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História Parece Mais Fácil Nos Filmes - Friday


Escrita por: SheUsedToBeEmo

Capítulo 63 - Friday


Sexta-feira.

   Se eu tivesse um pouco de ânimo, criaria notas diárias sobre como a vida adulta não é algo que se supera em algum momento. Fiz uma projeção e vi a mim mesma em um futuro reclamando sobre meu presente no futuro.

   Li, certa vez, a seguinte frase: “Acusando-nos, sentimos que ninguém mais tem o direito de nos censurar. É a confissão que nos absolve, não o sacerdote.”. Sendo assim, sinto-me no direito de reclamar sobre mim mesma, criar meu próprio caminho, me criticar e decidir se estou ou não correta. Caso a necessidade apareça, busco ajuda. Caso a necessidade apareça, mas a vontade não, não peço ajuda. Somente o fato de falar para o vento poderia me ajudar.

   É como a decisão de fazer algo por conta própria em um dia comum. A ânsia de mudar a rotina e ao início do dia pensar “hoje, eu mesma vou comprar as flores”. É a falsa independência que sentimos ao nos libertar por alguns minutos de nossa rotina. É a forma que encontramos de ter liberdade e autonomia num ambiente evidentemente controlado. É a falsa liberdade.

   — Amor, eu venho buscar você.

   Concordei com a cabeça, retirei o cinto de segurança e olhei para Camila antes de seguir meu rumo.

   — Estarei esperando. — Respondi, segurando a mão livre dela e deixando um beijo em cima do anel.

   — Devo aparecer com uma cara de má ou de gentil?

   Ri com a pergunta. Camila, mesmo depois do nascimento da filha de Dinah, não havia tirado da cabeça o e-mail que recebi no dia anterior e que citava disponibilidade.

   — Sua intenção é ser rude, correto? — Perguntei e ela assentiu.

   — Ok. Entendi. Vou treinar.

   Revirei os olhos e sorri. Deixei mais um beijo na mão dela.

   Desci do carro e esperei que ela partisse com ele. Geralmente era o contrário, mas dessa vez eu estava tão cansada que precisei de alguns segundos para me mover. Na noite anterior a filha de Dinah nasceu, ficamos toda a noite e madrugada no hospital, nos revezando entre berçário e quarto em que Dinah estava. A empolgação tomou conta de cada uma de nós, somente quando Caleb avisou que precisava ir para casa se arrumar, às 6h, é que percebemos que precisávamos ir também, já que o bebê nasceu em um dia de semana.

   Um sorriso escapou dos meus lábios ao lembrar do parto que presenciei. Era exatamente como vi em um documentário, é claro que ver regiões íntimas de Dinah não estava em meus planos, mas era um trauma que eu teria que carregar para sempre se quisesse comprovar que um parto normal acontecia de forma tão espontânea.

   Comecei a seguir para dentro do colégio, mas sentia meu corpo moído. Tudo doía, meus olhos pesavam, precisava dormir e pensava que logo poderia estar em minha cama, mesmo sabendo que só faria isso à noite.  

   Não era o pior emprego do mundo, mas não era o melhor. Era uma profissão que eu tinha a absoluta certeza e nenhum resquício de dúvida de que era importantíssima, mas não era a que eu queria para mim. Tinha planos para deixar de ser professora o quanto antes. Minha capacidade interior social implorava por uma profissão sem tanto contato humano direto.

   — Senhorita Jauregui! Senhorita Jauregui!

   Respirei fundo, contei até 7 porque até 3 não era o bastante e virei-me. Sabia que era um aluno da turma da tarde, só não sabia o nome.

   — Sim? — Respondi da forma mais educada que pude e que tentei.

   — Ouvi dizer que a senhorita irá aplicar um teste surpresa na aula de hoje. É verdade?

   E lá estava uma das perguntas que eu mais detestava.

   — O que a palavra “surpresa” significa? — Perguntei, de certa forma carinhosa.

   — Que é uma coisa que ninguém sabe...

   — Continue. — Pedi.

   — E que a pessoa só sabe quando acontece...

   — Então, me responda, se o teste for surpresa, quando vocês vão ficar sabendo?

   — É...

   — Quando eu aplicar. — Respondi, sorri e decidi encerrar o assunto. — Nos vemos mais tarde.

    A cara que o aluno fez foi melhor do que eu esperava. Eu não tinha o intuito de assustar aqueles adolescentes, mas descobri, com o tempo, que eu não tinha potencial para ser uma professora amada, como Veronica era, então eu tinha que ser temida. Acabei aplicando a teoria do Maquiavel “É bem mais seguro ser temido do que amado”. E tem dado certo, apesar de não ser exatamente moralmente aceitável, eu precisei escolher essa tática porque meus dons para ser amada são quase nulos e quem me ama só conseguiu chegar nesse estágio após entender como o meu tipo de amor seria retribuído.

   Caminhei pelos corredores até chegar à turma que teria aula logo no início da manhã. Muitos professores gostavam de passar na sala dos professores antes das aulas, mas eu não levava tanto jeito e paciência para interagir com eles sempre, por isso ia direto para a sala e esperava o horário.

   “— Muito bem. Agora quero uma terceira opinião. — Neguei com a cabeça ainda roendo as unhas. Essa mulher é meio despirocada por insistir num texto desses. — Lauren, o que você tem a dizer sobre o poema? — Continuei olhando para o chão, esperando que a pessoa opinasse logo. — Jauregui? — Prendi a respiração e fechei os olhos. Sou eu?  

   Levantei a cabeça e encontrei os olhos castanhos e impassíveis da professora. Ela sempre foi assim. Impassível a tudo e a todos. Nunca ligou muito para as coisas ao seu redor. Se um aluno não quisesse aprender, ela não fazia questão de ajudá-lo, mas se fosse um interessado ela o recepcionava agradavelmente. No fundo, eu admirava aquela mulher. 

   — A senhora quer que eu fale o quê? — Perguntei receosa. 

   — Comente o poema lido por suas colegas. 

   — Ah... — Assenti e observei vários olhos voltados para mim, inclusive os de Camila e os de Alexa. Eu estava perdida! — Hum... Um bom poema. 

   — Disso nós já sabemos. Quero uma análise. 

  — Hum, aham. É... — Você sabe de alguma coisa, Hastings? Você quer declarar a minha morte aqui? Eu devo comentar a estrofe lida pela Camila ou a lida pela Alexa?  

   Com os olhos sérios, a mulher levantou o braço e sem desviar o seu olhar do meu, deu duas batidas no relógio que estava em seu pulso. 

   — Sem delongas, Jauregui.”

   Senti um sorriso involuntário surgir em meu rosto. Eu tive a melhor professora e o melhor exemplo de como ser uma professora. Eu odiei a srta. Hastings por algum tempo, mas ela se mostrou muito mais sábia e perceptiva do que parecia. Há alguns anos eu não tenho mais notícias sobre ela. A última que recebi foi antes de me formar. Ela e o professor Cavanaugh haviam se mudado para alguma cidade da Pensilvânia, mas não deixaram contato e nem se despediram de mim. Eu serei eternamente grata ao que ela fez com a ajuda do Cavanaugh e da srta. Germanotta também. Está aí outra que não tive mais notícias. Sempre que passo em frente a Madison Square Garden observo e espero encontrar o projeto sobre popularizar a arte, que ela tinha.

   — Bom dia, senhorita Jauregui.

   Ergui minha cabeça e encontrei um grupo de 5 garotas entrando. Respondi o bom dia e acompanhei as cinco seguirem para o fundo da sala. Eu era péssima com nomes, mas lembrava bem dos rostos de todos os alunos que tinham aula comigo. Aquelas cinco, em especial, eu gravei com facilidade, já que andavam sempre juntas. Entravam e saíam da aula em grupo.

   — Sarah, você prefere sentar aqui ou ali? — Uma delas perguntou.

   — Ai, June. Tanto faz. Apenas sente-se logo. — A outra, que entendi ser Sarah, respondeu, jogando-se na cadeira atrás da que entendi ser June. — Quero tirar um cochilo antes da aula começar.

   A que perguntou deu de ombros e sentou-se, virando o corpo de frente para as outras que sentaram na fileira ao lado.

   — Amelia, ainda vamos para a sua casa depois do nosso treino de natação? — Uma das outras 3 perguntou para a que se sentou à frente dela.

   — Vamos, claro. Aurora, você vai estar dispensada do grupo de Química a que horas? — A que pareceu ser Amelia, respondeu.

   — Cedo. Encontro vocês no ginásio... Mim?  Você nos encontra lá também?

   — Vou sair um pouco mais tarde. — A que não tinha respondido nada, falou. — Podem me esperar no estacionamento. June, você não tem nada hoje, o que vai fazer?

   — Não sei. Acho que vou ficar vendo o treino da Sarah e da Amelia.

   O sinal tocou e eu me assustei um pouco com o barulho. Rapidamente endireitei-me sobre a cadeira e pigarreei. Uma onda de burburinhos atingiu meus ouvidos, era o restante dos alunos entrando e ocupando os lugares vazios.

   A velhice estava chegando para mim e o grande indicador era: eu fiquei observando a interação de 5 garotas e pensando “um dia eu já estive com mais quatro garotas no colégio e nossas maiores preocupações eram desse nível também, decidir na casa de quem iriamos dormir no sábado”. Agora nossas preocupações são: contas para pagar e empregos. Agora temos um bebê que tem uma mãe de primeira viagem e que vai precisar de um grande apoio de todos os amigos para conseguir ser forte. Nós éramos quase crianças, agora vamos cuidar de uma criança.

   A vida adulta não demora a chegar, mas quando chegar demora a passar. Eu confesso que ainda estava muito assustada com todas as mudanças bruscas e sem freios, mas eu não fugiria de nenhuma delas.

   Quando o barulho cessou, me coloquei em pé e olhei para a turma inteira. Eles retribuíam o olhar com certo receio, sabiam que eu não cedia ou me comovia com qualquer coisa. Mas era apenas o meu disfarce em 30% do tempo.

   — Trouxeram as análises críticas que pedi há duas semanas?

   Várias cabeças moveram-se de cima para baixo rapidamente.

   — Podem deixar aqui na mesa. Agora.

   Eles sabiam que se viessem ao mesmo tempo entregar, eu reclamaria. Por isso um esperava o outro levantar, andar até a minha mesa, deixar o trabalho e voltar. Enquanto isso, eu apenas observava um por um e me perguntava o porquê de ainda não ter gravado os nomes ou sobrenomes. A última pessoa foi uma das cinco garotas que chegaram mais cedo à sala.

   Ela caminhou com certo receio até a minha mesa. Segurava o trabalho colado ao peito e tinha os olhos um pouco arregalados.

   — Senhorita Jauregui, eu preciso contar uma coisa. — Falou bem baixinho, mas não entregou o que deveria.

   — Conte.

   — A senhorita pediu sete páginas, mas eu consegui apenas três.

   Em silêncio, ergui minhas mãos para pegar os papéis das mãos dela. Ela sorriu sem jeito e me entregou. Folheei de forma rápida e aquilo estava um desastre. Ela certamente teria uma péssima nota.

   — Aqui tem duas. — Expliquei. — A capa não conta.

   — Não?

   — Não.

   Ela sorriu ainda mais sem jeito, coçou a testa e olhou para os papéis com certa conformação.

   — É... então... eu só tenho duas páginas, mesmo. Quero pedir desculpas por isso, mas eu não consegui muita coisa. Foi difícil fazer essas duas páginas... — Disse demostrando estar conformada e aceitando o erro.

   Em qualquer outra situação eu teria falado que ela deveria apenas aguardar a nota dela, mas o jeito de falar e a ingenuidade nos olhos daquela garota me lembravam — de forma melancólica — Camila no passado, nas aulas da senhorita Hastings. É como se os olhos da tal June, pelo que li no trabalho, gritassem “eu tentei e esse foi o meu melhor, me perdoe”.

   — June... — Falei em um tom baixo, dessa vez e ela assentiu. — Façamos o seguinte. Amanhã eu vou ter aula na turma do terceiro ano durante a tarde. Você terá até amanhã para me entregar as sete páginas sem a capa incluída. Tudo bem?

   Ela franziu o cenho e me olhou com curiosidade.

   — A senhorita está me dando uma segunda chance?

   — É a primeira e última vez. Peça a ajuda de seus amigos, se for preciso.

   Olhei rapidamente para o restante dos alunos, me certificando de que ninguém estava prestando atenção.

   — Eu agradeço muito. Muito mesmo. Muito obrigada, senhorita Jauregui.

   — Certo... certo... agora vá se sentar e não conte a ninguém sobre isso.

   Ela sorriu e apontou para os papéis em minhas mãos. Eu apenas disse que entregaria ao final da aula. Não queria que mais ninguém visse. Era errado e eu tinha total consciência, mas eu não podia ser completamente rude, fingindo não ver que aquela garota precisava de uma segunda chance.

   Não me sentindo nem um pouco arrependida por ter oferecido uma chance a quem precisava, chamei a atenção da classe, dando início à aula. Pedi que pegassem os exemplares do livro passado para leitura um mês antes. Todos fizeram o que pedi, alguns pegaram cadernos e outros folhas com anotações.

   Antes de introduzir uma explicação sobre o livro, deixei o espaço de tempo aberto para as impressões que eles tiveram. Uma garota levantou a mão e começou a opinar sobre o que havia entendido. Quando terminou, uma outra fez o mesmo, era uma das cinco.

   — Senhorita Jauregui, eu não entendi o motivo de a frase inicial do livro ter se tornado tão famosa. Ela só decidiu comprar flores! — A garota disse, trazendo de volta o que a aluna anterior havia dito.

   — Ela não apenas decidiu comprar flores. — A outra respondeu. — Ela decidiu comprar flores e é isso o que dá início ao dia inteiro dela.

   — Não tem dia inteiro, tem vários dias e todos os dias alguém sempre decide comprar algo. — A não satisfeita disse, revirando os olhos.

   — Amelia, você está completamente errada.

   — Você é que está errada, Hillary.

   Ergui a mão e as duas pararam de discutir.

   — Não tem errados e nem certos aqui. — Falei para que parassem com aquilo. — Vamos deixar uma única coisa clara a princípio: o livro se passa, sim, em um único dia.

   — Mas ela fala da adolescência! Isso são anos, não um dia. É confuso. — A garota falou, parecendo não estar conformada e sem me deixar terminar.

   — Isso se chama fluxo de consciência. — Voltei a tentar explicar. — O que acontece como momento atual, envolve pessoas que estão na vida da personagem principal há anos. Ela decide comprar flores porque vai oferecer um jantar, ela tinha receio em oferecer esses jantares, mas então esse jantar é o que faz ela tomar atitudes e memórias inusitadas. Tudo isso em apenas um dia, mostrando as lembranças e pensamentos de cada pessoa que aparece. Fluxo de consciência é narrar sem pausas, sem quebrar o, como o nome sugere, fluxo.

   — Então é um dia, mesmo?

   Sorri para ela e assenti.

   — Sim. Um dia.

   A garota, parecendo convencida, assentiu e deu de ombros. A outra olhou para ela, então para mim e sorriu. Eu fingi não ver. Minha experiência como aluna colegial ofereceu o ensinamento que levarei pelo resto da minha vida: as pessoas tendem a sempre estarem em uma competição para ver quem consegue colocar mais alto o ego. Não seria eu a telespectadora.

   Alexa e Camila, hoje em dia, podem ser consideradas bem resolvidas e amigas, mas eu estive com as duas no ensino médio e sei como elas adoravam discutir nas aulas de Literatura. Não pretendo deixar isso acontecer com outras pessoas, se eu puder evitar.

    Segui a aula sobre aquele romance em específico, grande parte do tempo precisei tirar dúvidas, pois grande parte dos que leram não entendeu o tipo de narrativa ou trechos. Poderia ter sido cansativo para mim, mas — de forma que nem eu mesma sei explicar — esclarecer e tentar passar para eles alguma coisa nova me mantinha serena comigo mesma e eu sentia que não precisava fingir ser uma boa professora, uma boa pessoa e nem fingir que sabia algo. Era o momento em que minha consciência se desligava, deixando a subconsciência comandar tudo de forma natural e automática.

   O sinal externo tocou e era o final daquela aula, ainda teria mais algumas.

   Voltei a assumir minha postura inacessível, desejei um bom dia a todos e voltei à mesa para beber um pouco de água. A tal June esperou que todos saíssem, inclusive as amigas dela e veio até mim. Sem falar nada, devolvi o trabalho dela, mas ela não foi embora.

   — Senhorita Jauregui, eu tenho uma dúvida.

   Encarei a garota, deixando minha garrafinha de lado.

   — Qual dúvida?

   Ela olhou para trás, para a porta, voltou a olhar para mim e limpou a garganta.

   — Quando uma mulher casa com outra mulher, muda o sobrenome também?

   Pisquei meus olhos algumas vezes e quis bater em minha própria cabeça para saber se escutei certo.

   — Que tipo de pergunta é essa? — Questionei. — Eu não trabalho no cartório.

   Qualquer outro aluno já teria corrido, mas ela apenas concordou e ajeitou, nos braços, os livros que carregava.

   — Eu sei que é errado perguntar esse tipo de coisa para professores, principalmente para a senhora... senhorita que é tão guardada... mas eu tenho essa dúvida. E eu sei que não devo abusar da sua cordialidade, mas eu realmente tenho essa dúvida.

   — Ok...

   Já havia passado do tempo de eu aprender os sobrenomes daqueles adolescentes todos, me incomodava chama-los pelos nomes, porém eu só sabia os nomes porque os gravava durante as aulas, ouvindo alguém falar. Então eu ia para outra aula e os nomes anteriores se confundiam com os novos... Camila diz que isso acontece porque eu, na verdade, pouco me importo com os nomes e por isso não armazeno a informação. Eu claro que falei “Camila, isso não é verdade”, mas podia ser verdade, sim. Eu não enxergava aquele espaço como algo que fosse me abrigar por muito tempo, por isso não criava laços sociais nem profissionais.

   — Sim, senhorita.

   Eu deveria mandar aquela garota correr e cuidar da própria vida, mas mais uma vez a pergunta dela soou tão ingênua que eu não consegui ser rude o bastante para assustá-la.

   Malditas sejam todas as pessoas que se parecem, em essência, com Camila. E culpo Camila por ter se infiltrado tanto em mim a ponto de me fazer ser gentil com as pessoas.

   — June, eu não sei como essas coisas funcionam. — Confessei.

   — Mas... ouvi dizer que a senhorita é casada com uma mulher... — Ela quase sussurrou aquela última parte. Era como se confessasse saber de coisas que não estava autorizada a saber.

   Eu suspirei e cocei minha nuca.

   — Não somos casadas... ainda. Por que o interesse?

   — Ah... Hum... Nada. Uma curiosidade. Desculpa se ofendi ou desrespeitei a senhorita.

   — Ok. Era só isso?

   Perguntei e ela assentiu rapidamente, fez menção de sair, pareceu desistir.

   — Sim... — Começou a dizer. — Mas a senhorita acha que, se não for possível atualmente, pode vir a ser possível no futuro?

   Crispei meus olhos e encarei bem a garota. Ela não perguntava como alguém que quer desdenhar ou receber o título de “recebi a confirmação de que nossa professora de Literatura namora uma mulher”. Era como um apelo na pergunta dela, um pedido de “me dê uma esperança!”.

   — Em sua época de casar? — Me senti no direito de perguntar. — É isso?

   A garota parecia um pimentão vermelho ou um tomate italiano. Então calou-se, mas continuou ali, parada. Ela não iria desistir e eu parecia ter acertado a intenção dela

   — June! Vamos! — Uma das amigas dela, gritou.

   — Eu preciso ir, mas muito obrigada.

   Senti ali que ela estava constrangida com a minha dúvida, mas não era minha intenção. Eu só queria entender.

   — Por nada... — Falei.

   — June! — Gritaram mais uma vez.

   Ela sorriu para mim e andou cerca de 2 passos, então parou, virou e voltou para a minha frente.

   — Quando a senhorita casar, pode me dizer como funciona?

   Não era comum de minha parte, mas sorri em compaixão para a garota.

   — Sim. Eu posso.

   — Me desculpa, mais uma vez.

   — Tudo bem. — Garanti.

   — Obrigada, mais uma vez.

   — Tudo bem.

   — Espero que a senhora case logo.

   Minha noiva espera o mesmo. Obrigada por lembrar.  

   — JUNE!  

   Ela ia dizer mais alguma coisa, pareceu desistir e saiu para encontrar a amiga, que, salve engano, era a tal Sarah.

    Aquela garota me lembrava Camila adolescente mais do que eu imaginava. Quem, em sã consciência, perguntaria a um dos professores mais temidos do colégio sobre a vida particular dele? Apenas pessoas que possuem inquietações internas bem aceitas, mas não possuem espaço para demonstrá-las. Assim como Camila sempre aceitou o fato de gostar de uma garota, lidava bem com isso, porém não podia deixar transparecer. Essas pessoas sofrem de forma contínua e imperceptível, a ingenuidade delas não permite que notem o estrago que cometem a si mesmas a longo prazo, então quando tudo vem à tona, o mundo desaba.

   Para completar, ela acabou me lembrando que eu não era casada e estava passando do tempo.

  

   Pelo restante do dia, tive mais uma aula durante a manhã e uma à tarde, esta foi na turma do garoto que citou o teste surpresa. Não passava de boatos. Eu posso ter toda uma áurea temida, mas jamais passaria algo sem preparar os alunos antes. Já fui uma aluna e sei muito bem como um desespero por não saber algo que você deveria saber, mas não teve tempo para estudar faz você se sentir mal e fracassado.

   Às vezes tenho quase a absoluta certeza que estou passando tempo demais com Camila e adquirindo pensamentos que apenas ela tem. Pensamentos positivos e gentis.

   Perto do fim da tarde, arrumei todas as minhas coisas dentro da mochila que possuía absolutamente tudo que eu precisava e que eu não precisava também. Sempre perguntei a Camila como ela conseguia sobreviver com uma bolsa o dia inteiro, ela apenas dava de ombros, mas nada me surpreendia mais do que saber que Normani, em alguns dias, nem bolsa levava para os ensaios.

   O sinal tocou anunciando o fim das aulas, aproveitei a multidão e me infiltrei nela, caminhando para o lado de fora do colégio, para esperar Camila.

   — Professora Lauren!

   Revirei os olhos, bebi um pouco da minha água e então fiquei parada esperando a pessoa falar algo. Logo um corpo apareceu em minha frente e eu reconheci como uma das pessoas que ergueu a mão no debate da primeira aula.

   — Professora Lauren eu...

   — Como? — Fiz questão de interromper.

   — Senhorita Jauregui. Desculpe.

   — Ok. — Assenti, bebendo mais um gole de água.

   Não é que eu não quisesse ter um contato mais leve com os alunos... Eu realmente não queria contato demais com eles, mas se eu passei a estabelecer limites é porque tinha medo. As pessoas sempre me assustaram e isso nunca foi segredo para quem me conhece, então estar no meio de jovens e ser referência para eles, me tornava vulnerável a coisas que eu certamente não iria querer ouvir ou saber.

   — A senhorita recebeu algum e-mail ontem?

   — Alguns. Por quê?

   Minha vontade era perguntar se ela, por um acaso, era minha caixa de entrada para estar interessada nos meus e-mails recebidos. É lamentável que, ao ser adulta e professora, eu não posso falar o que penso.

   — É que eu mandei um... Um que perguntava sobre aulas particulares e... disponibilidade.

   Ergui minhas sobrancelhas e quase gritei NÃO ACREDITO QUE VOCÊ TEVE CORAGEM DE APARECER DEPOIS DAQUILO!

   Minha mente estava: não diga absurdos. Não diga absurdos. Não diga absu-

   — Aquele e-mail horrendo era seu? Qual é o seu nome? — Fui direta.

   — Hillary. — Respondeu, sorrindo.

   Eu não sorri.

   — Hillary, não mande novamente um e-mail daquele nível para algum professor.

   — Ok... Sinto muito por isso, mas respondeu? — Ela pareceu estar indiferente à minha grosseria e não entendi aquilo.

   — Não. Até pensei que era algum vírus, spam. Coisa assim.

   Tudo bem que eu estava exagerando um pouco, mas precisava que ela fosse embora porque eu queria ir embora.

   — Então, responde agora...

   Fechei minha garrafinha, abaixei meu braço e analisei a garota por alguns segundos. Busquei uma forma de não ser muito rude, mas ser quase sincera.

   — Com aquele tipo de escrita, você realmente precisa de aulas extras, mas não comigo. Não estou disponível. — Lembrei bem do “disponível”.

Ela, sem perder o sorriso, abriu a boca para dizer algo, algo que foi interrompido por outra voz.

   — Boa tarde.

   “Alexa me segurou pelos dois braços, me deixando sem reação alguma. Então, em um movimento que me surpreendeu, ela encostou os lábios dela nos meus.

   AQUILO ERA HORRÍVEL!

   Não tive tempo de tentar me soltar, já que alguma coisa fez Alexa ir abruptamente para trás.

   — Sua vagabunda! Você não vai encostar nem mais um dedo nela! 

   Era Camila! E ela parecia muito irritada.

   — O que é que você quer, Cabello?! — Alexa a encarou, irritada.”

 

   Olhei para o lado e me senti salva pela pessoa que mais me salvou de situações que não sei me salvar.

   — Boa tarde! — Respondi, sorrindo.

   Boa tarde, Camila! Obrigada por aparecer, namorada! Você não sabe como me salva de situações constrangedoras, noiva!

   Camila devolveu o sorriso, olhou para a garota que nos encarava em silêncio e voltou a me olhar.

   — Vamos? ­— Perguntou.

   — Sim! Preciso ir. — Falei para a garota.

   — Senhorita Jauregui, tenho uns textos que gostaria da sua análise, também. — Fingiu não me ouvir. — Posso enviar?

   Assenti com pressa.

   — Pode, pode.

   — Não vai mesmo ter um horário disponível? — Perguntou e isso não passou despercebido por Camila, que estreitou o olhar e assentiu vagarosamente.

   Eu só queria ir embora, para a minha casa, tomar um banho, comer, conversar com o Sparky e minha noiva e esquecer toda a minha vida adulta e responsabilidades por algumas horas.

   — Perdão. Horário disponível para quê? — Camila perguntou de forma casual.

   Nem parecia a adolescente que batia o pé e fazia cena por qualquer coisa. Camila agora era uma mulher e ter consciência disso fazia meu corpo tremer, assim como ver uma adolescente fumegante me fazia estremecer.

   — Aulas particulares. — A garota respondeu.

   — Ela não tem horário disponível, de fato, mas posso arranjar algum contato, caso queira. — Minha noiva era incrível fingindo ser controlada! Eu queria abraçar ela e dizer que ela era linda controlando a raiva, mas eu não podia.

   — Hum... ok...? — A garota disse, sem saber quem era Camila.

   — Camila, a noiva dela. — A mulher controlada e falsamente não ciumenta respondeu, erguendo a mão direita para cumprimentar a garota, mas entendi a tática dela quando a aluna olhou diretamente para o anel do dedo de Camila.

   Ela era genial! Estava brigando de forma educada e disfarçada!

   — Certo. Tudo bem...

   — Agora precisamos ir. — Camila respondeu, sorrindo sem mostrar os dentes.

   — Mandarei os textos. — Falou para mim, ignorando Camila.

   — Ela vai adorar ler todos eles, querida. — Minha noiva disse, apoiando a mão em meu braço. — Mas estamos atrasadas.

   Sem dizer mais uma palavra e de forma sutil, Camila me empurrou para fora daquele lugar, em direção ao carro que estava parado na esquina.

   — Não me diga que me deparei com a pessoa do e-mail. — Comentou assim que entramos no carro.

   — Sim. É a pessoa! Coloca o seu cinto. — Avisei, colocando o meu.

   — Se eu fosse quinze anos mais nova, estaria tendo uma discussão muito boa sobre ela não poder dar em cima da minha namorada.

   Ri com aquela confissão e ela sorriu, deixando um beijo em minha bochecha antes de ligar o carro e sair dali com ele.

   — Você não sabe como sou feliz por aquilo ter passado. Seu temperamento era inflamável, noiva. — Falei, observando como Camila ficava linda dirigindo e, claro, dirigia melhor do que eu.

   Ela praticamente dominava o volante sempre e eu passei a não reclamar, era algo natural.

   — Eu sei, noiva. Foi uma época conturbada, mas que eu não trocaria por nada.

   Observei que ela não estava pegando o caminho do apartamento, então lembrei que com Dinah ainda em observação, nós não teríamos um sono tão cedo.

   — Nem eu. Vamos para o hospital? — Perguntei.

   — Sim. Eu preciso saber como tudo está com elas duas. — Respondeu, trocando a marcha e eu apenas assenti.

   — A gente pode parar em algum lugar antes? — Eu quis saber.

   — Deixa eu adivinhar, você está apenas com o almoço no estômago e não pode ir a um hospital estando vulnerável a doenças. — Ela disse e eu mordi meu lábio inferior, contendo minha animação. 

   — É por isso que eu te amo. Você me entende tããão bem! — Falei, aproveitando que ela estava em uma velocidade razoável, para estalar um beijo no ombro direito dela.

   — Que bom que reconhece isso, noiva. Vou achar algum lugar para você ficar bem alimentada e eu também.

   Paramos por alguns minutos em um fast food, comemos de forma lenta e eu ainda pedi um lanchinho para viagem, pensando na fome que eu teria mais tarde. Com isso, Camila disse que nem adiantaria eu reclamar e que iriamos ter uma corrida puxada no final de semana.

   Após o lanche, fomos direto para o hospital. Dinah poderia sair no dia seguinte, junto com a filha. Normani estava lá com Allyson, já que saíram dos trabalhos e correram para lá. Alexa fazia plantão naquele dia, então constantemente passava por perto para saber como as duas estavam. Veronica chegou logo depois que Camila e eu.

   Eu continuava sem gostar de hospitais, clínicas e afins. Não sabia como Alexa conseguia viver parte dos dias em lugares daquele tipo. Dessa vez eu não estava por um motivo ruim, mas ainda assim preferi não encostar em nada. A filha de Dinah nasceu em plena Primavera — um mês antes do aniversário da própria Dinah — o que significava inconstância climática. Em alguns dias tudo estava quente, outros faziam pessoas esquecidas de casacos baterem os dentes. Claro que isso propiciava doenças e pessoas doentes vão aos hospitais...

   — Dinah, qual vai ser o nome dela? — Veronica perguntou, muito à vontade na poltrona de acompanhantes.

   — Não sei. Minha mãe disse que vai procurar algum livro de nomes e trazer.

   Dinah estava com várias revistas ao redor. Revistas que Normani comprou com a intenção de ajudar Dinah a se sair bem como mãe.

   — Então ela está vindo? — Veronica perguntou.

   — Falei com ela hoje para dar a notícia e ela já me mandou fotos de pesquisa de passagens. Vai aparecer a qualquer momento.

   — Isso é muito bom, amiga. — Normani comentou, sentada ao braço da poltrona em que Veronica estava, enquanto folheava uma das revistas. — Ninguém aqui teria como te ajudar com um bebê.

   — Eu sei! Quero que ela chegue logo!

   — Espero que seja um logo imediato. — Allyson suspiro do outro lado de Veronica.

   Nesse momento a porta foi aberta e paramos de falar até ver Alexa entrar, sorrir para todas nós e ir diretamente para perto de Veronica. As duas trocaram um rápido abraço e a médica apenas ficou segurando a mão da namorada, certamente por estar em local de horário de trabalho. Normani fez uma careta para Alexa, já que esta estava quase empurrando a dançarina.

   — Então sua filha vai ficar sem nome até sua mãe chegar? — Perguntei, parada ao lado de Dinah, mas sem tocar em nada.

   — Não exatamente. O nome provisório dela é muito bom. Inclusive quando vocês forem lá no berçário, vão descobrir.

   — Vocês já viram? — Perguntei para as outras garotas.

   — SIM. — Responderam animadas.

   — Não criem expectativas. É horrível. — Alexa disse, fazendo Dinah revirar os olhos. — Eu faço questão de ir buscar a sua mãe e fazer você escolher o nome no momento em que tocar no livro.

   — Desde quando você se preocupa tanto com a gente? — A nova mãe não perdeu a chance de provocar.  

   — Me preocupo com a criança. — A médica respondeu.

   — Lembro muito bem de você comigo ontem e hoje vindo aqui o dia inteiro.

   — Vocês estão em minha vida desde a adolescência, não quero levar fama por acontecer algo ruim e eu ser uma conhecida que não deu assistência!

   — Assuma que se importa.

   — Vou dar um jeito de cortarem sua sobremesa do jantar se você não parar de falar besteiras.

   As duas não cansavam de debater, por isso apenas deixávamos que elas terminassem quando quisessem.

   — Vero, sua namorada está me ameaçando e fazendo uso da profissão dela! — Dinah disse e Veronica riu.

   — Você sabe que ela é capaz de comprar sobremesa extra para você. A Lex só tem dificuldade para expressar que gosta de vocês. — A outra professora respondeu, fazendo a namorada negar com a cabeça, ajeitar o jaleco e caminhar até a porta.

   — Preciso ir. — Avisou.

   — Ela me ama. — Dinah disse, dando de ombros e voltando a olhar as revistas.

   Continuamos por lá falando sobre Dinah e o bebê. Quando o assunto voltou a ser o bebê sem nome,

 Camila e eu trocamos um olhar, nenhuma palavra, mas concordamos em ir ao berçário.

   Deixamos o quarto e seguimos pelos corredores. Camila guiava, já que eu não sabia para onde ir e não queria nem respirar direito naquele lugar. Por sorte, chegamos logo ao berçário sem precisar mudar de andar. Vários bebês juntos e meu corpo tenso. Era como o fordismo, mas eu não podia pensar em bebês como máquinas!

   Paramos em frente ao grande vidro que nos separava e Camila apontou veemente para a filha de Dinah, então a enfermeira que estava lá dentro, gentilmente, pegou o bebê e nos mostrou através do vidro. Estreitei bem meus olhos para conseguir ler o nome que estava no macacão.

   — Dinah Junior? — Camila foi a primeira a conseguir ler.

   Eu não pude controlar e acabei rindo da escolha da nova mãe. Camila pareceu encantada por Dinah escolher o apelido que ela criou. Assisti a garota sorrir para a enfermeira e então para Dinah Junior. 

   É claro que um Hansen não teria um nome provisório comum.

   Vi a minha namorada muito entretida olhando para o bebê, então me aproximei, passei um braço pela cintura dela e apoiei minha cabeça em seu ombro. Ela ergueu um braço por minhas costas e apoiou a mão em meu ombro.

   — Camila, você não fica assustada com bebês? — Perguntei.  

   — Não?

   — Ah...

   Pensei em falar algo, mas não queria estragar o momento tia e sobrinha.

   — Por que eles te assustam?

   Não fale, Lauren. Não fale!

   — Porque eles são pequenos e crescem... é insano. — Eu falei.

   — Não pense muito.

   Como não pensar muito?! Aquele bebê só estava ali porque aconteceu um encontro entre fluído reprodutor e célula reprodutora. Fusão de núcleos, mitose, segmentação, gastrulação, organogênese, multiplicação de células e mais células, placenta, desenvolvimento e... AH!!!!!!! É muito para mim, mas não exponha esse pensamento!

   — Mas eu vi esse bebê nascer! — Expus meu pensamento de forma eufemista. — Vi a barriga da Dinah crescer e vi a Dinah colocar ele para fora! Acho que exagerei ao querer ver Dinah ter o bebê, vi coisas que eu não precisava ver.

   Camila riu brevemente e apertou meu braço.

   — Eu sei que isso é muito para sua mente. Mas, Lauren, você vai ter que ver a evolução da filha da Dinah e vai ter que superar que viu uma mulher, além de mim, pelada.

 

    Estreitei meus olhos e fingi não escutar aquilo. Eu precisava esquecer o grau de intimidade que atingi com Dinah.

 

 

Sexta-feira.

   Sexta-feira. 4.384 dias desde que Camila falou comigo pela primeira vez.

   — Amor da mamãe, o que eu lhe ensinei?! — Dinah perguntou, em um tom repreendedor, para Jessie.

   Antes que você pense ter perdido alguma parte do meu relato e volte tudo que já leu, eu vou explicar. Jessie Jane Hansen tem 1 ano e meio de idade e, como o nome sugere, é a filha de Dinah. O comportamento e temperamento dela também deixam evidente que ela é filha de quem é.

   — Que eu tenho quatro papais que na verdade são titias e que elas podem brigar comigo. — A criança “falou”.

   Sim. As aspas em falou são necessárias. A dicção de Jessie não era tão desenvolvida, mas a garota vivia em uma casa com a mãe, Veronica, Normani e recebe visitas constantes de todas as outras tias. Cada uma ensinava o bastante para que ela conseguisse falar cedo ou balbuciar coisas que, para nós, eram palavras completas.

   Mas, lembre-se, tudo o que eu relatar sobre a fala de Jessie é apenas uma tradução e interpretação que eu mesma fiz. Caso contrário, teria que deixar você ler letras desconexas ditas por Jessie, assim como Sunny Baudelaire. E antes que você pergunte como eu consigo traduzir, eu explico: Jessie provavelmente vai ser uma garota falante, pois mesmo sem falar palavras inteiras ou até mesmo palavras, ela não fica sem pronunciar sons.

   — Dinah, eu não briguei, só falei que estava na hora do banho dela e dei o banho nela! — Allyson estava explicando.

   Eu apenas olhava para Jessie e ela fingia estar decepcionada no colo de Dinah. Era idêntica à mãe!

   — Eu sei, Ally. É que a Jessie não gosta de banho e por isso adora ficar com a Veronica que sempre deixa ela fugir dos banhos. — Dinah suspirou, dando alguns tapinhas na garota.

   — Não! —Jessie gritou, mas Dinah olhou muito feio para ela.

   — Estou mentindo, Jessie?!

   Apenas Dinah era capaz de deixar a própria filha sem palavras ou respostas. A garota não falou nada, parecia ter desistido, então a mãe continuou.

   — O que você vai falar para sua tia-pai agora mesmo?

   Jessie olhou para Dinah com um evidente receio, então começou a proferir palavras não completas, mas com significado.

   — Desculpa, tia-pai Ally. Eu não vou mais chorar no banho.

   Allyson sorriu para a criança e concordou.

   — Ótimo. — A mãe disse. — Agora vá se despedir do seu tio, senão seu castigo vai até os quarenta!

   Dinah colocou a criança no chão e, com aquele andar completamente desengonçado, ela andou para onde Caleb estava.

   Confesso que Jessie era uma criança difícil. Nos primeiros meses chorava por tudo. Dinah dizia que iria se internar em um hospício a cada noite em que não dormia. Foi assim que a mãe dela veio a Nova Iorque para passar algum tempo ajudando a filha e todas nós, pois acabamos desempenhando grande papel na vida de Dinah e Jessie. Tivemos que aprender a trocar fraldas, fazer mamadeiras e entender sobre bebês. Mas Jessie era Dinah Junior até a avó dela chegar.

   Alexa, como tinha ameaçado, foi até o aeroporto com Veronica. Nós cinco ficamos ajudando Dinah a arrumar a casa e o lugar que a mãe dela ficaria, ainda tínhamos que olhar Jessie.

   Então o momento mais esperado chegou, Dinah Junior teria um nome.   

   Dinah leu nome por nome, leu significados, pediu ajuda para a mãe e disse que Camila ficaria de fora, já que Dinah Junior era genial, mas ridículo. Nada agradava a mais nova mãe, até que Normani sugeriu algo:

   — Lembram como o Frankenstein escolheu o próprio nome naquela série que vimos?

   A princípio ficou tudo em silêncio no quarto de Dinah. Até mesmo Veronica e Alexa não falaram nada.

   — Sozinho? — Allyson perguntou.

   Um coro de “aaaaah! Sei! Lembrei!” surgiu.

   — Mas... — Dinah apareceu pensar um pouco. — Isso é incrível!

   — Dinah Jane, que forma feia de escolher o nome da sua filha. — Milika, mãe de Dinah, disse. — Não vou aceitar.

   — Mãe, é original! Quando ela crescer vai poder falar que escolheu o próprio nome.

   Camila e eu estávamos sentadas ao chão, encostadas à parede. Deslizei um pouco para conseguir apoiar meu queixo sobre o ombro da minha noiva.

   — Ela quer pessoas iguais a ela no mundo, Camz? — Perguntei.

   — Sim, amor. Dinah Junior já mostrou que não vai ser fácil, Dinah só está alimentando a versão mais nova dela... — Ela respondeu, deixando um braço cair sobre minha perna.

   — Dinah, escolha um nome corretamente.

   Dinah não deu ouvidos à mãe, pegou o livrinho e folheou rapidamente, o bebê bateu a mão em uma página e a mãe sorriu. Camila projetou-se para a frente e ficou atenta.

   — Podem dizer oi para minha filha, Jessie Jane!

   — Ela vai estender o Jane também? — Perguntei para minha noiva.

   — Sim. Ela vai fazer isso. — Camila riu.

  

   Semanas depois, a mãe de Dinah precisou voltar para Miami, mas já deixando avisado que queria a filha e a neta com ela no Natal. Foi então que o terror começou de verdade. Apenas inexperientes com bebês cuidando de um bebê.

   — Amiga, olha ela só por um segundo. Preciso ir ao banheiro. — Normani disse.

   Nesse dia, Dinah disse que precisava comprar algumas coisas para Jessie, então foi a pé com Veronica. Allyson estava preparando o almoço com Camila de ajudante e eu fiquei no quarto de Normani escutando-a falar sobre a vida, o trabalho, o namoro com Kamron e a forma como ele não se importava de conversar com ela por horas sobre o capitalismo mundial ou simplesmente assistir algo sobre dança e teatro.

   — Ok. — Respondi.

   Devia ser muito fácil olhar a Jessie enquanto Normani ia ao banheiro. Quanto tempo? Dois minutos? Nada poderia dar errado entre eu e um bebê em menos de cinco minutos...

   Normani saiu do quarto e eu sorri para Jessie. Nada daria errado se esse bebê não fosse a filha de Dinah.

   Fiquei pensando em como eu tinha medo de crianças, mas simpatizava muito com Sofia, quando ela era uma. Sofia agora já estava grande e tínhamos uma relação muito boa, mas ela não era mais aquela criança. Jessie tinha apenas alguns fios de cabelo na cabeça, os olhos malmente abriam e era tão pequena... Eu a vi sem ver, na barriga da mãe. A vi sair da placenta e agora estava ali, vendo ela crescer!

   Minha admiração pela filha de Dinah — que era minha sobrinha, mas eu ainda estava absorvendo a ideia — só aumentava.

   Então Jessie começou a gritar. Eu pensava que crianças daquela idade choravam, mas aquele som não podia ser um choro.

   — Jessie, vai ficar tudo bem. — Falei, tentando manter a calma, mas ela não parava. — O que está acontecendo? — Perguntei, acariciando o braço dela, mas ela só gritava mais alto.

   Ela não parava e eu estava começando a ficar desesperada por não entender a linguagem de um recém-nascido.

   Pensei em coisas que deixam bebês felizes, então sorri e carreguei Jessie, mas não adiantou. Assim que levantei, ela gritou ainda mais. Desisti e voltei a deixa-la deitada. Esperei por Normani, mas ela estava demorando muito além do que precisava.

   — CAMILA! — Chamei a primeira pessoa que veio em mente como ajuda. — TEM ALGUMA COISA ESTRANHA AQUI! É SÉRIO!

   Escutei, ao longe, algo cair e alguns segundos depois uma Camila esbaforida aparecer.

   — O que foi?! — Perguntou e sem perder tempo veio até a cama, me empurrando e olhando para Jessie que ainda gritava.

   — Esse bebê não para de gritar! — Expliquei, me afastando e deixando ela conferir. — Já falei palavras de conforto, já carreguei, mas ela gritou mais ainda! Onde está Normani?

   Camila olhou para mim e então conferiu a fralda.

   — Dinah pediu pra alguém ir de carro lá porque tem mais coisa do que ela e Vero podem carregar, dei a chave do nosso carro. Você conferiu a fralda? — Me perguntou.

   — Não. Se eles estão de fralda, gritam por quê? — Perguntei. — É só... realizar o que quiserem...

   Ela em olhou e revirou os olhos.

   — Lauren, ela já fez o que tinha que fazer. Tem que trocar.

   Franzi meu cenho e absorvi o que ouvi. Levei um pouco de tempo até entender o funcionamento e utilidade de uma fralda.

   — Ah... Eu vou sair um pouquinho aqui pra você trocar ela. Um momento íntimo... — Falei, já querendo estar bem longe daquela situação. — Não quero atrapalhar.

   — Pode voltar aqui. Você vai aprender a trocar uma fralda. Algum dia você pode ser a única salvação da Jessie.

   Não, Camila. Dessa vez você não vai me convencer!

   — Jessie, nunca me deixe ser sua única salvação porque eu vou acabar pedindo ajuda a você. — Falei para a bebê e seguindo para a porta.

   — Pegue a fralda e nem ouse sair daqui.

   Não! Não vou fazer nada disso! Não vou trocar fraldas!

   — Camz, por favor. Eu aprendo outro dia!

   — Outro dia pode ser o dia que você vai precisar.

   Suspirei e voltei, mas não iria ceder.

   — Ok. Eu posso apenas observar? Sou ótima aprendendo com observações!

   — Quer eu chame a Ally?

   Maldita!

   — Eu não vou observar. — Sorri. — Eu quis dizer que vou praticar! — Desisti e contornei minha quase fuga.

   — Idiota. Agora eu vou chamar a Ally, mesmo. — Ela disse.

   — Por quê? 

   Ela sorriu para mim e então gargalhou indo até a porta.

   — Eu não aprendi a trocar fraldas ainda. ALLY! VEM AQUI, POR FAVOR!

   — E quer que eu aprenda? — Perguntei, sem entender aquela injustiça.  

   A filha de Dinah não tinha nem 1 mês, mas parecia ter um ano. Dinah sai por 30 minutos para comprar fraldas e a filha dela faz questão de destruir o mundo!

   — Você deve levar mais jeito do que eu! Amor, lembra quando tentei dar mamadeira a ela?

   Foi desastroso, realmente. Tudo o que Camila tinha que fazer era dar água para Jessie na mamadeira que ela mesma comprou. O que Camila não sabia era que o bico da mamadeira veio sem furo e por minutos a fio ela achava que Jessie estava bebendo algo, até Dinah chamar a atenção para Jessie que parecia estar insatisfeita.

   — Você ainda quer ter filhos? — Perguntei tendo a conclusão que sempre tive. — Camila, seriamos presas por sermos péssimas mã-.... es...

   Era difícil falar algumas palavras, mas eu estava me esforçando.

   — Precisaríamos de algumas aulas, mas tudo ficaria bem. — Ela disse e eu ri, negando com a cabeça.

   Anos passaram e nós duas não conseguíamos manter uma frequência de comidas que dão certo. Algumas queimavam, outras salgavam...

   Allyson demorou, mas finalmente apareceu.

   — Vocês não sabem trocar uma fralda! — Brooke disse e eu revirei os olhos. — As duas são irmãs mais velhas!

   Jessie ainda gritava, mas eu já estava me acostumando.

   — Camila, por que você nunca trocou fraldas da sua irmã? A diferença de idade entre vocês é bem grande. — Observei, querendo jogar a culpa para minha noiva.

   — Lauren, eu era uma criança. Não queria trocar fraldas!

   — Deveria. Não estaríamos aqui passando essa vergonha com quase trinta anos. — Dei de ombros e ela me fuzilou com os olhos.

   — Não temos culpa se todo mundo sabe trocar fraldas.  

   — Mas ainda acho que você perdeu uma chance.

   — Você teve duas chances! Duas! — Rebateu e até tinha razão.

   — Eu era jovem. — Falei. — Eu não sabia o que era uma fralda, eu só sabia que eu não usava fralda.

   — Será que as duas podem parar de brigar e aprender logo a fazer isso? Não sei como estão vivas morando sozinhas!

   Eu também não sabia. Éramos péssimas cuidando de nós mesmas e do Sparky, mas ninguém ainda tinha ido parar no hospital por causa disso.

   Sem escolhas, nos aproximamos da cama, por trás da nossa amiga. Então Allyson mandou que nós duas tirássemos a fralda suja da Jessie. Eu puxei de um lado o adesivo com as pontas dos dedos, Camila parecia nervosa, mas fez o mesmo do outro lado. Esperei minha namorada continuar, então ela abriu a fralda e não disfarçamos nossos narizes franzidos.

   — Agora vocês precisam limpar. — Allyson disse e eu ri.

   — Nem que me paguem eu vou limpar excrementos de um bebê! — Avisei.

   — Ally, a gente precisa fazer isso? — Camila perguntou, também não querendo fazer aquilo.

   — Limpem logo. — A dentista disse, sem paciência.

   Olhei ao redor sem saber o que fazer, Allyson apontou para dentro da bolsa de Jessie e eu procurei por algo que pudesse limpar. Mostrei a ela os lenços umedecidos e ela assentiu.

   — Aqui, Camz. — Entreguei para minha parceira de troca de fraldas.

   — Amor, como eu vou limpar? — Ela perguntou. Camila tinha essa mania de me perguntar coisas que eu não sabia responder e ela sabia que eu não sabia!

   Analisei a situação e tive uma ideia incrível.

   — Eu vou segurar ela assim e você limpa. — Falei, erguendo com muito cuidado as perninhas de Jessie.

   — Ok. — Camila respondeu e apontou um lencinho para mim. — Entenda isso como um ato de amor.

   — Estou entendendo e te amo muito por fazer isso. — Respondi e ela apenas sorriu sem mostrar os dentes.

   A psicóloga hesitou, mas finalmente limpou. Virei meu rosto e dei de cara com Allyson olhando com tédio para nós duas. Continuei segurando e Camila limpou e em alguns segundos tiramos a fralda suja, colocamos a limpa e ficou tudo muito bom. É claro que Allyson estava coordenando tudo. “Tirem”. “Coloquem isso direito”. “Grudem esse adesivo direito”. “Isso está errado!”.

   — Nós conseguimos? — Camila perguntou, sorrindo.

   — Demoraram mais do que o normal, mas sim. — Nossa amiga respondeu. — E continuem olhando a Jessie, eu preciso terminar o almoço.

   A dentista saiu do quarto e Camila dobrou a fralda suja.

   — Somos incríveis! — Ergueu uma mão para bater na minha.

   — Quando você lavar essa mãozinha, a gente se cumprimenta. — Avisei, já me levantando para ir ao banheiro.

   Camila fez o mesmo, mas passou por mim roubando um beijo e correndo em minha frente. Olhei para Jessie e vi que ela ficaria bem enquanto eu lavava minhas mãos, pelo menos ela não estava mais gritando.

   — Nunca vamos ter filhos. Isso é sério. — Avisei à minha noiva, entrando no banheiro com ela.

   — Vamos, sim. Somos ótimas trocando fraldas! — Respondeu, jogando a fralda suja no lixo e abrindo a torneira.

   

 

   E assim fui aprendendo, semana após semana, sobre o funcionamento de um bebê. Agora Jessie tinha mais de 1 ano e causava muita destruição.

 

   — Vocês vão dormir lá em casa? — Dinah perguntou, parecendo estar cansada.

   — Vamos, Cheechee. Amanhã levamos Jessie lá pra casa. — Camila disse e eu concordei.  

   — Jessie, vamos! — Chamei-a, mas ela já estava muito entretida com Caleb.

   Era sempre assim. Se alguém fingisse entender o que ela falava, ela não parava mais e Caleb adorava fazer isso. Ficava por minutos seguidos perguntando e fingindo saber o que Jessie tentava dizer.

   — Ela já vai! — Caleb gritou com resposta, rindo para a garota.

   — Normani já voltou? — Dinah perguntou.

   — Não. Volta na madrugada, vou busca-la no aeroporto. — Avisei, sabendo que não seria uma madrugada de muito sono e nem um dia seguinte, já que Jessie ficaria com Camila e eu enquanto Dinah teria uma última apresentação no teatro.

   — E o Kamron?

   — Está com ela ainda. — Falei. — Vou deixar ele em casa e depois vou com ela pra casa de vocês.

   Parece que a vida e a morte não gostam de estar separadas por muito tempo. Quando a vida se faz presente em forma de nascimento, a morte espera um pouco e lança um falecimento. Eu sei que isso acontece todos os dias, a cada minuto, mas quando acontece no seu círculo de pessoas, as duas coisas, é terrível. Fazia mais de 1 ano do nascimento de Jessie e todos nós ainda sentíamos a animação e surpresa de ter um bebê em nossas vidas, mas a morte também queria estar entre nós.

   Na última semana, tive que sair às pressas do apartamento, junto com Camila, pois Veronica ligou no meio da madrugada avisando que Normani precisava de nós. Nem trocamos de roupa, com pijamas estávamos e com pijamas entramos no carro. Chegamos lá e Dinah já estava abraçando Normani de um lado, Allyson de outro. Veronica e Caleb assistiam atentos aquilo tudo.

   — Minha tia ligou agora a pouco. — Ela disse, mas esperamos ela falar mais algo. — A minha mãe...

   Ficamos em silêncio esperando ela falar algo, mas o que veio deixou a entender que não era coisa boa.

   Normani tragou o ar com força e pareceu que ia falar algo, mas apenas começou a chorar. Não entendemos a princípio, por isso nossa reação foi apenas abraça-la.

   — A minha mãe... gente, a minha mãe está morta!

   Escutei, mas parecia que eu não escutei. Olhei para Camila, Dinah, Allyson, Caleb, Veronica... Todos estavam atônitos. O único som era o choro de Normani.

   A mãe de Normani, Andrea, havia tido um AVC e não resistiu. Quando chegou ao hospital, já era tarde... Não puderam fazer nada.

   Ninguém mais dormiu. Em pouco tempo Kamron chegou e passamos a decidir como Normani iria para Miami. Todos queriam ir, mas Dinah tinha Jessie e precisava que nós ficássemos com ela, também. Eu me ofereci, mas Normani negou. Ela disse que ir com o Kamron seria o bastante e que nós precisávamos ajudar Dinah.

   E durante a manhã levamos Normani e Kamron ao aeroporto, eu insisti em ir com ela até o último minuto, mas ela dizia que era melhor eu não ir. Por um momento me senti um pouco deixada de lado e ofendida por ela não querer que eu fosse com ela, afinal crescemos juntas e a mãe dela era como uma tia para mim.

   — Por que eu não posso ir?! — Perguntei antes de ela embarcar.

   Ela suspirou e me encarou com os olhos pesados de tanto chorar.

   — Lauren... lembra da minha avó?

   Eu lembrava da avó de Normani que morreu quando tínhamos 14 anos. Foi o primeiro contato que eu tive com a morte. Teimei por horas até minha mãe me deixar ir ao velório e enterro com a minha melhor amiga, mas me arrependi assim que cheguei no velório. Queria correr e voltar para o meu quarto, ficar debaixo de um cobertor e nunca mais ver uma pessoa morta. O que me manteve até o final foi querer ser o apoio emocional de Normani, afinal ela ficou chorando ao meu lado todo o tempo.

   Minha mente nunca tinha visto a morte fora de uma tela ou um livro. Era terrível ver um corpo em um caixão e pensar “ok, ela vai levantar e vai perguntar se Normani e eu lavamos as mãos para lanchar”, mas ao mesmo tempo saber que a avó de Normani não estaria ali mais. Nunca mais.

   A presença e a ausência em um mesmo espaço e tempo. Era muito para mim e Normani percebeu porque nos dias seguintes eu não conseguia dormir direito, aparecia na escola e ficava quieta.

   Desisti de ir com ela e fiquei feliz por ela ter Kamron naquele momento.

   — Me liga assim que chegar. — Falei, abraçando-a forte. — Eu sinto muito, muito mesmo.

   — Amiga, eu vou ligar. — Ela disse, mas eu ainda não estava pronta para deixa-la ir, então continuei abraçando-a. — O voo já vai ser chamado... Lauren.

   Sorri sem jeito e deixei um beijo na testa dela. Alisei o cabelo dela, precisei engolir o choro.

   — Meu coração estará com você. — Falei e então me virei para Kamron. — Cuide dela, Kamron.

   Ele assentiu e abraçou Normani pelos ombros, seguindo com ela para o embarque. Assim que os dois sumiram do meu campo de visão, desabei nos braços de Camila.  

   Naquela noite eu não pude suportar saber que a mãe de Normani, que conheço desde que sou pequena, havia falecido. Precisei ser amparada por Camila e na manhã seguinte liguei para a minha mãe apenas para dizer que a amava. Ela já estava sabendo de tudo e esteve no velório, estaria no enterro também. Tudo o que pedi é que ela ficasse ao lado de Normani, ela prometeu. Por sorte não havia trabalho em um domingo, eu não queria fazer nada, então Camila foi quem fez o café da manhã e o levou na cama para nós duas, ligou a TV e colocou Madagascar para assistirmos.

   Passamos aquele domingo assim. Camila, Sparky e eu sob os lençóis vendo todos os filmes de Madagascar e falando apenas o necessário.

   E no momento atual estamos esperando Normani voltar, já que ela precisou ficar para resolver algumas coisas. Camila nos levou para a casa de Dinah, mas Veronica não estava lá ainda. Ficamos com elas até Normani ligar e avisar que já podíamos busca-la. Claro que pedi para Camila ir comigo ao aeroporto, dirigindo. Eu estava quase abrindo mão da minha carteira de motorista.

   Chegamos minutos antes do pouso, ainda esperamos um pouco, mas finalmente vi Normani e Kamron aparecerem.

   — Oi, amiga! — Ela disse, abrindo os braços para mim e eu prontamente a abracei.

   — Ei... Como estão as coisas por lá e com você? — Perguntei, feliz por vê-la novamente.

   — Difíceis... Seus pais estavam lá, os da Dinah, os da Ally, os da Mila... Todos eles. — Disse, separando-se de mim e abraçando Camila.

   Cumprimentei Kamron com um aperto de mãos e voltei a olhar Normani.

   — E como eles estão? — Eu quis saber.

   — Bem. Sua mãe foi muito solidária, a sua também, Mila.

   — Bom saber disso... Vamos. — Minha noiva disse, se adiantando para levar o carrinho com as malas de Normani e fez sinal para que Kamron levasse as dele. Ele apenas sorriu e seguiu. — Vou te levar para a sua casa, tem alguém que está com saudades de você.

   — Sparky?

   — A Jessie, Normani! — Camila respondeu, parecendo indignada e Normani riu brevemente.

   — Ela já deve estar dormindo a essa hora...

   — Até o momento em que saí, ela estava muito acordada com Dinah, contando sobre o dia dela, mas o Sparky está lá também.  

    Por falar no Sparky, tenho que informar que ele já não é mais tão jovem e que tem tido algumas limitações. Camila e eu sempre fingíamos não notar que ele já não brincava como anos atrás, que preferia dormir a correr atrás de uma bolinha... Jessie o amava, mas ele não possuía ânimo que acompanhasse o dela. Cada vez que via algo que demonstrava a idade avançada dele, buscava os olhos de Camila e ela apenas sorria tristemente para mim. Mas o que nos restava? Apenas cuidar dele e proporcionar uma boa velhice. Retribuir toda a alegria que ele já proporcionou a todos nós.

   Deixamos Kamron em casa e seguimos para a casa de Normani. O caminho foi praticamente em silêncio, nem música Camila quis colocar. Assim que estacionamos, pegamos as malas de Normani e mandamos ela ir na frente, já que demoraríamos carregando sozinhas.

   — TIA-PAI NORMANI! — Escutamos o grito assim que fechamos a porta e deixamos as malas no chão.

   — Oi, amor!! — A dançarina disse, abaixando-se para pegar Jessie nos braços.

   — Senti falta.

   Camila e eu nos jogamos no sofá, exaustas.

   — Estou aqui.

   — Ontem eu dormi na tia-pai Ally e tio Caleb. Eu vi filmes e tomei banho, aí a tia Zangada chegou com a tia Mila e aí a mamãe também apareceu... e aí eu estava com a mamãe e...

   Jessie não pararia tão cedo, então Normani decidiu parar a garota.

   — Mas, então. Vamos dormir? Sua tia aqui está com muito sono.

   A menor balançou a cabeça, foi colada no chão apenas para pular em cima de Camila e eu.

   — Boa noite, tia-pai. — Jessie disse dando um abraço só em Camila e eu. Minha noiva grunhiu, pegando a garota em um abraço.

   — Tia! — Jessie tentou reclamar, mas Camila a apertou e encheu de beijos o rosto da criança.

   ­— Você é o amor da titia.

   Jessie apenas ria e Camila não parava, até a garota se soltar e correr de volta para Normani.

   Minha noiva suspirou e apoiou a cabeça em meu ombro.

   — Lauren, estou falando sério agora, eu quero um filho.

   Fechei os olhos e abri, tentando ver se aquilo estava mesmo acontecendo.

   — Você tem uma sobrinha-filha. Não precisa de mais nada. — Tentei desviar o assunto.

   — Lauren... — Me repreendeu e dessa vez eu que suspirei.

   — Camzor, a gente nem casou e você quer um filho...

   — Então vamos casar logo! Vamos ser noivas para sempre?! Por favor, né?!

   — Se você aceitar recriar o noiva cadáver... estou brincando! — Avisei antes que ela me fizesse ser a noiva cadáver naquele mesmo instante.

   — Não vou falar mais nada.

   Ela estava ficando chateada e eu sabia que me sentiria muito mal se fosse dormir sabendo da chateação dela.

   — Camila, está cedo...

   Deixo aqui registrado que não é bom falar “está cedo” para a garota que está com você desde os 17.

   — Cedo?! — Ela perguntou, afastando-se um pouco para me encarar. — Lauren, estou com você desde os meus dezessete anos, nunca beijei outra pessoa em toda a minha vida e você agora vem me dizer que é cedo?! São doze anos já!!

   — A gente pode falar sobre isso depois? — Pedi, me sentindo um pouco sem argumentos.

   — Ok.  

   Não estava nada “ok”, mas eu só queria fugir. Por isso levantei-me, indicando que iria dormir.

   — Você vem agora? Veronica não vai dormir aqui, podemos ir para o quarto dela.

   — Não. — Respondeu, cruzando os braços e olhando para a TV desligada.

    Concordei e pensei em apenas ir dormir, mas ver a mulher que eu amava naquela situação de irritação me deixou mal. Por isso voltei e me agachei de frente para ela.

   — Olha para mim. — Pedi, segurando as mãos dela, mas ela não olhou. — Nós vamos casar, tudo bem? Vamos apenas esperar essa agonia do musical em que Dinah está, a situação da Normani... vamos apenas esperar esse tempo e casamos. Se você quiser começar a procurar preços, tudo bem. Realmente, doze anos é muita coisa. Eu errei ao me acomodar no noivado, assim como me acomodei no namoro e da mesma forma que me acomodei em ter algo indefinido... Vamos avançar. Vamos ver tudo isso que nem sei como se começa a ver.

   Acontece que já tínhamos uma vida de casadas. Eu sabia que casamento era apenas uma imposição social, mas era importante para Camila, então era para mim também.

   — Tome a iniciativa e lembre-se: não quero passar dos trinta! — Ela avisou e eu entendi que ela queria que eu falasse “podemos marcar a data”.

 

 

    Camila era a primeira a completar 30 anos e eu estava desesperada. Aquilo aconteceria em 7 meses. Eu só tinha 7 meses para fazer um casamento acontecer! Minha capacidade de fazer algo acontecer se esgotou quando a pedi em namoro!

   Dia após dia eu dormia e acordava pensando sobre aquilo. Ia trabalhar e, por maldição do Universo, June ainda era minha aluna, mesmo no ano seguinte. Sempre que eu olhava aquela garota, pensava sobre sobrenomes e casamentos. Cada vez que ela sorria, parecia me dizer “Senhorita Jauregui, já casou?”.

   Nesse tempo, duas coisas aconteceram para arruinar tudo. Alexa pediu Veronica em casamento e as duas casaram apenas no civil, já que não queriam nada além daquilo, mas fizeram uma comemoração. Kamron também acabou propondo o casamento a Normani, que aceitou. Caleb e Allyson haviam marcado a data do deles para o próximo verão. Tudo isso significava o seguinte:

   Camila me olhando feio no casamento de Veronica e Alexa.

   Camila querendo me matar quando Kamron pediu Normani em casamento.

   Camila mastigando durante o almoço na casa de Allyson e Caleb, parecendo falar “vou mastigar seu cérebro”.

   Tudo o que eu queria gritar era “Pessoal! Por que vocês decidiram fazer essas coisas em um espaço de tempo tão pequeno?!”. Veronica e Caleb ainda tentavam me ajudar, mas eu já nem sabia mais como marcar data porque falar “casamento” na frente de Camila era o mesmo que falar “como você prefere me matar?”.

   Até que um dia, faltando 3 meses para o aniversário de Camila, no fim do inverno, eu cheguei ao ápice de pensamentos que eu precisava. Estava voltando de uma conversa com Veronica. Havíamos nos encontrado para discutir uma ideia que eu tinha sobre meu futuro, mas não era sobre casamento. O assunto surgiu e Veronica acabou me fazendo refletir muito. O ápice foi quando ela disse: Lauren Michelle, às vezes eu nem sei quem está falando. Vocês duas têm agido de formas invertidas e parecidas. Se isso não é motivo para casar depois de anos, eu não sei o que é um motivo para você.  

   Abri a porta do apartamento, encontrando Camila deitada sobre o sofá com o Sparky dormindo.

   — Hoje passei por um momento intensamente reflexivo. — Falei, jogando meu cachecol sobre a bancada que separava a sala e a cozinha.

   — Qual? — Perguntou, muito entretida com o celular.

   Caminhei até ficar de frente para ela.

   — Não sei se você notou, mas nós duas passamos a ter manias uma da outra. As piores manias, eu diria.

   Ela deu de ombros.

   — Já notei. Odeio você por isso. — Falou, me encarando e jogando o celular sobre a barriga. — Eu nunca fui de ficar medindo minhas ações, agora crio até métodos para conseguir fazer algo.

   Assenti, feliz por saber que ela também notava aquilo.

   — Odeio você também por instalar em mim um otimismo que eu mesma não conheço. Não tiro da cabeça aquilo que contei a você, sobre a aluna que ajudei!

   Eu tinha contado tudo sobre June e Camila ficou feliz por mim.

   — Acho que acontece depois de tanto tempo juntas... — Falou, parecendo não se importar.

   — Sim. Mas eu refleti algo que preciso compartilhar.

   — Compartilhe, amor. — Disse, sem vontade, voltando a mexer no celular.

   — Você pode olhar para mim, por favor?

   — Desculpe.

   Largou o aparelho e me olhou. Abaixei-me ao lado dela.

   — Como eu estava falando, nós estamos em uma fase bem grave de mistura. Às vezes você faz coisas que eu faria e eu faço coisas que você faria. São coisas que, lá no início de tudo sobre nós duas, eu riria se pensasse que poderíamos adquirir. São coisas que vão além da nossa atual incapacidade de distinguir roupas que lavamos juntas... Camila, a gente mistura nossas roupas na hora de lavar! Você tem noção da gravidade íntima disso?

   — Vindo de você, tenho. — Sorriu.

   — Então, eu acho preocupante não saber de quem são as meias. Eu antes sabia tudo o que era meu só de olhar! Eu uso suas roupas, você tem noção do que é eu usar suas roupas?

   Usar as roupas de Camila é um nível em que cheguei e que sinto não ter mais volta.

   — Amor, não tem para onde fugir. Só vamos piorar, eu já aceitei. — Tentou me acalmar. — Mas já que você tocou no assunto... Sobre meu sorvete de banana, comece a comer menos ou compre um imediatamente para repor!

   O assunto estava sendo desviado e eu não podia deixar acontecer.

   — Desculpe sobre isso. Mas é quase exatamente isso que quero falar, não temos como fugir porque só vai piorar, mesmo! Então meu pensamento me deu uma resposta que eu já sabia, mas precisava confirmar. Pergunte sobre ele, por favor.

   Camila se sentou no sofá, tendo cuidado com o Sparky e fingiu um semblante de dúvida.

   — Nossa, Lauren! Qual foi seu pensamento?!

   Sorri para a atuação dela e revirei os olhos.

   — Nós estamos no momento exato de concretizar nossa relação em uma ação formal que não significa nada quando eu sei que poderia viver unicamente com você pelo resto da vida, sem rótulos, mas a sociedade nos induz a estágios de relacionamentos e somos alienadas, sim, sobre isso. Então é isso. — Falei sem nem parar pra respirar.

   — Você está falando que quer casar? — Ela perguntou, parecendo não acreditar.

   — Querer casar é algo que nunca quis, mas com você eu quero. O Universo está falando: Lauren, case com Camila porque esse momento é propício.

   — Lauren, isso é sério?

   Suspirei e levantei-me, sentando ao lado dela.

   — Sim. É sério. Sei que nem precisamos disso porque vivemos um casamento desde os dezessete... dezoito... Não sei! Só sei que a gente nem namorava... Mas precisamos disso para delimitar fases, fases que sei que são importantes para você e se algo é importante para você, é importante para mim porque eu quero sempre o seu bem e sei que você quer casar antes dos trinta e...

   Camila não me deixou continuar. Jogou-se em cima de mim, fazendo meu corpo cair para trás.

   — Não precisa ficar nervosa. Só vamos organizar datas. O pedido já foi feito, tenho sua confirmação de querer casar logo... tudo e vai funcionar. Ok? — Falou com o rosto próximo ao meu.

   — Eu confio em você. Só não marquei datas porque quero fazer isso com você... Tudo que for decidido, quero que seja por nós duas. — Abracei a cintura dela.

   — Eu te odeio, mas eu te amo muito.

   Sorri para a declaração e tomei os lábios dela nos meus. 


Notas Finais


Obrigada por tudo sempre. Peço desculpas imensas pelos erros, mas é que passam sem eu nem conseguir ver. Um dia eles vão embora e ninguém vai notar, prometo. Também PROMETO QUE APENAS MAIS 3 CAPÍTULOS. SÉRIO. NÃO DESISTAM AINDA!

Saudações =D/


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