois desse agradável passeio pelos túmulos?

— Talvez fazer uma visitinha ao inferno e perguntar se tem lugar pra mim.

— Okay, você vem buscar o Will comigo na escola e depois a gente almoça.

— Ah, não, Sr. Solace, eu não trouxe dinheiro...

— Primeiramente, eu não sou nem teu avô pra tu ficar me chamando de senhor. Segundamente, eu pago.

Nico hesitou. Ele sabia que não tinha como dizer não para o coordenador do seu colégio, e sabia que queria e que não queria querer ir com Apolo.

“Vá” uma voz soou na sua mente “vá e se distraia de todo o resto, é tudo que você faz mesmo”.

Demorou um pouco para notar que era apenas ele mesmo se assombrando.

— Eu soube que você perdeu sua mãe — disse Apolo enquanto levantavam. — Talvez essa não seja a única coisa que bocê e Will têm em comum. Sinto que vocês se dariam bem.

Nico concordou, mas foi só por fora, porque não havia chance de alguém como ele e Will Solace se darem bem. Will era a luz do sol, ele era a noite. Não dava. Se Will estava perto, ele desaparecia.

 

 

WILL

— Mas fazer isso é meio complicado porque, pra improvisar no contexto tonal de sol maior sobre um acorde de fá sustenido meio diminuto, você vai ter que usar a escala de fá sustenido lócrio...

— Nós já conversamos sobre essa peça a semana toda, Will — Catharina revirou os olhos. — Quando você recebe o seu namorado em casa, não espera exatamente que ele só fale de escola.

Will assentiu e conferiu o horário no seu celular. Apolo estava quase meia hora atrasado.

— Estou um pouco animado com a peça. Desculpe por isso.

— Tudo bem — Catharina deitou a cabeça em seu peito e ficou quieta de repente. Depois continuou hesitante. — Você está estranho. Alguma coisa aconteceu?

Os dois estavam deitados no sofá do quarto de Catharina, no dormitório do campus. Ela não tinha exatamente uma casa, já que a escola oferecia uma kitnet minúscula para os alunos por um pequeno custo. Se você quisesse uma só sua, então seria mais caro. Se fosse dividir, saía quase de graça. Mas nem todos os alunos moravam nos dormitórios ou ficavam pela semana, muitos moravam por perto, como Will. O lugar era mais para os estrangeiros e aqueles que vinham de várias partes do país.

Antes que pudesse responder, seu celular começou a tocar.

— Oi, pai. Já vou descer.

— Ok. Tenho uma surpresinha pra você. HEHEHEHEHE— Will desligou.

— Eu tenho que ir, Cath.

— Eu sei.

Ela suspirou e sentou, fechando a expressão.

Catharina esperava que ele perguntasse o motivo de ter ficado emburrada de repente, ela até já estava com todo o discurso preparado para dizer tudo aquilo que tinha intalado na garganta.

Mas, quando percebeu, Will já havia saído do quarto.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...