Quando entrei no apartamento logo percebi que o silêncio reinava no lugar. Meus pais evidentemente estão dormindo, o que é ótimo pois estava mesmo precisando ficar um pouco só. Só eu e os meus pensamentos.
Antes de tudo, vou até o banheiro e tomo um banho. Ao sair visto algo confortável e vou até a varanda – não para fumar, só para pensar um pouco. Me apoio no parapeito e observo a Paraisópolis que parece adormecida mesmo depois de um festão.
-Alex? - ouço a voz da minha mãe atrás de mim.
-Oi. - me viro e a encaro.
-Está sem sono, querido?
-Estou.
-Eu também não estou tendo uma boa noite. – minha mãe se senta em uma espreguiçadeira – Depois que você saiu esses favelados começaram a tocar música de péssima qualidade em um volume absurdo. Achei que fossem passar a noite toda farrando então liguei pra polícia.
Se estou surpreso que tenha sido a minha mãe quem chamou a polícia? Nadinha!
-Hum...
-E para onde você foi? –minha mãe pergunta, me forçando a arranjar alguma mentira.
-Fui na pizzaria com Tiago e alguns amigos da escola.
-Nossa, faz tanto tempo que não vejo o Tiago! Por que você não o chama aqui?
-Para quê, mãe? Até alguns meses atrás, segundo você, ele me era uma ''má influência'' por ser gay.
-As pessoas mudam, Alex. Façam coisas de garotos. Assistam algum filme, façam um lanchinho.
-Lanchinho? –faço careta –Mãe, não temos cinco anos de idade.
-Vocês se resolvem, ok? Pode chamar seus amigos aqui, Alex. Você não precisa ficar sozinho nesse apartamento. –minha mãe se levanta e me dá um beijo na testa.
-Tá bom, eu chamo ele.
Minha mãe me dá um sorriso. Ela dá alguns passos em direção a porta, mas para e se volta para mim.
-Ele ainda está namorando aquele rapaz mais velho? –ela pergunta.
-Não, mãe. –respondo com os olhos semicerrados –Eles já terminaram.
-Que pena! Ele era....um rapaz tão bonito e promissor. –dizendo isso ela se retirar.
Faço um barulho qualquer com a boca. Não preciso ser nenhum mutante para saber que a minha mãe está agradecida do Tiago não namorar mais, ela sempre odiou esse fato –principalmente porque ele namorava outro cara. Ainda bem que ela não sabe que o ex de Tiago já foi seu professor.
Me viro e vou até a sala procurar meu celular. O encontro encima do balcão da cozinha e ligo para o meu amigo, apesar do horário sei que ele está acordado. Tiago não dorme cedo em período de aula e, obviamente, não dormiria cedo nas férias.
-Vou para cama. –minha mãe passa por mim –Não fique acordado até muito tarde.
-Certo. –digo entrando no meu quarto.
Me jogo na cama e ligo para Tiago, que atende no terceiro toque.
-Não tem vergonha de ligar para as pessoas essa hora? –ele pergunta.
-Cala a boca. –digo –Preciso que venha até aqui amanhã.
-Posso saber o motivo de você desejar a minha ilustre presença em sua residência?
-Preciso que jogue um papinho na minha mãe de que fomos na pizzaria com a galera lá da escola. Eu vou te explicar tudo depois.
-Vai ter algo para comer?
-Você vai vim ou não?
-Vou, só que eu ainda não sei o seu novo endereço.
-Eu te passo a localização depois no WhatsApp, mas preciso que você venha.
-Eu já disse que vou!
-Ótimo. –tiro o celular do ouvido e dou uma olhada na hora –Agora tchau, eu estava em uma festa e agora estou começando a ficar com sono.
-Festa? –Tiago grita do outro lado da linha –Eu preciso saber de tudo!
-Amanhã eu te conto.
-E vai mesmo!
-Tchau.
-Tchau.
Desligo o celular e o jogo na cômoda. Me viro e vou dormir.
***
-Tiago! –minha mãe diz recebendo meu amigo com um abraço –Que bom ver você!
-É bom ver a senhora também, dona Isabel. –Tiago diz meio sem graça.
-Dispense as formalidades, meu querido! Me chame só de Isabel.
-Se insiste...
-Se divertiu muito ontem com o Alex? –minha mãe olha de mim para Tiago.
-N-nossa...pra caramba! –Tiago gagueja ao falar. Ele ri olhando para mim. Faço uma cara de reprovação.
-E como anda esse coraçãozinho? – minha mãe pousa a mão sobre o peito de Tiago- Anda beijando muito nessas férias?
-Beijar? O que é isso? Algum tipo de droga nova? –Tiago brinca.
-Mãe! –interrompo a conversa- A gente vai pro meu quarto agora, tá? – puxo Tiago pelo braço.
-Divirtam-se!
Levo Tiago até meu quarto e fecho a porta.
-Por que não me deixou conversar com sua mãe? –Tiago pergunta.
-Ela ia começar a te bombardear de perguntas sobre o Fernando e falar da opinião dela sobre os gays. Deveria me agradecer. – Fernando é o ex de Tiago.
-Ah, nesse caso... –ele se senta em minha cama. – Agora vou me sentar aqui e somente esperar.
-Esperar pelo quê?
-Bem, eu já menti para sua mãe, agora você me fala sobre a festa na qual foi ontem. –Tiago sorri.
-Ah, a festa. –digo olhando para o teto.
-Onde foi? –Tiago pergunta.
-Em Paraisópolis.
-O que é Paraisópolis? –Tiago pergunta.
Não respondo, apenas aponto para a janela. Tiago levanta da cama e dá uma olhada na vidraça, ele vira o rosto totalmente antônito.
-Você foi em uma festa na favela? –ele pergunta rindo alto.
-Fala baixo! –digo tampando sua boca com a mão.
-Foi mal! –Tiago ainda ri –É que é meio difícil de te imaginar frequentando esse tipo de festa.
-Mas eu fui.
-Conte a história, quem sabe eu acredito nela.
Reviro os olhos e me sento na cama. Tiago logo depois se senta ao meu lado.
-Como você sabe, eu só vim para o Morumbi porque meu pai está trabalhando em um projeto do governo que atua em áreas carentes.
-Sei...
-Bem, meu pai trabalha em Paraisópolis e me convidou para conhecer a comunidade, mas minha mãe deu chilique e não queria mais saber dessa história. Eu até não me importei muito com isso, mas depois eu fui pesquisar um pouco sobre a região e achei até maneirinha e decidi ir sozinho até lá. Aconteceram algumas coisas e meio que simpatizei com um cara que se diz dono da favela. –vou contando como conheci Caio e Tiago apenas balança a cabeça.
-E então ele te chamou para uma festa? –ele pergunta.
-Eu queria conhecer as pessoas de lá e então ele me convidou para o aniversário de um dos amigos ou escoltas dele, sei lá.
-E aí?
-Foi até legal, sabe? Conheci o pessoal, bebi um pouco.
-Ficou com alguém? –Tiago fez a pergunta que me fez gelar.
Não respondo. Ao mesmo tempo em que fico encarando Tiago, um filme de ontem à noite passa na minha cabeça, me arrancando arrepios. Tiago parece entender tudo apenas observando minhas feições.
-Você ficou com alguém! –ele concluiu –Conta quem foi o cara!
-Quem disse que foi um cara?
-Não dá uma de heterossexual, seu viado.
-Eu fiquei com o mesmo cara que me convidou para a festa. –por fim admiti.
-Você ficou com o dono de uma favela? Cacetada! – Tiago parece se divertir com minha história.
-Mas a minha mãe nem pode sonhar com isso! Estávamos comendo pizza, lembra?
Tiago faz o gesto de quem fechou a boca com um zíper.
-Vamos lá agora, eu quero conhecer esse cara! –ele me pede.
-Eu não vou até Paraisópolis agora! Com que cara eu vou chegar lá e encontrar Caio?
-Caio, é? –ele ri –Hm...que tal com uma cara de ‘’Me fode’’?!
-Idiota! –empurro seu ombro –Não é porque ficamos que vamos transar.
-Se vocês só ficaram não tem do quer ficar com vergonha. Até a gente já se beijo uma vez, lembra? E não nos estranhamos.
-Isso é diferente, foi só um jogo besta. Caio quis me beijar e me beijou. Eu também quis beijar ele. E se ele quiser mais? Nem sei se ele é gay mesmo, pelo que soube ele já ficou com várias garotas.
-Talvez o time dele agora seja outro e se ele quiser mais você dá mais! –fico um tempo em silêncio pensando sobre isso.
-Não, eu não estou pronto pra voltar lá.
-Deixa de besteira, Alex! –Tiago revira os olhos.
-Se quiser ir lá sozinho, vá! Mas vai ser complicado para entrar lá.
-Quando tiver pronto para ir lá e ver o boy outra vez me liga. –Tiago se levanta.
-Aonde você vai? –pergunto.
-Embora, ué. O que faríamos aqui dentro do seu quarto? Trepar? – ele ri.
-Sai fora. –mostro o dedo do meio.
-Eu já disse que quando você for até Paraisópolis eu volto e te acompanho até lá.
-Que merda! – me levanto –Quer ir até Paraisópolis? Pois bem, vamos até Paraisópolis!
-Iêê! –Tiago bate palmas como se comemorasse uma vitória.
-Só, por favor, não me faça passar vergonha!
-Tá bom! – Tiago dá um tapa em minha bunda.
-Ei!
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