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História Os Crimes Da Rua Morgue - Poe


Escrita por: ManuDelavy

Notas do Autor


Oi gente. Olha quem ta aqui de novo
Mas hoje eu não to aqui pra falar de sexo ahahhaahha q
Essa não vai ser uma fanfic de famosos. Deixa eu explicar rapidinho. Minha turma teve que ler o livro Histórias Extraordinárias, que é do Edgar A. Poe. Nesse livro tem umonte de contos clássicos dele, e um deles que eu adorei muito foi "Os Crimes da Rua Morgue", e enquanto eu estava lendo eu achei que a história ia ser de um jeito (e tinha ficado meio tipo "MEU DEUS TEM QUE SER ASSIM PQ É GENIAL" mas não foi...
E minha professora pediu para que nós recriarmos o final de um conto, e é claro que essa ideia veio em minha linda e louca mente.

Essa fanfic vai funcionar assim, o primeiro capítulo vai ser o original do Poe, exatamente como está no meu livro (com a tradução da Clarice Lispector.
E no segundo vai ter a minha versão.

Seria bem massa se você conhecesse o final original, mas tudo bem.
Espero que gostem, fiquei bem orgulhosa de mim.

Boa leitura xx

Capítulo 1 - Poe


Os crimes da rua Morgue

 

                Todos nós sabemos que os indivíduos dotados de boas qualidades mentais são dotados também de um espírito fascinado pela análise. Assim como o homem fisicamente forte se delicia com exercícios que põem seus músculos em ação, o homem bem-dotado de inteligência gosta da atividade mental. Esta lhe traz um prazer imenso. Analisa, soluciona problemas, resolve enigmas. Decifra mistérios. Sabe encontrar prazer nas ocupações mais comuns, desde que ponham em jogo o seu talento. Gosta, como se diz, de dar “trato à bola”.

                Ninguém vá pensar que estou aqui escrevendo um tratado ou elaborando um ensaio. Nada disso.

                Estou aqui prefaciando uma narrativa um tanto fora do comum.

                Lembrei-me de dizer-lhes aquelas coisas porque o tal caso era um caso de mistério. Sua solução parecia exigir o que já lhes disse: inteligência, cálculo, espírito de análise. E sobretudo atenção. Sim, porque em todos os jogos intricados e difíceis são requeridas vivacidade, perspicácia, mas também muita atenção. No caso do xadrez, por exemplo, nem sempre vence o mais perspicaz. E sim o mais concentrado, mais atento. Observar atentamente é recordar com clareza. Dessa forma, ter memória retentiva e conhecer as regras (o mecanismo do jogo) são requisitos considerados comumente indispensáveis a uma partida satisfatória. Mas é nas questões que ultrapassam os limites da simples regra que se comprova a perícia do bom jogados.

                É essencial saber o que se deve observar.

                O jogador de verdade não se limita ao jogo. Examina bem a fisionomia do parceiro. Compara-a cuidadosamente com a de cada um dos adversários. Considera a maneira como são repartidas as cartas. Conta trunfo por trunfo, figura por figura, vigiando o olhar dos demais. Nota todas as modificações fisionômicas no decorrer da partida. Expressão por expressão vai ficando guardada na memória. É a alegria, a surpresa, o triunfo, o pesar. Reconhece o blefe pelo jeito como que a carta é lançada na mesa. Uma palavra casual, a contagem, a arrumação, o embaraço, a dúvida. O tremor das mãos, a impaciência, uma carta que cai, tudo lhe oferece à percepção indicação do verdadeiro estado das coisas.

                Eu lhes expus tudo isso para que possam entender melhor a narrativa que se vai seguir.

                No ano de mil oitocentos e tanto, durante a primavera, eu estava residindo em Paris. Sozinho e em situação financeira não muito boa.

                Foi nessa época, justamente, que conheci e fiquei amigo de um tal senhor C. Auguste Dupin.

                Era um jovem e simpático cavalheiro. De excelente – ilustre mesmo – família.

                Por uma série de maus acontecimentos, ficara, como eu, reduzindo à miséria. Uma miséria que nos matara a energia do caráter e não nos deixa nem ânimo para cuidar da recuperação dos bens.

                Muito pouca coisa do antigo patrimônio ficara em seu poder. Mera gentileza ou piedade dos credores. A pequenina renda lhe restara daí ai dando para prover as necessidades, sem nada de supérfluo. Seu único luxo era, em verdade, os livros, que em Paris não custam muito caro.

                Pois foi justamente numa livraria que teve lugar nosso primeiro encontro. Por uma coincidência, procurávamos o mesmo volume. Raro e notável. Isso nos aproximou. Passamos a ver-nos com frequência.

                Contou-me sua vida, a história de sua família. Eu estava assobrado com a extensão de suas leituras. Encantou-me também o poder de sua imaginação. Vi que a companhia daquele homem, naquela cidade, seria preciosa para a experiência. Ele era um tesouro para a minha inexperiência.

                Revelei-lhe francamente esse meu sentimento.

                Combinamos, então, morar juntos, enquanto eu estivesse por ali, em Paris.

                Alugamos uma casa no subúrbio de St. Germain. Mobiliamos a casa, deserta e afastada, de acordo com nosso temperamento comum. A velha mansão, já devastada pela ação do tempo, uma ruída quase, ganhou uma feição grotesca com a decoração que fizemos. Estava desabitada há muito, devido às superstições que não nos demos o trabalho de investigar.

                Nosso isolamento era total. Quem chegasse a conhecer a vida que levávamos ali teria, sem dúvida, nos considerado loucos. Nem visita nós admitíamos. E ninguém conhecia a localização de nosso retiro. Nem os amigos mais íntimos. Existíamos apenas dentro de nós mesmos.

                Meu amigo era cheio de caprichos e fantasias. E eu me divertia com isso. Na verdade, adotei todas as suas esquisitices. Entreguei-me a um mundo de manias. Por exemplo: quando amanhecia, fechávamos a casa toda. Dentro do casarão escuro acendíamos velas perfumada que davam em tudo um reflexo bem estranho.

                Nesse ambiente, estimulados pela semiescuridade, passávamos o dia lendo, escrevendo, conversando até que o relógio nos avisasse a chegada da verdadeira Treva. Assim, dentro da noite, saíamos, então, de braços dados. Rua afora, mergulhados nos mesmos sonhos de durante o dia. Errávamos, sem destino, até altas horas, procurando, por entre as desertas escuridões da cidade populosa, aquele infinito de emoção espiritual que só a silenciosa contemplação pode proporcionas.

                Foi nessas andadas que comecei a notar em Dupin uma poderosa capacidade de análise. Ele se divertia, exercitando-se cada vez mais. Chegava a dizer que, para seus olhos, a maioria dos homens trazia, no peito, janelas abertas, através das quais podia ver-lhes o íntimo. E provava isso. Fazia espantosas revelações a respeito de mim mesmo. É. Ele parecia ver-me por dentro.

                Pelo jeito como estou contando tudo isso, pode parecer que lhes estou preparando tudo isso, pode parecer que lhes estou preparando uma história de mistério sobre mim mesmo. Ou algum romance.

                Não. O meu amigo francês era uma inteligência agitada. Analista. Para lhes dar ideia da natureza de suas observações, vou lhes contar um exemplo.

                Certa noite, vagávamos os dois pela rua longa e suja. Íamos em silêncio, cada um com o seu próprio pensamento. Já havia bem uns quinze minutos que não dizíamos uma única palavra. De repente, Dupin rompeu o silêncio, como se continuasse uma conversa:

                – Ele é, de fato, muito pequeno. É um sujeito pequenino demais, e estaria muito melhor no teatro de variedades.

                – Não resta a menor dúvida – respondi, continuando uma conversa que havíamos começado. Para ser mais exato, fora apanhada no meio. Sim, porque eu estava assombrado com o fato de suas palavras combinarem com o meu pensamento.

                – Dupin – disse-lhe eu, preocupado –, isto está além da minha compreensão. Mal posso crer no que estou assistindo. Como lhe foi possível saber que eu estava pensando em...? – Interrompi, de propósito, aqui, para me certificar, definitivamente, de que ele de fato sabia em quem pensava eu.

                – ...em Chantilly, o sapateiro – disse ele. – Por que parou? Você estava pensando que a pequena estatura dele o tornava incapaz para representar o papel na tragédia e fora vaiado violentamente.

                – Diga-me, pelo amor de Deus – exclamei –, qual o método, se é que existe algum método, pelo qual você conseguiu penetrar em minha alma, neste caso.

                Na verdade, eu estava mais espantado do que desejava estar.

                – Foi o vendedor de frutas – respondeu o meu amigo. – Foi ele que fez com que eu chegasse à conclusão de que o sapateiro não tinha estatura suficiente representar o papel de Xerxes...

                –Mas não conheço nenhum vendedor de frutas!

                – O homem em que você esbarrou ao entrar nesta rua, há uns quinze minutos, mais ou menos.

                Lembrei-me. Era verdade. Um vendedor carregando, à cabeça, um enorme cesto de maçãs quase me atira ao chão, esbarrando em mim. Agora, o que eu não podia entender era o que isso tinha a ver com Chantilly.

                A meu pedido, Dupin explicou-me tudo. Seguiu comigo todo o trajeto de meu pensamento até aquele momento. E tudo certíssimo, eu conferia. Passo por passo, reconstituiu meu pensamento, que lia através de minhas posturas e das expressões do meu rosto.

                Um pouco depois dessa conversa, folheávamos uma edição da Gazeta dos Tribunais. Nossa atenção foi despertada pela seguinte notícia:

 

CRIMES EXTRAORDINÁRIOS

                Em diversos parágrafos, a notícia narrava a história narrada a história do que parecia ser um crime bárbaro. Contava que, dentro da madrugada, às três horas, mais ou menos, os moradores haviam sido despertados por gritos espantosos. Pareciam vir do quarto andar de uma casa da rua Morgue. A casa era ocupada por uma senhora e sua filha, Madame L’Espanaye e Camille. Correram todos para lá, uns dez vizinhos e dois policiais. Não foi fácil abrir a porta. Só o conseguiram arrombando-a com uma alavanca, mais propriamente um pé de cabra. A essa altura não havia mais grito. Enquanto subia a escala, o grupo ouvia voes ásperas, em tom de violenta discussão. O grupo dividiu-se. Isto facilitaria o exame dos aposentos em menos tempo. Nos fundos havia um quarto fechado a chave, por dentro. Foi arrombado também. Aí um espetáculo de horror paralisou todos os presentes.

                Reinava a maior confusão. Móveis quebrados, jogados, em desordem, por todos os cantos. Sobre uma cadeira havia uma navalha manchada de sangue. Na lareira, duas longas e grossas tranças de cabelo humano, grisalho. Tudo em grande quantidade, jogados, espalhados pelo chão. Duas bolas abandonadas com cerca de quatro mil francos de ouro. Um cofre de ferro, papéis velhos, cartas, joias, tudo misturado, largado de qualquer maneira.

                E das pessoas da casa, nenhum vestígio. Notaram, então, uma quantidade enorme de fuligem na estufa. Deram uma busca na chaminé. Dali foi retirado o cadáver da filha, de cabeça pra baixo. Fora introduzido a força. O corpo, ainda quente, estava todo arranhado, cheio de hematomas e fundas marcas de unha. Parecia ter sido mortalmente estrangulada. Continuaram a investigação por toda a casa. Num pequeno pátio, espécie de um quintal cimentado, estava o cadáver da velha. A garganta profundamente cortada. Tanto que, ao tentarem levantar o corpo, a cabeça de desprendeu. Tudo estava horrivelmente mutilado, mal conservando qualquer aparência humana.

                A nota dizia que, até aquela hora, não havia nenhum indício que esclarecesse alguma coisa sobre o horrendo crime. Era o mais denso mistério envolvendo tudo.

                No dia seguinte, procuramos saber mais a respeito. E, de fato, haviam publicado alguns novos pormenores, sob o título:

 

A TRAGÉDIA DA RUA MORGUE

                A notícia vinha contando que muitas pessoas foram interrogadas. Aquelas que pareciam mais ligadas às duas assassinadas.

                Vou resumir os depoimentos de cada uma. Será muito longo e cansativo contar tudo como foi lançado nos autos. Mesmo porque, apesar de as declarações haverem sido longas, não trouxeram nada novo que lançasse alguma luz sobre o caso. Foram interrogados, por exemplo:

                Pauline Duborg, a lavadeira das vítimas. Trabalhava para elas há três anos. Disse que mãe e filha viviam bem. Em paz. De maneira afetuosa, no trato uma com a outra. Não sabia dos seus meios de vida. Achava que a velha senhora era cartomante. Diziam todos que guardava dinheiro. Nunca encontrara pessoa estranha na casa. Só as duas, sempre. Não tinham empregada. Só havia móveis no quarto andar, estava certa disso.

                Pierre Moreau, vendedor de fumo. Vendia há quatro anos a Madame L’Espanaye. Nascera e crescera por ali. Disse que as duas ocupavam a casa há seis anos. Achava que a velha era um tanto caduca. Deviam ter dinheiro. Achava também que Madame lia a sorte. E achava muita coisa mais que nada adiantava para elucidar o crime. Outras pessoas todas vizinhas prestavam depoimentos. Quase todos iguais. E pouco interessavam ao esclarecimento do mistério. Um acrescentava uma coisa. Outro supunha algo mais e alguém trazia uma informação precisa. Mas nada de muito valor para a solução.

                Isidore Muset, policial, tinha mais a dizer. Fazia ronda por ali. Fora chamado. Ajudara a arrombar a porta e fora dos primeiros a penetrar na casa. Ouviu os gritos e, o que é mais valioso: ouviu as vozes em discussão.

                Nesse ponto, todos os que entrarem estavam de acordo em certos detalhes. Por exemplo, foram ouvidas as palavras: “sagrado” e “diabo”. Quando ao timbre da voz, as opiniões variavam.

                Isidore Muset, o policial, disse ser voz de espanhol. Para ele, discutiam em espanhol.

                Já Henrique Duval concorda com os outros depoimentos em tudo, menos no sotaque da voz. Era pronúncia de italiano, dizia ele. Conhecia as vítimas e sabia que as vozes não era delas.

                E Odenheimer, dono de restaurante. Holandês. Passava pela casa na hora dos gritos. Depusera espontaneamente. Confirma os depoimentos, mas a voz era de homem e francês.

                E o banqueiro Julio Mignaud, a mesma coisa. Declarou que Madame fazia depósitos e retirara uma boa soma em ouro três dias antes da treagédia.

                E Adolf Le Bom, empregado do banqueiro, levou a quantia, em duas bolsas, até a casa da velha. Não viu ninguém no caminho.

                E outros, mais outros! Uma meia dúzia mais de depoimentos. Sempre coincidindo tudo, acrescentando pouco, mas discordando sempre no caso da voz. Para o espanhol Afonso García, agente funerário, era um inglês falando e um francês. Alberto Montani dizia, entre muitas outras coisas, que era a voz grossa de um francês. E a voz mais aguda era de um russo.

                O médico Paulo Dumas foi chamado para ver os cadáveres. Descreveu tudo com técnica e precisão, inclusive o estado dos corpos. As arranhaduras. A moça bem mais ferida que a mãe. Manchas. Pressão de dedos. Rosto exangue. Olhos saltados. Língua quase totalmente cortada. Equimose em cima do estômago feita por pressão de joelho. O médico achava que a jovem fora estrangulada por várias pessoas desconhecidas. As pernas da mãe estavam esmagadas. Os ossos das costelas, lascados. Lesões por toda parte. Se fora um homem, dizia ele, tinha que ser um homem terrivelmente forte. O pescoço da velha fora cortado com uma navalha.

                E vem o depoimento de outro médico, o cirurgião: Alexandre Etienne. Mesma opinião em tudo.

                A notícia é encerrada com a afirmação de que nada mais importante fora conseguido. Não existe, pois, ao que parece, a menor pista.

                Em sua edição da tarde o mesmo jornal falava da grande confusão que reinava em torno do caso.

                Muitas testemunhas ouvidas, muitos dados, muita informação examinada e reexaminada. Tudo não levando a nada de positivo.

                Uma nota de última hora informava que havia sido preso Adolf Le Bom. O que levara os francos de ouro à casa da velha.

                Enquanto tudo isso acontecia, meu amigo Dupin mostrava-se particularmente interessado no andamento do caso. Sem comentários, mas deixando ver a satisfação que o enigma lhe trazia.

                Depois da notícia da prisão do empregado do banco, resolveu pedir minha opinião a respeito do crime.

                Minha opinião era a mesma da cidade inteira. O mistério era insolúvel. Tive que confessar.

                Dupin, então, comentou:

                        – Será difícil descobrir qualquer coisa com esses interrogatórios tão superficiais. A polícia trabalha em métodos, sem lógica. Ou é superficial ou profunda demais. Olhar de muito perto o objeto prejudica a visão. E a verdade nem sempre se encontra no fundo do poço. Com uma profundidade indevida, perturbamos a debilitamos os nossos pensamentos.

                – E você tem alguma opinião formada sobre esse crime? – Perguntei.

                – Bem, acho que devemos fazer alguns exames por conta própria, antes de formar uma opinião a respeito. Será uma boa distração. Além disso, devo fazer um favor a Le Bon e não gosto de vê-lo preso, creio que sem culpa.

                Assim, arranjamos permissão e visitamos o local da tragédia.

                Lá – uma casa parisiense comum – meu amigo fez um exame minucioso de tudo. Os corpos ainda se encontravam no mesmo lugar e foi possível investigar com maior eficiência.

                Um policial nos acompanhava na visita. Nesse trabalho ficamos ocupados até o anoitecer. Voltamos, então, para um merecido descanso em nossa casa. Antes, meu companheiro entrou por um momento na redação de um dos diários.

                Chegou calado e saiu calado. Meu companheiro era cheio de manias. Eu as respeitava. Deixei-o ficar em silêncio, até quando se resolveu manifestar. E veio com uma pergunta:

                – Que observou você de particular, lá, no local da tragédia?

                – Nada de particular – respondi. – Pelo menos, nada que já não houvesse lido nos jornais.

                Não sei por quê, mas a maneira como pronunciou a palavra “particular” me fez estremecer. E meu amigo comentou:

                – Receio que jornais não tenham penetrado no extraordinário horror da coisa. Mas vamos nós ao exame e à opinião nossa a respeito desse caso misterioso que todos já consideram insolúvel. Vamos para o lado em que a polícia não foi.

                – Como assim? Então todos os ângulos já não foram vistos através de vários depoimentos?

                – Você ainda não notou que a polícia está confusa justamente por causa de tantos depoimentos? Até agora não conseguiu achar o “motivo”.

                – Motivo para o crime?

                – Não, meu caro. Para tanta atrocidade por parte do assassino.

                – Você fala “o assassino”. Não lhe parece tudo muito para ser trabalho de um?

                – Justamente isso também confunde a polícia. Há aquela dificuldade de conciliar as vozes ouvidas na discussão com o fato de não se ter encontrado ninguém lá em cima, além da senhorita L’Espanaye assassinada. Acontece que a casa não tem outra saída além daquela por onde o grupo entrou ao ouvir os gritos.

                – Mas, repito, não houve ação demais para ser executada por uma só pessoa?

                – É o que parece. Daí a confusão da polícia. Veja bem se não é para embaraçar qualquer um. A selvagem desordem do quarto. O cadáver metido, de cabeça para baixo, na chaminé. As mutilações no corpo da senhora idosa. Essas e mais outras coisas foram suficientes para desorientar o raciocínio dos agentes do governo, reduzindo a zero aquela vivacidade e esperteza de que tanto se orgulham. Caíram no erro de confundir o desconhecido. Mas é por esses desvios do plano comum que se chega à verdade.

                – Começo a entender.

                – Pois é, nas investigações como a que iniciamos não se deve perguntar muito. Mas, sim, procurar saber se o que aconteceu antes. De fato, a facilidade com que chegarei, ou já cheguei, à solução desse mistério está na razão direta de sua aparente insolubilidade aos olhos da polícia.

                Olhei para ele, mudo de assombro.

                – Estou à espera – continuou ele, olhando para a porta do nosso aposento –, estou à espera de uma pessoa que deve me procurar. Pode ser que não seja o autor dessa carnificina, mas é cero que esteja inocente da parte mais graves dos crimes cometidos. Suponho que minha ideia esteja certa. Pelo menos, se baseia nela toda a minha esperança de decifrar o enigma.

                – E quem supõe que seja?

                – Aguardo o homem aqui, nesta sala, a qualquer momento.

                – E se não aparecer?

                – É verdade que ele pode não vir. Mas é quase certo que venha. Se vier, será necessário detê-lo. Aqui estão duas pistolas. Nós as saberemos usar quando chegar a hora.

                Apanhei uma das armas, mal acreditando no que ouvia. É que Dupin continuava falando como num monólogo. E falava alto como se eu me encontrasse muito distante dali:

                – As vozes que discutiam eram de homens. As pessoas ouviram, enquanto subiam a escada. Então não se pode dizer que a velha matou a filha e se suicidou. Isso é simplesmente absurdo. Nem a velha senhora teria tido força para colocar o corpo da moça na chaminé. E a natureza dos ferimentos em seu próprio corpo exclui a ideia de suicídio. O crime foi, portanto, cometido por terceiros. E eram destes as vozes que se ouviram na discussão. Agora, deixe-me mostrar-lhe uma coisa de peculiar que existe nos depoimentos. Não notou neles nada de particular?

                – Parece que todos são de acordo em que a voz grave pertence a um francês. E quando à voz mais estridente há um completo desencontro. Ninguém chega a mala.

                – Isso é pura evidência. Mas não é particularidade. Como você disse, todos concordam quando à voz grave. Mas, no que se refere à voz aguda, a peculiaridade está, não em terem discordado, mas no fato de que ao tentarem descrevê-la um italiano, um inglês, um espanhol, um holandês e um francês, todos se referem a ela como sendo de um estrangeiro. Notou isso?

                – Sim, é verdade. O francês julga tratar-se de um espanhol. O holandês afirma que é de um francês...

                – O inglês acha que é de um alemão, o espanhol jura que é de inglês. Já o italiano acredita que seja de um russo, apesar de nunca ter conversado com um russo. Vem um segundo francês e discorda do primeiro, dizendo que a voz era de um italiano. Já viu, meu caro, que muito estranha para todos devia ser essa voz. Não houve palavras, nem sons que se assemelhassem a palavras...  Isto leva a uma conclusão quase exata. Sem margem de erro.

                – É mesmo. Pelo menos, cidadãos de cinco grandes divisões da Europa não conseguiram ouvir nada de familiar.

                – Não sei como você entende isso. Eu, porém, já tirei minhas conclusões. São deduções legítimas. Agora tudo já está, de certa maneira, claro, definido. Está visto que não há nada de sobrenatural nesse caso. Os autores eram entes materiais e como tala escaparam.

                [...]

                Comecei a ver claramente o que Dupin queria dizer. Eu estava à beira da compreensão do mistério todo.

                E Dupin continuou:

                – Vamos ao interior do quarto. As peças dos móveis estavam fora do lugar. Mas nada fora roubado. Roupas, joias, dinheiro. O ouro estava intacto. Os saquinhos estavam sobre o assoalho. Tire da cabeça a ideia de motivo. A entrega do dinheiro e o assassinato, logo depois, são só coincidências. Acontece muito disso. Sempre. E essas coincidências atrapalham o andamento das investigações. Se o ouro houvesse desaparecido, teríamos talvez uma coincidência. Mas já haveria um motivo. E não há. E a carnificina. Assassinos comuns não matam dessa maneira. O modo violento como foi praticado tudo foi excessivamente exagerado. Algo em desacordo com as ações humanas. Mesmo quando se tratam de criaturas depravadas. E os cabelos arrancados com raiz e até pedaços de couro cabeludo. Que força prodigiosa é necessária para se fazer isso! Tudo isso foi executado com ferocidade brutal.

                [...]

– Fique preparado – disse Dupin. – Apanhe as pistolas e espere meu sinal.


Notas Finais


Então agora que vocês tem a base da história vamos pro MEU final.


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