História Predestinado - O ponto de mudança

Jin acordou sobressaltado. Olhou para o relógio no criado-mudo e se apressou. Estava super atrasado. Enquanto corria para o banheiro e tomava uma ducha, perguntou-se onde estava TaeHyung – que havia dormido com ele na noite passada – e por que, diabos, o garoto não o acordou.

Ele se vestiu e desceu as escadas correndo, indo para a cozinha.

- TaeHyung – ele chamou, esperando ver o amigo lá, já acordado. Eram 10h da manhã, afinal de contas.

A cozinha estava vazia. Havia uma garrafa térmica e um prato com omelete em cima da mesa, e um pequeno bilhete, rabiscado com a caligrafia de TaeHyung – “Hyung, fui trabalhar. Preparei o café da manhã. Lembre-se de esquentar a omelete antes de comer”.

- Mas que porra... – Jin acabou xingando sem querer – ‘Foi trabalhar’???

Jin pegou o celular e ligou para TaeHyung, ao mesmo tempo em que colocava a omelete no micro-ondas e se servia de uma xícara de café. A ligação chamou durante uns minutos antes de finalmente cair na caixa postal. Ele olhou para o relógio e se apressou, iria precisar conversar com TaeHyung quando voltasse para casa. Engoliu rapidamente o café e desceu até a garagem, dando partida no carro e indo para o hotel.

Quando chegou no trabalho, as pessoas pareciam mais apressadas do que o usual.

- Bom dia, Sr. Kim – cumprimentou a recepcionista.

- Bom dia, Srta. Do – ele respondeu, aproximando-se – O que está acontecendo aqui hoje?

Ela sorriu – Uma coisa ótima aconteceu essa manhã – respondeu – Sr. Dong Sun irá explicar o que houve.

Jin agradeceu e se dirigiu até sua sala, localizada no prédio administrativo que ficava ao lado do hotel em si. Subiu até sua sala e encontrou o colega já o esperando.

- O que? – perguntou Jin.

- Nós podemos pular o café da manhã e irmos direto para o espumante? – Dong Sun perguntou de volta, sorrindo.

- Você poderia me atualizar com o que está acontecendo, pelo amor de Deus? Eu me atrasei por 2 horas e parece que eu não sou mais o diretor dessa empresa.

- Chefe, nós iremos ficar ricos! – Dong Sun gritou, incapaz de segurar a emoção – Iremos lucrar e ficar ricos!

- Pare de gritar, seu louco.

Dong Sun se aproximou e agarrou os braços de Jin, chacoalhando-os.

- A gerente de projetos fez muito, muito, muito mais do que a parte dela do combinado – explicou – Ela nos divulgou para outras empresas de eventos e só essa manha já recebemos dez ligações de lugares diferentes.

Jin ficou boquiaberto e agarrou os braços do colega, apertando-os. O sorriso ficava cada vez mais largo.

- Dong Sun... – Jin começou – Vamos sair do vermelho.

Dong Sun sorriu e os dois começaram a dar pulinhos de alegria, parecendo duas crianças animadas com um brinquedo novo. Eles se separaram e começaram a trabalhar. Dong Sun o atualizou com os detalhes de cada cliente e eles começaram a trabalhar nos projetos, passando trabalhos para os departamentos responsáveis e fazendo contato direto com os gerentes de projetos de cada lugar, para definirem os eventos. Dong Sun não voltou para a sala própria no dia, ao invés disso, passou a manhã e à tarde na sala de Jin, que arranjou um espaço para que o colega pudesse apoiar seu notebook e trabalhar.

- Entendo, então vocês querem alugar nosso centro de convenções para realizarem um Congresso aqui em Seul – Jin estava na linha com o último cliente da lista – Sim, o espaço comporta 300 convidados tranquilamente.

Jin olhou de relance para o colega, que havia se levantado para alongar o corpo. Dong Sun terminou suas últimas anotações e começou a apressar Jin, fazendo gestos que indicavam que ele queria sair para beber. Jin fez uma careta e voltou a atenção ao cliente.

- Nós podemos fazer um desconto de acordo com o número de convidados que você conseguir convencer a se hospedar no hotel no dia do evento – Jin continuou a proposta – E nós já possuímos o material básico para a montagem de eventos desse porte, como iluminação, som, e etc., o que já ajuda a diminuir o custo. Gostaria de agendar uma visita para averiguar o espaço e ver se é do seu interesse?... Ah sim, ótimo! Irei transferir a ligação para minha secretária então, e ela irá deixar os horários combinados... Perfeito, agradeço o interesse. Até mais.

Jin desligou o telefone e se levantou, alongando seu corpo e olhando para seu relógio de pulso. Já era 17h da tarde. Ele tinha mais duas horas para terminar as tarefas do dia.

- Vamos beber, chefe – reclamou Dong Sun, quando viu que Jin não iria sair – Precisamos comemorar.

- Você pode levar o pessoal e ir – Jin respondeu, voltando-se a sentar e analisando os relatórios financeiros. Precisava saber quantos clientes precisava atender até conseguir obter seu primeiro lucro e sair da falência – Preciso terminar uns cálculos aqui e depois disso vou direto para a faculdade. Não posso beber antes de ir para a aula. Mas você pode levar o pessoal, vocês merecem, afinal de contas.

- Qual é, Jin. Dá para você agir como um jovem irresponsável de 21 anos uma vez na vida?

- Quando eu tiver tempo.

Dong Sun ficou impaciente, aproximou-se da mesa de Jin e espalmou as mãos na superfície de madeira, fazendo barulho. Jin olhou para o rosto do colega, totalmente surpreso.

- Kim Seok Jin, eu estou num péssimo humor. Meu namorado terminou comigo e eu ainda nem tive tempo para processar isso. Preciso de uma bebida forte e a única pessoa com quem eu posso desabafar é com meu chefe que é 5 anos mais novo do que eu. Eu já pareço patético o suficiente, então não me faça usar o fator idade contra você.

Jin engoliu em seco, completamente apavorado com aquela versão desconhecida do colega.

- Eu vou ficar só no chá – Jin respondeu.

Dong Sun se afastou e sorriu amplamente.

- Perfeito! Vamos.

                                                                           ***

O lugar em que eles foram não ofereciam chá. Jin contentou-se com um americano e aproveitou o tempo em que Dong Sun estava fazendo o pedido para enviar uma mensagem para TaeHyung. “Vou para a faculdade hoje à noite e voltarei no horário normal. Me espere acordado, pois precisamos conversar”.

O bar em que eles foram ficava perto da universidade de Jin. Era um ambiente alternativo e descontraído e estava cheio, mesmo sendo o período da tarde de um dia de semana. O cardápio era enorme, mas aparentemente, ninguém ia lá para pedir chá. Eles se sentaram em uma mesa no canto, de frente um para o outro.

- Então eu posso alugar os seus ouvidos até às 19h, certo? – Dong Sun perguntou.

- Certo. Sou todo ouvidos até às 19h. Depois disso irei me levantar e ir para a aula, porque preciso estudar.

Dong Sun sorriu e levantou o copo de cerveja, brindando-o no copo de plástico de Jin.

- Então você terminou com seu namorado – Jin começou – Faz quanto tempo? Que vocês estavam namorando e que vocês terminaram?

- Não está surpreso por ser um namorado ao invés de namorada? – Dong Sun perguntou.

Jin balançou a cabeça.

- Na verdade, estou surpreso por você ter alguém que te ature – ele respondeu, brincando.

Dong Sun deu um soquinho no braço de Jin, meio aborrecido e meio divertido com o comentário.

- Nós estávamos juntos há 5 anos – ele começou – Éramos melhores amigos. O conheci na faculdade e começamos a namorar no segundo ano. Ele é tão bonito, chefe. Se você o conhecesse, iria o achar maravilhoso.

- Você ainda parece gostar muito dele – Jin observou – Por que vocês terminaram? 

Dong Sun suspirou profundamente, e tomou um gole de cerveja antes de responder a pergunta de Jin.

- Ele disse que o relacionamento esfriou. Que já não era mais a mesma coisa de antes e que eu não dava atenção o suficiente para ele. Mas o que ele esperava? Era ele quem sempre inventava uma desculpa esfarrapada para todos os meus convites para sair ultimamente e nunca estava livre. Então ontem eu descobri o real motivo. Ele encontrou outra pessoa. Estava abraçado com ele depois de 2 dias em que terminamos. Eu estou com tanta raiva.

Dong Sun abaixou a cabeça e a apoiou na mesa, num sinal de frustação, e suspirou novamente. Jin estava meio apavorado pois não sabia o que fazer. Nunca havia passado por uma situação semelhante – nunca tinha namorado antes, para dizer a verdade. Apenas dera uns beijos em algumas garotas, mas a sensação não foi das melhores – e não sabia dar conselhos. Seu colega parecia arrasado e ele estava admirado por ele ainda ter cabeça para conseguir trabalhar plenamente, mesmo apesar de toda essa confusão.

Jin arriscou fazer o gesto que costumava fazer para acalmar TaeHyung e levantou sua mão até o cabelo de Dong Sun, e deu umas palmadinhas em sua cabeça, tentando confortá-lo. O gesto que Jin sempre em TaeHyung era diferente, mas achou que seria íntimo demais fazer isso em um colega de trabalho.

- Você deve estar tendo um tempo difícil – Jin respondeu – Não entendo o que você está passando exatamente, mas imagino que não deve estar sendo nada fácil. É um relacionamento realmente longo. Vocês tinham outros planos para o futuro? Casamento e tals?

Dong Sun apenas balançou a cabeça, concordando. Jin fez uma careta, não estava se sentindo confortável e estava fora de sua zona de conforto.

- Bem, isso torna o processo um pouco mais doloroso – respondeu, coçando a cabeça com a mão livre – Imagino que deve estar sendo difícil para você. Foram muitas histórias e tenho certeza que vocês cresceram juntos em muitos aspectos, independente de como foram os últimos dias. Acho que você pode ficar bravo e revoltado por esse momento, o que é totalmente compreensível, mas tenho certeza que você vai superar. Porque, afinal de contas, você ainda é jovem e é bonito, qualquer homem gay gostaria de você.

Dong Sun levantou a cabeça, com os olhos vermelhos e marejados.

- Você acha mesmo que eu sou bonito, Jin? – ele perguntou, fungando.

- Claro, claro – ele respondeu, afastando sua mão – Esse é o seu momento de descobrir coisas novas e aproveitar até o momento em que você irá se apaixonar de novo.

Jin não estava dizendo isso para consolar o amigo, ele estava sendo totalmente sincero. Dong Sun tinha 26 anos e estava na flor da idade. Ele era alto, atlético e bonito, com olhos astutos e um sorriso largo. Além de ser super esforçado e inteligente. Não era à toa que era Vice-Diretor tão novo.    

- Você acha que eu vou conseguir me apaixonar de novo? – Dong Sun perguntou.

- O que você está dizendo? É claro que vai.  

- Eu não sei – choramingou – Mesmo com tudo o que aconteceu, não me imagino conseguir me apaixonar por mais alguém.

- Ei, isso tudo ainda está muito recente. Dê um tempo nessa situação toda. Você ainda está com um trauma pelo modo como tudo isso terminou. Vai dar tudo certo, confie em mim.

- E se não der, Jin?

- Bem, se não der, você pode sempre me chamar para encher a cara e desabafar.

Dong Sun deu uma pequena risada e terminou de beber a garrafa de cerveja. Ele pediu mais duas e adicionou algumas doses de soju antes de finalmente ficar bêbado e Jin o mandar para casa dentro de um táxi que dirigia ali por perto. Ele relanceou seu relógio de pulso. Iria chegar atrasado, mas estava tranquilo com isso. Ficou feliz de poder ajudar o amigo.

Jin admirava seu amigo. O admirava por ser um profissional incrível e agora o admirava ainda mais por sua experiência pessoal. E por saber lidar com esses dois polos divergentes em harmonia e sem deixar isso afetar qualquer uma das áreas. Jin não tinha certeza se iria conseguir fazer o mesmo que Dong Sun. Não sabia se iria conseguir manter o humor elevado apesar das frustações e esperava que nunca precisasse passar por aquilo. Ele nunca havia se relacionado seriamente com outra pessoa antes, pois sabia que o jeito que levava sua vida não o permitia fazer isso. A situação piorou quando o assumiu o cargo de Diretor e quase não tinha tempo para ele mesmo, quem dirá ter tempo para cuidar de uma outra pessoa, onde ele iria ter que fazer planos de sair algumas vezes com ela em um encontro ou até mesmo viajar. Não mesmo. A agenda de Jin e o objetivo que ele tinha em mente não o permitiam sequer imaginar começar um relacionamento com alguém.

Chegou 30 minutos atrasado na aula. Sentou-se em seu lugar de costume e focou sua atenção na matéria sendo ministrada. A aula era sobre a importância da hospitalidade, não apenas no âmbito hoteleiro, mas no âmbito profissional, e como a hospitalidade deveria se tornar uma filosofia de vida para muitos, principalmente para aqueles que trabalhavam na área de serviços. Jin concordava com o que era dito, e pensou que seria interessante realizar um treinamento com os funcionários para instruí-los a fazerem o mesmo. Os professores gostavam de Jin, principalmente porque sabiam que ele atuava no ramo – apesar dele sempre manter oculto o seu cargo – e sempre trazia situações reais do mercado para serem utilizadas como exemplo.

A aula terminou mais cedo e eles foram dispensados. Eram 22h quando Jin chegou no apartamento e encontrou TaeHyung na cozinha. Ele estava esquentando a água e havia dois potes de macarrão instantâneos abertos, prontos para receberem a água fervente. TaeHyung ficou surpreso ao se virar e dar de cara com Jin parado ali, observando-o.

- Hyung – ele cumprimentou, sobressaltado – Bem-vindo de volta. Chegou cedo hoje.

- Estou de volta – Jin respondeu – A aula terminou mais cedo hoje.

- Você já jantou? – perguntou, indo para o armário e pegando mais dois potes de macarrão.

Jin se sentou na mesa e continuou observando enquanto TaeHyung adicionava mais água no bule.

- Não – ele respondeu – Ainda não jantei. E você, por que está jantando tão tarde?

TaeHyung virou o rosto para ele e sorriu com o canto dos lábios.

- Acabei de chegar em casa – ele respondeu, e se sentou na cadeira do lado de Jin – Tomei um banho e vim esquentar a água. 

- E por que você chegou em casa tão tarde? Tem a ver com o seu ‘trabalho’?

- Sim – TaeHyung respondeu animado, não percebendo o tom de Jin.

- Que trabalho? Por que você não me avisou antes sobre isso? Para que você está trabalhando? Está faltando alguma coisa para você aqui nesta casa?

- Você parecia cansado ontem, por isso decidi não te incomodar. Esperei para contar quando você estivesse mais tranquilo.

- Bem, eu estou totalmente tranquilo agora – Jin abriu os braços, num gesto que indicava que ele estava totalmente apto para uma conversa longa – Você já pode me contar.

- Bem... – TaeHyung coçou a parte de trás de sua cabeça, meio envergonhado – Eu realmente gostei daquela câmera que você me deu sabe? 

- Sim...?

- E eu estava navegando na internet um dia desses quando vi que uma famosa escola de fotografia está com uma promoção para um curso de fotografia que tem duração de dois anos. A mensalidade está pela metade do preço e eles isentaram a taxa de matrícula. Eu me matriculei e preciso trabalhar para pagar as mensalidades, mesmo que elas estejam pela metade do valor original, ainda assim é um valor que precisa ser pago. Sendo assim, eu fui em busca de empregos e consegui um como ajudante de cozinha em um restaurante aqui próximo. Comecei hoje.

TaeHyung disse tudo isso num fôlego só, e Jin precisou assimilar cada palavra antes de realmente entender o que se passava. Quando a história ficou entendível, Jin ficou realmente chateado.

- E por que você não me disse isso antes? – ele perguntou – Eu poderia pagar as mensalidades para você sem problemas e você não iria precisar trabalhar desse jeito.

- Eu não poderia aceitar isso de jeito nenhum, hyung – TaeHyung respondeu, totalmente sério – Eu já tenho o luxo de não precisar me preocupar com casa e comida. Não posso depender de você para algo que é do meu interesse. Vou acabar ficando mal-acostumado e dependente.

Jin refletiu sobre o que o amigo acabou de dizer, e admitiu que ele tinha razão.

- Se é algo que você realmente deseja, então eu estou tranquilo em relação a isso – ele respondeu, suspirando – Mas caso você passe por quaisquer dificuldades, espero que eu seja o primeiro a saber.

TaeHyung sorriu amplamente, e Jin sentiu uma pontada no peito. Seu sorriso quadrado o fazia lembrar de coisas felizes e Jin sorriu em reflexo. Era a primeira vez que TaeHyung sorria desse modo desde que chegara no apartamento e isso quase levou Jin às lágrimas.

- Você é o melhor, hyung – TaeHyung apertou as mãos de Jin e as balançou para cima e para baixo, totalmente animado – Você será o primeiro a saber de tudo, prometo.  

Jin estava prestes a respondê-lo quando o bule apitou, indicando que a água havia fervido.  O amigo pulou da cadeira, e foi preparar os macarrões. Jin apenas observou enquanto ele cantarolava e se balançava, e deu um sorriso largo, orgulhoso do garoto.