frustrar (parte dois)
verbo
transitivo direto e pronominal
falhar ou fazer falhar; baldar (-se), anular (-se).
Surpreendi-me ao ver a figura alta e lindíssima de Pilar que surgiu com uma criança em seu colo e uma expressão nada amigável em seu rosto.
- Ah, olá Liana – disse sem muitos rodeios e me entregou a criança que segurava. – Pode ficar um pouquinho com Alejandro?
- Hã, oi, claro – falei me sentindo um tanto quanto desnorteada e apoiei o filho mais novo Sergio em um de meus braços.
Não tive tempo de dizer mais nada, pois a mulher saiu voando da cozinha e logo Sergio apareceu com a pior cara que eu já tinha visto em toda minha vida. Ao me ver ali, tentou forçar um sorriso e estendeu os braços para pegar Alejandro para que eu terminasse o que estava fazendo.
- Lia, desculpa o atraso, eu tive um... – Começou a se explicar e eu me assustei com o tom de sua voz, rouca e baixa, como se um caminhão tivesse passado por cima dele. Neguei com a cabeça.
- Não, você não tem que me dizer nada – disse compreensiva. – Tivemos uma tarde ótima e nada de mais aconteceu, pode ficar bem tranquilo.
Um mínimo sorriso surgiu em seu rosto e seus ombros caíram em cansaço.
- Eu já ia te liberar, mas vou esperar Pilar arrumar os meninos – falou e eu o olhei sem entender. – Podemos conversar melhor depois?
Assenti engolindo o seco. A situação deveria ser realmente muito séria e tudo o que Sergio precisava naquele momento era de um ombro amigo e eu não podia negar isso para ele.
Finalizei a pipoca com um pouco de sal, já que Marco e Júnior supostamente não ficariam para comê-las.
Enquanto eu terminava de organizar as bagunças que eu tinha feito na cozinha, Sergio pediu licença e sumiu com Alejandro e por longos minutos eu fiquei sozinha ali, sem nem saber o que pensar direito.
Pude ouvir então as vozes de Sergio e Pilar soarem mais altas do que o normal e ela apressava os filhos, dizendo que eles não tinham a noite toda para ficarem ali. A última coisa que ouvi foi à porta sendo batida com força e Ramos xingando alto. Estremeci com o estrondo e fechei os olhos, desejando profundamente não estar ali naquele momento. Discussões sempre me deixavam muito aflita.
- Eu não acredito que tive que te fazer passar por isso – saltei de susto ao ouvir Sergio perto de mim e percebi que eu fitava o pote colorido a minha frente em completo transe.
Virei-me para encarar o jogador que puxou uma das cadeiras da ilha e apoiou a cabeça sobre as mãos, visivelmente irritado.
Eu não sabia o que dizer, nunca tinha sido boa em consolar as pessoas.
Peguei o pote das pipocas e coloquei na frente de Sergio que ergueu minimamente o rosto e me sentei ao seu lado em silêncio.
- Eu sinto muito – disse por fim e ele soltou uma risada sem humor.
- Você não faz ideia de quantas vezes eu já ouvi isso desde que tudo começou – falou amargo e inflou suas narinas.
- Não – toquei seu braço e seu rosto encarou o meu. – Eu sinto muito, de verdade. Nem você nem seus filhos deviam estar passando por isso.
- Pilar não é ruim – justificou e eu assenti, pois acreditava nele. – Ela só se perdeu no meio do caminho dessa loucura toda de separação.
Suspirou de forma pesada e tombou a cabeça para o lado.
Mordisquei o lábio sem saber muito bem o que fazer e mantive minha mão em seu antebraço, num consolo silencioso e singelo.
Eis que meu corpo agiu de forma inconsciente e, antes que eu percebesse o que estava fazendo, passei os braços pelo seu tronco definido e o abracei apertado.
Sergio não moveu um músculo nos primeiros milésimos de segundos, como se estivesse muito surpreso com meu afeto repentino, mas logo relaxou os ombros e também me abraçou e afundou seu rosto na curva de meu pescoço, me fazendo arrepiar inteira.
Acariciei seus cabelos como gostava de fazer com seus filhos e puxei o ar disfarçadamente para apreciar o seu perfume. Se Sergio não estivesse me segurando com tanta força, eu já teria desabado no chão, pois minhas pernas eram duas gelatinas naquele momento.
- Obrigado – soprou em minha pele e um calafrio subiu pela minha espinha.
Baixei o rosto para poder olhar o seu e quando nossos olhos se encontraram, o arrepio em meu corpo duplicou, fazendo meus pelos se eriçarem por completo.
Ramos sorriu sem mostrar os dentes ao ver o que causava em minha e uma de suas mãos subiu instintivamente para minha nuca, fechei os olhos com o contato e arfei ao sentir sua respiração se juntar a minha.
Nossos lábios quase se tocaram quando uma luz vermelha em sinal de alerta apitou em minha cabeça e eu me afastei, me desvencilhando dele que pigarreou e pareceu tão sem graça quanto eu.
Eu respirava com dificuldade e sentia como se um peso tivesse sido jogado em meus ombros. Minhas bochechas queimavam e as pontas dos meus dedos formigavam tamanha vontade que eu sentia em beijá-lo. Mas não era o certo. Sergio estava fragilizado e eu não queria ser apenas aquela que ele teve em um momento de descuido.
Funguei e afastei os cabelos do rosto, voltei à cadeira ao lado dele e enfiei um punhado de pipoca na boca, sem saber o que falar.
O jogador me acompanhou e eu não soube dizer por quanto tempo ficamos em completo silêncio.
- Eu... Eu tenho que ir – anunciei já me levantando e Sergio concordou, me acompanhando.
Dei-lhe as costas para ir buscar meus pertences que eu havia deixado no quarto dos meninos, mas o que aconteceu a seguir foi demais para que meu cérebro pudesse processar.
A mão grande e quente de Ramos segurou meu pulso e me puxou de volta e antes que eu pudesse questionar o motivo disso, sua boca já estava na minha.
Suas mãos seguraram o meu rosto de forma firme, mas ainda com cuidado e sua língua explorou a minha com tanta voracidade que eu perdi o ar o instante que tudo aconteceu.
O beijo não era nem de longe calmo, mas igualmente delicioso. Era mais do que eu esperava e podia querer.
Seu corpo se jogou contra o meu e eu dei alguns passos para trás me desequilibrando, até que minhas costas tocaram um dos balcões da cozinha e sua mão desceu furtivamente até minha cintura enquanto seus lábios ainda se moviam contra os meus.
Passei as mãos pelo seu pescoço e praticamente me sentei sobre a bancada, afastei as pernas e Sergio se encaixou ali no meio, nos juntando ainda mais.
O beijo precisou ser partido por conta do ar inexistente em nossos pulmões, porém logo nos beijávamos novamente e eu sentia tudo dentro de eu arder em chamas tamanho desejo reprimido de tanto tempo.
Ramos puxou meu lábio em seus dentes enquanto fazia questão de olhar dentro dos meus olhos e eu estremeci mais uma vez, arranhei sua nuca de leve e ele soltou um resmungo baixo, mas extremamente sexy.
Sua boca então desceu para meu pescoço e sua mão apertou minha coxa com força, agarrei seus cabelos e permiti que um murmúrio escapasse de minha garganta.
E como num deja-vu, o toque de um celular soou loucamente no ambiente e eu quis morrer naquele exato momento. Era o meu aparelho que tocava e Sergio pareceu tão infeliz quanto eu.
- Merda... – Sussurrou e me beijou mais uma vez antes de me libertar para que eu pudesse atender.
Pulei para o chão sentindo minhas pernas bambas e fui até meu celular cambaleando, tentando controlar minha respiração. Franzi o cenho o cenho ao ver o nome estampado na tela e senti meu coração bater descompassado: Carmen Balday, mais conhecida como minha mãe.
Eu já havia aceitado a ideia que o universo gostava de brincar com a minha cara.
Quando tudo parecia estar indo bem, entrando nos conformes, vinha ele bem pleno e me jogava um grande balde de água fria na cabeça. E aquela ligação comprovava perfeitamente a minha teoria.
Qual é? Minha mãe não falava comigo há quanto tempo? Quatro? Cinco anos? Eu nem sabia mais, só era obrigada a me recordar todas as noites de ter sido expulsa de sua casa na última vez que nos vimos e isso já era mais do que o suficiente para mim.
Carmen Balday nunca havia gostado de mim de fato, seu maior desejo sempre fora ser mãe de um menino e sua frustração por isso não ter acontecido me assombrou por toda minha vida até que eu saí de casa.
- Não vai atender? – Questionou Sergio me abraçando por trás e afastando os cabelos do meu ombro para ter livre acesso do meu pescoço.
Engoli o seco e só então percebi o quão firme eu segurava meu celular. Mas a questão era: eu deveria atender?
A resposta apareceu quando deslizei para o lado e pus o aparelho na orelha esquerda.
- Alô? – Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava e meus olhos se fecharam em puro pavor em ter que falar com ela após tanto tempo.
- Liana. Achei que não fosse me atender. – Sua voz extremamente severa, como sempre, soou em desafio e deboche e eu trinquei o maxilar, me arrependendo amargamente disso na mesma hora.
- Eu também não. – Arrumei a postura e Sergio acariciou meus ombros, tentando desfazer a tensão crescente no local. – Por está me ligando?
- Não é realmente como se eu quisesse fazê-lo – o desprezo em sua voz me atingia como agulhas e meus olhos se encheram de água no mesmo instante. – Mas como sou uma das únicas pessoas daqui que tem o seu número, coube em mim à tarefa de te ligar para avistar que sua avó, Ophelia, faleceu ontem à noite.
Apertei os olhos com força, deixando que as lágrimas gordas escorressem pelas minhas bochechas e precisei de alguns segundos para digerir o que Carmen havia me dito.
- O velório é daqui a dois dias – continuou a falar. – Seu pai vai precisar de você aqui. Até mais.
E desligou como se absolutamente nada tivesse acontecido.
Um soluço alto saiu de minha garganta e eu senti minhas pernas extremamente bambas e, antes que eu pudesse ter qualquer outra reação, desabei no chão e uma escuridão tomou conta de meus pensamentos.
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