Grande Hotel Nexos.
Clima hostil, agitado, poderosos relâmpagos caíam pela cidade. Nova York testemunhava outra forte tempestade e fúria dos deuses sobre seus prédios e moradores. Desnecessário realçar a dificuldade deles naquela tarde de céu fechado.
Os irmãos tartarugas aproveitaram o abafo da tempestade para invadir o grande hotel onde ficava sua perspicaz dona: Big Mama, uma chefe de crimes aracnídea muito astuta e manipuladora.
Em sua verdadeira forma yokai, Big Mama era um indivíduo enorme. Possuía quatro pernas de aranha pretas para andar e dois conjuntos de braços com unhas laranja-claras em cada mão; dois pequenos braços azul-petróleo com duas garras e dois grandes braços negros com quatro garras.
Big Mama também tinha um grande corpo roxo escuro, cabelo verde espuma do mar (com tons mais claros para destaque), seis olhos vermelhos, dentes irregulares e um longo rosto azul-petróleo. Geralmente vestindo um grande jabot magenta para sustentar uma joia vermelha enfeitada com ouro, um broche de capa que a permite um disfarce de humana.
Na forma humanoide, ela se torna uma mulher pequena e curvilínea com pele rosa escura, cabelo prateado, olhos negros com cílios grossos, sombra roxa e lábios vermelhos. Seu cabelo é penteado em um updo com parte de sua franja lateral cobrindo um pouco de seu rosto. Big Mama usa um par de manchas com lentes azuis cristalinas e um fraque longo roxo escuro com corte de pele verde espuma do mar (parecido com seu cabelo em sua verdadeira forma). Por baixo do casaco, ela utiliza um vestido magenta de mangas com babados e seu jabot para apoiar seu amuleto, e botas roxas de salto alto que chegam até as coxas.
Ela aparenta ser, à primeira impressão, extremamente amigável, alegre e educada, até mesmo com seus inimigos. Também tende a polvilhar seu diálogo com palavras caprichosas; geralmente muito agitada, como evidenciado por seu óbvio prazer em seus planos de adicionar mutantes à sua Batalha Nexos, seja como lutadores ou como palhaços de rodeio. Com seu charme natural, inalterado mesmo na forma de aranha assustadora, ela pode muitas vezes convencer as pessoas a fazerem coisas por ela, iludindo-as a pensar que também estão ajudando a si mesmas.
Entretanto, apesar de sua personalidade alegre, carinhosa e gentil, Big Mama é uma pessoa enganadora e conivente, cuja única lealdade duradoura é consigo mesma. Ela cria ligações pessoais duradouras com as pessoas, certas vezes por muitos anos, contudo, sempre acha uma maneira de subordiná-las aos seus próprios desejos quando vem a calhar.
As tartarugas – arqueiro ao lado – disputavam uma antiga rixa que tinham com seu pequeno cão-guarda: Gus, um grande cão de caça yokai leal à aranha. Muito rápido e ágil, mas facilmente distraído por bolinhas de tênis – infelizmente, estavam escassas. Ele tinha a habilidade de manifestar espinhos por toda a pele, tornando-o um inimigo perigoso no corpo a corpo.
Raphael, porém, pouco deixava-se intimidar por meros palitos de dente, seu espírito de luta e combate falava mais alto que um simples medo de ser espetado; os mutantes viam-no arremessando o yokai contra o chão diversas vezes como num ringue de luta livre, por pura diversão.
“Ah, eu odeio lutar na chuva.” Gus bufou, chacoalhando seus pelos ao tentar ficar seco e sendo ensopado novamente pela chuva.
Leo, Mike e Donnie estavam logo atrás cuidando de outros lacaios da grande dama aranha, Renji encarava desconfortável uma coruja de cabeça medonhamente virada para trás com chapeuzinho azul enquanto desviava para o lado incansavelmente, mas não podia dizer o mesmo do yokai.
“Fica... urgh... parado!” Demandou o pássaro, lançando um último soco cansado antes de escorregar no chão molhado e cair sobre ele. Renji atirou em seus pés e braços, prendendo-o no lugar; um já foi, ainda faltavam muitos. O gelo aguentaria por pouco tempo.
Ele ainda se perguntava como a invasão discreta acabou numa explosão e, consequentemente, numa luta sobre o telhado e varanda do último andar do prédio. Olhou para Leonardo e Mike, ambos entreolhavam-se nervosos – é claro que foram eles.
“Vão embora! Não fizemos nada dessa vez!” Um dos capangas congelados até o pescoço por Renji olhou-lhes irritado, gritando e tentando se libertar, mas fracassou.
Mike pulou sobre um lobo yokai, rindo quando o acertou nos pés e deixou o pobrezinho cair do terraço onde estavam, este aterrissando sobre uma lona cobrindo a entrada da recepção. “Nos digam onde Big Mama está e ficaremos felizes de ir embora”, Leo explicou, entediado de mãos sobre a espada cruzada nos ombros.
“Nunca chegarão até ela!” Os lacaios restantes mantinham o roxo ocupado, Renji precisava manter um olho nos inimigos e outro na beirada, não se aproximaria dela tão cedo.
“Renji, você está bem?” Donnie acertou uma serpente na boca, quebrando ambas as presas antes que perfurassem seu braço. “T-tô... Estou perfeitamente bem”, respondeu desviando do lacaio arremessado, pairando perigosamente sobre a beirada e rolando desesperado para a segurança.
“Você não me parece tão bem.” Mike nocauteou outros quatro, mirando duvidoso o mascarado.
“Estamos bem... altos”, ele engoliu em seco, concentrando-se em atirar nos lacaios tentando atacar sorrateiramente Rapha pelas costas e não nos 300 metros de altura entre ele e a rua.
O azul sorriu pretensioso. “Tem medo de altura, Renji-chan?” Leo chamou por ele, usando o sufixo honorífico ‘chan’ no final; irritar Renji com normas erradas de propósito fazia seu dia, pesquisar horas na internet para irritá-lo valia a pena.
Para compensar seu leve pavor de altura enquanto pulava de lugares altos, Renji sempre concentrava-se em como e onde iria cair em seguida. Um truque inventado por ele mesmo, mas focar parecia não funcionar naquela situação.
“Mandei parar de me chamar assim!” Repreendeu, desvencilhando de um chute feroz. “Então prefere Renji-kun?” Sugeriu azul – tecnicamente, não estava errado.
“Gostei de Renji-kun", comentou Mike. “Soa como uma comida azeda, amarga e dura por fora, mas quando ela se abre, você descobre uma crocância, sabor e aroma incrivelmente agradáveis por dentro uma vez que realmente entendida.” Suas mãos se uniram alegres, fascinado por como incrível e maravilhoso aquela ironia soava.
Acho que não é bem assim que funciona, ele pensou.
Eles estavam vencendo, as tartarugas já haviam derrotado grande parte dos capangas da Big Mama e o auge da batalha se aproximava, a raposa de uniforme azul com chapeuzinho recuava rosnando alguns passos. Seu olhar travou em Renji, percebeu que ele olhava constantemente para a beirada do terraço e disparou nele.
Loucura, simplesmente jogar-se contra ele numa tentativa desesperada de acertá-lo era tolice. Renji poderia facilmente desviar e deixá-lo cair como panqueca na rua ou socar seu focinho. Algo soou pelo lugar, uma melodia apesar do som da chuva, alguém estava cantarolando num ritmo calmo e sereno no meio da luta, roubando sua atenção. Mas quem?
Do canto do olho, Renji conseguiu avistar, bem claro e em muito bom som entre o barulho de armas e gritos, vermelho murmurando descontraído no ritmo que ele cantou algumas noites atrás quando pensou estar sozinho, batidas de sais perfeitamente no ritmo .
“Como ele...?” Não houve tempo de reação, a raposa anterior rasgou as garras em sua carne, cotovelou seu peito e então chutou sua cara, arremessando sua máscara e jogando-o para fora da cobertura numa rasteira.
Caso seguisse seu treinamento, manter a calma seria essencial: uma flecha bastaria para deixá-lo pendurado e descer com uma corda até o chão em segurança, apesar da dor crescente em seu peito.
Ele só não contava com a queda do mutante.
Tudo pareceu em câmera lenta: seus irmãos chutando as bundas dos yokais ao lado, a coruja virando a cabeça em 180° para fuzilá-los, uma raposa correndo imprudentemente até Renji com fúria nos olhos prestes a ser neutralizada por um simples contra-ataque. Estavam bem, aqueles palhaços levaram uma surra deles, tão bem que ele começou a murmurar uma música com a vitória próxima junto ao bater de suas armas, descontraído, uma que não lembrava exatamente de onde, mas ainda assim simples e relaxante, praticamente chiclete.
Naquele momento, quando virou as costas para os irmãos ainda distraídos, Rapha viu a máscara de Renji voando de seu rosto, o arqueiro foi chutado para fora do telhado com agressividade. Difícil dizer com certeza pela posição, seu rosto estava completamente virado. Um rinoceronte arrancou em sua direção, deslizou contra o piso molhado completamente raivoso e chifrou fortemente o mutante no peito, socando sua fuça logo depois, lançando-o para baixo também.
Renji conseguiu alcançar e tacar-se em uma varanda quando finalmente atirou uma flecha, cortando levemente o rosto por alguns vidros quebrados pelo pouso forçado; seus olhos logo viram um grande vulto caindo ao lado velozmente ao som dum trovão. Rastejou até a beirada, reconheceu quem estava caindo. Segundos depois, pulou com dificuldade da varanda, arfando e derrubando alguns cacos.
Pense, pense! Tentou surgir com algo enquanto seguia-o queda abaixo, Raphael parecia desnorteado enquanto caía em direção à rua movimentada pelos sons de motos e carros passando.
Renji precisava salvá-lo.
Uma rede não vai segurá-lo nessa velocidade, muito menos minha habilidade pouco treinada. O que fazer? Preciso de ajuda!
Renji pensou desesperado enquanto caía rapidamente pelos andares, o vento cortante da queda dificultando sua visão. Faltavam poucos metros para a queda iminente, sua carapaça era resistente, mas ele não, os outros ainda deviam estar lutando enquanto caíam – suas armas eram boas, talvez fossem o suficiente para auxiliá-lo; o tempo estava acabando, era tudo ou nada.
“Mike!” Ele gritou pelo comunicador, virando para cima na esperança de que visse seu gesto em meio à chuva.
Felizmente, laranja entendeu o recado quando viu sua mão estendida à distância: jogou sua arma velozmente com ajuda do canhão de Donnie para baixo na direção do arqueiro, este agarrando com firmeza e logo arremessando apressadamente suas longas correntes envolta do mutante desacordado.
Disparou uma flecha com arpão numa outra varanda acima, esperançoso de que o concreto estabilizasse sua posição. Raphael, por mais idiota, atrapalhado e estúpido que fosse, continuava sendo tão importante para aqueles outros quanto era pesado.
Nessa hora, antes que ele usasse as correntes do nunchaku para pousá-lo numa escada de incêndio próxima, Raphael abriu lentamente os olhos e percebeu uma figura borrada se esforçando para segurar a ponta da arma e a corda de sua flecha. “Te peguei”, ele suspirou com dificuldade, arco segurado por um braço, fazendo força para não soltar o peso do maior bruscamente sobre a escada de incêndio.
A corda da flecha estourou, permitindo Renji cair bruscamente à sua frente na plataforma metálica, fazendo barulho ao pousar e gemendo de dor por algo torcido na queda; ele virou lentamente para o mutante sob o capuz preto molhado cobrindo parcialmente seu rosto humano. Virou de costas rapidamente, percebendo por que o mutante lhe encarava, praguejou a si mesmo pela insolência de quase mais um conhecedor de sua identidade enquanto pressionava forte o braço ferido contra o peito, grunhindo em dor.
“Espera!” Rapha pediu, genuinamente confuso e nervoso, mal conseguiu registrar o que tinha visto pela chuva antes de ele virar; temor na voz. “Por que... não me mostra?”
Renji puxou o capuz, encobrindo a visão do mutante de seu rosto, um consolo para uma mente perturbada. “Poucos sabem como eu sou, Raphael, muito menos gostaram do que viram”, respondeu mórbido, sua voz traía um traço de pesar, abalado, e um gemido abafado. “Mike foi um acidente – um mais calmo do que imaginei –, mas ninguém que eu revelei meu rosto agiu como antes. Muitos já se voltaram contra mim quando descobriram.”
Mike realmente era o mais gentil de todos, vermelho devia-lhe mais crédito, talvez falasse com ele depois; sua mente pairou sobre aquela última fala. “Eles... te machucaram?”
Renji não respondeu. Gotas escuras escorriam pelo seu braço e pingavam contra seu sapato; o barulho dos trovejos ecoava pelas ruas da cidade assim como em suas mentes, um forte cheiro metálico impregnou o nariz do mutante. Rapha percebeu, ainda assim:
Ele também passou por algo traumático.
“Tentaram me matar”, esclareceu ríspido, levantando o capuz, mantendo a face fora de vista, permitindo ser completamente abraçado pelo vento gélido da tempestade, envolvido pelo frio do clima e olhar do mutante em sua nuca. Frio bom. “Diversas vezes.”
Raphael moveu-se, sentou mais ao lado na grade e olhou de relance para o arqueiro, questionando-se onde aquilo tudo estava levando. Permaneceram em silêncio, mantendo-se concentrados nos sons da chuva enquanto o mundo parecia sumir ao redor deles, restando apenas um mutante e um humano de tornozelo torcido.
Vermelho enfim quebrou o silêncio. “Você confia em nós?” Ele perguntou hesitante, tensionando pela resposta ao ver o chacoalhar da cabeça dele – internamente, ele já esperava por aquilo; grunhiu com a garganta, incomodado. “Você confia em mim?”
Renji hesitou. Saber que mutantes existiam não era mais novidade, brigar com eles se tornou um hábito, uma rotina, uma necessidade em suas buscas com brinde a intrigas depois que mosquitos estranhos começaram a se espalhar pelo mundo criando mutantes anos atrás. Precisava para entreter babacas de facções por informações em troca, mas lutar com eles lado a lado era... diferente. “Temo não ter a resposta para essa pergunta, Raphael.”
O mutante levantou, vasculhou entre seus pertences e estendeu algo que pegara enquanto ainda estava consciente durante a queda do prédio; o menor encarou a peça com gotas nas superfície. “Espero que isso não seja outro teste de confiança”, disse o arqueiro.
Rapha negou com a cabeça, sorrindo amigável para ele. “Não vou pedir que confie ou seja a pessoa mais legal do mundo conosco, isso seria uma baita estupidez. Só quero que saiba que você não está sozinho nessa, Renji. Pelo menos, não completamente.”
Ele ponderou sobre aquilo, muitos disseram-no a mesma coisa antes de traí-lo e esfaqueá-lo pelas costas – metaforicamente e literalmente. Olhou para os dedões do mutante. “Poderia tê-lo deixado cair na rua, espatifado contra o asfalto como uma maldita panqueca verde.”
Rapha riu. “Poderia”, repetiu, reconhecendo aquela possibilidade internamente e fraquejando um pouco. “Mas não deixou, você não é tão mau quanto parece ser.”
Suas sobrancelhas se uniram em aborrecimento. “Como pode ter tanta certeza?” Indagou irritado, incomodado, ombros elevados. “Vocês mal me conhecem: meu passado, meus gostos, posso estar planejando algo contra vocês sem nem mesmo saberem. Tudo que sabem é o que deixo transparecer, ainda sou potencialmente perigoso para Leonardo. Não aja como se não pensasse o mesmo, mutante.”
Rapha pousou uma mão lentamente sobre seu ombro, apesar de como disse a última parte, encarando a chuva que parecia estar cessando aos poucos. Sua atenção voltou para o arqueiro – também contemplava os céus chorosos encostado no corrimão, pensativo. “Então deixe... permita que a gente te conheça melhor. Podemos não ser perfeitos, mas cuidamos uns dos outros e de quem gostamos, esse é o nosso lema de família. Podemos te surpreender caso se abra conosco, Renji.”
Nunca era tão fácil. Feridas antigas são tão dolorosas quanto mágoas enraizadas no coração, dor e sofrimento dificilmente são esquecidas uma vez que presenciadas de primeira mão e marcadas na alma. Cicatrizes estão lá para isso: nos lembrar de quem somos e do que as causou, como agimos, como não agimos, e como amadurecemos e seguimos em frente.
Renji encarou-o de canto, então seu dente afiado exposto sobre o lábio inferior naquele sorriso tímido, forçado; olhos fixados nele, expressão simples, porém convincente. Pegou a máscara, hesitando algumas vezes a olhando antes de enfim colocá-la no lugar. Virou para o mutante, usando a escada como apoio. Rapha conseguiu, pela primeira vez, distinguir seus olhos apropriadamente.
O arqueiro, apesar da sombra interna proporcionada pela máscara, guardava um par de olhos incrivelmente idênticos, mas, ao mesmo tempo, totalmente diferentes de qualquer outro que já vira.
Eles apresentavam heterocromia setorial (um evento onde uma parte da íris apresenta uma coloração diferente da restante) em cada olho, com ambas as írises sendo divididas igualmente na horizontal entre parte de cima e de baixo.
A superior, quando não encoberta pelas pálpebras, realçava as marcas de sua máscara, pois era vermelha como sangue, ardente como fogo em seu glorioso âmbar vermelho-alaranjado salpicado. A parte inferior destacava-se pelo incrível azul parecido com seus ataques especiais, um ciano frio, gélido e mórbido, quase como o mar calmo e sereno durante a noite, morto.
Fogo e gelo, calor e frio. Opostos e complementares.
Diante disso, perguntas surgiram na mente do mutante, porém outro algo surgiu antes: Renji estava num ponto equivalente entre risada e gargalhada por alguma razão. Sua resposta – por mais absurda que fosse – foi que cair de um prédio daquela altura trouxe um baita susto e divertimento ao mesmo tempo.
“Nós quase morremos e você está rindo?!” Rapha perguntou, espantado com o estado do arqueiro. “Não é pra tanto, nunca me senti tão vivo.” Renji explicou com um sorriso sob a máscara, enfrentar seu medo de altura foi uma experiência revigorante.
A tensão no ar foi substituída por um clima mais leve, assim como a situação da tempestade. Rapha não sabia ao certo, mas teve certeza de que algo brilhou nos olhos do arqueiro assim que fitou-o de volta. Renji fungou o ar, levemente curioso, alguma coisa cheirava estranho perto dele, um aroma indecifrável, diferente de qualquer outro, parecia... hormônico.
Rapha estremeceu no lugar, oh não.
Tudo que é bom dura pouco.
“Explique melhor”, ele atendeu ao dispositivo à prova d’água no ouvido, sério enquanto desviava o olhar; Rapha fitou-o com a repentina mudança na voz. “Vamos, não podemos perder tempo”, anunciou ajeitando o capuz, preparando-se para saltar. Apesar da imensa dor nos membros, Renji manteve-se quieto e discreto enquanto saltavam até o covil, recusando as ofertas do mutante sobre carregá-lo como alguém indefeso por alguém que espreitou ele uma vez.
“Que falta de sorte, hein?” Leo resmungou, Big Mama era a única aposta de Renji, todavia a senhora aracnídea havia saído para um cruzeiro com um tal de Bullhop – outro mutante transformado pelos mosquitos – segundo os capangas congelados e surrados pelos que ficaram lutando. Aquela briga foi uma baita perda de tempo, de fato.
Retorno previsto para a cidade: em torno de três semanas, para a infelicidade do mestiço.
O arqueiro suspirou, cansado daquelas palhaçadas e acontecimentos o atrasarem continuamente. “Olhando pelo lado bom, a gente ainda pode treinar e se conhecer um pouquinho melhor. Adoraria chutar essa sua bunda um pouco mais nos treinos durante os dias livres da faculdade.” April curvou-se para frente, sorrindo provocante para ele pelos óculos sobre a mesa.
Renji riu seco, hilário. “Apesar da última luta ter sido um pouco desfavorável, você não teria chances contra mim numa disputa séria, April”, rebateu cruzando os braços, tomando uma posição sutil e convencida.
“Ah, é mesmo?” April subiu na mesa, pronta para descer o taco de baseball na cara daquele sacana e deixá-lo com outro machucado. “Manda ver, raposinha.”
Mike a impediu antes que pulassem no pescoço um do outro, segurando seus braços com dificuldade. April era bastante forte, tanto em personalidade quanto em físico. “Pessoal, pessoal, outra hora vocês fazem isso. Renji precisa descansar agora, April. Vamos nos acalmar por enquanto, beleza?”
Ele discordou, garantindo que estava ótimo para a briga enquanto levantava-se do sofá; uma forte dor aguda percorreu seu corpo, teria caído no chão se Donnie não houvesse o segurado, guiando-o em discordância até o sofá.
“Uhum, sei. E eu sou Albert Einstein.” Donnie ironizou, ajustando a bolça de gelo posta sobre o tornozelo. Renji teria ficado mais tempo despercebido e voltado para o apartamento se a dor não fosse um incômodo evidente, fazendo-o vacilar e cair pelo esconderijo quando chegaram.
Eles o ajudaram, novamente.
“Rapha, você cuida dele enquanto a gente vai pegar as pizzas”, pediu Leo, guiando os outros até a saída para pegar as entregas com porção extra de queijo, pepperoni e calabresa – havia uma especial com abacaxi para o mestre deles.
“Não sou um bebê para precisar disso!” Reclamou o humano, encostado no sofá de perna sobre a mesa.
“E eu não sou babá de ninguém!” Gritou o mutante, indignado em ser posto a um papel daqueles involuntariamente.
Splinter surgiu pela porta devorando um lanchinho, apontando para gotas de sangue escorrendo pela manga do arqueiro e pingando sobre o chão. Apesar das reclamações, discordâncias, berros e protestos, Rapha conseguiu fazer com que Renji tirasse a blusa e a camisa rasgada para examinar os ferimentos.
Grandes marcas de garras pintavam-no na carne, braços e corpo, algumas cicatrizadas, outras em direções diferentes, e bem feias.
As do ataque recente da raposa começavam pelo lado direito inferior de sua barriga levemente malhada, percorriam por todo o seu peitoral, passando pelo pescoço com pequenos hematomas até pararem no ombro esquerdo e sumirem sob outras; menos sangue do que se esperava, mas ainda era uma situação que necessitava cuidado.
“Eu cuido disso”, ele tirou a fita das mãos do mutante, enrolando-as ao redor de seus ferimentos nos braços sem demora; as bandagens adquiriram manchas avermelhadas, até que chegou nos cortes de seu abdômen e peito, os maiores e piores deles, exigindo grandes movimentos.
Rapha abaixou o quadrinho do Júpiter Jim que estava lendo deitado no sofá próximo, lançando um olhar desconfiado com sobrancelha arqueada para o arqueiro quando percebeu seu problema na ação. “Tendo dificuldades?”
Renji semicerrou os olhos, frustrado por seus braços estarem doloridos demais para uma tarefa tão simples. “Não”, garantiu ele. “Só preciso... au...” Seus braços não estavam lesionados, mas a dor persistia em atrapalhá-lo, isso sem mencionar as feridas abertas pelo esforço na chuva.
Rapha se aproximou. “Hey, eu disse que fazia isso sozinho!” Protestou, todavia, ele não se importou. Vermelho segurou seu braço com firmeza para pará-lo de protestar e delicadeza para não machucá-lo, uma que o arqueiro não esperava que ele tivesse; limpou os cortes com o kit próximo e então amarrou gentilmente as faixas entorno de suas feridas restantes, deixando-as firmes para não caírem
Embora indignado por aquilo, Renji calou-se enquanto deixava o mutante fazer aquilo. Rapha olhou-o de canto algumas vezes, certas o arqueiro – agora com olhos visíveis – lhe fitando de volta enquanto em outras simplesmente encarava a TV, não necessariamente interessado na programação. Ainda queria saber como conseguia vê-los.
“Prontinho”, disse ao finalizar. “Isso vai impedir de infeccionar.”
“Não que eu não pudesse ter feito sozinho,” começou, vermelho estava pronto para bufar com tanta teimosia, “mas... agradeço.” Renji reparou no nariz e plastrão da tartaruga (parte da frente do casco, geralmente clara), notando uma pequena rachadura onde o rinoceronte havia lhe chifrado; ele buscou algo nos bolsos – agora secos pelo chão-secador de roxo –, pegando e colando um curativo de raposa e ovo na carapaça e rosto da tartaruga, respectivamente.
Raphael o encarou surpreso. “Mike me deu muitos desses. Só porque devolveu minha máscara não significa que somos amigos, okay? Não tenha nenhuma ideia estúpida. Pense como forma de agradecimento, ou qualquer coisa do tipo”, explicou, fazendo pouco caso de um simples curativo fofo.
O maior levantou e pousou sua grande mão no ombro do menor. “De nada, Bunda Escaldante.” Vermelho riu. Renji grunhiu, revirando os olhos, indignado.
Os outros voltaram com várias caixas empilhadas cheias de pizza, Renji se perguntava como conseguiam comer tantas sem engordarem ou mudarem o cardápio; provavelmente queimavam as calorias combatendo os vilões. O arqueiro vestiu outra camiseta de sua bolsa, uma mais confortável, por sorte a blusa ficou intacta.
Entretanto, sem notar, Mike havia reparado em várias outras cicatrizes de tamanhos variados em suas costas junto a uma peculiar prolongando-se de seu ombro direito até seu pescoço, sumindo pela máscara levemente elevada.
“Brigas e treinamento com meu... tio”, respondeu para o pequeno laranja, lembrando da conversa na escada com o maior. Grande parte foi, pelas histórias, obtida em suas lutas clandestinas e desentendimentos com mutantes ao longo dos anos, outras... preferiu não comentar.
Pelo menos, por enquanto; os mutantes notaram isso.
Raphael notou isso.
Sem a garota por perto – tinha saído pois a mãe ligou –, Renji era o único humano no covil. E sendo o único humano, ele não conseguia se encolher num casco e rolar pela pista de skate como os outros estavam fazendo.
“Ignora eles”, disse Donnie, ajeitava alguns comandos e dados para o arqueiro em seu computador e processadores das máquinas. “Isso é seguro?” Ele perguntou.
“Cem porcento!” Respondeu 67% confiante. “Meu super processador consegue localizar qualquer tipo de DNA num tempo relativamente curto! Amanhã começarei a criar um scanear potente que vai cobrir a cidade inteira de uma só vez!”
“Impressionante. Você checou a linha de códigos subjacentes, verificou a matriz de dados e categorizou o armazenamento como pedi? É muito importante ter onde guardar tantos resultados.”
Donnie levantou o polegar, pronto para responder o questionamento. Então, pensando mais um pouco, afastou-se rapidamente do computador e seguiu até outro painel para verificar algumas coisas enquanto murmurava inconformado.
Renji havia contactado Kakuri via internet para a criação de um aparelho localizador de genética, usando uma linha segura feita por roxo só por segurança, havia tanto tempo que não a via que estranhou a princípio sua imagem no computador. “É, saquei, minha cara tá estranha. Já faz muitos anos desde que você partiu, Renji. Muita coisa mudou aqui desde então. Só você que ainda não tirou essa máscara.”
“Na verdade...” Michelangelo surgiu na frente do monitor, Renji empurrou sua cabeça para fora antes que terminasse de falar algo comprometedor. “Identidade secreta foi o que me manteve vivo até hoje, Kakuri. Sabe disso. Não lembra da conversa que teve com os outros aqui?”
Ela bufou, molestada. “Eu sei como eles reagiram. Mas como você espera conseguir algo usando essa coisa na cara toda hora? Pelo que estou vendo, já sei que estão cuidando muito bem de você.”
Sim, as faixas, claro que foi a primeira coisa que ela notou ao abrirem a ligação. Ela certamente se prendia aos detalhes, por mais mínimos que pudessem ser. Kakuri podia ser bem perseverante quando queria, mas também bem racional e compreensiva sobre seu irmão se juntar às tartarugas contra o Pé – nem mesmo o próprio teria acreditado.
Renji sabia exatamente o que ela estava falando, e não gostou nada do que sua irmã estava induzindo. “Não tenho tempo para essas coisas, Kakuri”, disse baixo, neutro. “Sentimentos só atrapalham meu julgamento. Isto aqui foi apenas um imprevisto.”
“Tá, tá. Seja um justiceiro solitário, então... Ah, como eu sonho que meu irmãozinho encontre alguém que goste dele! Apesar da aparência repugnante, constantemente de mau humor e terrível gosto pra moda!” Ela imitou a pose anterior de Mike, fazendo beicinho com as mãos atreladas e voz afinada, deixando-o desconfortável e irritado.
A ligação foi cortada, passaram os dados importantes que precisavam para o outro mais cedo antes daquele... evento. O arqueiro olhou pela última vez o monitor, pronto para ir embora e seguir para seu apartamento quando Leo e Mike – com sorrisinhos diabólicos – surgiram das profundezas do inferno para atormentá-lo. “Ele certamente não é uma flor que se cheire”, comentou azul, desfilando até Donnie. “Acho que vocês têm isso em comum, maninho.”
Donnie exasperou, atormentado pela milésima vez pelas brincadeiras sem graça de seu irmão. Mike foi o segundo, dizendo o quanto eles pareciam pobres em carinho e cheios de sarcasmo para dar.
É só uma distração, eles responderam ao mesmo tempo, Donnie ainda reparava seus apetrechos quando os irmãos saíram do laboratório rindo baixinho. Renji levantou da cadeira, avisando roxo da saída, e retirou-se do aposento, sentando na beirada da pista de skate para descansar o tornozelo. Pelo estado, dificilmente conseguiria chegar ao apartamento sem tropeçar em alguma coisa no caminho, sem mencionar a forte ventania que estava lá fora.
Leonardo, Michelangelo e Raphael curtiam algumas manobras ao saltarem pelo ar e pousarem plantando bananeira ou algo igualmente idiota. Renji examinava seu arco e ficou mais uma vez surpreso pelas melhorias que Donnie havia feito nele, segurar um peso daqueles com o antigo com certeza teria o quebrado. Olhou para o braço que usou, nervos ainda doendo levemente.
“Acho que eu nunca agradeci por ter me salvado”, o mutante sentou ao seu lado, observando os outros dois andando nos skates com frutas na cabeça. “Achei que estivesse curtindo as manobras com seus irmãos”, disse o arqueiro.
“Nah, eles conseguem se divertir sem mim”, sorriu olhando-os, ambos começaram uma disputa de quem conseguia andar com apenas uma perna por mais tempo. “Além disso, Mike disse que você usou a arma dele para me salvar.”
“Não foi um salvamento”, corrigiu, queria impedir aquele assunto de prolongar-se. “Tudo que fiz foi te manter em segredo por mais um tempo. Seus irmãos seriam caçados por pessoas perigosas caso eu tivesse sido visto nas ruas com vocês.”
Orelhas grandes levantaram curiosas.
“O que quer dizer?” Baka, ele xingou-se mentalmente.
Ainda com rodas rolando perto, Splinter aproximou-se deles e tocou em seus ombros com um sorriso convidativo. “Meninos, é hora do filme.” Raphael mal pôde conter a empolgação, noite de filmes era umas das suas noites preferidas em família, uma que ele gostava ainda mais do que dias em família. Ele chamou pelos irmãos, todos ficaram igualmente animados ou entusiasmados para testemunharem pela centésima vez algum filme do antigo Lou Jitsu, atualmente conhecido como pai das tartarugas.
“So-pa quente! So-pa quente! So-pa quente!” Gritavam em sinfonia pelos corredores, Donnie – mesmo sendo carregado no corredor pelos irmãos – falava animado enquanto erguia os braços. Pareciam bem animados para aquilo.
“Bom... Divirtam-se.” Soou o arqueiro.
“Não quer assistir conosco?” Perguntou o rato, lhe ajudando a levantar. Renji recusou, a princípio, mas a perspicácia do mestre em lhe lembrar sobre as opções restantes para fazer naquela noite em sua situação atual era muito convincente.
Ouviu sons de vozes na distância. “Bom ter se juntado a nós, raposa”, Leo comentou quando o viu entrando na sala com o auxílio do pai. “Só vim ver o porquê de tanta comoção, nada de mais”, Renji respondeu neutro, se sentando ao lado de Mike e Donnie, Leo ficou próximo à poltrona de Splinter e Rapha do outro lado, atrás do mestiço.
Números rolaram pela tela, aquele típico começo de filmes com estilo antigo começou a rodar. Um humano com cabelão, roupas dos anos 80, peitoral exposto, bonitão e de óculos amarelos surgiu no telão à frente deles. “Sooooooooooooopa quente!” As tartarugas o imitaram, gritando e socando desordenadamente o ar alegres ao mesmo tempo que o homem batia nos inimigos, bandidos e odiadores de sopa.
“Bons tempos”, suspirou Splinter, afirmando que ele era, de fato, muito familiarizado com os cinemas. Horas mais tarde, Renji descobriu por Mike que ele era o ator em questão, sendo tirado permanentemente de sua antiga vida de famoso e astro pela mutação de Baron Draxum no seu laboratório em sua época de antagonista e vilão poderoso. Podia ter perdido a humanidade, mas ganhou algo melhor: eles.
“Cara, não entendo como você não consegue gostar de Sopa Quente. É simplesmente, tipo assim, um dos melhores conjuntos de filmes de, tipo, todos os tempos!” A tartaruga falava de boca cheia, queijo no queixo.
“Sem querer estragar sua animação, Leonardo, mas precisa muito mais que apenas socos e gritaria para me entreter num filme de ação. Os efeitos estavam bons, mas a direção...” Deram um tapa forte em sua mão, derrubando sua fatia de pizza.
“Não se ATREVA a desrespeitar a memória de Lou Jitsu!” Mike, Donnie, Rapha e Leo ameaçaram o arqueiro, laranja fazendo uma cara bem assustadora e apavorante para uma criança tão fofa e apontando com os outros o dedo indicador com veias saltando para sua máscara. “Okay, okay! Foi bom, curti, cinco estrelas, ótimo produtor! Por favor, não me batam.” Levantou as mãos em rendição, o baixinho realmente botou medo no mascarado. Splinter riu da cena, cômico.
Bom, o laranja assentiu, satisfeito com a mudança na opinião alheia enquanto voltava para o assento, encarando algumas vezes Renji como os irmãos, desconfiado.
Foi uma noite... agradável. Deram algumas risadas, comeram algumas pizzas, brincaram um pouco e ouviram muito atentamente ao sensei quando ele explicava alguma coisa perguntada pelo arqueiro curioso sobre a franquia. Renji Mitsuki poderia ser um grande aliado para seus filhos algum dia, assim como uma boa companhia nas noites de filme.
Mitsuki... Por que raios esse nome soava tão familiar para o rato?
Splinter seguiu para seus aposentos quando todos foram dormir, andando pelos corredores e apagando as luzes à medida que passava. Parou à porta de um quarto em específico, o que seu filho mais velho havia oferecido – voluntariamente – para o arqueiro dormir devido às condições físicas. Pareciam estar se dando bem, pelo que ouviu dos outros irmãos, boas notícias vindo de alguém tão problemático no começo.
Mas alguma coisa não se encaixava.
Buscou entre seus pergaminhos antigos guardados dentro dos baús empoeirados de seu quarto, achando um completamente desbotado e praticamente arruinado pelo tempo. Nele, existia um conto, uma história antiga de seu clã contra outro. Splinter jogou-o contra a cama, desenterrando suas escritas, uma antiga rixa contra o clã Hamato foi declarada por outro. Ele leu cautelosamente sob a luz da lamparina.
Espadas em mãos, a batalha nefasta teve início ao som da onda brusca contra a costa.
Outras foram travadas pelos seus antecessores, todas acabando com antigos aliados brigando sem nunca estar claro o porquê, apenas boatos de boca em boca sobre a confiança traída entre os clãs. Vidas perdidas em ambos os lados.
No último suspiro de sua vida, o antigo amigo derrotado declarou ódio eterno para o jovem guerreiro do clã Hamato, jurando um dia banhar os mares com o sangue de seus membros e amigos preciosos.
Seu nome...
A última parte estava faltando, rasgada do pergaminho e possivelmente perdida na bagunça que era seu quarto. Splinter perseguiu sua intuição junto à sua vontade e perseverança, revirou tantas vezes a própria cama que o colchão poderia vomitar.
Finalmente, ele achou o último pedaço do pergaminho atrás do baú empoeirado, um que, se pudesse, teria ignorado aquele sentimento e deixado tudo exatamente como estava entre eles. Mas a realidade não condizia com seus desejos, aprendeu isso amargamente com o Destruidor; o papel estava nítido em suas mãos rosadas de rato, a consciência e pressão inteira de seu clã pesando sobre seus ombros. Esperava não se arrepender de ter deixado o arqueiro tão próximo de seus filhos naquela noite.
...era Hiroo Ohara Mitsuki.
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