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  3. Capítulo II

História Partilhar - Capítulo II


Escrita por: xviperx

Notas do Autor


Boa leitura meus amores;

Capítulo 2 - Capítulo II


O telefone de Samantha estava morto.

Estava sempre morto, a não ser quando estava plugado na tomada – devia precisar de bateria nova, mas ela sempre se esquecia de resolver isso.

Ela pôs o café na mesa, depois plugou o telefone no notebook, chacoalhando- o feito uma foto Polaroid, enquanto esperava que ele acordasse.

Uma uva voou entre seu nariz e a tela.

–    E aí? – perguntou Alanis.

Samantha ergueu a cabeça e fitou-a diretamente pela primeira vez desde que chegara ao trabalho. Estava usando camisa cor-de-rosa com colete verde de tricô. Alanis parecia um bela princesa. Só que sem o sorriso.

–    E aí o quê? – ela disse.

–    Como foi?

Referia-se a Lica. Mas não diria “com a Lica” – porque era assim que funcionava. Havia regras.

Samantha voltou para o telefone. Nenhuma chamada perdida.

–    Bem.

–    Eu disse que daria tudo certo.

–    É, você tinha razão.

–    Sempre tenho.

Samantha podia ouvi-la quando ela retornou ao seu assento. Dava para imaginá-la também – as pernas compridas para o alto, descansando na beira da mesa compartilhada.

–    Muito de vez em quando, às vezes, parcialmente, você tem razão – ela disse, ainda lidando com o telefone.

Lica e as meninas já deviam estar no segundo voo. Fariam uma breve escala em Nova York. Samantha pensou em mandar uma mensagem – amo vocês – e imaginou-a chegando antes delas em Paris.

Mas Lica nunca mandava mensagens de texto, então nunca as checava; era como mandar mensagens para o vazio.

Ela largou o telefone e empurrou os óculos para o topo da cabeça, tentando se concentrar no computador. Tinha uma dúzia de e-mails novos, todos de Jeff German, o comediante que era o astro do programa.

Samantha não sentiria falta de Jeff German se o novo contrato desse certo. Não sentiria falta de seus e-mails. Ou de seu boné vermelho. Ou de como ele a fazia reescrever episódios inteiros de Jeff’d Up se achasse que os atores que representavam sua família na TV estavam causando muitas risadas.

 

–    Não aguento mais.

A porta foi aberta, e Michel irrompeu na sala. Havia espaço na sala de Alanis e Samantha para somente mais uma cadeira – uma peça desconfortável de tecido. Michel largou-se sobre ela de lado, as mãos na cabeça.

–    Não consigo. Sou péssimo com segredos.

–    Bom dia – disse Samantha. Michel espiou por entre os dedos.

–    Oi, Samantha. A menina lá da frente me mandou dizer que sua mãe tá no telefone. Linha dois.

–    O nome dela é Katiane.

–    Tá. O da minha mãe é Claudia.

–    Não, da nova secretária, o nome… – Samantha balançou a cabeça e foi pegar o telefone preto que ficava entre ela e Alanis. – Oi, aqui é a Samantha.

A mãe suspirou.

–    Fiquei tanto tempo esperando que achei que a menina tinha me esquecido.

–    Não. E aí?

–    Só liguei pra ver como você está.

Parecia preocupada. (Gostava de parecer preocupada.)

–    Tô bem – disse Samantha.

–    Bom… – Mais um suspiro. Um dos fortes. – Falei com a Lica agora de manhã.

–    Como conseguiu?

–    Coloquei o relógio pra despertar. Sabia que vocês iam sair cedo. Quis dar tchau.

A mãe dela sempre fazia muito drama com viagens de avião. E microcirurgias. E às vezes até para desligar o telefone. “Nunca se sabe quando vai ser a última vez que você  vê  alguém, então não dá pra  perder a  chance de se despedir.”

Samantha ajustou o telefone entre o ouvido e o ombro, para poder digitar.

–    Que bom. Chegou a falar com as meninas?

–    Falei com a Lica – ela repetiu. Para enfatizar. – Ela disse que vocês estão dando um tempo.

–    Mãe – disse Samantha, devolvendo a mão ao gancho. – Só essa semana.

–    Ela disse que iam se separar pro Natal.

–    Não nesse sentido. Por que está falando como se fosse outra coisa?

Apareceu uma emergência aqui no trabalho.

–    Você nunca teve que trabalhar no Natal antes.

–    Não tenho que trabalhar no Natal. Tenho que trabalhar antes e depois. É complicado. – Samantha resistiu à vontade de ver se Alanis estava escutando. – Foi decisão minha.

–    Você decidiu passar o Natal sozinha.

–    Não vou ficar sozinha. Vou estar com você.

–    Mas, filha, a gente vai passar o dia com os Almeidas, eu te disse. E sua irmã vai ver seu pai. Quero dizer, você pode vir com a gente …

–    Deixa pra lá, eu me viro. – Samantha olhou ao redor. Alanis jogava uvas para o alto, para pegá-las com a boca. MB estava esparramado, tristonho, como se tivesse cólicas menstruais. – Tenho que voltar ao trabalho.

–    Bom, vem pra cá hoje à noite – disse a mãe. – Pra jantar.

–    Eu estou bem, mãe, de verdade.

–    Vem, Samantha. Não devia ficar sozinha nesse momento.

–    Não tem “esse momento”, mãe. Eu tô bem.

–    É Natal.

–    Ainda não.

–    Vou fazer um jantar gostoso. Vem.

Ela desligou antes que Samantha pudesse argumentar, suspirou e esfregou os olhos. Sentiu as pálpebras úmidas. As mãos cheiravam a café.

–    Não aguento – Mb gemeu. – Todo mundo pode ver que eu tenho um segredo.

Alanis olhou para a porta – fechada.

–    E daí? Contanto que não saibam qual é o segredo…

–    Não gosto – disse Mb. – Me sinto como se fosse um traidor. Tipo o Lando em Cloud City. Tipo aquele cara que beijou Jesus.

Samantha imaginou se algum dos outros escritores suspeitava mesmo de alguma coisa. Provavelmente não. O contrato de Alanis e Samantha estava para acontecer, mas todos achavam que elas iam ficar. Por que abandonariam o Jeff’d Up depois de finalmente colocá-lo no top dez?

Se ficassem, ganhariam um aumento. Um aumento gigante, de transformar a vida. Uma quantia de dinheiro que fazia os olhos de Alanis saltarem das órbitas, feito o Tio Patinhas, só de ouvir falar.

Mas, caso saíssem…

Havia apenas um motivo para quererem abandonar o Jeff’d Up. Começar seu próprio programa. O programa que Samantha e Alanis sonhavam em fazer praticamente desde o dia em que se conheceram – escreveram o primeiro rascunho do piloto juntas quando ainda estavam na faculdade. O programa delas, os personagens delas. Sem Jeff German. Sem frases de efeito. Sem risos pré- gravados.

Levariam Mb junto se saíssem. (Quando saíssem, Alanis diria. Quando, quando, quando.) Mb era delas; Samantha o contratara dois programas antes; era o melhor escritor de piadas com o qual tinham trabalhado.

Alanis e Samantha mandavam melhor bolando situações. Esquisitices que geravam ainda mais esquisitices, piadas cuidadosamente construídas, mas que faziam sentido após oito episódios. Mas às vezes simplesmente era preciso que alguém escorregasse numa casca de banana. Mb nunca ficava sem cascas de banana.

–    Ninguém sabe que você está guardando um segredo – Alanis disse. – Ninguém tá nem aí. Todo mundo só quer saber de terminar logo suas coisas pra poder vazar daqui e comemorar o Natal.

–    Então qual é o plano? – Mb ajeitou-se na cadeira. Era um branco alto, com cabelo desgrenhado, e se vestia como quase todo mundo da equipe de criação: calça jeans, moletom com capuz e tenis idiotas.

Alanis jogou uma uva em Mb. Depois outra em Samantha. Ela se esquivou.

–    O plano – disse ela – é virmos amanhã, como de costume, e escrever. E depois escrevemos um pouco mais.

Mb pegou sua uva do chão e comeu.

–    Odeio abandonar todo mundo assim. Por que a gente sempre vai embora assim que eu começo a fazer amigos? – Ele se ajeitou para fitar Samantha. – E aí, Samantha? Tudo bem? Você tá estranha.

Samantha notou que tinha os olhos fixos. Em nada. Então disse:

–    Tudo bem.

Ela pegou o telefone de novo e digitou uma mensagem.

Talvez…

Talvez ela devesse ter conversado com Lica de manhã antes de ela sair.

Conversado de verdade. Pra se certificar de que estava tudo bem.

Mas quando o relógio dela despertou, às quatro e meia da manhã, Lica já estava de pé, quase pronta. Lica ainda usava o mesmo rádio relógio antigo, retrô ela disse um dia. Quando voltou à cama para desligá-lo, recomendou a Samantha que voltasse a dormir.

–    Você vai ficar morrendo de sono depois – disse, vendo-a se sentar mesmo assim.

Como se Samantha fosse ficar dormindo em vez de se despedir das filhas. Como se não fossem ficar separadas por uma semana inteira. Como se não fosse Natal.

–    Vou levar vocês pro aeroporto.

Lica estava perto do armário, de costas para ela, vestindo um moletom azul.

–    Já chamei um táxi.

Talvez Samantha devesse ter argumentado. Em vez disso, ela se levantou e tentou ajudar com as meninas.

Não havia muito o que fazer. Lica as colocara para dormir de moletom e camiseta a fim de poder carregá-las para o carro sem acordá-las.

 

Mas Samantha queria falar com elas, e, de todo modo, Alice acordou quando Samantha tentava fazê-la calçar os sapatos cor-de-rosa.

–    O mamãe disse que eu podia ir de bota – ela resmungou.

–    Cadê a bota? – Samantha sussurrou.

–    O mamãe sabe.

Acordaram Nina enquanto procuravam pelas botas. Então Nina também quis as botas dela.

Samantha ofereceu iogurte, mas Lica disse que todos comeriam no aeroporto; estava levando lanchinhos.

Ela esperou que Samantha explicasse por que não iria pegar o avião com elas. Alice perguntou se a mãe iria de carro. Enquanto isso, Lica corria escadas acima e abaixo, saindo e entrando pela porta da frente, checando coisas e juntando a bagagem.

Samantha tentou dizer às filhas que elas se divertiriam muito, que nem sentiriam a falta dela – e que elas podiam comemorar juntas na semana seguinte.

–    Vamos ter dois Natais – disse ela.

–    Não acho que isso seja possível – Alice argumentou.

Nina começou a chorar porque a meia estava colocada do lado errado. Samantha não entendeu se ela queria com a costura para cima ou para baixo. Lica veio da garagem e tirou a bota da filha para dar um jeito na situação.

–    O carro chegou – disse.

Era uma minivan. Samantha acompanhou as meninas até a porta, ajoelhou-se perto do meio-fio, ainda de pijama, e beijou-as tentando agir como se a despedida não fosse nada de mais.

–    Você é a melhor mãe do mundo – disse Nina. Tudo era “o melhor” ou “o pior” para Nina. Era tudo “nunca” e “sempre”.

–    E você é a melhor menina de quatro anos de idade do mundo – assegurou Samantha, beijando-a na ponta do nariz.

–    Gatinha – disse Nina. Ainda estava chorosa por causa das meias.

–    É a melhor gatinha do mundo.

Samantha arrumou os cabelos castanhos-claros da filha atrás das orelhas e puxou a camiseta para baixo, para cobrir a barriguinha.

–    Gatinha verde.

–    A melhor gatinha verde.

–    Miau.

–    Miau – respondeu Samantha.

–    Mãe? – Alice chamou.

–    Oi. – Samantha trouxe a mais velha, de sete anos, para perto. – Aqui, me dê todos os seus abraços.

Mas Alice estava ocupada demais, pensando, para corresponder ao abraço.

 

–    Se o Papai Noel levar seus presentes pra casa da vó, eu guardo pra você. Coloco na minha mala.

–    Ele não costuma trazer presentes pra mamãe.

–    Bom, mas caso ele traga…

–    Miau – disse Nina.

–    Tá bom – Samantha concordou, abraçando Alice com o braço esquerdo, pescando Nina com o direito. – Se ele trouxer presentes, você cuida deles pra mim.

–    Mãe, miau!

–    Miau – disse Samantha, abraçando as meninas.

–    Mãe?

–    Oi, Alice.

–    De qualquer forma, o verdadeiro significado do Natal não são os presentes, é Jesus. Mas não pra gente, pois não somos religiosos. O verdadeiro significado pra gente é só a família.

Samantha beijou-a na bochecha.

–    É verdade.

–    Eu sei.

–    Tá bom. Amo você. Amo vocês duas, muito, muito.

–    Até a lua e de volta? – perguntou Alice.

–    Ai, meu Deus – disse Samantha –, muito mais.

–    Até a lua e de volta ao infinito?

–    Miau!

–    Miau – disse Samantha. – Infinito vezes infinito. Amo tanto, tanto que até dói. Nina fechou a cara.

–    Dói?

–    Ela não quis dizer que dói literalmente – disse Alice. – Né, mãe? Não

literalmente?

–    Não. Bom. Às vezes. Lica aproximou-se.

–    Bom, hora de ir pegar o avião.

Samantha roubou mais uma meia dúzia de beijos enquanto arrumava as meninas no banco de trás do táxi, depois ficou ao lado da van com os braços cruzados, tensa.

Lica chegou perto e olhou por cima dela, como se estivesse pensando.

–    Vamos chegar às cinco – disse. – Hora central. Então vai ser por volta das três aqui… Eu ligo quando chegar na minha mãe.

Samantha assentiu. Lica continuava sem olhar para ela.

–    Tome cuidado – ela disse. Ela checou o relógio.

 –   Vamos ficar bem. Não precisa se preocupar. Só resolva aí o que tem que resolver. Arrasa lá na reunião. – E então ela a abraçou, mais ou menos, passou o braço sobre os ombros dela e encostou a boca na dela. Quando disse “te amo”, já estava se afastando.

Samantha  quis agarrá-la pelos ombros.

Quis abraçá-la até seus pés deixarem o chão.

Quis encostar a cabeça no pescoço dela e sentir os braços dela um pouco apertados demais em torno de sua cintura.

–    Te amo – disse ela. Não tinha certeza de que Lica a escutara.

–    Amo vocês! – ela gritou para as meninas, batendo na janela e beijando-a, porque sabia que elas achavam graça; as janelas traseiras do Prius viviam cobertas de marcas de beijos.

As meninas acenavam loucamente. Samantha afastou-se da van, acenando com as duas mãos. Lica falava com o motorista, no banco da frente.

Pensou tê-la visto olhando para ela uma vez, antes de a van dobrar a esquina

–    suas mãos congelaram no ar.

E então elas se foram.


Notas Finais


Espero que tenham gostado, comentem, comentem


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