História Pretty Hurts - Garotas crescidas não choram

Depois de alguns copos de água e de uma boa noite de sono, meu pai estava bem. Ele me pediu desculpas e disse que tudo era culpa da bebida. Papai era assim, vivia colocando a culpa em alguém, e agora que era alcoólatra ele colocava a culpa na cerveja, na vodka, no whisky ou na cachaça.

Faltavam dois dias para o meu ensaio fotográfico para a Forever21, e ninguém havia descoberto dos meus encontros “escondidos” com Shawn. Na noite depois que saímos, decidimos que veríamos um filme. Deixei ele escolher, e não foram boas escolhas. Um dos filmes era Diário de Uma Paixão. E outro, O Exorcista.

- Você só pode estar de brincadeira - foi o que eu disse, rindo.

Ele negou com a cabeça e levantou os filmes.

- Não estou. Eram os únicos que tinha.

Um era meloso demais. O outro, assustador demais.

- Escolha um - disse ele.

Eu escolhi o meloso.

A ideia não foi tão ruim. No começo do filme, cada um estava de um lado do sofá, mas na metade já estávamos sentados praticamente nos agarrando.

Porém estávamos apenas abraçados.

Quando faltavam mais ou menos 30 minutos para o fim do filme, decidimos que estávamos com fome. Eu não queria sair dos braços de Shawn, então apenas me estiquei para pegar o celular, e liguei para o número de um restaurante asiático no outro quarteirão. De tanto pedir eu já havia decorado o número.

Pedi sushi, temaki, e tudo o que o Shawn queria. Quando estava com ele, eu não me importava em gastar dinheiro ou em me machucar, desde que ele estivesse feliz.

Enquanto a comida não chegava, pausamos o filme e fomos para a cozinha arrumar a mesa.

- Não foi uma escolha ruim, sabe? - eu disse.

Ele me olhou com cara de duvida. Quando apontei para o filme, ele riu e concordou.

- Gosto de filmes melosos. Quero dizer, eu não sou meloso - disse ele, pegando os copos - mas sou romântico.

Eu queria que ele fosse romântico comigo.

- Uma vez eu fui em uma vidente, e ela olhou minha mão - ergui a mão e passei o dedo indicador em uma das linhas que temos na palma - e ela disse que sou muito romântica. Por causa dessa linha aqui. 

Mostrei a linha para Shawn e ele riu.

- Você acredita nisso? Que você é romântica porque tem uma linha avantajada na mão?

Eu ia dizer que sim, quando parei para pensar. Não fazia sentido mesmo.

- Eu acho que não. Eu nunca tive namorado, e nunca amei ninguém de verdade - me virei para pegar os talheres. Eu não conseguia comer de palitinhos - Então não posso saber se sou romântica ou não. Nunca tentei.

- Sério? 

- Sim, Shawn. Nunca encontrei ninguém que fosse merecedor do meu amor.

Shawn se aproximou de mim devagar e meu coração acelerou. Ai meu Deus. Ai meu Deus. Me virei para pegar os pratos, quando ele pegou em minha cintura.

Fui pega de surpresa, e deixei três pratos caírem no chão. Logo o chão estava coberto por pedaços de porcelana brancos. Só restara um prato daqueles no armário. O único que tinha sobrado da coleção de mamãe.

O que mais assustou Shawn não foi os pratos; Fui eu. Quando os pratos escorregaram da minha mão, abri a boca e soltei o maior grito de todos. Ele até caiu para trás.

Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto pensava nos jantares que tinha feito com minha mãe e meu irmão naqueles pratos. Eram quatro; Um para cada membro da família.

- Ai meu Deus! Me desculpa, Ash. Me perdoa - disse Shawn.

Olhei para ele e fechei os olhos.

- São só pratos - foi o que eu respondi.

Shawn e eu recolhemos cada caco e os jogamos em um saco. Eu não sabia o que faria com aqueles restos, mas eu daria um jeito. Deixei do lado do lixo, e a campainha tocou.

Estávamos comendo sushi e temaki em silêncio, quando Shawn, de boca cheia, falou:

- Aqueles pratos… Eles tinha algum valor sentimental?

Shawn, Shawn… Adorava voltar nos assuntos.

- Tinham. Era neles que eu comia com minha mãe e meu irmão, lá no Brasil. Foi uma das poucas coisas que eu trouxe, o resto deixei na nossa antiga casa.

Shawn me encarava.

- Me perdoe? Eu não quis…

- Não foi sua culpa, meu amor - eu disse. Ele sorriu - É sério, eu que deixei cair, você não fez nada demais.

- Mas…

- Cala a boca. Mas nada. Eu deixei cair, mas eram só pratos. Eu compro outros amanhã.
- Amanhã você tem ensaio fotográfico pra Forever.

Sorri quando ele me lembrou.

- Eu sei. Então você vai comprar três pratos pra mim e me buscar no estúdio. 

Ele sorriu. Aquele sorriso maravilhoso que eu amava DEMAIS.

- Me passa o endereço do estúdio então. Depois, eu te levo pra comer.

- Você só pensa em comida, Shawn!

Nós rimos e eu tinha esquecido dos pratos. Aquilo não tinha mais importância. Eu ainda amava minha mãe e meu irmão, mas não adiantava me apegar a bens materiais. A alma deles não estava em pratos, nem em nada. Eu podia amá-los com meu coração, e não com objetos.

Eu precisei quebrar três pratos de porcelana francesa pra perceber isso.