EPISÓDIO 8
A vaga
2 de Outubro de 2016
Castiel estava furioso. Era manhã de domingo e ele já estava estressado. Não bastasse a rivalidade besta de Thomas e Lysandre afetando os ensaios, agora seus pais queriam lhe forçar a trabalhar.
O que foi que eu fiz para ter toda essa dor de cabeça?
O menino segurava seu celular por cima da orelha de maneira preguiçosa; de lá vinham ruídos altos. A voz de Valerie parecia distante no cômodo, mesmo que estivesse falando bem no ouvido do filho.
Seu pequeno apartamento estava bem iluminado - o que também o irritava, já que não era muito fã da luz do sol logo cedo. Além disso, era mais fácil de se ver toda a bagunça do lugar.
- Sei que nós te demos liberdade... - A mãe recomeçava o discurso pela terceira vez no dia. - ...Mas essa liberdade está custando caro! Você acabou de virar um adulto, então nos faça um favor e arrume logo um trabalho!
- Calma, Val… - Castiel podia ouvir a voz do pai de fundo, controlada e baixa.
Dragon estava sentado no chão, olhando de maneira confusa para o dono, que tinha uma expressão vazia no rosto. O cão parecia ter pena do garoto - agora já um “homem”, aparentemente - mas ao mesmo tempo concordar com os pais, afinal, sua ração era cara!
- Filho? - Ele ouviu a voz de Jean-Louis, agora de forma clara. - Fiz umas pesquisas e descobri que há uma loja de música aí perto precisando de um ajudante. Como você gosta desse ramo, acho que é uma boa oportunidade para você.
Castiel suspirou.
- Vocês estão falando da Serenade, certo? É, fiquei sabendo. Eu vou lá hoje. - Assegurou o garoto.
- Bom! - Valerie exclamou, mudando instantaneamente seu tom de voz. - Mudando de assunto; vamos para Veneza amanhã, sabia?
- Nesse caso, ciao.
- Cas…!
O adolescente desligou, a cortando.
Castiel não ia mentir, ele se sentia meio mal por tratar a própria mãe daquele jeito, mas em sua defesa, ela conseguia ser uma mulher irritante. O jeito como ela mudava de água para o vinho num piscar de olhos conseguia apertar todos os botões do garoto, e não do jeito bom.
A verdade é que ela era bastante parecida consigo mesmo, o que com certeza não o agradava, considerando que ele não era lá essas coisas.
Ele jogou seu celular no colchão e observou enquanto o aparelho quicou para fora do mesmo.
- Incrível. - Ele rosnou, pegando o telefone do chão.
Dava para ver que o dia ia ser complicado.
=/=
Lola estava ansiosa como nunca - a ficha não tinha caído para valer antes, mas a partir de seu décimo oitavo aniversário ela teria que sobreviver sozinha. Isso era mais que perturbador.
A garota mexia em seu guarda-roupa de maneira frenética, revirando conjuntos de roupas e kits de maquiagem usados, tentando achar algo que parecesse apropriado para a entrevista de emprego. Ela não era de ter ataques assim, mas a situação era crítica. Suas palmas estavam suadas e as bochechas quentes, mesmo o tempo não estando tão morno assim.
- Não se preocupe. - Zöe a tranquilizou, observando a amiga de cima da cama. - É uma loja pequena, acho que eles não vão ter muitos critérios.
- Nossa, valeu. Bom saber que você acha que eu não atinjo os critérios.
- É uma loja de música, Lolita. - Ela complementou. - Você vai se encaixar!
Lola se virou com uma expressão preocupada no rosto.
- É uma loja de instrumentos, Zöe. - A falsa ruiva corrigiu. - A única coisa que eu toco é minha guitarra de plástico.
- Não é a única coisa que você toca… - Zöe brincou com um sorriso malicioso.
- Em qualquer outro dia eu teria rolado de rir, mas agora não é a hora.
- Tá bom, foi mal… - A morena suspirou. - Olha só, na minha opinião, jogar Guitar Hero no modo expert é um puta talento, se serve de alguma coisa. - Levantou da cama e fez carinho no ombro da menor de um jeito carinhoso.
- Diz isso para o gerente. - Lola revirou os olhos e finalmente escolheu um vestido preto justo para vestir. Uma fungada bem dada e alguns tapinhas para tirar a poeira o deixaram no estado perfeito.
A menina foi se trocar no banheiro, deixando Zöe para trás pesquisando mais a fundo sobre a loja.
=/=
Do outro lado da cidade, Alana andava em círculos no seu quarto. O cômodo era grande, o que a dava espaço o suficiente para gastar energia de sobra.
A ruiva segurava com firmeza seu celular perto da orelha com uma mão e um livro na palma livre.
- Liberté, Égualitié, Fraternité. - Ela repetia, como um mantra. - Revolução Francesa; constituições de 46 e 58. Liberté, Égualitié, Fraternité…
- Alana, isso é o lema nacional. - Diana interrompeu através do telefone. - Não é tão difícil de esquecer assim. Está escrito em todas as moedas, selos e logos do país...
- Logos do governo, para sermos exatas. - Lis acrescentou. - Mas é verdade, eu acho que já podemos passar dessa parte…
- Eu não sou boa em história francesa, vocês são cheios de revoluções que eu preciso decorar! - Alana balançou os braços. - Não quero ir mal na prova…
- Como assim, “você não é boa em história francesa”?! - Diana exclamou. Estava começando a ficar estressada, o que era raro. - Alana, você mora na França há três anos e conhece as leis melhor que a minha mãe! E ela é policial há mais de uma década!
- Você está exagerando. - A ruiva riu, largando o livro pesado de história com um baque surdo no chão. Seu pulso estava começando a doer.
- Eu concordo com a Di. - A voz de Lis soou pelo aparelho. - Você está indo bem na matéria, mas…
Um silêncio desconfortável tomou a chamada.
- Mas…? - Indagou a inglesa, ansiosa.
- Acho que o que a Lis quer dizer é que… - Diana fez uma pausa. - Você está indo muito bem na matéria, mas talvez não esteja confiante quanto a isso porque é estrangeira.
O silêncio voltou.
- O quê? - Alana riu, nervosa, alguns momentos depois. - Não! É claro que eu estou confiante, eu sei que sou inteligente!
Antes da resposta das amigas, a menina sentiu uma vibração contra sua pele, interrompendo a conversa. Ela tirou o telefone da orelha e olhou atentamente para a foto piscando na tela.
- Esperem um pouco, vou adicionar a Lola.
A ruiva deslizou o dedo pela superfície transparente e colocou o aparelho perto de si novamente.
- Ei, Lola! - Ela cumprimentou. - Estamos revisando para a prova de história.
- E eu estou indo para a entrevista de emprego. - Lola respondeu, sua voz levemente trêmula.
- Ah, é mesmo! - Diana exclamou, aparentemente se lembrando da entrevista só naquele momento. - Boa sorte!
- Boa sorte, Lola! - Lis desejou.
- Não fique nervosa, vai dar tudo certo. - Alana sorriu, confiante.
- Eu disse isso para ela um milhão de vezes... - A voz de Zöe soou baixa pela chamada, como se ela estivesse longe do telefone.
- Obrigada, meninas. - Lola agradeceu, abrindo espaço para mais uma pausa silenciosa.
Apesar de orgulhosas de Lola por se virar sozinha desde cedo, as meninas não podiam negar que estavam preocupadas com o futuro da amiga - e se ela não conseguisse o emprego? E se o salário não fosse o suficiente para ela se sustentar? Como faria com a faculdade?
- É isso então. - A própria quebrou o silêncio. - Já estamos indo. Só queria avisar vocês.
As três garotas se despediram da dupla e Lola saiu da chamada.
- Continuando! - Alana exclamou. - Liberté, Égualitié, Fraternité…
Lis e Diana grunhiram em uníssono.
=/=
Castiel entrou na loja apertada. Os diversos instrumentos eram tudo que sua visão podia processar - guitarras, baixos, teclados e violinos compunham a maior parte da frente do espaço. Ele já havia ido até lá para trocar palhetas, cordas e baquetas, mas nunca havia reparado em quantos produtos se assentavam nas prateleiras.
O atendente da loja era um homem com cabelos negros amarrados em um coque frouxo e tatuagens cobrindo os braços. Seus vários piercings e brincos brilhavam debaixo da luz roxa da loja, lhe dando um ar místico.
Apesar do tamanho, tinha uma expressão relaxada no rosto enquanto arrumava chaveiros e papéis em cima do balcão. Parecia não ser muito mais velho que Castiel; talvez estivesse na faixa dos vinte.
Ao notar a presença do mais novo, o homem abriu um sorriso largo e dirigiu seu olhar para o cliente.
- Bem vindo à Serenade! - Ele deu as boas-vindas em um tom caloroso. - No que posso ajudar hoje?
- Ei. - Castiel deu um sorriso sem jeito. - Eu vim por causa da oferta de emprego. - O garoto apontou em direção ao cartaz na porta.
- Ah, claro! - O atendente tirou uma folha de papel de debaixo do balcão. - Pode me chamar de Tony, vou te ajudar a fazer sua aplicação. Vamos começar preenchendo a…
Um barulho de borracha derrapando contra asfalto do lado de fora interrompeu a conversa. Castiel e Tony olharam para a porta, curiosos.
Lola e Zöe entraram lado a lado; a menor usava um vestido preto que acentuava suas leves curvas ao mesmo tempo que era simples e profissional. Seus olhos levavam de maneira natural as linhas do delineador, destacando seus olhos cinzentos. O cabelo vermelho vibrante estava bem penteado e recém retocado - pela primeira vez em algum tempo - e causava um belo efeito de contraste contra a roupa de tom mais frio.
Castiel nunca havia reparado muito em Lola, provavelmente pela garota usar roupas relaxadas e não ser muito atraente, em sua opinião - não era feia, mas também não era exatamente o seu tipo .
Já a maior estava vestida do mesmo jeito de sempre - leggings pretas e regata branca de esporte, uma parte de seu top escuro aparecendo pelas mangas folgadas. Seu cabelo longo estava trançado de lado, de jeito que os poucos fios soltos davam a impressão de estarem escorrendo pela superfície do tecido. Estava bonita, mas sem tentar - o jeito Zöe de ser.
- Zöe? - Castiel levantou uma sobrancelha. - Você vai fazer a entrevista também?
- Castiel! - A morena sorriu ao ver o colega. - A Lola vai, eu só vim acompanhar ela.
Lola acenou de maneira desajeitada. Ela não ia admitir nem morta, mas estava uma pilha de nervos - ainda mais agora que descobriu que tinha a pior concorrência possível.
Castiel tinha mais atitude com outras pessoas, sabia mais de música e parecia uma escolha melhor do que ela em geral.
- Maravilha... - O de cabelos vermelhos se virou de novo para o atendente, que observava a situação com uma expressão entretida.
- Acho que teremos uma competição saudável aqui! - Brincou, tirando mais uma ficha. - Pode começar a preencher quando quiser, mocinha.
A alguns metros de distância dos homens, Zöe sorriu para Lola.
- Cara gente fina. - Deu uma cotoveladinha na colega. - E é bonito, também... Me ligue quando terminar, ok? - A morena pegou o capacete de Lola de sua mão. - Vou fazer uns exercícios na academia enquanto você faz a entrevista.
Lola assentiu com a cabeça, olhando para Castiel atentamente.
O sorriso de Zöe se desmanchou. A menina pegou o queixo da outra com delicadeza, dirigindo sua atenção para si.
- Não se preocupe, ratinha. - Ela bagunçou a franja curta da amiga. - Vai dar tudo certo.
- Eu sei, bobona. - A menor tirou a mão da mais nova de sua cabeça com uma risada suave.
Um silêncio confortável se instalou enquanto as duas se olhavam. Zöe estava de braços cruzados, esperando algo.
- Obrigada, Zozö. - Lola sussurrou. - Por me trazer, e por todo o resto...
A maior abriu um sorriso radiante.
- Não tem de quê! - Exclamou, saindo da loja.
Lola se dirigiu lentamente até o balcão e pegou sua ficha com as mãos trêmulas.
- Não fiquem muito nervosos, viu? Vocês tem todo o tempo do mundo, hoje é domingo. - Tony sorriu, sua barba por fazer emoldurando seus lábios.
Lola não ia mentir, ele realmente era bonito.
Depois de alguns olhares rápidos, os dois adolescentes começaram a escrever nas folhas de papel.
“Nome completo”
- Dolores Bogdanova
Castiel Collins Veilmont -
“Idade”
- 17 e 10 meses
18 -
“Nível de educação”
- Cursando o ensino médio
Cursando o ensino médio -
“Você toca algum instrumento?”
- Não
Guitarra elétrica, violão -
“Já teve alguma experiência no mercado de trabalho?”
- Garçonete (Jozi Cafe) e assistente de pesquisas escolares (Escola de Moças Bunoffaire)
Não -
“Qual é a sua motivação para procurar esta vaga?”
- Me sustentar sozinha a partir da maioridade, obter experiência no mercado
Ter liberdade financeira dos meus pais, ter mais responsabilidades -
“O que você faz no seu tempo livre?”
- Jogo videogames e assisto anime, saio com minhas amigas
Toco guitarra, passeio com meu cachorro -
“Quais são seus pontos negativos?”
- Sou tímida às vezes
Temperamento forte -
"Se você fosse um animal, qual seria?"
- Gerbil
Cachorro -
“Quais são seus pontos positivos?”
- Me adapto bem a mudanças
Tenho pulso firme -
“Sabe alguma língua estrangeira? Se sim, qual nível?"
- Inglês intermediário, russo inciante
Inglês fluente -
"Se pudesse escolher, qual seria sua música favorita?"
- Muse - Time is running out
Rock you like a hurricane - Scorpions -
Depois de alguns longos e silenciosos minutos, os dois concorrentes entregaram as fichas.
- Muito bem! - Tony deu uma passada rápida com os olhos pelos papéis, parecendo satisfeito com as respostas. - Vou entregar para o gerente. Vocês esperam aqui, tudo bem?
- Ok. - Lola concordou.
Castiel acenou com a cabeça.
Depois de alguns segundos desconfortáveis, o menino puxou assunto.
- Ques perguntas mais idiotas...
- Né, fiquei uns três minutos só na última.
- E botou o que?
- Time is running out, do Muse. - Deu de ombros. - É meio velha, só coloquei porque era a música preferida do meu pai. Eu não tenho nenhuma predileta em particular.
- Velha? É uma música boa. - Ele se debruçou sobre o balcão, mexendo nos chaveiros em forma de instrumentos e notas musicais. O tilintar do metal dos acessórios a incomodava. - Então, pra quê você quer a vaga?
- Pra que qualquer pessoa trabalha? Porque quero dinheiro. - Deu um risinho. - Em dezembro eu vou fazer aniversário e não vou ganhar mais renda fixa pro meu apartamento, quero começar a me prevenir.
- Você mora sozinha? - Castiel arqueou uma sobrancelha. - Olhando para você e suas amigas, eu diria que são todas criadas debaixo da asa do papai e da mamãe, vindas de internato e tal! - Riu.
- Eu sou emancipada, na verdade. - A expressão de Lola ficou sombria de repente. - Ganho dinheiro do governo já que minha mãe não tem muitas condições de cuidar de mim.
A expressão de Castiel mudou imediatamente de zoeira para arrependida.
- Ah... - Ele mexeu de maneira nervosa nas mãos, levemente desconfortável. - E seu pai?
- Preso. - Ela resistiu a vontade de gargalhar ao ver o colega arregalar os olhos. - E você, mora com quem?
- Sou emancipado também... - Limpou a garganta, sem jeito. - Meus pais financiam um apartamento pra mim.
A menina sorriu, meio amarga.
Ela conhecia o tipo de Castiel: todo rebelde sem causa, tão angustiado por nada, odiando a tudo e todos quando na verdade vivia em um conforto imenso para o qual não dava valor. Lola não gostava de se gabar por ter uma vida difícil, mas nessa competição, diante de todas as circustâncias, é ela quem ganha.
- Deixa eu adivinhar; mamãe e papai te forçaram a ter um emprego pra ter o que fazer? Criar caráter?
Antes do outro poder responder, Tony voltou dos fundos da loja com um homem mais velho ao seu lado. Ele era menor que o atendente, mas tinha um rosto severo, mesmo que adornado por sardas que o davam um ar infantil e brincalhão, de certo jeito. Seus olhos azuis viajavam de Lola para Castiel de maneira desconfiada, como se analisasse profundamente os dois adolescentes.
- Bom dia, jovens! - O homem sorriu. - Meu nome é Christian Roy, sou gerente da Serenade e futuro chefe de um de vocês!
- Bom dia. - Lola cumprimentou, se fazendo pequena.
- Bom dia, senhor. - Castiel estendeu a mão, tirando um sorriso do homem mais velho.
Os dois compartilharam um aperto de mão firme, fazendo a ruiva franzir o nariz.
Droga, ele é bom.
- Eu achei a ficha de vocês dois bem distintas uma da outra, mas semelhantes ao mesmo tempo, se isso faz sentido. - Christian continuou seu discurso. - Também achei interessante vocês serem tão novos. Sabem, eu tenho um filho da mesma idade. Espero que ele tenha a iniciativa de trabalhar cedo como vocês.
O gerente olhou para seu funcionário e colocou uma mão firme no ombro do maior.
- Meu sobrinho Anthony aqui vai lhes dar um trabalhinho e aí veremos qual dos dois merece a vaga. Sem pressão, é claro. Boa sorte para ambos.
Lola respirou fundo. Realmente, o futuro dela sentar nos próprios ombros não lhe causava pressão alguma, com certeza...
Christian voltou para o fundos da pequena loja e deixou os dois adolescentes com Tony.
- Então! - O maior juntou as mãos. - O quão em forma vocês se consideram?
Ele olhou de lado para várias caixas de discos num canto da loja, atraindo a atenção dos mais jovens para as mesmas.
- Bem, que comecem os jogos... - Lola suspirou.
=/=
Lola tirou o último disco de sua devida embalagem e o colocou dentro de outra capa. Ela olhou para o lado - Castiel estava ofegante depois de carregar tantas caixas. Olhando pelo seu tamanho, você pensaria que a força é uma característica bem presente no garoto, mas… Aparentemente, não.
- Boa! - Tony sorriu. - Trabalho em equipe é essencial. Gostei da maneira como Castiel trouxe as caixas enquanto você arrumava os discos, Lola. Agora, eu vou até Christian e vamos discutir sobre a vaga. Vocês podem ficar conversando, enquanto isso.
O homem mais velho saiu da área enquanto Castiel e Lola retomavam o fôlego.
- Quem você acha que eles vão escolher? - Lola perguntou, se sentando no chão ao lado do garoto. Suas costas estavam desconfortáveis contra a estante de CDs, mas ela não se deixou importar muito. Aquilo era a última coisa em sua cabeça.
Aquele pequeno trabalho já havia lhe cansado, então era natural ela começar a se perguntar se conseguiria se encaixar na Serenade.
Eu preciso desse trabalho de qualquer jeito...
Castiel deu de ombros.
- Não sei.
- Você está mentindo. - A de cabelos vermelhos balançou a cabeça, derrotada. - Óbvio que eles vão te contratar.
O colega franziu o cenho, questionando a menina silenciosamente. Olhou com atenção para a colega de classe - seus lábios pintados de vermelho estavam tensos, e os olhos aquosos.
Por que isso, do nada?
- Eu não entendo nada de instrumentos e não me dou bem com gente. - Ela continuou, encostando a cabeça na parede. - Deixei todas as caixas para você porque não tenho força para carregar essas coisas. O quanto você acha que eu poderia ajudar nessa loja?
- Credo. - O menino franziu o nariz. - Pare de sentir pena de você mesma, é deprimente.
Lola arregalou os olhos, uma lágrima salgada se libertando e manchando sua bochecha de preto sem ela perceber. Ver que até Castiel tinha pena dela foi a gota d’água. Talvez fosse só um dia ruim, talvez fosse a pressão… ou talvez fosse ela o problema.
- Cara… Eu não faço ideia de como a Zöe consegue ser amiga de alguém como você. - Se levantou com os olhos ardendo e foi para fora da loja, seus saltos curtos estalando contra a cerâmica.
=/=
O chão de pedra estava gelado debaixo de suas coxas desnudas, mas Lola não ligava. Não era do feitio dela ficar choramingando por aí; Castiel estava certo - era deprimente fazer isso. Mas mesmo assim, era como se todas as esperanças dela (que já não eram muito altas) tivessem ido por água abaixo assim que ela entrou e viu o garoto na loja.
Ele era a cara da marca enquanto ela era só uma garotinha que precisava de um trabalho para sobreviver. Ele era confiante e tinha presença - mesmo que de um jeito irritante às vezes -, enquanto ela se embolava em suas próprias palavras quando falava com estranhos.
- Ei. - Ela ouviu uma voz grossa atrás de si.
Era Castiel, de braços cruzados e sobrancelhas franzidas.
- Volte lá para dentro, eu vou ficar calado dessa vez. - Disse com um tom de remorso em sua voz.
- Eu não quero sentir pena de mim mesma. - Lola soltou, suspirando. - Não é como se eu estivesse gostando de me sentir mal por achar que não consegui a vaga.
Castiel se sentiu culpado. Pelo pouco tempo que ele tinha convivido com o grupo de novatas, ele conseguiu perceber que Lola realmente não era assim sempre. Junto com Zöe, ela era uma das mais firmes do grupo e não tinha papas na língua.
Então por que ela está assim por causa de um emprego bobo?
- Não é justo você ser contratado só por ter marra, tocar guitarra e ser todo punk, anarquista ou sei lá. - Lola continuou, fungando. - Mas ao mesmo tempo eu sei que não tenho o necessário para conseguir a vaga. Mesmo assim, tenho certeza absoluta que preciso mais do dinheiro que você, porque eu não tenho pais que me amam o suficiente para me sustentar caso eu não consiga o trabalho... Eu preciso arrumar uma fonte de renda até dezembro ou vou passar fome e morar na rua e isso me apavora!
Ela colocou a cabeça nas mãos, agora deixando as lágrimas caírem livremente, deixando rastros de maquiagem pelas suas bochechas. Parecia até outra pessoa, totalmente fora da razão; sua mente a mil, correndo tão rápido que ela não conseguia sentir vergonha por estar se expondo a alguém de maneira tão íntima daquele jeito.
Ao mesmo tempo que se perguntava o que tinha acontecido com aquela garota ao longo da vida para a deixar naquele estado, Castiel tinha que pensar rápido em um modo de acalmá-la. Ele com certeza não era nenhum monstro sem coração, mas a verdade é que ele estava com medo de alguém passar na rua e achar que ele tinha maltratado ela ou algo assim.
O que eu faria se estivesse no lugar dela?
Castiel tirou um maço de cigarros do bolso e colocou um deles na boca. Ele ofereceu um dos palitos macios para Lola.
- Vai fazer você ficar melhor por enquanto. - Ele explicou com a mão estendida.
Lola limpou o rosto de modo desajeitado, borrando suas bochechas, e pegou o cigarro.
O falso ruivo acendeu ambos e os dois ficaram em silêncio, tragando e expirando a fumaça cinza.
Depois de alguns segundos, a menina suspirou e tossiu de maneira desajeitada.
- Eu não gosto de fumar…
- Você está estressada, eu não vou te julgar. - Castiel disse por entre nuvens de fumaça.
- Não, sério, minha família é bem propensa a vícios... E eu nem tenho dinheiro pra sustentar um, nem se eu quisesse. - Ela exalou um risinho, seca. - Além disso, Zöe ia nos matar se visse a gente agora - ela exalou um risinho, seca.
- Ela me xingou na primeira vez que me viu fumando. - O ruivo a acompanhou nas risadas. - Disse que a mãe tinha morrido por causa disso, me deu um baita susto.
Lola riu, um riso sincero dessa vez.
- Ela disse isso?
- Pode apostar que sim.
- Você sabe que isso aí é mentira, né? - Ela tossiu.
- Eu não sabia na hora!
Os dois colegas ficaram sentados no meio-fio por pouco tempo, sentindo a brisa esfriar e observando o céu mudar de cor aos poucos. De repente, Lola fungou.
A garota se levantou e jogou o cigarro no chão, pisando nele com a sola dura de sua bota preta logo depois. Ela limpou o rosto - com mais delicadeza agora, apagando as manchas pretas de sua pele clara.
Castiel arqueou as sobrancelhas.
Nossa, isso foi rápido.
- Vamos voltar lá para dentro. - Ela ofereceu a mão para o mais velho. - E não precisa se acostumar, eu não surto assim todo dia.
- Todos nós temos dias ruins. - O menino disse. - Mas posso dizer o mesmo. Eu não sou paciente assim sempre, então não se acostume.
- Eu nunca me acostumo, eu me adapto.
Castiel riu.
- E mais uma coisa… - Ele esfregou as mãos sem jeito. - Eu te darei a vaga caso me escolham. Você tem razão, precisa mais do que eu.
- Obrigada, Castiel. - Lola deu um sorriso fraco. A garota se sentia um pouco mal por receber a vaga por pena, como se fosse um favor, mas não era nisso que deveria focar, e sim em conseguir se sustentar. Ela também sabia que aquilo não era algo fácil para o colega de classe, orgulhoso do jeito que era, então se sentia obrigada a agradecer.
Mas sinceramente, o mais velho só não queria vê-la chorar mais. Uma vez já havia sido o suficiente e, sinceramente, doeu mais do que ele esperava. Ela não era o tipo de gente que merecia chorar - parecia ter passado por coisa demais.
- Não pense muito sobre isso. - O de cabelos vermelhos deu de ombros. - Eu nem quero trabalhar mesmo...
Minha mãe deve estar me xingando em quatro línguas diferentes agora.
Os dois entraram na loja, dando de cara com a dupla de tio e sobrinho.
- Aí estão vocês! - Tony sorriu de orelha a orelha. - Temos ótimas notícias!
- Vocês dois estão contratados. - Christian acabou com qualquer chance do suspense se instalar. - Anthony está me dizendo desde mais cedo como vocês funcionam bem juntos; se complementam, por assim dizer. E também, como vocês são estudantes e vão trabalhar horário mínimo, podemos pagar os dois salários sem problemas.
- Como assim, “se complementam”? - Castiel franziu o cenho.
- Você levou as caixas bem rápido e ela organizou os discos mais rápido ainda. - O sobrinho do gerente explicou. - E ficou muito bem organizado, ainda por cima! Esse tipo de trabalho eficiente é do que precisamos, já que a loja é bastante frequentada durante a semana e acaba ficando uma bagunça. Foi por isso que abrimos as vagas para ajudantes, para início de conversa.
- Isso é ótimo! - Lola exclamou alto, chamando a atenção para si. Castiel a encarou com um sorriso incrédulo no rosto. - Q-quer dizer… - Ela limpou a garganta e se recompôs. - Isso é ótimo.
- Vocês irão trabalhar de segunda a sexta após o horário escolar. - Christian explicou. - Das 17h às 21h, então… Vinte horas semanais. O salário será de 770 euros por mês, já que são aprendizes e não tem carteira assinada nem nada. Farão diversos trabalhos, de atender clientes a buscarem e arrumarem materiais. Alguma dúvida?
- Não. - Castiel respondeu. - Tudo bem.
- Tudo perfeito! - Lola concordou, radiante.
- Vamos assinar os contratos e resolver todo o blá blá blá de sempre na semana que vem, então! - Anthony sorriu. - Até lá.
- Até! - Os mais novos se despediram.
Lola e Castiel saíram da loja. A menina dava pulinhos de alegria e balançava a perna sem parar enquanto falava ao telefone com Zöe.
- Você parece um cachorro, falta só abanar o rabo. - Castiel zombou.
- Você nem imagina o quão aliviada eu tô!
- Mas eu te daria a vaga de qualquer jeito…
- Não é essa a questão. - Ela se virou para Castiel com um sorriso no rosto. - Você viu como Tony disse que eu sou eficiente?
Castiel arqueou uma sobrancelha.
- O que é? Você ficou afim dele ou algo assim?
- Que?! - Lola gargalhou. Sinceramente, aquilo nem havia passado pela sua cabeça. - Não! Eu só estou feliz por ter sido elogiada! Conseguir o trabalho por merecer… - Ela olhou para suas mãos como se tivesse poderes. - Enfim, Lis vive me dizendo que tenho mãos rápidas. Acho que ela está certa, afinal.
- Bem, eu fiz todo o trabalho duro… - O garoto cruzou os braços e bufou.
A de cabelos vermelhos deu um soquinho em seu ombro, tirando do garoto um meio sorriso.
Os dois ouviram o barulho da pequena moto de Zöe de longe, o que significava que ela já estava por perto.
De fato, alguns segundos depois do barulho do motor, um mar de cabelos pretos virou a esquina. A morena estacionou rapidamente a motoquinha do outro lado da rua e foi quase que correndo até os amigos.
- Lola, me diga que você conseguiu a vaga! - Ela chacoalhou a menor pelos ombros com força.
Lola balbuciava, com dificuldade para falar por causa de todo o movimento.
- Nós dois conseguimos. - Castiel respondeu no lugar da agora colega de trabalho.
Zöe arregalou os olhos.
- Sério? - Ela puxou os dois para um abraço. - Que bom! Parabéns!
Castiel corou com a cabeça apoiada em um dos ombros da garota e limpou a garganta.
- É só um trabalho, não fique tão assanhada…
- Desculpa... - Zöe soltou os dois ruivos. - É que estou tão feliz por você! - Ela deu vários beijinhos no rosto de Lola.
- Eeeeca! - A menor zombou, empurrando de leve a amiga. - Foi mal, mas eu não gosto de você assim, Zee...
As meninas começaram a gargalhar enquanto Castiel observava aquilo com um sorriso fraco nos lábios.
- Vou indo. - Ele anunciou. - Se divirtam com… sejá lá o que vocês estão fazendo.
- Tchau, Castiel. - Lola acenou.
- Até amanhã! - Zöe imitou o gesto.
Depois de algum tempo em silêncio, as meninas foram para a scooter, prontas para irem embora.
- Agora temos que revisar para as provas de amanhã. - Zöe suspirou. - O dia vai ser puxado pra você hoje.
- Sabe, Zöe... - Lola sorriu, deitando a cabeça sobre o ombro da amiga. - Pode até ser, mas eu estou contente de qualquer jeito.
A maior sorriu, aliviada, e ligou a moto, as levando ao seu destino.
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