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História Paredes Finas - Começamos com Chopin (Roderich)


Escrita por: xNessan

Notas do Autor


E então, galera, eu resolvi começar a postar essa fanfic aqui! Ela não tá ainda terminada mas está com 12/14 capítulos. Essa história já foi postada em outro site mas eu decidi dá uma chance para o Spirit também. Eu espero que gostem pois eu amo esse casal ;)

Capítulo 1 - Começamos com Chopin (Roderich)


Fanfic / Fanfiction Paredes Finas - Começamos com Chopin (Roderich)

Há poucas coisas mais frustrantes para mim do que ser interrompido no meio de uma sequencia especialmente difícil no piano justo no momento em que eu estava conseguindo acertá-la perfeitamente. A interrupção fora feita de uma particularmente irritante, o que me fez bater com os dez dedos nas teclas do piano: a campainha tocou.

Era pra evitar este tipo de situação que eu decidi morar naquele apartamento. Meu nome é Roderich Edelstein, tenho 21 anos e sou estudante de piano no Conservatório de Música de Viena, atualmente cursando o terceiro período. Quando ingressei no conservatório, para os meus pais era uma escolha óbvia que eu fosse sair de casa e morar num dos alojamentos de estudantes, dividindo um quarto com outro colega. Mas eu reiterei veementemente que não queria ter que dividir a moradia com alguém, pois não suportava a ideia de ter que dividir os turnos para a prática do instrumento com mais alguém. Eles pareceram não gostar muito da minha decisão, mas ao final fecharam um acordo comigo. Aluguei um apartamento sozinho, num prédio localizado próximo ao campus da Universidade de Viena. Era um lugar agradável, onde estudantes, pequenas famílias e jovens solteiros moravam. Para arcar com as despesas sozinho, passei a lecionar aulas particulares de piano para crianças. Obviamente não rendia muito dinheiro, mas somente o suficiente para complementar com as contas que meus pais ajudavam a pagar. Era um bom apartamento, também fiz questão de instalar isolantes acústicos para não incomodar os vizinhos e poder praticar o piano na hora que eu bem desejasse.

Mas, pelo visto, alguns imprevistos também poderiam acontecer, como a campainha soar no meio de um treino um tanto difícil quanto uma Chopin Etude.

É claro que mesmo frustrado e irritado por ter sido interrompido eu me levantei para atender a porta. Não sou mal-educado apesar de tudo. Além do mais era bem estranho e até curioso que tocassem na minha porta às onze horas da noite.

Quando abri a porta, franzi as sobrancelhas de confusão. Parado à minha frente estava um rapaz tão branco que eu poderia julgar albino, de cabelos platinados e olhos vermelhos. Vestia uma camisa cinza e meio gasta, uma calça de moletom preta e estava descalço - mesmo que esta fosse uma noite um tanto fria – ele tinha os braços cruzados sobre o peito e uma expressão de irritação no olhar. Mas o pior de tudo era que ele me lembrava alguma coisa...

- Sim? – perguntei educadamente.

- Com licença – ele começou, com vestígios de irritação na voz – Mas será que você não tem um relógio não? Pelo amor, eu sei que somos jovens e não costumamos a dormir cedo, mas mesmo pessoas incríveis como eu de vez em quando decidem dormir cedo! Pra quê esse barulho todo?

- Perdão? – eu disse, realmente não compreendendo o ponto dele.

Ele gesticulou com as mãos, demonstrando a sua irritação com a minha confusão.

- O negócio – ele apontou o dedo pra mim, que foi um gesto extremamente deselegante, mas eu decidi não comentar nada por hora – É que você está tocando faz mais de uma hora! Está me deixando enlouquecido! Passei o dia inteiro arrumando o apartamento, e ok, eu sou mesmo incrível por ter conseguido fazer isso perfeitamente sem a ajuda de ninguém, kesesese. É uma das minhas habilidades, é claro, mas até eu preciso repor minhas energias e não consigo dormir com você fazendo tan-nan-nan bam-bam-bam repetidas vezes e tão alto!

Bem, eu devo dizer que mal conseguir responder à suas reclamações enquanto ele falava e falava. Estava estarrecido. Porque não conseguia acreditar que ele estava reclamando do barulho – barulho! – do meu piano tarde da noite quando tinha certeza absoluta de que ele não poderia escuta-lo naturalmente. Sim, pois, as paredes deste prédio não eram tão finas, mas mesmo assim eu fiz questão absoluta de por isolantes nas paredes da sala, nas janelas e na porta para que o som não incomodasse os vizinhos. E até hoje, durante ano e meio que morei aqui, nunca recebi nenhuma reclamação de vizinho mesmo que tocasse até de madrugada, até receber em minha porta este rapaz albino extremamente deselegante reclamar de barulho alto. Eu tinha certeza absoluta que ele não era meu vizinho! Embora eu tivesse a leve impressão de que o conhecia.

- Mas... – eu comecei - Perdão, senhor, mas até hoje não recebi nenhuma advertência quanto ao horário pois o meu apartamento é vedado acusticamente.

- Tá de brincadeira? Certamente então não fez isso direito, meu prezado vizinho. – ele voltou a apontar o dedo para o meu rosto – Pois eu estou ouvindo perfeitamente o barulho do seu piano no meu apartamento. Eu só queria dormir!

Franzi as sobrancelhas totalmente estarrecido. Mas passado o choque inicial, dei um pigarro para limpar a minha garganta e retomei a postura séria.

- Creio que é impossível que tenha ouvido alguma coisa, senhor. - insisti, totalmente incrédulo.

O albino soltou uma gargalhada debochada e eu não pude deixar de sentir a irritação toda voltar, perdendo parte da postura que eu estava tentando manter.

- Você vai negar que estava tocando, aristocrata? - ele disse esboçando um sorriso debochado, tentando dar uma espiada para dentro do meu apartamento.

- Não, eu... - então finalmente percebi do que ele havia me chamado, despertando uma memória no fundo da minha mente - Você me chamou de que?

- Aristocrata. Combinou com você, não acha? - disse sem deixar o sorriso no rosto. Até que percebi um leve franzir de sobrancelhas, junto com um leve enfraquecer do seu sorriso. - Você...

Eu sentia que alguma coisa na minha mente começou a evoluir, como se algo estivesse a se mostrar quando nos encaramos.

- Eu...? - eu o estimulei, mas ainda sem deixar essa sensação abandonar minha mente.

Mas então ele balançou a cabeça, quebrando o contato visual. Eu pisquei algumas vezes tentando entender o que estava se passando e porquê daquela sensação esquisita quando eu olhava para o estranho vizinho.

- Eu vou ter que chamar alguma autoridade se você não parar, é isso aí. E então, como vai ser?

Soltei um suspiro impaciente. Eu não queria ser derrotado por aquele indivíduo mas no momento não me apetecia nenhum pouco me engajar numa discussão. Além do mais algo na minha mente gritava que eu já conhecia aqueles olhos carmesim e que boa coisa não era. Franzindo o cenho eu decidi ceder, o relógio marcava quase meia-noite e de qualquer forma eu teria aula muito cedo no dia seguinte para continuar praticando.

- Não há necessidade de chamar autoridade nenhuma. Creio que houve um mal entendido mas de qualquer forma não prosseguirei com o - crispei os lábios numa careta que já dizia o meu desgosto - "barulho" e o senhor não virá mais me incomodar. Estamos entendidos, Sr...?

- Beilschmidt. Gilbert Beilschmidt. - ele completou, estendendo a mão para me cumprimentar, que foi deixada no ar e respondida com a minha cara de desprezo. - Pode deixar também que eu não vou te incomodar...

Ele virou-se para sair e eu já estava para fechar a porta quando o ouvi completar a frase com um sorriso pretensioso nos lábios.

- Por enquanto, Edelstein.

 

.x.

 

Eu estava me sentindo a criatura mais perfeitamente estúpida de toda a face da terra. Um completo imbecil. O homem mais lento e mais humilhado e patético que jamais existiu.

Após aquele pequeno incidente da noite de ontem eu realmente cumpri com a minha palavra e não voltei a tocar o piano. Tranquilamente eu fui tomar um chá enquanto preparava um banho quente para relaxar. Fiquei imerso na água com espuma por um bom tempo antes de ir me trocar e deitar a minha cabeça do travesseiro, esperando que aquele pequeno aborrecimento logo fosse esquecido.

Então abri meus olhos totalmente espantado. Ali estava o motivo do porque o homem me parecia familiar e do porque ele sabia o meu nome ao se despedir.

Gilbert Beilschmidt. Mas é claro! Aquele Gilbert Beilschmidt!

Foi, então, a primeira vez na minha vida que eu tentei me sufocar com um travesseiro. Impossível que eu não tenha reconhecido ele na hora! Mas já fazia uns dois anos que eu não olhava para aquela cara infeliz então talvez até fosse justificável o fato de eu ter esquecido quem ele era. Mas isso não diminuía o meu constrangimento por ele claramente ter se lembrado de mim e do meu sobrenome. Oh Céus, mas por que logo comigo?

Gilbert Beilschmidt foi simplesmente o meu pesadelo no ensino médio. O garoto que veio da Alemanha chegou na minha escola determinado a fazer da minha vida um inferno. Para começar eu descobri que ele era amigo de infância da então minha melhor amiga e posteriormente namorada Elizaveta Hérdevary. Então é claro que Gilbert grudou em Elizaveta, mesmo que a garota deixasse claro o seu desprezo pela companhia indesejável, e consequentemente também em mim, não se cansando de me provocar com suas gracinhas e apelidinhos maldosos que me tirava do sério. E tudo pareceu piorar no segundo ano quando Elizaveta me pediu em namoro e começamos a sair. Mesmo que Gilbert já tivesse arranjado outros amigos - um espanhol e um francês com a mesma habilidade inconveniente e inclinações pervertidas que ele - o garoto parecia particularmente inspirado em me atormentar!

E então... Após tanto tempo infernizando a minha vida, no final do terceiro ano eu terminei o meu namoro com Elizaveta. Pareceu ter sido um choque para ela e eu me senti realmente mal mas... Simplesmente não estava dando certo! Eu estava me sentindo um total e completo lixo desde então, foi quando eu descobri que Gilbert e Elizaveta haviam dormido juntos na noite de formatura.

Não posso dizer que não foi um baque pra mim. Fui eu que terminei o relacionamento e por um motivo bem específico mas mesmo assim não pude me deixar de me sentir traído e ultrajado. Era exatamente por esse motivo que Gilbert me atormentou por três anos e saber disso me deixou tão depressivo e infeliz que eu quase não consegui ser admitido no teste do Conservatório. Eu não podia me deixar levar por este tipo de coisa, então me reergui emocionalmente e estou na mais perfeita ordem desde então.

Mas o maldito tinha que bater na minha porta tarde da noite trazendo tudo isso de volta? E pior, ele estaria morando perto e eu nunca quis tanto que um travesseiro pudesse me matar quanto agora.

Me levantei na hora de sair para a faculdade e fiz questão de tomar um café bem forte para conseguir me manter acordado, visto que não consegui dormir direito naquela noite. Terminei de me vestir e estava saindo do meu apartamento e trancando a porta quando quem eu tive a infeliz coincidência de encontrar no corredor?

- Bom dia, vizinho! Dormiu bem? Eu dormi como uma pedra, droga eu tava cansado. - ele resmungou coçando os cabelos platinados. Vestia um casaco de moletom por cima de uma camisa preta estampada com o logo de alguma banda de rock e jeans surrados. Parecia mais que ainda estava vestido para dormir do que para propriamente sair. Tão desleixado quanto eu podia me lembrar.

- Beilschmidt. - eu disse simplesmente estreitando os olhos. Guardei as chaves no bolso da calça e me preparei para sair dali o mais rápido possível.

O maldito esboçou outro dos seus sorrisos presunçosos e perfeitamente branco.

  Ah, então lembra de mim, aristocrata?

- Infelizmente. - respondi, seco. - O que está fazendo aqui, Beilschmidt? Eu acho que já tive a minha dose de você pela vida inteira no colegial.

Ele riu da forma mais irritante que ele era capaz de fazer, me acompanhando para pegar as escadas.

- Kesesese. Se você não percebeu aristocrata, eu moro aqui. Bem, pelo menos desde ontem. Tirei a sorte grande, não foi?

- De forma alguma. - não havia como eu estreitar mais os meus olhos para esboçar desprezo. - Fui eu que tirei o pior azar.

- Kesesesese. Você realmente era um grande rabugento, jovem mestre! Infelizmente não terei como dedicar a minha incrível atenção ao jovem mestre o tempo inteiro porque eu, como não haveria deixar de ser, sou um jovem senhor universitário agora, ocupado demais com as obrigações da vida adulta. Mas é claro que se o jovem mestre quiser se regozijar com a minha incrível presença sinta-se convidado a comparecer ao meu pacato porém fantástico apartamento, que no caso se localiza em frente ao seu~

- Obrigado mas eu passo. - respondi revirando os olhos.

- Deve estar curioso para saber o que eu faço, não é mesmo, jovem aristocrata?

- Na verdade, não. -

- Estou cursando engenharia mecânica na Universidade de Viena. E você, deixe-me adivinhar, pelo barulhento Chopin de ontem deve ser música, não é mesmo? É tão clichê porque é você, jovem mestre!

Eu parei por um momento nos últimos degraus da escada, totalmente estarrecido. Pois eu não sabia dizer se me sentia ofendido por ter meu piano chamado de barulhento, ou impressionado que - além dele ter conseguido ouvir através do isolamento, o que nunca ninguém jamais havia reparado - ele também sabia o compositor da peça em que eu tocava. O que não seria nada demais para uma pessoalmente com um leve grau culto. Mas Gilbert? Gilbert era uma porta, pelo menos nos tempos de escola. Era estranho ver que naquele homem desleixado que parecia exatamente igual ao adolescente bagunceiro que foi ele podia conhecer algo não muito atrativo para pessoas da nossa idade como música clássica. Mas depois do choque inicial, eu chacoalhei suavemente a cabeça, percebendo que não havia nada demais Gilbert conhecer música erudita e principalmente peças tão famosas quanto Chopin. Soltei um bufo e tentei disfarçar que por alguns segundos fiquei impressionado.

- Bom saber que a minha vida não passa de um clichê para você, Beilschmidt, pena que não me importo. - eu disse num tom levemente ofendido e voltei a descer os degraus da escada tentando ao máximo ignorará-lo enquanto chegava à saída. Mas um leve desviar de olhos eu pude vê-lo sorrindo de forma pretensiosa e irritante, parecendo achar graça em algo em que eu claramente não estava enxergando.

Finalmente ao chegarmos na rua eu estava para me virar a tomar o caminho do Conservatório quando ouvi mais uma vez sua voz debochada antes de ir embora.

- Bom vê-lo novamente, Roderich.

E tomou a sua direção.

 

.x.

 

- Não, esse dedo aqui fica no Dó, está vendo? - pressionei o dedo contra a tecla para emitir o som - Dó.

Hoje era uma quinta feira, eu lecionava aulas de piano para Lily, irmã de um antigo amigo meu. Era uma garota adorável e esforçada, porém muito tímida. A verdade era que Vash havia dado a ideia de dar aulas para Lily para me ajudar, mas a menina havia pego gosto e tinha talento. Nas terças e quintas ela vinha ao meu apartamento para aulas particulares, e apesar dela viver numa casa grande onde havia um piano, Vash dizia que ela se sentia mais confortável no meu apartamento do que no seu casarão para tocar. Além disso, havia dito que era mais conveniente para mim o que não deixava de ser verdade mas eu me sentia um tanto constrangido com toda a gentileza do meu amigo suíço. Afinal ele também pagava as aulas, assim me ajudando a pagar as contas do apartamento.

E havia uma semana desde o incidente com Gilbert. Felizmente depois disso nós não trocamos mais do que cumprimentos de Bom Dia em tom debochado (dele), aparentemente ele estava cumprindo a sua palavra que agora que eram adultos não teria tempo para me importunar. Cheguei a ficar um tanto quanto constrangido ao pensar que eu seria importante o suficiente para Gilbert dedicar a sua atenção novamente. Bem, é claro que ao constatar que não eu estava muitíssimo satisfeito. Obviamente.

A campainha soou e eu franzi o cenho, logo depois desfazendo para não mostrar a minha expressão de descontentamento para a minha aluna. É claro que o meu primeiro pensamento foi que era Gilbert na porta, afinal Vash só chegaria mais tarde. Com o cenho enrugado fui atender a porta me deparando com o loiro.

- Boa noite, Roderich.

- Vash! – exclamei, um tanto surpreso ao receber o suíço. Fiz sinal para que ele entrasse no apartamento, ainda um tanto estarrecido. – O que faz aqui à essa hora? Ahn... aceita um café? Um chá?

- Irmão! – foi o que ouvi da menina que agora desviava a atenção do piano para o seu irmão que conversava comigo.

- Ah. Não. Obrigado, Roderich. Me lembrei que precisava vir buscar a Lily mais cedo hoje. Tem a prova de roupas do ballet e eu havia me esquecido completamente, se sairmos agora ainda dá tempo. Vamos Lily? – disse o suíço de cabelos loiros e expressões duras, no que a sua irmã anuiu e levantou-se do banco do piano, com uma expressão um tanto decepcionada. Ela murmurou timidamente um “Até a próxima aula, professor Edelstein” antes de se mover para o lado do seu irmão que respondia alguma mensagem no celular.

- Tudo bem, hoje só estávamos praticando de qualquer forma. – eu assenti mesmo também me sentindo decepcionado por pausar a aula. Procurei rapidamente pela minhas chaves e minha carteira e acompanhei os dois irmãos até a porta do apartamento, ao que Vash me parou.

- Não precisa me acompanhar até a porta, Roderich...

- Ah, não tem problema. Eu pretendia ir à loja de conveniência de qualquer forma. – assenti sorrindo.

- Ah. – ele crispou os lábios – Venha comigo então, eu lhe dou uma carona.

Descemos até a rua em frente ao prédio, onde estava estacionada a BMW de Vash. O meu amigo Vash tinha hábitos parecidos com o meus sobre guardar dinheiro, mas ao contrário de mim Vash tinha dinheiro para gastar e ostentar nas coisas certas. Acompanhei os irmãos e entrei no carro, sentindo aquela sensação de intensa satisfação toda vez que estava num recinto luxuoso, sorrindo disfarçadamente de lado. Como a loja não era mais do que dois quarteirões da minha casa, a viagem foi bem rápida e logo a sensação se fez finita. Me despedi brevemente de Lily e já estava para sair do carro quando Vash tocou delicadamente em meu braço, fazendo a minha atenção voltar-se para ele.

- Vash?

- Escuta, Rod... É que eu queria saber se você... – o meu amigo parecia um tanto desconcertado, notando-se pelas orelhas vermelhas. Eu arqueei as sobrancelhas curioso com que ele iria me falar, quando o loiro voltou os olhos um pouco para o lado, como se procurasse por Lily e se lembrasse de que ela estava lá. Soltou o ar que prendia então finalmente falou - Nada, esqueça. Depois nos falamos.

Mesmo curioso com o que ele tinha para dizer, eu presumi que o que quer que Vash tivesse a intenção de me dizer ele não diria na frente de Lily. Eu assenti, compreendendo a sua hesitação. E então finalmente saí de dentro do carro, sentindo o ar frio de fim de tarde bater em meu rosto.

- Até depois, Vash.

Me despedi e esperei o carro sair antes de me virar para a loja e conveniência. Eu sabia que precisava ir ao mercado fazer compras decentes mas por hoje comprar o que faltava para fazer o jantar era o suficiente. Sim, embora eu tenha uma aparência bem alinhada eu era um tanto, digamos, desorganizado para certas coisas. Era um milagre – ou muita vontade da minha parte de viver num ambiente luxuoso – que eu conseguisse manter o meu apartamento limpo. Modéstia a parte mas eu sabia cozinhar, limpar e passar muito bem. A maior parte do tempo eu só não queria ou simplesmente me esquecia do que tinha que fazer, como na semana em que fiquei praticamente todos os dias sem jantar pois esqueci de fazer compras e estava ocupado demais com os testes e práticas para sair para comprar. Felizmente hoje, sim, eu teria jantar e nem estava tão ocupado assim.

Voltei para casa com a mente totalmente distraída. A próxima peça que o meu professor iria pedir para que praticasse seria Lizst e eu estava confiante que iria conseguir fazê-lo perfeitamente. Eu não sabia qual peça ele iria me dar amanhã mas hoje eu poderia começar fazendo uma pesquisa sobre o compositor ou mesmo tocando uma de suas peças para pegar os seus trejeitos e tentar entende-lo melhor. Mesmo que o meu professor do conservatório sempre me elogie e eu tenha plena consciência do ótimo aluno que eu sou eu estava sempre ocupando o máximo do meu tempo praticando, quase não me sobrando tempo livre para outras atividades como...

Como a mais completa e escandalosa perversão que estava se passando no corredor para o meu apartamento. Gilbert – como só poderia ser ele – estava se esfregando libidinosamente no corpo de uma garota loira de cabelos curtos contra a parede de sua casa, o rosto afundado em seu pescoço, e a porta do seu apartamento a pouquíssimos centímetros de onde ele estava para consumar o ato na discrição de suas paredes.

Eu fiquei tão estarrecido com a cena que mal soube como reagir. De certo o meu rosto estava vermelho ao encarar a pouquíssima vergonha daquele garoto. Sinceramente, era sempre assim! Desde o ensino médio Gilbert não tinha o mísero discernimento ou vergonha na cara para fazer isso longe dos olhos de outras pessoas. Ou pelo menos longe dos meus olhos! O sentimento de constrangimento deu lugar a nada menos do que fúria quando eu parti para cima dele, deixando as minhas compras caírem na porta de casa antes de sair ensandecido.

- BEILSCHMIDT! – gritei, fazendo-o parar com o ato no mesmo momento.

Ele levantou o rosto, mostrando os seus lábios inchados e os cabelos platinados bagunçados enquanto esboçava um sorriso de diversão para mim.

- Jovem mestre! Eu sei que adora gritar o meu nome mas no momento estou ocupado com a jovem senhorita aqui...

- Eu entendi muito bem o que você está fazendo com a jovem senhorita, Beilschmidt. A minha interrupção e pergunta é pelo dado motivo:  por que você está fazendo isso no meio do corredor? – eu perguntei me sentido tão ofendido, tão ultrajado, quanto se ele estivesse fazendo isso dentro da minha própria casa. Ele também parecia não ter entendido muito bem o motivo de eu ter soado tão ofendido, pois arqueou as sobrancelhas em incompreensão, me fitando dizendo:

- Ahn... Por que eu posso?

Eu senti meus miolos começarem a fritar devido a temperatura do meu rosto.

- Eu sei que você pode mas... Arg, idiota!

Com um impulso que eu não sei da onde raios surgiu, até porque eu não era uma pessoa impulsiva – sempre ponderava muito bem que atitudes iria tomar -, eu peguei no pulso de Gilbert e o afastei da garota com que ele se amassava. Curiosamente, eu não senti nenhuma resistência por parte dele quando comecei a arrastá-lo para dentro do meu apartamento. Destranquei a porta em velocidade recorde e a fechei atrás de mim quando nós dois já estávamos lá. O sorriso que ele me lançou me voltei para ele era de pura diversão. Ele estava rindo. Às minhas custas.

- Wow, jovem mestre! Isso tudo é ciúmes? Se tivesse me avisado que queria uma sessão particular hoje eu não teria ocupado a minha agenda, se é que me entende. Kesesese.

- Cale a boca, estúpido! Não é nada disso! – eu estreitei as sobrancelhas, tomado pela fúria. Eu queria tanto estapeá-lo para tirar aquele sorriso perverso da cara dele que arg! – Eu queria lhe falar em particular para não ofender a... – respirei fundo – senhorita que estava com você, entende?

Ele cruzou os braços parecendo se divertir tanto com a cena que nem parecia que eu havia acabado de tirá-lo de uma sessão de amassos com uma menina.

- Pois então sou todo ouvidos. Tem a minha inteira atenção, meu jovem senhor aristocrata.

Eu revirei os olhos pelo apelido ofensivo e tentei respirar fundo para manter a minha calma enquanto lidava com a criatura à minha frente. Cerrei o punho me chacoalhei, tentando aliviar a raiva de alguma forma. Agora que eu o havia trazido para o meu apartamento ele iria escutar, é claro, quando eu conseguisse clarear a minha mente. Gilbert notando a minha demora em começar a falar ao invés de me apressar começou a rodear os olhos pelo apartamento, analisando a minha casa e até soltou um comentário baixo “Nada mau. É a sua cara”. Mas antes que eu perdesse ainda mais a paciência apontei o dedo para o relógio – suíço, presente do Vash - na parede da cozinha.

- Está vendo que horas são, Beilschmidt? – ele iria responder, mas era uma pergunta retórica, por isso me adiantei – São sete horas. Toda terça e quinta eu dou aula de piano para uma menina de doze anos e este é o exato horário em que ela está saindo do meu apartamento. Por isso, e exatamente por isso, a cena que eu presenciei no corredor não irá mais se repetir, está escutando Beilschmidt?

Gilbert agora tinha os olhos carmesim totalmente voltados para mim, ainda com os braços cruzados. A forma como erguia o seu queixo se aproveitada de sua maior estatura para soar superior à mim. Também não me intimidei e ergui o queixo, encarando-o com desafio. Ficamos assim por alguns momentos, a tensão instaurada no ar. Por poucos segundos os seus olhos cor de rubi se desviaram dos meus e senti como se ele me analisasse, dos pés à cabeça. Não sei porque mas no momento me senti constrangido, como se despido por aquela rápida analise de olhos. Um leve rubor surgiu em meu rosto quando ele finalmente terminou e então sorriu, aquele sorriso perverso e divertido que ele sabia dar na piores situações e que me tirava do sério. Voltei a bufar.

- Se não o quê, jovem mestre? – ele disse num tom que deveria soar ameaçador, mas disse de uma maneira tão baixa e de certa forma perversa que o rubor em meu rosto com certeza se intensificou. Ele deu um passo à frente, se aproximando, e automaticamente dei um passo para trás, me sentindo acuado. Mas antes que eu esbarrasse em alguma coisa e fosse cercado, eu franzi o cenho e retomei a postura, voltando a levantar o queixo em desafio para ele.

- Se não terei que apelar para as câmeras de segurança do prédio e falar com a síndica.

Ele voltou a se aproximar com o olhar superior, mas antes que eu voltasse a falar totalmente consternado, o maldito desatou a rir. Levantei uma sobrancelha, dividido entre não entender o porquê do riso e irritado com a risada que eu tanto odiava. Voltei a cruzar os braços, visivelmente incomodado. Era obvio que Gilbert estava fazendo chacota de mim de novo, mas dessa vez eu já estava sem paciência para tentar tirar uma satisfação dele, quando finalmente ele disse.

- Kesesesese. Tá legal, tá legal, jovem mestre! Mas olha já vou te adiantar que a síndica do prédio não iria levar muito a sério, visto que os moradores são quase puramente feitos de universitários como eu e você. Acho que situações dessas são comuns para pessoas da nossa idade, certo?

Eu já estava abrindo a boca que eu não era o tipo de pessoa que se agarrava com uma qualquer nos corredores do prédio, mas ele se adiantou.

- Mesmo que o jovem mestre não seja o tipo de pessoa que faz isso, não é? – estreitei minhas sobrancelhas ainda mais, certo que dessa forma me surgiria rugas ainda sendo jovem – Mas tudo certo, por causa da sua aluna eu prometo que não voltará a se repetir. Tem a minha palavra. Pelo menos nesse horário.

- Agradeço. – respondi com desdém, mesmo tendo ouvido claramente o “pelo menos nesse horário” mas não tendo forças o suficiente para discutir com o energúmeno.

- Pensei que nem estivesse em casa. – ele gesticulou com os braços – Agora a pouco eu o vi entrado naquela belezinha na frente do prédio. Saindo com ricaços, jovem mestre? Kesesese, é a sua cara!

Eu abri e fechei a boca diversas vezes não conseguindo me sentir mais ofendido do que já estava numa simples conversa com ele. Tive o impulso de me jogar contra ele e bater naquele rosto para ele retirar as palavras que estava insinuando no mesmo momento, mas obviamente que não o fiz porque ao contrário de certas pessoas eu sou civilizado. Mesmo assim eu não consegui manter o tom de voz quando comecei a falar.

- O que? Eu não estou saindo com ninguém, seu completo idiota! Imagina que eu e o Vash...

Bem, depois que as palavras saíram da minha boca é que eu percebi o que havia sido. O meu rosto tornou a ficar vermelho e dessa vez eu não consegui manter o meu olhar de superioridade e desviei o olhar para qualquer ponto no chão, completamente constrangido. Se eu soubesse me manter calado, não teria dado mais um motivo de chacota para o grande babaca. Que é claro que se aproveitou da informações sobre o meu status de relacionamento para rir ainda mais.

- Kesesesese! Ah, mas é claro que não está, não é mesmo, aristocrata? Caso o contrário não ficaria assim tão incomodado vendo outras pessoas mandando ver na porta da sua casa.

- O que? Eu não estou inco-

- Hoje como pode ver eu estou um pouco ocupado, mas, se for de interesse seu, podemos marcar qualquer dia desses. Garanto que não irá se decepcionar com os meus incríveis cinco metros!

Oh, aquilo havia sido tão demais para mim, para aquela noite, que eu já nem mais consegui ser tomado pela raiva. Eu estava completamente estarrecido! Gilbert Beilschmidt havia claramente flertado comigo e eu não sabia porque eu ainda conseguia ficar tão constrangido! Constrangido só não, eu não sabia onde enfiar a minha cara! Era tão absurda a ideia que ele pudesse fazer este tipo de brincadeira, e passava tanto dos limites do que nós éramos que era simplesmente... simplesmente... arg, não tenho nem como pensar direito! Gilbert não deveria estar flertando comigo, nem de brincadeira. E agora eu queria me estapear!

Foi reunindo toda a calma que eu consegui acumular, o que já não era muita, que eu consegui dizer de forma mais fria possível:

- Já pode se retirar, Gilbert. Já tivemos a nossa conversa particular.

Eu não olhava mas nos seus olhos mas eu sabia que ele havia percebido o quanto eu havia ficado incomodado, tanto que ele levantou as mãos em sinal de rendição para tentar amenizar o clima.

- Hey, jovem mestre, eu estava só brincan...

- Eu disse, JÁ PODE SE RETIRAR. – disse finalmente me impacientando.

Perdendo toda a calma que eu havia conseguido reunir, abri a porta do apartamento e sem que eu tivesse que forçar a sua saída ele se retirou. Bati a porta contra a cara dele, totalmente possesso de raiva, e rezando internamente para que tenha acertado o seu nariz.

Sinceramente eu já não sei como seria a nossa convivência como bons vizinhos de agora em diante. Ele tinha a incrível habilidade de me tirar do sério com pequenas coisas como aquela, imagina se ele voltasse a me infernizar como fazia no ensino médio. Eu queria tanto poder ter coragem de lhe dar um soco, ou pelo menos conseguir arrancar dele o mínimo de mágoa e constrangimento que ele conseguia me arrancar, só para ter o mero prazer de vê-lo se submeter a mim pelo menos uma vez na vida.

Ouvi batidas na porta e quase explodi de ódio, já sabendo quem era e tentando me controlar para realmente não partir para a violência como eu havia dito anteriormente. Abri a porta com a mesma força com que eu tinha fechado antes.

- O QUE É?

Ele estava com duas sacolas na mão, e o sorriso como se estivesse para cair na gargalhada a qualquer momento.

- Suas compras, jovem mestre!

Oh, por quê comigo, Deus? Por que? Por que? Eu não queria ter que ficar vermelho e me sentir humilhado mais uma vez naquela noite. E mesmo querendo enfiar a cara em qualquer canto da terra, eu peguei as sacolas de compra e nem mesmo agradeci, quase esquecendo-me das boas maneiras.

- Tenha uma boa noite! – e voltei a fechar a porta com um barulho estrondoso.

E aquela noite que deveria ser de Lizst, teria um Chopin furioso para aplacar a minha ira.


Notas Finais


Olá! Estou aqui postando esta singela fanfic PruAus, mesmo que eu saiba que não tem mais ninguém por aí disposto a ler uma fanfic PruAus. Essa fanfic será slow build, terá alternância de pontos de vista e flash-backs. Já estou com alguns capítulos adiantados e muitas cenas já escritas. A minha dúvida é se todos os capítulos serão grandes assim, hum...

Gente eu não sei se vocês querem saber as músicas que tocam nos capítulos mas qualquer coisa eu posto aqui, viu?
É isso aí, espero que tenha alguém para ler.

Beijos~


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