História Renitência - Neve, sangue e espadas

A neve foi esmagada pelo passo pesado. O som incomodo do pé afundando na espessa camada não fazia mais diferença para o Cavaleiro solitário em meio as sombras raquíticas cobertas pelo gelo.

Os flocos de neve aos poucos camuflavam os passos e a linha incerta desenhada pela espada desembainhada e coberta pelo sangue seco dos seus inimigos.

Ninguém o acharia ali e ele já não sabia se estava seguindo em frente para fugir dos inimigos ou se tentava alcançar algum lugar.

Não importava.

Sua racionalidade partia em meio as batidas dos dentes desenhados pelos lábios cianóticos e espessa barba com pontilhados brancos.

O cabelo antes preso, agora mostrava seu comprimento alcançando os ombros largos.

Suas pálpebras cerraram tentando enxergar algo além da queda branca incessante, mas sua visão turva não conseguia distinguir o real do imaginário.

O ferimento no flanco direito destoou fazendo seu dono soltar um gemido de dor enquanto suas pernas perdiam as forças levando-o ao chão.

Inspirou buscando se erguer, mas tudo o que conseguiu foi tatear cegamente arrastando-se pelo chão. Entretanto, seu nobre esforço apenas rendeu pouco avanço antes do seu corpo desistir dos comandos do dono.

Ele arfou de dor, cansaço, fome e solidão. Tudo o que via era o puro branco e se perguntou se o Paraíso – o lugar que certamente ele não iria – teria uma aparência tão mórbida como aquela.

Desejava os prados verdejantes dos verões, mas tudo o que tinha em seu leito de morte eram árvores congeladas e um corvo cantando ao fundo.

Obrigou-se a manter os olhos abertos, pois todas as vezes que fechava, as imagens da chacina que se tornou aquela batalha de conquista voltavam à sua mente cansada.

– Estúpido – xingou seu infantil senhor feudal que enviou seus melhores homens para conquistar o feudo do irmão em meio ao pior inverno das últimas décadas além de enfrentar uma cavalaria treinada em terras hostis.

Era uma perda óbvia, mas sua condição de Cavaleiro e filho bastardo do homem que um dia foi pai daqueles senhores em guerra, apenas o obrigou a partir para a morte.

Qual o significado da sua vida? Ele se questionou.

De bastardo a pajem. De pajem a escudeiro. De escudeiro a cavaleiro.

O que isso significava? Uma morte lenta devido a uma hipotermia sem direito à familiares ou uma missa em sua homenagem?

Ele acabou rindo da sua condição. Uma gargalhada que se libertou do peito machucado, da forma nunca vista nem nos bravos torneios. Riu até sua voz desaparecer e seus olhos focarem a figura próxima de si.

Não era a Morte, ele sabia. No entanto, assim que a figura se ajoelhou e tocou com delicadeza o rosto masculino, ele reconheceu os símbolos em seu pescoço.

Era uma herege. Uma bruxa. Uma mensageira do mal.

Estava diante de uma bruxa de olhos curiosos; apenas não sabia se ela o salvaria ou tiraria daquele mundo o homem que por muito tempo foi obrigado a perseguir seu povo.

O Cavaleiro apenas sorriu antes de fechar os olhos...