História Ordinary Life - Sweater Weather

Tradução do título: Tempo do suéter

“I hate the beach
But I stand in california with my toes in the sand
Use the sleeves of my sweater
Lets have an adventure
Head in the clouds but my gravity centred”

                                      Sweater Weather, The Neighbourhood

 Se estivéssemos em circunstâncias comuns, eu passaria todo o restante de Julho observando o tempo correr. Minhas atividades se baseariam em comer, assistir televisão, ler, trabalhar, comer mais, e só então dormir. Pelo menos era ao que eu estava acostumada e ansiava veemente, porém Niall fez o lindo favor de arruinar meus planos. Ele realmente cumpriu com a promessa de agitar minhas férias invernosas.

  Apesar de ter passado boa parte do tempo em casa, não parei um só segundo. Niall sempre inventava de aprender a cozinhar, me obrigar a andar pelo bairro (acho que ele gostou de ser assaltado), ou então andar de skate pelas redondezas. Ele não tinha um talento nato para o esporte, mas se virava como podia. Acho que se saiu bem. Até temida Rua Riffle, uma das mais íngremes de todo lado norte da cidade, Niall teve a cara de pau de descer. Claro que ele caiu com tudo no chão, mas nada que um band-aid não cure.

  Nos fins de semana, Luke, Calum, Michael e eu costumávamos passar algum tempo juntos. Eu não demonstrava para os meninos, mas o fato de Ashton estar sempre com a namorada e não com seus amigos me deixava arrasada. O arredio e incômodo sentimento de abandono andava de mãos dadas comigo quando íamos até a Barb’s House e não escutava a voz de Ash reclamando do sabor da pizza.

- Só encontro aquele desgraçado no trabalho – Luke tateou o chão ao seu lado para pegar a quarta garrafa de vodka da noite. Seus olhos se fecharam quando ele riu fracamente – Parece que ele esquece que tem uma vida quando tá com Wendy.

 Faltavam apenas dois dias para o início das aulas e nós quatro estávamos do lado de fora  da minha casa, deitados na grama e olhando o céu. Ashton, como de praxe, disse que tinha combinado de ir ao boliche com a namorada dele. Aquele papo já esta mais do que me magoando. Tá me deixando profundamente irritada.

- Já deve ser quase meia noite – Comentei, olhando a posição da lua.

 Calum riu alto e me abraçou fortemente, levemente alterado pela bebida.

- Faltam três meses para outubro, o seu aniversário!

 Então, como três idiotas, eles começaram a cantar um “parabéns” forçado. Embolavam a letra de vez em quando, mas no fim saiu. Gargalhei daquela cena hilária. Nenhum deles nunca foi forte pra bebida.

- Nós podemos levá-la até uma boate de strippers – Luke levantou de repente, esbanjando um sorriso mal intencionado – Só com mulheres gostosas e...

- Acho que estão falando muita merda. Eu não sou lésbica e não gosto de lugares que cheiram sexo ou qualquer coisa parecida – Tentei lembrar meus amigos desse pequeno detalhe, mas nenhum pareceu me ouvir.

 - Caralho Luke, essa ideia é genial! – Calum levantou abruptamente e vez um high-five com o loiro, e logo saíram andando até a rua  – Vamos planejar tudo, Nina. Pode deixar com a gente essa parte.

 Michael não havia bebido muito, então se despediu de mim com um beijo na bochecha e saiu tranquilamente em direção ao conversível dele, fingindo que seus companheiros de banda não estavam felizes demais para não terem bebido nada. Claro que isso durou pouco, já que Michael é mais criança que metade dos bebês de Sydney.

- Vocês vão ficar pra trás! – Ele correu rapidamente até o carro e entrou. Os faróis foram acesos e o motor ligado.

 Luke e Calum quase não chegaram a tempo de entrar. Quando Hemmings fechou a porta, ouvi seu resmungo gritado de longe.

- O Ash vai saber que você fica fazendo essas porras quando nós estamos bêbados, Clifford.

 Acenei com um sorriso amarelo no rosto, tentando disfarçar o quanto aquela frase tinha me deixado mal. Nenhum deles percebia por estarem parcialmente bêbados demais para notar, mas não ter o baterista da 5 Seconds Of Summer ali conosco deixava tudo sem sentido.

 E eu me odiava a cada minuto por saber que a culpa é minha.

 Dei um longo suspiro e fui para dentro de casa. Niall estava deitado no sofá da televisão com o joystick do vídeo game em mãos, mas ele já estava dormindo como um bebê. Segurei o riso para não acordá-lo. Desliguei a televisão e subi as escadas pretendendo fazer o mínimo de barulho possível, então peguei um cobertor azul claro que estava no meu quarto e voltei ao primeiro andar.

- Acho que você tá confortável demais pra ser acordado – Murmurei enquanto desdobrava a coberta grossa. Coloquei-a sobre Niall e fiz o possível para tapar todo seu corpo, o que era relativamente fácil, já que ele não é alto demais. Passei a mão no cabelo loiro de Horan para desarrumá-lo um pouco. Ele ficava melhor daquele jeito.

Quando me dei por satisfeita, me afastei dele e segui para o meu quarto. Coloquei meu velho e bom pijama de mangas longas e shorts médios. A mancha de nutella não estava mais lá depois de algumas lavagens.

- Melhor assim – Concluí dando de ombros.

  Do mesmo modo que havia feito com Niall, me aconcheguei dentro de alguns cobertores de lã que Lauren havia separado para mim. É raro ter dias realmente frios na Austrália, mas eu gostava da sensação de estar protegida dentro de casa. Fechando os olhos e adentrando na escuridão, não levei mais do que cinco minutos para cair no sono.

 Acordei com o barulho do aspirador de pó. Abri os olhos para me acostumar com a claridade e sentei sobre a cama, apoiando meus cotovelos nas pernas. Levantei da cama e fui até o banheiro para escovar os dentes e tomar um banho rápido. Vesti um conjunto de moletom verde claro e calcei meus chinelos rapidamente.

 Assim que desci as escadas, notei que mamãe estava aspirando alguns porta-retratos antigos que ela guardava encima da estante. Ela estava com um avental amarrado na cintura e cantava alguma de suas músicas dos anos 70 baixinho. Sorri com a cena de vê-la improvisar alguns passos de dança com o aspirador de pó na mão.

- Bom humor nessa hora da manhã? – Disse passando por Lauren e dando um beijo em sua bochecha.

- Manhã só em seus sonhos – Ela desligou o aparelho e apontou para o relógio digital da cozinha. Marcavam uma e meia da tarde.

- Santos monociclos dourados – Arregalei os olhos – Se tivesse dormido mais dois minutos entraria em coma.

- Ah Nina, é seu último dia de férias – Mamãe sorriu ajeitando os longos cabelos castanhos para o lado – Não se preocupe com isso.

 Peguei uma foto que ela já tinha acabado de limpar e toquei o vidro frio do porta-retrato. Eu estava com um sorriso radiante e mostrava minha mão suja de tinta, assim como minha roupa. Luke estava ao meu lado com uma cara emburrada e o cabelo todo pintado de rosa. Eu deveria ter uns cinco anos quando aquela foto foi tirada.

- Come alguma coisa, filha – Mamãe disse religando o aspirador – Niall saiu com nosso vizinho para jogar futebol, só volta mais tarde.

- Tudo bem – Concordei, começando a andar até a cozinha. A voz de Lauren me fez parar no meio do caminho.

- Vocês estão ficando muito próximos, não é? – Ouvi seu riso e me virei, totalmente indignada.

- Por que você tá rindo? – Coloquei a mão na cintura – Ele disse que iria me fazer ter férias diferentes e foi isso que fez. Por favor, fui quase obrigada a isso.

- E você aceitou sem resistir? – Ela me olhou, incrédula.

- Sim – Dei de ombros e cruzei os braços. A gargalhada de mamãe me fez revirar os olhos. – O que foi agora, Lauren Stanton?

- Eu te conheço, Nina. Você nunca faz nada se não quiser, ou pelo menos reclama muito pra fazer - Você gosta dele, filha.

 Fiquei boquiaberta com a certeza na voz de minha mãe ao dizer coisas tão absurdas. Gargalhei com aquela ideia, tanto que água começou a sair de meus olhos.

- Definitivamente você não tá bem – Limpei meu rosto molhado lágrimas e voltei até a cozinha.

  Mamãe balançou a cabeça com um sorrisinho de lado e subiu as escadas, enquanto isso eu estava pegando alguns biscoitos e um copo de suco de laranja. Sentei-me à mesa para comer, mas logo Ginger começou a miar no meu pé.

- Espera um pouco, to com fome também  - Choraminguei para o gato laranja no chão.

 Assim que terminei de comer, guardei o pacote e peguei a ração felina para Ginger. Coloquei um pouco de leite e água também.  Aquela bola de pelos praticamente avançou na comida, me deixando para trás.

 Pensei em xingar um pouco a agressividade daquele gato laranja, mas a campainha tocou no mesmo instante que abri a boca. Bufei ao me levantar do chão e corri até a porta para ver se era um dos meninos. Quem sabe estavam trazendo comida?

 Sim, acabei de comer e to pensando em comida de novo. 

 Coloquei meu rosto na frente do olho mágico para ver quem era e logo dei um passo pra trás, tapando a boca com as mãos. Caralho, eu devo estar ficando maluca! Samantha Van Havinsway está na porta da minha casa!

 1, 2, 3... Olhei novamente para ver se eu não tinha comigo alguma coisa estragada. Samantha estava lá de verdade, puxando sua trança lateral embutida como se fosse um acendedor de lâmpada. O que infernos ela esta fazendo na porta da minha casa? Vasculhei alguma memória na minha mente e me recordei do dia na praia, onde ela dizia que me buscaria em casa para irmos ao shopping no dia seguinte. Como ela não veio, fiquei aliviada e vi que era só zombaria na parte dela.

- Pensei que ela estava brincando – Pus as mãos na cabeça e andei para trás novamente. Mas... Se eu não atender ela vai pensar que não tem ninguém em casa. Ótimo, é isso que eu farei.

 Virei-me de costas para a porta e dei um passo lentamente, na esperança de que o barulho de meus pés em contato com o chão não fizessem Samantha notar que tinha alguém em casa. Quando ergui a perna para o segundo passo, parecia que estava tudo dando certo.

- Atende essa campainha, Nina! Você tá na frente da porta! – Mamãe gritou do alto da escada.

 Argh, pensei cedo demais.

 Tapei meu rosto com raiva. Estava quase conseguindo fazer com que a garota fosse embora e minha mãe grita.

- Hölle! Mas que inferno! – Agarrei a maçaneta e abri a porta. Samantha sorriu abertamente e abriu a boca para falar algo, porém foi impedida quando eu peguei seu braço e a puxei para dentro de casa.

  Samantha entrou aos tropeços enquanto eu continuava a puxá-la. Meu coração batia á mil por hora e eu rezava que ninguém tivesse a visto entrando na minha casa.

- Que bela recepção! – Ela resmungou batendo na blusa branca, agora bastante amassada – Não sei se você sabe, mas não recebemos as pessoas assim em nossa casa.

- Mas o que você tá fazendo aqui?

- Vamos ao shopping – Ela disse animadamente, batendo palmas – É o último dia de férias, então pensei que você gostaria de sair comigo para fazermos um programa de garotas.

- Samantha, eu acho que...

 O barulho de alguém descendo as escadas me fez ficar calada na mesma hora. Virei-me a tempo de ver Lauren parar bem ao meu lado, olhando de mim para Samantha com uma expressão confusa. Confusa não, mamãe parecia totalmente chocada.

- Olá, você deve ser a senhora Stanton – A garota ao meu lado deu um sorriso alegre e estendeu a mão para que minha mãe a apertasse – Meu nome é Samantha Van Havinsway e estudo na mesma escola que Nina há alguns meses. É um prazer conhecê-la.

 Minha mãe arregalou os olhos, porém esboçou um sorriso nos lábios.

- Oh querida... – Ela olhou para mim procurando uma explicação, logo voltando a olhar para Samantha – Me chame de Lauren. Não sou tão velha para senhora.

 Ambas riram sonoramente e senti que queria me matar com uma faca na garganta.

- Tira essa cara de sono e coloca uma roupa rápido, Nina. Hoje é o dia das garotas! – A ruiva disse cantando as palavras e fiquei no mesmo lugar. Quando ela notou que eu não me moveria, Samantha revirou os olhos e agarrou meu pulso – Então eu mesma te levo até seu quarto.

- Primeira porta á direita no segundo andar – Lauren disse rindo da situação. Traidora.

- Não precisa! – Me rendi – Espere aqui um minuto que já desço de novo.

 Samantha sorriu satisfeita e se sentou no sofá. Revirei os olhos, vendo que ela estava agindo como se estivesse em sua própria casa. Subi as escadas correndo e entrei no meu quarto, trancando a porta. Respirei fundo, tentando digerir que eu iria ao shopping com uma louca. Olhei para minha escrivaninha e vi minha câmera instantânea.

- Acho que preciso de mais filme – Analisei as fotos que havia tirado nas duas semanas anteriores. Fotos dos meninos fazendo brincadeiras e tocando, do céu nublado, das noites estreladas. Em um canto, achei uma foto comigo. Ela tinha sido tirada por Niall e eu estava com os fones na cabeça de olhos fechados, sem perceber que ele estava tirando a foto. Ele apareceu no canto fazendo careta, em uma espécie estranha de selfie. Só então percebi que aquelas férias tinham sido incríveis pra mim.

 Colei um pedaço de fita adesiva na parte de trás da fotografia e a colei em meu mural de fotos. Sorri com o resultado e fui até meu guarda roupa. Tirei um suéter azul escuro e jeans claras, colocando as peças na cama. Peguei tênis totalmente brancos e os coloquei no canto da cama. Tirei meu moletom e vesti as roupas que havia separado, calçando também o tênis. Depois de passar rímel e pó, coloquei algum dinheiro em uma bolsa e meu celular também. Fui até a gaveta para escolher um fone e coloquei o branco, o posicionando no pescoço. Escovei rapidamente meus cabelos e coloquei um colar.

 Tudo bem, acho que não estou um lixo completo.

 Desci as escadas com lentidão e peguei minha mãe e Samantha conversando como se fossem velhas amigas. Aquilo me deixou um pouco desconfortável, mas procurei disfarçar.

- Estou aqui – Anunciei parando ao lado do sofá e só então as duas notaram minha existência.

- Ótimo! - Samantha se levantou e abraçou minha mãe rapidamente – Obrigada por me receber, Lauren. Adorei conversar com você.

- Digo o mesmo – Minha mãe sorriu e olhou para mim com os olhos esbanjando alegria – Sempre quis que Nina fizesse amizades femininas. Ela tem testosterona demais ao redor dela. – As duas riram novamente – Venha mais vezes e traga sua mãe para que nós tomemos um chá.

- Vou falar com ela – Sam piscou, astuta – Vamos?

 Concordei com a cabeça e fui despedir de Lauren, que me deu um abraço apertado.

- Estou orgulhosa de você, filha – Sussurrou, com a voz emocionada – Pensei que demoraria a ver alguém que você conheceu aqui em casa.

 Sorri fracamente e acenei para ela quando passei pela porta. Samantha deu saltinhos até chegar na frente de um  Toyota vermelho-vinho.

- Peguei escondido do meu irmão – Ela sorriu maldosamente – Acho que ele não vai importar.

- Você pelo menos tem carteira? – Perguntei ainda olhando o veículo.

- Não – Samantha estava calma, mas deu um sorriso nervoso quando a olhei incrédula. Sabia que ela estudava no segundo ano, porém não percebi que ela possivelmente era mais nova que eu – Garotas de 17 anos não podem dirigir na Austrália, mas eu tinha carteira quando morei no Maine.

 Suspirei profundamente.

- Vai nos matar?

- Acho que não. Mas caso sim, saiba que não foi propositalmente – Ela gargalhou e entrou no banco do motorista.

 Bufei em resposta e me alojei no banco da frente com a bolsa de couro no colo. Samantha ligou o rádio e aumentou o som.

- Eu amo essa música! – Ela falou animada quando vi que Marina and the Diamonds tocava em uma estação de rádio qualquer. Samantha começou a cantar a música com felicidade e logo ligou o carro. Me encolhi no assento e fechei os olhos.

Esse dia vai ser bem longo.