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História Os Segredos Do Universo (HIATUS) - Vinte e oito


Escrita por: bommlight

Notas do Autor


here i aammmm, desculpem a demora kkkk esse cap é tranquilo

Capítulo 28 - Vinte e oito


Quando saí do banho, meu pai não estava mais. Minha mãe estava na cozinha. O envelope pardo com o nome de meu irmão estava sobre a mesa. Minha mãe tomava uma taça de vinho. Sentei de frente para ela.

— Eu bebo cerveja de vez em quando — falei. Ela fez que sim com a cabeça. — Não sou um anjo, mãe. Não sou santa. Sou só a Lica. A torta da Lica.

— Nunca diga isso.

— É verdade.

— Não, não é — sua voz soou forte e segura. — Você não é torta de jeito nenhum. Você é doce, boa, honesta — ela concluiu, para depois tomar um gole de vinho.

— Eu machuquei Rafael — disse.

— Não foi muito esperto.

— Nem legal.

— Não, nem um pouco legal — ela disse, quase rindo, enquanto passava as mãos sobre o envelope. Depois de uma pausa, ela abriu o envelope e tirou uma foto. — Sinto muito… Esta é você. Você e Bernardo. — ela me entregou a foto.

Eu era criancinha, e meu irmão me carregava no colo. Sorrindo. Ele estava bonito e sorridente, e eu, rindo.

— Você o amava tanto — minha mãe disse. — E peço desculpas. É como eu disse, Lica, nem sempre acertamos, sabe? Nem sempre dizemos as coisas certas. Às vezes, é como se você ficasse machucado apenas ao olhar alguma coisa. Então você não olha. Mas a coisa não vai embora, Lica. — ela me entregou o envelope. — Está tudo aí — continuou, sem chorar. — Ele matou uma pessoa, Lica. Matou uma pessoa com as próprias mãos. — minha mãe quase sorriu, mas seria o sorriso mais triste que já vira na vida. — Nunca tinha dito isso antes — concluiu, em voz baixa.

— Ainda dói muito?

— Muito, Lica. Mesmo depois de tantos anos.

— Sempre vai doer?

— Sempre.

— Como você aguenta?

— Não sei. Cada um tem seu fardo. Todos têm. Seu pai tem que aguentar a guerra e o que o Vietnã fez com ele. Você tem que aguentar as dores de se tornar adulta. E como deve doer, não é, Lica?

— É — respondi.

— E eu tenho que carregar o fardo do seu irmão, do que ele fez, a vergonha, a ausência.

— Não é culpa sua, mãe.

— Não sei. Acho que as mães sempre se culpam. Os pais também.

— Mãe? — tive vontade de estender a mão e fazer um carinho, mas permaneci imóvel. Apenas olhava e tentava sorrir. — Eu não sabia que podia amar tanto você — falei.

E então seu sorriso não era mais triste.

— Hija de mi corazón, vou contar um segredo. É você que me ajuda a aguentar. Você me ajuda a aguentar todas as perdas. Você, Lica.

— Não diga isso, mãe. Só vou decepcionar você.

— Não, amor. Nunca.

— O que eu fiz hoje. Magoei vocês.

— Não — ela disse. — Até entendo.

A forma como ela falou. Era como se tivesse me vendo de uma forma diferente. Sempre tive a sensação de que cada olhar seu era uma tentativa de me decifrar, de descobrir quem eu era. E, naquele momento, ela pareceu me ver, me conhecer. E isso me deixou confusa.

— Entende o quê, mãe?

Ela empurrou o envelope para mim.

— Não vai olhar?

Fiz que sim com a cabeça e respondi:

— Vou. Mas não agora.

— Está com medo?

— Não. Sim. Não sei.

Contornei o nome de meu irmão com o dedo. Minha mãe e eu permanecemos ali, quietas, pelo que me pareceu um longo tempo. Ela continuou a beber o vinho, enquanto eu olhava as fotos do meu irmão. Meu irmão quando bebê, meu irmão no colo do meu pai, meu irmão com minhas irmãs. Meu irmão sentado nos degraus da varanda. Meu irmão, criança, saudando meu pai de uniforme. Meu irmão, meu irmão.

Minha mãe apenas olhava. Era verdade. Nunca a amara tanto.

                            ➵

— Aonde meu pai foi?

— Foi ver Sebastian.

— Por quê?

— Para conversar um pouco com ele.

— Sobre o quê?

— Sobre o que aconteceu. Eles são amigos, sabia? Seu pai e ele.

— Interessante — comentei. — Meu pai é mais velho.

Minha mãe sorriu.

— E daí?

— É. E daí?

                              ➵

— Posso emoldurar esta e pendurar no quarto?

Era uma foto do meu irmão e meu pai.

— Sim — ela disse. — Adoro essa.

— Ele chorou? Quando o papai foi para o Vietnã?

— Por dias. Ficou inconsolável.

— Você tinha medo de que meu pai não voltasse?

— Nunca pensei isso. Fiz força para não pensar — ela disse, rindo. — Sou boa nisso.

— Eu também — falei. — E todo esse tempo eu achando que tinha puxado isso do meu pai.

Ambas rimos.

— Podemos pôr essa na sala. Você se incomoda, Lica?

Aquele foi o dia em que meu irmão entrou em casa novamente. De maneira estranha e inexplicável, ele estava de volta. Não era minha mãe que respondia minhas perguntas famintas. Era meu pai. Minha mãe às vezes ficava escutando meu pai falar de Bernardo. Mas nunca abria a boca. Eu a amava por seu silêncio. Ou talvez apenas o entendesse.

E amava meu pai também, pelo jeito cuidadoso de falar. Compreendi que meu pai era um homem cuidadoso. Ser cuidadoso com as pessoas e as palavras era algo belo e raro.

                            ➵

Visitei Samantha todos os dias. Ela passou uns quatro dias no hospital. Os médicos precisaram se certificar de que tudo estava bem, pois Samantha sofrera uma concussão. Suas costelas doíam. O médico disse que as costelas trincadas demorariam para sarar. Mas não estavam quebradas, o que teria sido pior. Os hematomas melhorariam sozinhos. Os externos, ao menos. Nada de piscina. Na verdade, Samantha não poderia fazer muita coisa. Precisava ficar em repouso. Mas Samantha gostava de ficar de repouso. Essa era a parte boa.

Ela estava diferente. Mais triste. No dia em que voltou para casa, Samantha chorou. Eu a abracei. Pensei que ela nunca mais fosse parar de chorar. Eu sabia que parte dela nunca mais se recuperaria.

Trincaram mais que suas costelas.

                             ➵

— Tudo bem com você, Lica?

A sra. Lambertini me analisava tanto quanto minha mãe. Eu estava sentada de frente para os pais de Samantha na mesa da cozinha de sua casa. Samantha dormia. Às vezes, quando as costelas doíam, ela tomava uns remédios que a deixavam sonolenta.

— Sim, tudo bem.

— Tem certeza?

— A senhora acha que preciso de terapia?

— Não tem nada de errado em fazer terapia, Lica.

— Falou a psicóloga.

A sra. Lambertini balançou a cabeça.

— Você só começou a bancar a espertinha depois de conhecer minha filha.

— Eu estou bem — disse, rindo. — Por que não estaria? — os Lambertini se entreolharam. — É coisa de pais?

— O quê?

— Esses olhares que os pais trocam.

— É, acho que sim — Sebastian disse, rindo.

Eu sabia que meu pai e ele tinham conversado. Sabia que ele sabia o que eu tinha feito. Sabia que ambos sabiam.

— Você sabe quem são os garotos, não sabe, Lica? — perguntou a sra. Lambertini, de volta à seriedade habitual. Não que isso me incomodasse.

— Conheço dois.

— E os outros dois?

Pensei em responder com uma brincadeira.

— Aposto que consigo descobrir.

A sra. Lambertini riu. Isso me surpreendeu.

— Lica — ela disse —, você é louca.

— É, acho que sou.

— Era uma questão de lealdade.

— É, acho que sim.

— Mas, Lica, você podia ter se dado mal.

— Foi errado. Sei que foi errado. Mas fiz. Não consigo explicar. A polícia não vai fazer nada contra aqueles caras, vai?

— Talvez não.

— É, como se os policiais estivessem trabalhando no caso.

— Não são esses caras que me preocupam, Lica — Sebastian interveio, olhando no fundo dos meus olhos. — É Samantha. E você.

— Eu estou bem — repeti.

— Certeza?

— Certeza.

— E não vai atrás dos outros caras?

— A ideia me passou pela cabeça. — dessa vez, a mãe de Samantha não riu. — Prometo que não vou — corrigi.

— Você é melhor que isso — ela disse.

Queria tanto acreditar nela.

— Mas não vou pagar o nariz quebrado do Rafael.

— Você disse isso a seu pai?

— Ainda não. Mas vou dizer que se aqueles cuz… — interrompi. Não terminei a palavra que tinha começado. Havia outras palavras possíveis. — Se aqueles caras não precisam pagar pela internação de Samantha, então não preciso pagar pela visita do Rafael no pronto-socorro. Se meu pai quiser tirar minha picape, por mim tudo bem.

A sra. Lambertini abriu um sorrisinho malicioso. Ela não costumava fazer isso.

— Depois me conta o que seu pai decidiu.

— E outra coisa. Rafael pode chamar a polícia, se quiser — acrescentei, abrindo um sorriso malicioso. — Acham que isso vai acontecer?

— Você é bem ligeira com essas coisas, hein, Lica?

Gostei da expressão no rosto de Sebastian.

— Sei me virar.

 



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