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História Perdoe minha inocência - Culpa não sentida


Escrita por: noitepensante

Capítulo 10 - Culpa não sentida


Lizzy é uma menina boa. Sempre soube disso, afinal, convivemos juntos desde a infância, entretanto, nunca parei para analisá-la diariamente. É extremamente gentil e delicada em tudo o que faz. Até mesmo trata seus serviçais como iguais. Preocupa-se com eles. É a única na família Midford que tem uma relação tão boa com esses; seus outros parentes não tem essa proximidade com os criados. Vejo a forma como sua mãe trata Tracy e como ela trata Tracy – são bastante diferentes. Sua mãe não tem paciência em prestar atenção no que a doce muda tenta dizer, enquanto Lizzy não descansa até entender gesto por gesto.

Sentados no sofá azul royal que tinha na sala de leitura – Lizzy lia o jornal de hoje e eu me pus a ler um livro que ela me recomendou -, olhei por cima do papel para ela; estava totalmente focada em sua leitura. Seu semblante parecia tão sério e concentrado que tive vergonha de interrompê-la. Confortei-me em simplesmente observá-la por um tempo.

Seus cabelos estavam tão longos. Soube disso por causa do coque mais volumoso que tinha. Ela não mais usava maria-chiquinha.

- Por que não usas mais o cabelo como antigamente?

Elizabeth cessou a leitura e me deu um sorrisinho presunçoso.

- Nina Hopkins me disse que não tinha mais idade de usá-lo daquela forma. Sou quase adulta.

É verdade. Lizzy era um ano mais velha que eu; estava prestes a completar dezoito anos. Nem parecia. Até porque não foram mudanças tão bruscas em sua aparência. Seu rosto havia se tornado mais maduro, contudo, ainda apresentava traços infantis. Seus olhos verdes ainda me lembravam de seus olhos verdes daquela menina que brincava comigo quando pequeno. Ainda conseguia ver uma chama juvenil faiscando dentro das íris fulgantes. E sei que mais pessoas também conseguiam ver isso.

- Tolice – comentei. – Deverias usá-lo da forma que desejares.

- Tu gostavas mais da outra forma? Não queres que eu pareça mais velha agora? Imagine se nos casarmos comigo daquela forma... Ainda parecendo uma adolescente – ela riu. – Seria muito estranho. Não achas?

- Estranho não seria tu se pores a fingir ser mais madura do que realmente és?

A Lady me olhou com um certo desencanto. Esperava que eu a enaltecesse, entretanto, não poderia fazer isso. Não quando minha verdadeira opinião ia de combate àquilo que era imposto. A filha do marquês ficou me fitando teimosamente até sair outras palavras de minha boca.

- Lizzy, acho-te linda de qualquer forma. Só penso que não deverias te forçar a agir de jeito que não condiz com tua personalidade. Uses teu cabelo da forma que achar melhor. O que busco em ti não é uma expressão madura, e sim uma companheira com quem posso contar.

- E se eu quiser crescer? – Retrucou, ajeitando-se no sofá. – Ciel, não sei por que tu pensas que és o único que pode mudar. Por que não enxerga que todos nós mudamos? Eu mudei. E realmente sinto muito se isso te magoas, porém, não há nada que possa fazer para reparar isso. Não posso mais ser àquela garota boba que morreria por ti sem hesitar.

Elizabeth se levantou, deixando o jornal cair de seu colo. Vi em seu rosto mortificado uma mistura de tormento e descontentamento. Comecei a me arrepender no momento em que ela virou as costas para mim e se pôs a se retirar da sala.

- Lizzy, não se vás. Sabes que eu não falei com intenções ruins.

Ela parou e virou o rosto.

- Sei disso, Ciel - sua voz soava tristonha. - Mas, de vez quando, tu falas coisas que magoam muito. Falas mesmo sem nem perceber. E, às vezes, não dá para disfarçar o quanto doeu.

Levantei-me e me encaminhei até ela. Peguei em sua mão. Embora não tenha rejeitado o toque, não me permitiu fazer contato visual, olhando para a janela em vez de meus olhos.

- Eu não percebo mesmo. Minhas palavras são ditas como tiros de arma, rápidas e certeiras. Não penso muito nos outros. Perdão por não saber como tu se sentias. E peço perdão pelas vezes anteriores que te magoei. Não aja assim, Lizzy. Prestes atenção no que falo. Não vires a cara. Nossa relação não pode ser construída comigo te pedindo perdão e tu virando a cara dessa forma.

- Não estou virando a cara – replicou.

- Sinto como se estivesse falando com as paredes quando tu não me olhas diretamente.

Elizabeth me encarou. Seus olhos estavam fixos e diretos nos meus. Pude até mesmo ver meu reflexo refletido neles.

- Assim está melhor. Obrigado.

Lizzy entrelaçou seus dedos nos meus.

- Fazia tempo que não ficávamos tão próximos. Faz meses que não nos vemos! – Concordei com um aceno de cabeça. Seu entusiasmo repentino me deixou aliviado, sorri sem perceber. – Ciel...

Olhei para seu rosto animado. O sorriso tinha congelado em seus lábios. Sabia como Lizzy deveria estar se sentindo. Sua euforia era tão grande que nem mesmo encontrava palavras para tal. Deixei-a em silêncio, parecia-me a melhor escolha. Eu mesmo não sabia muitas palavras de afeto que poderia recitar no momento, embora o instante pedisse por algum carinho de minha parte. Deveria ter decorado alguns sonetos de Camões antes de vir.

Então decidi a abraçar.

A hesitação enquanto fazia era tão grande que demorei a circundar meus braços por seu corpo todo. Esperei mais alguns segundos para alguma reclamação da parte de Lizzy, porém minha noiva me abraçou de volta. Seus braços estivessem totalmente cobertos por mangas longas roxas do vestido que usava, a sensação daqueles frágeis e alvos braços me tocando era como se estivessem despidos. Pude quase sentir sua pele na minha, mesmo com minhas camadas de roupas.

Seus braços eram tão finos que poderia quebrá-los com imensa facilidade. Tive receio de que qualquer ato brusco que fizesse poderia despedaçá-los.

Com isso, apertei-a um pouco, todavia logo parei. Tive medo de quebrar algum osso seu. Lizzy parecia uma boneca de porcelana que tinha de tomar cuidado para não quebrar. Seu corpo era tão precioso que era, para mim, intocável.

Ela, em resposta, apertou-me mais, aproximando-se mais de mim. Pedi internamente que parasse agora. Quase pude sentir seus ossos de vidro se fraturando.

- Pare... – Falei em tom baixo. Tão baixo que duvidei que tivesse escutado.

- O que dizes?

- Nada – afastei-a. – Acho que é demais, não acha? Não quero ultrapassar os limites e te envergonhar.

- Eu estou te permitindo fazer isso. Não está me envergonhando de forma alguma. Aliás – ela se aproximou novamente -, esqueceu-se de que já nos beijamos uma vez?

Desejo por um instante que ela não tenha conseguido ver minha face se avermelhar, pois se não perderei o respeito que tenho por mim mesmo. Viro-me e volto a me sentar no sofá, com o jornal que ela estava lendo para cobrir minha cara. Não quero ter de lhe responder essa pergunta. Sim, eu lembrava. Lembrava muito bem na verdade.

- Na minha festa de dezessete anos – falou sua voz delicada, aproximando-se. Apertei o jornal mais contra meu rosto. Nem mesmo conseguia focar nas letras impressas nele. – Vai fazer já um ano, Ciel. Tu acreditas?

Na festa de dezessete da Lizzy no ano passado seria um exagero dizer que foi na festa. Esta já havia terminado; os últimos convidados que haviam restado na festa já tinham saído. Eu disse que partiria também e me despedi dos pais dela e de Elizabeth, que alegou que iria para a cama. Mas a verdade é que tínhamos combinado nos encontrar perto do lago. E mesmo fazendo frio, caminhamos por entre o território dos Midford – que não tão pequeno quanto o meu -, comentando sobre a festa e ela estava falando sobre quão estranho era ser mais velha do que eu. Até que chegou um momento em que paramos de falar. Completamente em silêncio, continuamos a circundar o terreno, até que nossos pés nos levaram para as portas da mansão. E antes dela entrar, olhamo-nos, como se já soubéssemos o que estava prestes a acontecer.

E sem fazer nenhum som, pus minha mão em seu queixo e nos beijamos.

Não poderia me esquecer de uma madrugada tão inesquecível essa que tivemos nosso primeiro e único beijo.

Pensei em muitos momentos repetir o ocorrido, porém sempre quanto estou com Lizzy, parece nunca ser a hora certa que nem o primeiro. Não parecemos tão tentados a fazê-lo. Não se tem àquela aura romântica e sensual que se havia formado no ar. Óbvio que houve mais momentos que estivemos às sós que era realmente instigante uma aproximação de lábios, entretanto, também parecia terrivelmente errado. Essa é a minha conclusão para nunca termos sequer comentado sobre aquilo por muito tempo: precisa-se de um momento exato.

- Não parece fazer tanto tempo assim.

E realmente não parecia, embora tenha sido há quase um ano. Lizzy e eu nos víamos mensalmente, porém com trabalhos a fazer, viagens que ela tinha de realizar com os Midford e Daisy. Todos esses motivos contribuíram para a construção de um longo período que não nos vemos.

- Essas palavras só servem para ti – disse, ao sentar ao meu lado. – Por que faz tanto tempo que não fazemos nada?

- Faz tempo que não nos vemos.

- Não deixa de ser verdade – concordou, mas ainda havia algo que queria falar. Dava para perceber em sua voz. – Por que nunca mais nos beijamos, Ciel?

- Vens perguntar isso agora?

- Sempre quis te perguntar isso! – Elizabeth retrucou com certa irritação. – Mas nunca tu nunca pareces inclinado a discutir sobre isso. Então tive de ficar esperando tua pessoa tocar no assunto. Agora vejo que fui uma idiota, pois tu és um frouxo, Ciel. Um frouxo ou não me desejas como mulher. Por favor, nem me olhes dessa forma; não estou proferindo nenhuma mentira.

O pior é que estou tão espantado que nem mesmo sei a expressão que estou fazendo nesse momento. A Lady continuava a me olhar de modo acusatório. Em seus olhos verdes pude ler que queria uma resposta. Correção: exigia-a. E eu entrei em um pânico interno por breves segundos. Não sabia o que ela queria que eu a respondesse. Então, pensei um pouco. Em seguida, parei de pensar, porque Lizzy havia colado seus lábios nos meus.


          X-X


É boa a sensação de beijar. Descobri que realmente gosto muito de beijar. Até agora só havia feito isso uma vez, então não tinha muito a dissertar, porém depois de consecutivas vezes com Lizzy na biblioteca, posso falar finalmente que é algo que gostaria de passar o tempo todo fazendo. Finalmente entendo os quão aqueles desleixados se divertem nos bordeis. Então se apenas a preliminar já é tão deliciosa assim, nem consigo saber como é próprio ato sexual.

Não pude deixar de sair da biblioteca com um sorriso estúpido na cara. E quando cruzei um corredor encontrei logo Sebastian, que, pelos seus olhos acusadores já percebeu que algo estava diferente comigo.

- Pares de me olhar. Faças alguma coisa de útil.

Entretanto ele não se moveu e também não falou nada, simplesmente ficamos estáticos olhando um para o outro, com os seus olhos destruindo a minha tentativa de criar uma aura indiferente. E, sem precisar me forçar a nada, somente com a penetração do olhar em minha alma, fez-me confessar o motivo pelo qual estava me comportando distintamente.

- Eu e Lizzy nos beijamos.

 Sebastian repuxou os lábios em um sorriso morto em sua boca. Seus olhos se arregalaram um pouco. Ficou surpreso por um momento.

- Então finalmente deu seu primeiro beijo, Jovem Mestre?

- O quê? Claro que não. – Sebastian não estava querendo acreditar, o que me irritou. – Não estou mentindo. O que pensas que sou?

 - Um mentiroso.

Pior que não poderia refutar isso. Em minha vida, menti e corrompi várias vezes. Não sou nem de longe uma pessoa com escrúpulos. E usei Sebastian como meu cúmplice inúmeras vezes, por isso não poderia contrariá-lo se ele me chamar de mentiroso. O maldito demônio sabe disso. E vejo que o motivo dele estar sorrindo agora é porque me deixou sem escapatória de sua acusação, ou melhor, afirmação.  Estive muito ocupado com a princesa para compartilhar um tempo com Sebastian, agora que estou fugindo dela, nossa relação de gato e rato retornou. Sinceramente não sei se senti saudades disso.

- Era algo muito pessoal de nós dois. Foi um momento muito especial e mágico, então supôs que Lizzy quisesse fazer segredo dele, portanto, não te contei.

- Mesmo eu já tendo contado tantos segredos ao Jovem Mestre – comentou em tom de brincadeira. – Quanto egoísmo. Não lhe conheci assim.

- Verdade; tu me conheceste pior.

- Se é assim que o senhor pensa.

Ele fez uma reverência e estava prestes a me deixar, porém o parei.

- Como assim? Não achas que melhorei com o passar dos anos?

Sebastian parou de sorrir por um momento. Engoli em seco. Era raro vê-lo sem seu sorriso falso costurado na face pálida, por tal fato, sempre quando não o via em seu rosto, enrijecia meu corpo de tensão.

- Acredito que cortejar a mulher de outro, sendo que tem sua própria para fazê-lo, não é uma atitude tão nobre assim. E depois ainda se alegrar por tem conseguido um beijo de sua mulher. Não acha que está sendo muito salafrário, Jovem Mestre?

- Mas ainda não achas que é melhor do que sujar tuas as mãos com sangue de inocentes?

- Eu sou um demônio e temos um contrato. Farei tudo o que senhor desejar. Não me arrependo de nada que o senhor me mande fazer, pois não tenho escolha senão obedecê-lo. Não me entristeço com morte alguma. Agora o senhor, Jovem Mestre, o senhor que não tinha salvação por fazer um pacto com o demônio, simplesmente não terá redenção divina nenhuma, pois é um assassino. Sujar suas mãos com sangue não significa quase nada para Ele quando a pessoa é ordenada a isso, agora a pessoa que mandou é a que mais sofre penitência.

Seus olhos carmesins pareciam brilhar enquanto falava.

- Pense sobre suas atitudes, Jovem Mestre. Pode ser que ainda seja tempo de ter uma vida direita – ele fez outra reverência. – Agora, se me der licença, preciso ir. Se precisar de conselhos sobre Lady Elizabeth, não tenho nenhum problema em dá-los.

Sem esperar que dissesse mais alguma coisa, Sebastian se foi. Não me movi de imediato, Permaneci no mesmo lugar, pensando por mais um tempo. Sebastian não costumava dar lições de moral. Ele é um demônio; não tem nem sentido fazer tal coisa. Mas me tocou mais do que qualquer padre poderia ter tocado. Não dava para acreditar que escutava justamente as palavras de um demônio. É quase inacreditável minha falta de escrúpulos.  

- Por que então não me dá conselhos? - Perguntei para o corredor vazio.

E, em um momento delirante, eu realmente esperava ouvir respostas. Talvez porque seja incapaz de resolver meu problemas sozinhos. Se quer garantir que a independência de uma pessoa nunca exista, deixe-a pensar que tem alguma. E tudo que tive foi pensamentos e devaneios de grandeza.

Não estive vivendo. E esse foi o jeito mais rápido de existir até agora.






Notas Finais


Acredito que esse tenha sido um capítulo curto, então sinto muito. Não me senti tão inspirada em fazê-lo.

Sem desculpas a dizer. Juro que irei terminar a história. Agradeço quem está lendo, comentando e favoritando, muito obrigada por isso. O próximo capítulo deve sair antes do fim do ano. Senão, boa festas a todos vocês.


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