Cada passo meu para mais perto era sincronizado com minha respiração pesada. O inspirar e expirar profundo ditados em lentidão e intensidade. Havia alguma coisa peculiar ali. Algo que transparecia taciturnidade, talvez uma sensação nefasta que simplesmente não conseguia explicar.
Aos poucos o silêncio que me acompanhava foi sendo tomado por burburinhos e rezas padronizadas. Meu olhar alternava entre Jimin e o homem ao seu lado, analisava os semblantes contrariosos, a forma como tudo parecia uma encenação e o jeito com que Jimin se retraía a cada vez que o outro apoiava a mão em seu ombro.
— Ei, o que vai fazer? — o timbre grave de Taehyung veio em um sussurro.
— No que isso te interessa? — revirei os olhos, sorrindo de canto em claro deboche ao ter meus olhos encontrando os do homem distante. Jimin pareceu engolir em seco. — Ora, ora.
— O que faz aqui, garota?! — ele enrijeceu os músculos, travando o maxilar em raiva nítida.
— Pra ver você é que não é. — sorri minimamente com um teor de sarcasmo, levando as orbes até o garoto de cabelos cor de mel que retribuiu o olhar por apenas breves segundos.
— Não trate a moça assim, sr. Park, que descortês. — a mulher com o qual ele conversava sorriu docemente para mim, pondo uma mão sobre a outra e deslizando o olhar sobre mim. Ela tinha os cabelos negros na altura dos ombros com alguns fios grisalhos, parecia ter seus 40 anos no máximo.
— Ela é uma alma suja, não consegue ver? — ele riu soprado. A Bíblia negra em sua mão me chamou atenção assim que ele a pressionou contra o peito.
Bocejei, o mirando entediada.
— Hyung, eu...
— Calado. Você precisa ser purificado no culto de hoje. A sentença da sua alma deve ser diminuída. — o mais velho virou-se para o menor e o encarou com um ódio tão visível que o vi estremecer. — Não seja uma decepção.
Por um segundo, eu pisquei os olhos e jurei ter visto e ouvido errado. Cabisbaixo, Jimin foi pego pelo braço e praticamente arrastado para dentro da igreja. Fiquei ali, estática, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer e, nesse meio tempo, nem percebi que o olhar da senhora ainda permanecia em mim.
— Bom, parece que o clima não é dos melhores para um discussão mais plena. — um sorriso sutil se firmava nos lábios finos da outra, quando ela se curvou em uma pequena reverência. — Que a paz do Senhor esteja com vocês. Vamos, irmãs! O culto irá começar.
A mulher chamou as outras três que ainda faziam o sinal da cruz e rezavam diante da igreja sombria.
— Posso ir junto? — pedi, tombando a cabeça para o lado e escutando um " o que você tá fazendo?" sussurrado de Taehyung. — Acabei ficando curiosa.
— O momento... — ela me analisou dos pés à cabeça e claramente fingiu um sorriso doce. — ... não é o mais apropriado. Quem sabe um outro dia.
Antes que eu refutasse qualquer coisa, ela deu as costas e fechou o portão sem que nem mesmo uma pequena brecha do que havia lá dentro escapasse.
— Não é apropriado? — repeti num murmúrio, rindo soprado.
Com certeza havia algo estranho ali do que só mais uma igreja comum, e eu iria descobrir o que era queiram ou não.
[...]
Um estalar de língua soou de minha boca quando deixei os ombros caírem e continuei a fitar o chão distraída em um loop infinito de dúvidas e perguntas sem resposta.
Tornei o olhar para cima quando um ranger de porta soou súbito, juntamente de um assobio cantarolado que logo tomou o silêncio do lugar, fazendo com que eu encarasse a porta entreaberta e o moreno que agora me fitava sério com um cigarro pendendo no centro dos lábios bem desenhados.
O desconhecido, que mantinha as mãos nos bolsos de um casaco, continuou na mesma posição por mais alguns segundos quando resolveu enfim fechar a porta e pigarrear fraco. Ele tinha a pele pálida, um tom alvo que deixava os olhos e cabelos negros se sobressaírem. Um destaque charmoso, eu diria.
— Você... trabalha aqui? — sua voz levemente rouca soou, tendo em mim o olhar curioso e confuso ao mesmo tempo.
— Tenta de novo. — sorri de canto.
— Ah. 103? — ele ergueu o dedo esguio e apontou para a porta de meu quarto.
— Bingo. — mantive o sorriso ladino, reparando o quarto de onde ele havia saído. — Você deve ser o tal Yoongi.
— Como sabe?
— Intuição feminina. — ditei sarcástica e o vi rir soprado, deslizando o cigarro até o canto da boca com a língua. — Seus amiguinhos estão procurando por você. Parecem preocupados. Tem o costume de sumir por aí sem aviso?
— Você tem a língua bem afiada. — riu um tanto debochado, mas fazendo questão de pôr no canto dos lábios um sorriso sensual.
— Chamo de dom. — falei em ironia, ouvindo passos vindos da escadaria velha que anunciava qualquer um com os rangidos estridentes.
— Falei que ele tava fumando por aí. — um bufar entediado soou atrás. Mirei Hoseok, que tinha os braços cruzados e o corpo jogado para trás sem ânimo algum.
Taehyung surgiu em seguida, os passos lentos e o sorriso de lado que brincava com a língua no canto da boca eram quase que programados. Era insano a forma com a qual meu olhar simplesmente era atraído pelas suas íris escuras.
— Não sou uma criança. — Yoongi murmurou, acendendo a ponta do cigarro.
— Sério? Se comporta tanto como uma que eu nem tinha reparado. — Taehyung desprendeu o olhar do meu e o levou para o outro, pondo as mãos nos bolsos.
— Que porra. — Yoongi resmungou, soprando a fumaça escura na direção dos dois a sua frente e esbarrando o ombro com força no de Taehyung ao seguir em direção dos lances de escada. O castanho o acompanhou tagarelando algo que eu não dei a mínima.
Estávamos à sós. Taehyung me encarava do jeito mais descarado possível, eu não fazia diferente.
— Quando vai parar com o joguinho? — ele ditou escorando a lateral do corpo na parede.
— Joguinho? Eu? Que absurdo. — delineei um sorriso de canto completamente cínico, apoiando as costas na outra parede e cruzando os braços na altura do peito.
— Me deixar mais curioso do que já tô pode ser um problema. — brincou com o timbre grave que lhe pertencia.
— Não parece um problema que eu deva me preocupar. — encolhi os ombros.
— Como pode ter tanta certeza, srta. Sem Nome? — provocou, mordendo o canto da boca ao sorrir de lado.
— Quem parece querer jogar um joguinho aqui não sou eu. — ditei, desencostando o corpo da parede fria e caminhando em passos vagarosos até o topo da escada, passando direto pelo outro sem tirar meus olhos dos seus. — Vou terminar o que comecei antes, se puder não me atrapalhar dessa vez eu ficaria bem agradecida.
— Ah, fala sobre a investigaçãozinha nada discreta que você fez?
— Fica na sua, hm? — fingi um sorriso pequeno.
— Não acho que seja uma boa ideia ir até aquela igreja de novo.
— Você nem ao menos sabe meu nome e quer mesmo dizer o que devo ou não fazer?
— O "acho" que falei se perdeu no meio das palavras que você quis ouvir? — Taehyung alcançou meus passos nos degraus da escadaria velha. Revirei os olhos e parei de andar antes que chegasse ao hall de entrada do hotel barato.
— O que quer comigo, afinal? — o fitei séria, entortando um pouco a cabeça só para ter o melhor ângulo para observar o rosto alheio.
— Você ignorou totalmente as minhas perguntas, o que aconteceu no corredor com aquele garoto do outro apartamento, revistou os documentos do hotel e cada vez age mais instigante. — ele entortou a cabeça do mesmo jeito, me olhando nos olhos. — Não vai mesmo me dizer seu nome?
— E por que quer tanto saber meu nome? Vai gemer ele se eu disser? — sorri de canto, mordendo o lábio inferior. O moreno pareceu travar. — Eu sei, Taehyung. Eu ouvi.
— Uh? — pego desprevenido, ele coçou a nuca desviando o olhar do meu. Me aproximei o tanto quanto pude e segurei na gola de sua camisa, erguendo os lábios até roçarem de leve em seu ouvido sentindo a pele do mesmo arrepiar.
— Escutei quando você se tocou ontem à noite. — sussurrei. — Escutei quando gemeu baixinho, sozinho, enquanto provavelmente queria dizer meu nome, mas não sabia.
O vi engolir em seco e estremecer. A pele exposta do outro entrou em contato com a minha ao ter sua mão na curvatura de meu pescoço, o toque quente despertando cada mínima parte de meu corpo que ainda estivesse sonolenta. Foi a minha vez de estremecer por inteiro quando Taehyung deixou nossos rostos próximos e nossos lábios rentes, suas íris descaradamente fitando minha boca com lascívia.
Um chiado repentino fez com que minha mão o empurrasse no modo automático. Apertei os olhos quando um ranger arrastado se fez presente junto de passos pesados. Minha respiração se tornou trêmula quando um grito foi abafado. Um grito desesperado de uma mulher.
— Você ouviu isso também? — Taehyung soltou num murmúrio.
— Silêncio. — sussurrei, o puxando pela mão e subindo três degraus o mais silencioso que conseguia até que estivéssemos mais atrás da parede.
Minha respiração se tornou instável, assim como a do moreno ao meu lado. Alguns barulhos morosos e ressoantes ainda persistiam vindos de baixo até que tudo cessou.
Um cantarolado sem letra de uma música qualquer ganhou espaço no hall. Tentei descer um degrau sem fazer som algum e espiei pela beirada da parede, vendo a recepcionista passar um pano branco com vermelho sobre a quina do balcão de madeira e na porta atrás dele. Ela tinha o seu sorriso meigo e sinistro petrificado no rosto do mesmo jeito de quando a encontrei pela primeira vez na entrada do hotel.
— É a Sra. Lee? — Taehyung sussurrou, me fazendo apertar sua mão com força e o mostrar uma careta para que ele fizesse silêncio.
Só quando estreitei mais os olhos e tomei foco, que notei as manchas escarlates no papel de parede e balcão que a velha tentava limpar sem pressa. O cantarolado soando sem ritmo, mas calmo. Sereno, quem sabe. O pano antes branco com vermelho agora era totalmente de um tom só, o mais escuro.
— Sangue. — balbuciei para mim.
Ao longe, vi Yoongi e Hoseok adentrando a entrada do hotel trocando farpas e resmungos. Distraídos com a própria conversa, não perceberam a Sra. Lee, porém ela os percebeu.
— Onde estavam, rapazes? Queria dizer as novidades sobre o carro de vocês. — a mulher sorriu, guardando o tecido úmido em sangue debaixo do balcão.
— Oh? Tá tudo bem com você, ahjumma? — Hoseok se aproximou curioso, apontando para o rosto da outra. Notei que a mesma tinha um pequeno corte vertical na maçã do rosto, parecia consequência de uma unha.
— Ah... claro, isso não é nada. Apenas um arranhão.
— O nosso carro tá pronto? — Yoongi interrompeu, impassível.
— Ainda não. Os mecânicos encontraram uma série de defeitos no veículo e me ligaram dizendo que vão ter que esperar mais um tempo.
— Mas não temos mais tanto dinheiro pra diárias... — Hoseok coçou o topo da cabeça.
— Não se preocupem, a estadia de vocês será por minha conta até que tudo seja resolvido. — ela sorriu, ajeitando a postura reta e deixando o nariz ainda mais em pé.
— Pensei ter visto outra mulher por aqui mais cedo. — Yoongi juntou as sobrancelhas.— Ela parecia assustada com alguma coisa e procurava por você. Aconteceu alguma coisa?
— Não, era apenas uma irmã da igreja. Ela veio aqui antes do culto para conversar comigo sobre alguns problemas.
— Ah. — ele concordou com a cabeça, mas não parecia convencido. — E ela conseguiu resolver os problemas?
O timbre sarcástico soou. Yoongi sabia de alguma coisa.
— A sentença da alma dela foi consumada pelo Espírito Santo. Ela recebeu uma grande honra do Senhor e do Pastor. Não há nada para se preocupar.
Sentença da Alma. A mesma coisa que o carrasco disse para Jimin minutos antes.
Eu não estava gostando nada de como aquilo estava seguindo. Muito menos das velas avermelhadas que foram acesas uma por uma sobre o castiçal no canto do balcão logo em seguida, tendo um sinal da cruz feito lentamente pela senhora cabisbaixa, antes que, de soslaio, seu olhar encontrasse o meu.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.