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História Predestinate - As lágrimas de Annelise Palmer.


Escrita por: canon e somerz

Notas do Autor


E aí gente, capítulo grandinho só pra compensar o sumiço pode? Pode sim né! Preparadas? Então boa leitura, nos vemos nas notas finais.

xx

Capítulo 15 - As lágrimas de Annelise Palmer.


⇝ ❇ ⇜

 

Point Of View of Justin Bieber

 

A luz que provinha da luminária era fraca e quase falha, sendo capaz de iluminar precariamente apenas um ponto do ambiente. O qual meus olhos se mantinham fixos e insistentes. Mas bastou um mínimo segundo de distração para que a luz voltasse a sua intensidade normal, provocando certa intolerância em minhas retinas já acostumadas com a baixa claridade. Não era algo difícil de se fazer, não necessitava gozar de uma grande habilidade para canalizar a energia de uma lâmpada e deixa-la na proporção que quisesse. Era instintivo. O difícil era manter o foco quando um simples e inofensivo ser – mesmo dormindo – conseguia distrair-me apenas com a leveza da respiração. Bufei descontente. Aquilo não era bom, mas eu precisava saber o que tanto me atraía naquela garota.

Brooke estava dormindo, eu tinha tido o cuidado de leva-la para seu quarto e aconchega-la sobre sua cama. Permaneci ali por alguns minutos, observando atentamente aquela figura de pele alva, sendo possível distinguir os caminhos azulados que as veias faziam em algumas partes específicas do seu corpo, o qual eu tive o enorme prazer de experimentar. E para a minha infelicidade, algo que eu nunca achei que fosse possível, fora despertado em algum lugar inconveniente do meu corpo, algo que, até aquele ponto da minha existência, eu achava impossível sentir por alguém: curiosidade.

Brooke me deixava curioso.

Uma curiosidade que eu sabia que acabaria assim que lhe provasse, assim que lhe fizesse minha por uma noite. A curiosidade, de certo modo, esteve ali desde que vi o azul de seus olhos pela primeira vez, malditos olhos claros que iam contra tudo o que costumavam dizer. Se diziam que quanto mais claro um olhar, mais fácil era enxergar a sua alma, Brooke definitivamente era uma exceção a regra. Eu não conseguia saber nada além do que ela queria transparecer.

Brooke me deixava frustrado.

Se seus olhos já me davam motivos o suficiente para criar uma atração inusitada entre nós, beija-la ultrapassava o inacreditável. Brooke atiçou em mim uma necessidade indescritível de repetir aquilo de novo, e de novo, e de novo. E depois ir além, muito além.

No entanto, quando eu finalmente a fiz minha entre quatro paredes, as sensações, todos aqueles sentidos que ela despertava em mim, me dominaram por completo. Vê-la rompendo sua inocência comigo, perdendo o ar de menina e ofegando como mulher, me surpreendeu de uma maneira como se eu já não fosse mais dono de mim. E aquilo me incomodou profundamente, tudo porque eu havia gostado, gostado demais.

Não era para ser assim, porque de todas as coisas que eu poderia abrir mão na vida, meu controle era o único que eu não perderia. Ela era apenas uma simples humana, que apesar de conseguir despertar em mim coisas inconvenientes que iam muito além do que um aperto dentro das calças, não era humanamente possível me fazer pertencer a alguém.

Suspirei em reprovação ao me dar conta de que tinha passado a maior parte da noite ali, observando-a desfrutar de um sono sereno. Seu corpo permanecia envolto dos lençóis avermelhados, contrastando com o branco de sua pele, enquanto seus cabelos espalhados fio a fio sobre a seda vermelha, eram realçados pela baixa luminosidade da luminária. Em um canto desprovido do escasso brilho da luz, eu me encontrava como um telespectador oculto, acompanhando a leveza do som proporcionado pelas batidas do seu coração.

O escuro era uma dádiva, os tons noturnos deixavam-me mais à vontade, a escuridão tinha ganhado um novo sentido. Eu gostava do silêncio que dela provinha, do mistério, das expectativas sombrias que se criam quando não se pode ver ou prever. Talvez eu me importasse tanto porque já estava envolvido a tal ponto de me identificar com o véu negro da noite, o qual nunca antes me pareceu tão acolhedor. A claridade não me chamava atenção, não havia subentendidos ou segredos a serem desvendados, tudo ficava profundamente exposto, sem graça.

E foi dessa maneira, vendo-a exposta a luz da luminária, que eu tive a mais drástica das percepções. A curiosidade permanecia ali, nítida e escancarada, me contrariando ferozmente.

Brooke me afetava.

Eu estava errado. A curiosidade não tinha passado, não imaginava que Brooke seria capaz de aguçar em mim uma fome deliciosamente suja. Eu ainda necessitava tê-la daquela forma íntima, vê-la se desfazer no mais intenso prazer, senti-la se unir comigo porque eu precisava das sensações, mas... Por quê?

Era só mais uma das minhas perguntas sem respostas relacionadas a Brooke Henderson. Um grunhido rompeu minha garganta, naquele momento eu não me importei se lhe acordaria, eu não precisava de respostas para conseguir o que eu queria, afinal, a questão era que eu precisava das sensações somente, deixar meu corpo obter seus instintos básicos, se aliviar. Sendo assim, poderia ser com qualquer uma, eu não precisava dela. Eu não estava perdendo o controle para ela.

Foi com esse pensamento que eu sai daquele quarto, para longe da fragrância de jasmim que impregnava o cômodo, que me dominava, que me enlouquecia. Estava decidido a não mais me martirizar com aquilo, não havia nada que eu pudesse sentir, a não ser prazer.

 

⇝ ❇ ⇜

 

Point Of View of Brooke Henderson.

 

Um certo incômodo tomou conta das minhas pálpebras assim que as abri. Pisquei algumas repetidas vezes até que pudesse enxergar com clareza meu reflexo no teto espelhado. Meu corpo parecia cansado, exausto, indisposto. Ergui os braços tentando me espreguiçar o máximo que podia, e percebi que meu físico não condizia com meu estado de espírito naquela manhã. Por dentro, um sentimento de plenitude se alastrava veemente, eu estava leve, como se estivesse acordado em um daqueles dias que você sente que a vida gosta de você. O sentimento era bastante agradável, e me fazia querer sorrir sem ter um motivo aparente.

No entanto, quando reparei mais atentamente em meu reflexo, percebi que tinha despertado em minha própria cama, coberta pelos lençóis avermelhados como se estivesse estado ali o tempo todo. Por um instante me senti tomada pelo mais primitivo pânico, considerando a hipótese de que tudo não passara de um fruto da minha imaginação, de um sonho. Durou pouco, entretanto. Havia uma folha branca sobre o criado mudo na companhia de um copo com água e um pequeno comprimido, franzi o cenho me sentindo perdida com tudo aquilo. A caligrafia disposta por uma caneta preta sobre a folha fora o suficiente para que eu enfim reagisse e pegasse o papel. Reparei que a primeira frase tinha sido descartada, pois estava completamente rabiscada e ilegível, dava para perceber que as frases tinham sido escritas com pressa, as letras eram charmosas porém pouco caprichadas, com a típica aparência de uma caligrafia masculina.

Brooke, deixei um remédio ao seu lado. Por favor tome! É um contraceptivo de emergência, pois não usei preservativo.

J.

Inicialmente o rubor e a adrenalina chocaram-se contra mim, precisei reler suas primeiras frases para me recordar de que de fato não tínhamos nos prevenido, o pânico que senti ameaçou voltar, foi como se mil golpes tivessem me atingido simultaneamente. Mas assim que o amargo do remédio se espalhou por minha língua, um alívio dispensou aquele misto de pânico e adrenalina. Respirei fundo, sentindo a calma retornar aos poucos para meu corpo, em seguida voltei a encarar o bilhete, passando as pontas dos dedos pelas palavras contidas na folha, como se pudesse imagina-lo tendo o trabalho de escrevê-las e deixar a folha ali. Minutos depois eu simplesmente achei que explodiria, pois tive a certeza de que tinha sido real. Justin e eu.

Meus olhos se fecharam por instinto quando minha mente pôs-se a divagar pelas lembranças da noite anterior, que ficara permanentemente gravada em minhas células. Eu me sentia arder de dentro para fora, não que arder por algo ou por alguém soasse como saudável, mas era exatamente assim que eu me sentia ao lembrar de nossos corpos conectados de forma tão íntima, tão... Prometedora.

Antes que minha mente se desligasse da realidade e me prendesse naquelas memórias deliciosamente tentadoras, caminhei até uma das janelas e afastei as pesadas cortinas para poder abri-la.

A claridade daquela manhã estava fraca, a brisa soprava em seu habitual frio cortante, nuvens acinzentadas se arrastavam pelo céu, impedindo que qualquer raio de sol banhasse Fort Gibson, deixando a aparência daquele dia não menos que sombria. Meus olhos percorreram o jardim, assistindo algumas gotas do orvalho reluzirem pela grama, o ar frio soprava manhoso contra meu rosto, levando alguns dos meus fios de cabelo para as minhas costas.

Depois de alguns minutos constatei que só havia a mim e Charles na casa, eu o segui para fora dos portões quando me senti entediada demais para ler, e curiosa para saber o que ele estava fazendo. Infelizmente, procurar por sinal no celular não era uma coisa muito interesse de se ver, e, nenhum de nós fazia o tipo falante, portanto o desenrolar de uma boa conversa não me parecia muito possível.

–– Não é mais fácil subir em uma árvore ao invés de ficar erguendo o aparelho de um lado para o outro?

Chaz me olhou por um instante, dando de ombros no segundo seguinte como quem dissesse, “só estou fazendo isso porque estou tão entediado quanto você”.

Sendo assim, comecei a reparar no que havia em volta de mim – não que existisse outras coisas a não serem folhas e troncos de árvore – mas o lugar era formidável de certa forma. Quando me dei por mim, já estava na parte de trás da casa, o muro que a protegia era bem alto, os tijolos estavam empretejados simbolizando os anos que se mantinham ali, imponentes. O que diferenciava aquela parte dos arredores, era a presença de um estreito caminho fluvial e uma espécie de cerca viva que parecia “delimitar” algum limite do terreno.

Me aproximei da pacata correnteza de água, o som que ela fazia era mínimo, mas audível. Era possível enxergar o reflexo do meu rosto, mesmo que distorcidamente, sobre a água límpida e transparente, e por alguma razão, eu permaneci observando o azul dos meus olhos sendo refletido na água. Alguns segundos se passaram, e senti que assim como eu, um outro alguém os observava, mesmo o movimento da água distorcendo o reflexo, pude vislumbrar o rosto jovem de uma outra garota, cabelos castanhos e não muito compridos.

Quando ergui o rosto para avista-la, não encontrei ninguém, eu permanecia sozinha. A cerca viva balançava, mas não era pelo vento, era como se alguém tivesse acabado de atravessa-la para o outro lado. Me levantei no mesmo instante, pus-me nas pontas dos pés tentando enxergar algo fora o cercado consideravelmente alto, mas minha altura delimitada por 1, 63 cm não me permitia ver nada além.

Considerei a possibilidade de me aproximar da cerca e checar o que havia por trás dela, um dos meus pés atingiram o percurso da água quando dei um passo à frente, pouco me importando com o calçado que ficara parcialmente molhado naquele instante.

–– Brooke, o que está fazendo? –– era a voz de Chaz; como se estivesse fazendo algo errado e tivesse acabado de ser pega no flagra, me senti paralisar onde estava.

–– Tive a impressão de ter visto alguém passar por aqui. –– confessei.

Sua expressão tornou-se confusa, ele olhou adiante da cerca por alguns segundos, e então voltou seu olhar para mim.

–– Não há nada para ser ver atrás desse cercado, Brooke. Além do mais, tenho algo a resolver na cidade, quer ir?

Sua explicação breve e automática não me soou tão convincente, mas não insisti. Apenas lhe acompanhei até o carro e adentramos. Pensei em perguntar sobre Justin, eu não tinha o visto desde então, mas não sabia bem o que Chaz pensaria a respeito, e nem se queria que ele pensasse algo.

O caminho não era muito longo, era possível ir andando até a cidade, só levaria mais tempo que um carro, é claro. Porém era mil vezes preferível estar no aconchego e proteção do Audi, caso os arbustos e árvores que circundavam a estrada, resolvessem criar pernas e aterrorizar. Durante o caminho Chaz e eu trocamos alguns comentários sobre o tempo, que permanecia úmido devido ao temporal da noite passada, e foi só isso em termos de conversa.

Em poucos minutos o carro fora estacionado na avenida aos arredores da praça, que era o local mais notório da cidade, já que nela podia ser encontrado tudo o que se podia chamar de centro comercial de Fort Gibson. Chaz caminhou até a fachada de um estabelecimento, cuja a entrada de alvenaria tinha um aspecto pouco convidativo, no alto da construção havia uma placa desgastada pelo tempo, que estampava o que parecia ser um símbolo da alquimia.

A porta de madeira negra estava fechada, a mesma expunha contornos grosseiros e relevos suntuosos, o puxador colonial na cor bronze lhe completava com requinte a aparência antiga. 

–– Te espero aqui fora. –– avisei, sentindo-me totalmente desinteressada em adentrar aquele local.

–– Tudo bem, não vou demorar.

Dito isso, Chaz puxou as duas grandes portas, que rangeram ruidosamente ao serem abertas, e desapareceu por trás das mesmas.

O soprar do vento pinicava a pele do meu rosto como pequenas agulhadas, a baixa temperatura me obrigou a apertar o casaco contra o corpo no intuito de mantê-lo o mais aquecido possível. Aquela atmosfera álgida adentrava meus pulmões como se fosse capaz de me esfriar por dentro, e eu poderia jurar que morreria de frio se permanecesse parada por muito tempo. Não fazia nem cinco minutos que Chaz tinha entrado naquele lugar estranho, e eu já me arrependia amargamente por não ter ficado com as chaves do Audi, para pelo menos espera-lo dentro do veículo.

Enquanto criava uma concha com as mãos em torno do meu nariz e boca, expirando e inspirando na tentativa de aquecê-las, o grito angustiado de uma mulher me chamou atenção. Bem ao outro lado da rua, cercada pelos arbustos verde-escuros da praça, estava uma mulher desesperada. Eu encarei a cena do lugar que estava por alguns instantes, assistindo algumas pessoas que ali passavam, pararem para ouvir o que sua voz chorosa anunciava. Agarrei firmemente as mãos em meu casaco, e atravessei a rua, procurando entender as lamúrias daquela pobre mulher.

–– Ela me disse que não estava se sentindo bem ontem à noite, por isso pediu para que não fosse ao baile –– soluçou tristemente –– Eu lhe disse que voltaria logo, e Annelise ficou sozinha em casa, mas quando voltei eu não a encontrei em lugar algum.

Eu conseguia enxergar todos os traços de angústia daquela mulher, parte de mim quis se aproximar dela e lhe abraçar desejando que tudo ficaria bem. Uma outra mulher que também observava a cena, sugeriu que ela procurasse a polícia, porém a tristeza em seu olhar se tornou ainda maior quando respondeu.

–– Eu acabei de conversar com o sheriff, ele disse que ainda é muito cedo para classificar como desaparecimento. Mas eu conheço minha filha, sei que nunca iria a lugar algum sem me avisar.

As lágrimas finalmente contornaram suas bochechas, o soluço mal contido e cabeça baixa foram o suficiente para me fazer aproximar de sua figura desolada.

–– Ei –– chamei ao agachar em sua frente –– Eles vão encontrá-la, tenha calma. Talvez ela tenha ido para a casa de alguém.

A mulher negou com a cabeça.

–– Eu já fui até a casa de todos que a conheciam, e ninguém a viu –– ela elevou os olhos marejados na altura dos meus, um suspiro quase terno escapou de seus lábios, ela parecia confortável ao olhar para mim, e aquilo foi no mínimo, assustador.

Sem que eu pudesse prever ela me ofereceu uma das fotos que carregava, e eu acabei pegando de bom grado. Não se referia a uma criança, assim como pensei, era uma adolescente que aparentava ter seus quinze anos, na foto ela sorria de forma genuína, parecia feliz. Uma sensação de déjà vu tomou conta de mim quando reparei mais atentamente na fotografia, os cabelos castanhos e medianos me eram fortemente familiares.

Idênticos ao reflexo que vira na água.

Seu rosto continha traços delicados e seus olhos eram azuis, assim como os meus. Não conseguia me recordar de tais detalhes, o reflexo estava distorcido, mas a cor dos cabelos era inconfundível, eu tinha certeza.

Respirei calmamente, me levantando e lhe devolvendo a foto. Perguntei a ela se havia algo que eu pudesse fazer para ajudá-la, ela agradeceu pela oferta mas respondeu que no momento, somente a polícia poderia fazer mais. Me despedi e dei alguns passos praça a fora, não podia simplesmente dizer que vi um reflexo semelhante naquela manhã. Voltei para perto do Audi totalmente intrigada com aquela foto, com o reflexo. Eu não sabia realmente se era a mesma garota, ou se, realmente tinha visto alguém. Era perturbador.

Chaz retornou carregando duas sacolas brancas, que pela maneira que as carregavam, pareciam estar cheias e pesadas. Os dois sacos brancos foram rapidamente guardados no porta-malas do carro e em seguida deixamos o local.

–– O que há exatamente naquelas sacolas? –– perguntei, sem conseguir frear a curiosidade.

Ele estalou a língua, dando de ombros.

–– Só algumas essências, ervas e amuletos.

–– Produtos esotéricos? –– ele assentiu –– Não sabia que você fazia o tipo místico.

Chaz rolou os olhos, atenuando sua expressão de ironia.

–– Eu não faço o tipo de coisa alguma –– retrucou mal humorado –– são só algumas coisas necessárias durante a lua cheia. Caso não saiba, o que é bem provável, nessa fase da lua, a força de um demônio é intensificada, isso faz com que a prata sozinha não seja capaz de enfraquecê-lo.

Assenti em compreensão, considerando o fato de que a lua mudaria de fase em menos de vinte e quatro horas.

 

–– É sempre assim? –– perguntei após ficarmos duas horas sentados na sala, eu estava na companhia do meu livro, e Charles embebedava algumas de suas facas de prata dentro de um líquido escuro.

–– O quê?

–– Tudo. Quero dizer, pelo o que eu ouvi falar, pensei que as coisas por aqui fossem mais... Macabras.

Sua risada nasalada tinha soado um tanto quanto engraçada, era a primeira vez que eu via Charles esboçar um sorriso sincero, não que seu sorriso parecesse de fato um sorriso, mas era no mínimo inusitado fazer alguém antissocial como ele sorrir daquela maneira. 

–– Se arrependerá por ter dito isso, Brooke. Ainda temos muito tempo aqui para você ter uma noção do quão macabro um simples dia monótono pode ser.

Eu não gostei de seu tom, pois não soava irônico ou até mesmo brincalhão. Pelo contrário, tinha sido totalmente sério, carregado de honestidade.

–– Eu também posso usar isso nas minhas coisas? –– apontei para o líquido que ele banhava o restante de seus instrumentos.

–– Deve.

Subi para o quarto e busquei minha balestra e alguns outros instrumentos que costumávamos carregar. Eu ainda não queria parar para refletir aquela frase de Chaz, portanto precisava me distrair com alguma coisa.

–– Primeiro você os limpa com esse pano, depois é só espalhar todo esse líquido em torno deles e coloca-los ali –– apontou para uma grade sobreposta no fogo da lareira, onde seus instrumentos estavam sendo atingidos por algumas labaredas.

Fiz como havia me instruído, ungindo todos os materiais com o líquido escuro e de odor forte. Em seguida, Charles me ajudou a coloca-los sobre o fogo, em certo momento, ele até chegou a pegar em minha mão, quando um respingo do líquido fez com que uma chama se erguesse.

–– Não foi nada –– disse sem graça, tendo a palma da minha mão segurada pela sua, à medida que seus olhos checavam se minha pele tinha sido atingida pelo fogo.

–– Muito nobre a sua preocupação, Charles.

Ambos sobressaltamos ao ouvir a voz de Justin, Chaz me soltou rapidamente e buscou a figura do loiro que terminava de adentrar a sala. Ele estava vestido em seus típicos trajes escuros, que nada mais eram do que sua própria identidade. Meu coração disparou algumas batidas ao vê-lo caminhar até a adega e preencher metade de um copo com uma bebida dourada.

–– Onde esteve o dia todo? –– perguntou Chaz, ignorando seu primeiro comentário.

–– Por aí –– sentou-se no sofá dando uma cruzada de pernas tipicamente masculina –– Precisava esquecer algumas coisas, então aproveitei e trouxe algo comigo.

 –– Você precisando esquecer algumas coisas? Essa é novidade –– zombou Chaz –– O que trouxe afinal?

–– Está estacionada lá fora, você sabe, carro não combina muito comigo –– deu de ombros.

Um misto de entusiasmo e desconfiança evidenciou-se no semblante de Charles, ele se levantou semicerrando os olhos, e então deu alguns passos firmes até sair do cômodo. Justin que apenas o acompanhava com o olhar, guiou os olhos até mim assim que ficamos sozinhos.

–– Tomou o remédio que eu deixei? –– fiz que sim com a cabeça –– Como você se sente?

Ponderei sobre o que responder por alguns instantes, não era uma pergunta corriqueira sobre como eu me sentia em relação a minha vida, e sim sobre o que nós fizemos. E exatamente por essa razão eu não sabia ao certo o que responder. O pior era que tudo o que me vinha a cabeça soava extremamente exagerado, como: “melhor do que eu já me senti algum dia” ou “muito bem, quando podemos fazer de novo?”. Eu sabia que mentiria se dissesse que estava ‘bem’ porque me sentia muito além disso, mas também não gostaria de expor deliberadamente o que eu realmente sentia. Era estranho.

–– Bem, eu acho –– meu timbre saiu contido, deixando a explosão bem guardada dentro de mim.

–– Eu machuquei você? –– Justin franziu o cenho, o brilho sombrio e discreto nos olhos sugeria uma pequena preocupação.

–– Não, de forma alguma –– sorri ao me sentir corar –– Eu só... Me sinto melhor do que eu mereço.

Um suspiro pesado escapou de seus lábios, em seguida o copo fora levado a sua boca e prontamente esvaziado. Justin permaneceu em silêncio, mantendo o olhar fixo e inexpressivo sobre o fogo da lareira, que refletia sobre seus olhos como se eles estivessem de fato em chamas. A luz alaranjada que provinha do fogo banhava parte de seu rosto, evidenciando a linha tensionada do maxilar, atribuindo-lhe uma imagem extremamente sensual, mesmo aparentando estar incomodado com algo.

–– Aconteceu alguma coisa?

Ele negou com a cabeça.

Em silêncio, sem dizer uma só palavra, fazendo com que aquela estranha atmosfera silenciosa voltasse a pairar fria e sombriamente sobre nós, me dando a quase certeza de que algo o estava importunando, algo que, evidenciava-se em seus olhos ao olhar para mim.

Independentemente do que fosse, a clareza de que era comigo, se fez incontestável. Me coloquei de pé sentindo o ar sendo retido dolorosamente em meus pulmões, o pensamento de que ele estivesse arrependido, ou a possibilidade de não tê-lo agradado me sufocava mais do que eu podia suportar.

“Você não gostou.”

Constatei. Sem saber ao certo se tinha proferido aquilo ou apenas ouvido meu consciente gritar alarmado. O sentimento era esmagador, vergonhoso e humilhante, sentia-me pequena e idiota por ter acreditado que seria capaz de satisfazer um homem como ele.

 –– Como ousa? –– seu timbre soara extremamente perto de mim, com a seriedade impregnada de forma sólida o bastante para sentir o peso de suas palavras.

Mas eu não fui capaz de me importar com sua proximidade e com suas palavras, estava profundamente imersa em meu recém sofrimento particular.

–– Olhe para mim, Brooke –– Justin continuava com o mesmo tom sério debilmente controlado, seu indicador em meu queixo me fez erguer os olhos na altura dos seus, e fitar a intensidade ardendo em seu olhar determinado –– Talvez eu deva lhe provar o quanto você me agradou ontem à noite.

Sua boca juntou-se rapidamente contra a minha, levei alguns segundos para me dar conta do que estava acontecendo e então sentir sua língua dentro da minha boca. Todos os pensamentos se calaram como se nunca tivessem existido, o desejo desencadeou-se instantaneamente, fazendo-me beija-lo de volta. As mãos dele moveram-se até minha cintura, os dedos cravados em minha pele através da fina malha da camiseta, deixando nossos corpos perigosamente pertos. O fervor de sua pele reverberava sobre a minha, sua proximidade extrema fazia-me sentir todos os relevos e contornos de seu corpo, minhas mãos subiram instintivamente até seus cabelos, puxando-os com força em resposta ao beijo ardente que nos envolvia.

Uma de suas mãos guiou-se para o alto de minha coxa, afastando um pouco minhas pernas e fazendo-o se encaixar entre elas, de forma que o espaço entre nossas intimidades se tornasse nulo. O volume existente por baixo de sua calça jeans arrancou um som baixo e excitante do fundo de minha garganta, Justin interrompeu o beijo, ofegante. Meus olhos permaneceram fechados enquanto ele soprava as palavras roçando seus lábios nos meus.

–– Por que você me faz querer mais? –– um beijo deixado em meu pescoço repercutiu em cada poro do meu ser, arrepiando-me da cabeça aos pés –– O que você está fazendo comigo? –– rosnou ele, como se desaprovasse a desordem que refletia em ambos.

Meus olhos se abriram surpresos com a sua confissão, eu o fitei em silêncio por alguns segundos, ele me olhava de volta como se realmente esperasse por uma resposta, os olhos ainda estavam nublados em desejo, embora o semblante estivesse duramente sério. Mordi o lábio inferior inconscientemente, atraindo a atenção de seus olhos no mesmo instante, porém antes que o desejo cego e primitivo voltasse a se pronunciar, Justin se afastou em uma velocidade incalculável enquanto dizia:

–– Arrume-se.

Pisquei rapidamente, desnorteada com a súbita ausência de seu calor e de seu perfume, Justin parecia totalmente descontraído do outro lado da sala, como quem tivesse acabado de ganhar uma partida de poker, enquanto eu permanecia em pé sem compreender o que estava acontecendo, até ouvir o ecoar de saltos contra o assoalho.

–– Spa é uma das coisas mais extraordinárias que eu já conheci na terra, lamento ter sido criado por meros humanos –– dizia a ruiva ao adentrar a sala, os cabelos estavam tão mais brilhosos e sedosos que o habitual, obviamente tinham sido hidratados. Suas unhas estavam pintadas em um tom de vermelho vívido, sua pele aparentava estar ainda mais impecável. Naamah estava deslumbrante.

Ela caminhou em seus passos gloriosos até o sofá, e descansou as costas sobre o estofado em um charme infernal. Seus olhos percorreram-me da cabeça aos pés, um sorriso presunçoso formou-se em seus lábios, expondo os dentes brancos e bem alinhados.

–– Parece que alguém não é mais virgem –– seu sorriso se alargou ironicamente ao apoiar o queixo em uma de suas mãos –– Anda, conte-me, estou curiosa. Quem fez o favor? Chaz ou Justin?

Rolei os olhos nervosamente diante sua percepção inoportuna, eu odiava o fato de poder ser detectada como “virgem” ou “não virgem”. Arrisquei uma olhadela rápida na direção de Justin, este continuava em sua posição despreocupada como se não desse a mínima para o assunto.

–– Você sabe que seria a última pessoa a quem eu contaria.

–– Espere –– ela ergueu as sobrancelhas perfeitamente desenhadas –– Você transou com aquele garoto da igreja?

Nalle? Não!

Minha boca se abriu para negar quando sua gargalhada alta e escandalosa repercutiu por todo o cômodo. Eu não devia satisfações a Naamah, e ela não contribuía nem um pouco para facilitar a convivência entre nós, aquele seu riso precipitado e escandaloso só aumentou ainda mais o sentimento de repugnância que eu tinha.

Ao contrário da noite anterior, naquela noite foi extremamente difícil pegar no sono, por mais que eu tentasse me concentrar em outra coisa, a cada vez que fechava os olhos, um reflexo distorcido pela água me assombrava. Depois que desisti de adormecer, fiquei esperando pacientemente com que a madrugada passasse, estava decidida a acabar com aquela incerteza e ir mais uma vez até a parte de trás da casa.

Ainda era bem cedo, o amanhecer se preparava lentamente para surgir quando me encarei no espelho pela última vez. Usava os mesmos trajes negros do dia que saímos de Norristown, talvez fosse apenas impressão, mas me sentia um pouco mais corajosa estando com eles. Se fosse de fato somente Annelise perdida atrás daquele cercado, a roupa não teria muita serventia, mas eu não sabia o que realmente encontraria por lá. Minha balestra estava pendurada em minhas costas quando desci as escadas em silêncio, o sentimento de incerteza se abatia contra mim a cada degrau avançado, mas eu tinha certeza de que não me deixariam ver além daquele cercado se pedisse.

As botas que usava esmagavam duramente as folhas úmidas sobre o chão, à medida que me aproximava da cerca viva na parte de trás da casa. Encarei aquela vegetação pouco cuidada durante um tempo, estava bem alta e repleta de espinhos, tinha certeza de que se não fosse pelas roupas que usava, acabaria me machucando ao passar por ali. A claridade do amanhecer brotava aos poucos, o sol não era esperado devido as nuvens que mais uma vez encobriam o céu. Dei uma última olhada para trás, avistando somente a construção da grande casa as minhas costas, e então, protegendo o rosto com as mãos, eu passei para o outro lado do cercado.

Uma névoa que não havia estado do outro lado, se alastrava pelo chão recobrindo meus pés. Havia muito mais árvores naquela parte, o que certamente dificultava a passagem de luz, já que ao olhar alguns metros à frente por entre as árvores, era como se estivesse totalmente escuro. Os troncos de todas aquelas árvores eram largos e seus galhos se espalhavam para cima, para baixo, para todos os lados. O mais estranho era que existia uma trilha de cascalhos indicando um caminho para dentro daquela floresta, a névoa estranhamente não cobria aquela parte. Meus olhos percorreram atentos cada detalhe ao meu redor, eu duvidava que Annelise pudesse estar ali por vontade própria, os calafrios que aquele lugar causava eram inevitáveis. Estava decidida a sair dali o mais depressa possível, meu corpo estava inteiramente tensionado para mover os músculos para longe daquele lugar, quando o bramido de alguns corvos me fez sobressaltar violentamente.

O barulho de passos lentos sobre as folhas deixou-me em um estado de estupor, eu não fazia ideia de que direção eles vinham, minhas mãos rapidamente alcançaram a balestra e a seguraram com firmeza. Tentei me convencer de que era capaz de enfrentar o que causava aquele som, meus olhos voltaram a focar no estranho caminho de cascalhos, avistando algo que não havia estado lá minutos atrás.

–– Annelise? –– soprei ao enxergar uma figura feminina, estava um pouco distante para afirmar que era a garota desaparecida.

Seu corpo estava imóvel, parado exatamente no meio da trilha. O vestido que usava assemelhava-se a uma camisola na cor rosa claro, um pouco tingida por terra. O tecido cobria-lhe até os joelhos, sua estranha aparição manteve-se no mesmo lugar por intermináveis minutos, podia sentir o suor frio se apoderar de minhas mãos, o instrumento ameaçava escapar do aperto dos meus dedos.

–– Annelise, preciso que me diga se é você –– insisti outra vez, tentando soar mais firme do que aparentava.

–– Me ajude, por favor –– sua voz sussurrada soara demasiadamente nítida em meus ouvidos, ela estava consideravelmente distante para parecer tão audível –– Por favor.

Respirei fundo por mais de uma vez, uma falsa calmaria guiava meus passos pela trilha de cascalhos, a garota permanecia no mesmo lugar, assustadoramente imóvel. Sua figura ficava cada vez mais lúcida à medida que eu me aproximava, os pés estavam descalços e judiados por terra, nos joelhos havia algumas escoriações superficiais, era possível avistar alguns arranhões espalhados pelas pernas e braços. Conforme fui diminuindo nossa distância, os detalhes como a cor dos cabelos foram ficando cada vez mais visíveis. Eles eram exatamente da mesma cor do reflexo da água, seu rosto magro e oval estava mal emoldurado pela cabeleira castanha, os lábios aparentavam estar azulados devido ao frio, suas bochechas estavam marcadas por uma mancha escura, a qual julguei ser apenas terra, mas assim que meus olhos encontraram os seus, meus pés se detiveram no lugar. Meu coração saltou no peito devido a onda de terror que a visão do sangue escorrendo por seus olhos, me causou.

Eu quase não conseguia enxergar o azul dos mesmos, estavam completamente banhados pela cor vermelha, que escorria como cascata.

–– Quem é você? –– perguntei entredentes, apontando a balestra para uma parte vital de seu corpo.

–– Annelise Palmer –– respondeu em um sussurro sôfrego e arranhado.

–– O que houve com você? –– questionei outra vez, dando alguns passos para trás, para longe da figura medonha de Annelise Palmer.

Soluçou. Deixando-me ainda mais apavorada.

–– Está dentro de mim, me machucando –– as lágrimas de sangue tornaram a pingar –– A voz continua repetindo.

Céus, eu podia sentir cada poro do meu ser se arrepiando naquele instante, o impacto das minhas costas contra um tronco me fez entalar o grito na garganta.

–– Repetindo o que?

–– Uma garota de olhos azuis –– seus dedos das mãos se contorceram, parecia lutar contra si mesma, seu corpo tremia feito um animal infectado.

O balançar da copa das árvores zumbiu sombriamente em meus ouvidos quando comecei a correr, o desespero revestia-me por inteiro, a trilha de cascalhos fora totalmente encoberta pela névoa, me impedindo de alcançar o caminho de volta. Meus pulmões ardiam devido à pouca quantidade de ar inspirado enquanto corria pela vegetação assombrosa, eu podia jurar que algo me assistia as espreitas enquanto fugia. O que me fazia agarrar mais firmemente a balestra em minha mão. Meus olhos buscavam desesperados algum sinal da cerca viva, no entanto, a sensação era de que quanto mais eu corria, para mais fundo da floresta eu ia.

Após algum tempo correndo, percebi que só havia o som dos meus passos pelo ambiente, na profundidade da vegetação que me cercava, restara apenas o barulho pesado da minha respiração assim que parei de correr. Voltei a pendurar a arma nas costas somente para poder apoiar as mãos nos joelhos e recuperar o fôlego. Estava assustada. Assustada por saber que algo estava possuindo Annelise, assustada por saber que ela estava ali, em algum lugar. E assustada por estar completamente perdida.

Respirei fundo e deixei as costas eretas outra vez, avistei um pequeno lago a poucos passos à minha frente, não tive coragem de me aproximar, ou sequer tive tempo quando um grito forte e exasperado vibrou em meus tímpanos. Uma voz que eu bem conhecia. Era o meu grito. 


Notas Finais


E então? Ficaram curiosas para saber o que aconteceu no final? Preparadas para descobrir o enigma da "garota dos olhos azuis"? Alguém tem um palpite ai???
Enfim, espero que tenham gostado do capítulo, mais descobertas estão por vir!!


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