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História Rouxinol - Parish Julien Clair


Escrita por: PettyYumeChan

Notas do Autor


Buenas pessoas !!
Essa é uma história dedicada a Iara Passos através do amigo secreto do grupo Fanfics Amor Doce e Eldarya, no facebook.
Inicialmente era uma oneshot, mas como ficou enorme eu dividi em duas partes.
Espero que você goste amore <3

Capítulo 1 - Parish Julien Clair


Quando você analisa com cuidado, é possível perceber que toda universidade tem um grupo que se destaca. Algumas têm o pessoal dos esportes, outras formam os maiores cientistas ou os empresários mais bem sucedidos, no caso da Anteros Academy nós tínhamos os artistas, mais especificamente a galera do teatro.

Isso se dava pelo fato de que, durante muito tempo Anteros foi uma universidade totalmente voltada para as artes, até que os antigos donos resolveram vendê-la – por qualquer motivo que fosse – abrindo portas para que todos os demais cursos entrassem. A mudança foi extremamente favorável, afinal de contas agora o curso dos sonhos estava muito mais próximo do alcance de muita gente.

Ao mesmo tempo, a atual administração não queria perder a fama que a instituição já havia cultivado então, querendo ou não, o teatro ainda era a prioridade. Além do pessoal do curso de teatro em si, que tinham maiores oportunidades de bolsas e estágios dependendo do seu desempenho, todos os demais alunos podiam conseguir algum bônus se ajudassem na manutenção do mesmo. Era por isso que eu e meu irmão nos dirigimos para o teatro principal da universidade pela quinta vez naquela semana.

Bem, talvez não exatamente pelos mesmos motivos. Alexy verdadeiramente gostava das apresentações, e sempre ficava animado de poder capturar novas cenas com as suas diversas câmeras e lentes. Já eu precisava de horas complementares, e trabalhar com os efeitos especiais não era realmente um desafio, no fim eu só juntei o útil ao agradável.

Claro que a essa altura eu já estava começando a me questionar se o lado agradável realmente existia. No começo foi até divertido, o trabalho de luzes, sons e apetrechos em geral era realmente fascinante, mas depois de assistir a representação da tragédia de Júlio César em forma de musical mais de cinco vezes eu comecei a ficar verdadeiramente enjoado. Não que eu tivesse nada contra os clássicos, eu até cheguei a me aventurar por um ou dois que me chamaram a atenção, mas no fim eles simplesmente não faziam o meu estilo.

— As pessoas não se cansam disso?

Nos cantos escondidos do palco eu acompanhava o meu irmão enquanto o mesmo terminava de organizar suas câmeras. Eu aparecia lá com o pretexto de ajudar, mas a realidade é que ele não precisava de ajuda nenhuma e eu só acabava ali para matar o tempo que sobrava entre o término do teste dos efeitos e o inicio da peça. Não era diferente naquele dia, jogado em uma das cadeiras eu observava a multidão que se acumulava na plateia onde pouquíssimos assentos sobravam, e havia sido daquela forma pelo resto da semana. Aparentemente eu era o único que já não mais aguentava estar naquele lugar.

— Pare de reclamar, Armin. Nós estamos aqui todos os dias, os espectadores não.

— É o que você diz, mas eu tenho certeza de que a maioria dos rostos aqui já apareceu antes.

— Algumas pessoas realmente apreciam a arte, não estão aqui só pelo interesse, diferente de outras que eu conheço.

Eu deixei um resmungo baixo escapar e escorreguei mais pela minha cadeira. Não que em algum momento eu tivesse tentado esconder as minhas verdadeiras intenções para estar ali, mas a frase de Alexy me levou a pensar que, se a fama daquele teatro tivesse um nome esse nome não seria Shakespeare, seria DeLucca, Augustus DeLucca para ser mais exato, o cantor e ator principal do espetáculo. Eu já havia ouvido falar da figura por ai, aparentemente sua fama se espalhava para além dos holofotes do palco, pois, aparentemente, ele quase nunca aparecia na universidade a não ser que fosse para algo relacionado com o teatro em si.

Só sei que, no final das contas eu não era realmente um entendedor de canto ou teatro, então eu era incapaz de entender o “fenômeno DeLucca”, tudo o que eu sabia é que ele cativou o publico no momento em que pôs os pés no palco, logo não me surpreenderia se grande parte dos ali presentes não eram em realidade alguma espécie de fã clube. Não que o cara não tivesse talento, qualquer um podia perceber isso, mas não era nada que o mundo já não tivesse visto antes, o que me levava a questionar se as pessoas realmente estavam ali pelo seu talento.

— Pelo menos eu sou sincero.

— Você é livre para desistir, sabe?

— Eu ainda preciso das horas.

— Aqui não é o único lugar que você pode consegui-las. O que me lembra, a Rosa me mandou isso recentemente, talvez te interesse.

Ele me entregou o próprio celular onde já havia uma imagem aberta. Observando melhor eu pude ver o que parecia a foto de um panfleto procurando um programador para fazer parte de um grupo da Anteros Expo, uma exposição que acontecia todos os anos na universidade. Nela os alunos davam o sangue e as lagrimas para exibir os projetos mais criativos, revolucionários ou altamente bem executados para tentar impressionar os críticos que viriam na esperança de conseguir uma premiação e acrescentar alguma coisa ao próprio currículo.

— O que te faz acreditar que eu me voluntariaria para um trabalho em grupo?

— Você já faz um trabalho em grupo aqui no teatro, Armin. Pelo menos nesse caso você faria o que te agrada.

— O trabalho aqui é tecnicamente em grupo. Uma parte depende da outra, mas eu ainda faço o meu trabalho sozinho, não preciso ficar tentando convencer ninguém a concordar com ideias ou implorando para fazerem sua parte.

— Sabe, você é muito exigente.

— Eu tenho padrões. — Entreguei-lhe o celular no mesmo momento que o sinal sonoro ecoou pela sala anunciando o inicio do espetáculo dentro de quinze minutos, era a minha deixa para voltar à minha posição e esquecer aquele assunto. — Enfim, deu a minha hora.

— Ainda acho que você deveria ao menos considerar.

Dei um pequeno aceno de mão para dizer que havia escutado embora eu não estivesse realmente prestando muita atenção, eu só queria voltar a minha posição para começar a apertar botões de forma automática enquanto esperava que o dia acabasse logo. Me instalei na pequena sala aos fundos, escondida pelos assentos superiores onde o meu parceiro de trabalho já estava, ou quase parceiro, a gente não se falava realmente, se contentando com um cumprimento quando chegávamos e uma despedida quando partíamos.

Esperamos mais uns minutos e logo as luzes se apagaram fazendo com que os cochichos paralelos cessassem e a sala se mergulhasse em um silencio absoluto. A voz do diretor reverberou, anunciando os protocolos e procedimentos padrões de emergência e de direito de imagem. Logo chegou o meu momento de mover os interruptores e ligar as luzes principais que iluminaram o palco onde as primeiras notas de um tenor enjoado começaram.

Cabelos compridos da cor da noite combinados com olhos castanhos muito próximos do rubro, essa era a figura que se movia solitária pelo palco no momento. Não importava a peça ou o personagem, a aparência de DeLucca nunca variava muito mais do que isso, o que só aumentava aquele meu sentimento de dúvida sobre ser o talento dele que chamava a atenção.

Mas, honestamente, não era o meu trabalho se preocupar com aquilo, acredito que nem o próprio se importava, eu tinha uma lembrança ou outra de ver o mesmo perdido em algum corredor cercado por pessoas e o cara era um verdadeiro narcisista. Não que fosse culpa dele, acredito que eu também ficaria meio assim se recebesse toda essa atenção, mas ainda era um tanto quanto irritante.

Enfim, apenas pensamentos sem sentido, era o que acontecia quando você tinha que ficar apertando botões e movendo alavancas de forma mecânica durante duas horas seguidas. Talvez eu precisasse admitir o ponto de Alexy e procurar outra área pra mim antes que os meus neurônios fritassem.

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 Quando você esta do lado de fora de qualquer evento ou organização tudo tem aquele ar de profissionalismo, e é realmente o certo a se pensar, os responsáveis meio que te induzem a ter esse pensamento, que acreditemos que esta tudo sob o mais perfeito controle. Mas a verdade é que quando nós temos acesso aos bastidores percebemos que a realidade é bem mais caótica, e obviamente não seria diferente dentro dos bastidores do teatro da universidade.

Uma vez que as sessões do dia se encerraram eu fui ajudar o Alexy a terminar de guardar as câmeras, e nesse momento ele decidiu que queria se enfiar por entre a multidão de atores, dançarinos e todo o resto para conseguir encontrar a Rosa por algum motivo que eu ignorei. A verdade é que eu não dei tanta atenção porque não esperava que ele, por algum motivo, iria resolver me arrastar junto.

— Cuidado com a minha câmera!

— Seria bem mais simples se você tivesse vindo sozinho.

— Pare de reclamar! Rosa é responsável por parte do design dos figurinos, a gente devia mostrar apoio aos nossos amigos.

— Rosalya é sua amiga, se eu falei com ela duas vezes foi muito. Ainda não entendi porque eu estou aqui.

Obviamente ele não me escutou e eu tive que me contentar em ver a cabeleira azul se esgueirando por entre a multidão que seguia o fluxo oposto ao nosso e tudo o que eu conseguia pensar era de onde saia tanta energia. Parecia que eu estava preso há horas naquela missão impossível de atravessar aquele mar de gente, torcendo para que a maleta própria para câmeras em minhas mãos realmente cumprisse a promessa dela de manter o conteúdo sem nenhum dano, ou eu não ouviria o fim das reclamações de Alexy. Ainda assim, eu tive um momento de alegria e esperança quando vi o fundo do corredor chegar a uma sala vazia, alegria e esperança que não duraram muito tempo.

Tudo aconteceu de uma forma muito mais rápida do que o cérebro humano é capaz de acompanhar. Começou com eu dando um suspiro aliviado ao pisar para fora da multidão, mas eu não tive muito tempo para curtir o momento antes de ser atingindo por algo não identificado, então a gravidade fez o seu trabalho, minhas costas sentiram o impacto do chão e um peso enorme se instalou no meu peito. Pisquei os olhos algumas vezes tentando entender o que havia acontecido, nisso eu descobri que o provável objeto não identificado que me atingiu na verdade tinha um rosto, e que rosto.

Fios castanhos levemente bagunçados em um corte curto e grandes olhos verdes escondidos por trás da armação dos óculos, tudo isso disposto sobre a pele clara que começava a ganhar tons rosados, provavelmente pela realização da posição em que nos encontrávamos, o que era justificável já que ela estava esparramada sobre o meu peito com as pernas emboladas nas minhas, mas eu não poderia dizer estar realmente incomodado com a situação.

— Meu Deus! Eu sinto muito! — Ela se recuperou ligeira, ficando ajoelhada ao meu lado com uma expressão preocupada. Eu segui o movimento para me sentar, senti alguns pontos de dor no processo, mas nada que fosse realmente sério. — Você está bem? Eu te machuquei?

Demorei um momento para conseguir formular alguma frase coerente, era como se a minha cabeça estivesse flutuando por ai, provavelmente por conta do impacto. Mas eu precisava me recompor uma vez que a garota ao meu lado parecia verdadeiramente transtornada.

— Está tudo bem, não foi nada demais. — Me pus de pé em seguida, na tentativa de provar o meu ponto, ela copiou o movimento ainda meio nervosa, tentei dar um sorriso para acalma-la e por um momento tive a impressão de que ela havia ficado mais vermelha ainda. — Você não se machucou também?

— Não, não, estou bem. Desculpe mais uma vez. — E antes que pudéssemos dizer qualquer outra coisa ela se virou e voltou a seguir seu caminho.

— Espera! Você deixou isso cair!

Mas já era tarde, ela já havia desaparecido em meio à multidão e eu fiquei sem saber o que fazer com o pedaço de papel dobrado em minhas mãos. A decisão mais obvia foi ver o conteúdo para saber se realmente se tratava de algo importante e se o mesmo continha alguma informação relevante a respeito da dona, mas no fim das contas se tratava apenas de um panfleto idêntico ao que Alexy havia me mostrado mais cedo.

— Olha só, mais um motivo para você participar.

A voz repentina do meu irmão sobre o meu ombro fez com que todos os meus mecanismos de defesa ativassem e eu puxasse o papel para perto do peito, o ocultando quase como se houvesse cometido um crime. Olhando por cima do ombro eu pude encontrar os olhos púrpuros que me encaravam de volta com um brilho travesso.

— Não chegue assim de repente! — Eu dei uma nova olhada no papel, que era tão simples e banal como o primeiro que ele me mostrou. — E onde exatamente você está vendo um motivo?

Sua resposta veio em forma de um de seus muitos sorrisos cheios de segundas intenções ao qual eu já conhecia bem, e eu precisava pará-lo antes que ele começasse a ter ideias estúpidas.

— Alexy, não comece. — Seu sorriso se alargou mais ainda, ele nem sequer fazia questão de disfarçar.

— O que? Eu não fiz nada.

— Eu te conheço, sei o que está pensando.

— Não, não sabe. Você ainda não consegue ler mentes, então seja lá o que imaginou são frutos dos seus próprios pensamentos. Mas você já sabe minha opinião, eu realmente acredito que você deveria participar.

— Por que você faz tanta questão?

— Não posso me preocupar com o futuro do meu irmãozinho?

— Não me chame de irmãozinho, eu sou o mais velho.

— Por três minutos, Armin.

— Três minutos contam.

A conversa acabou como a maioria das nossas conversas acabava. Eu mantinha o sorriso no rosto, me segurando para não começar a rir enquanto Alexy revirava os olhos ao mesmo tempo em que deixava escapar um bufo resignado, embora eu soubesse que ele só não queria dar o braço a torcer e acabar rindo também.

— Você não tem jeito. — Ele finalizou com um sorriso no rosto. — Chega de palhaçada, vamos logo.

Era verdade que nós tínhamos as nossas desavenças de tempos em tempos, mas era engraçado como nós sempre acabávamos tendo aqueles diálogos cheios de nada, mas que faziam valer a pena a companhia um do outro. Acho que isso era uma família afinal. Recolhi a bolsa com a câmera e o segui – sem reclamar tanto dessa vez – pelo caminho mais vazio.

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Não importava o que as pessoas dissessem, para mim a melhor parte do dia ainda era chegar em casa e poder me jogar na cama, foi por isso que eu não pensei duas vezes quando a oportunidade apareceu, deixando o meu corpo cair de um lado e a mochila do outro. O plano inicial era ficar ali e se esquecer do mundo, sem pensar em nada, mas o plano mudou quando eu enfiei as mãos no bolso do moletom e algo chamou minha atenção.

Em minhas mãos eu tinha agora o mesmo pedaço de papel que vinha me assombrando desde o começo do dia. Eu devia tê-lo guardado inconscientemente enquanto seguia Alexy, e agora nós estávamos ali nos encarando de novo. Não podia negar que, de certa forma, a ideia havia ficado guardada no meu subconsciente, afinal de contas eu já estava começando a ficar realmente cansado do teatro, mas a troca também não me parecia verdadeiramente vantajosa, como se eu só estivesse trocando um sacrifico por outro.

Claro que também tinha o fato de eu não ter ignorado completamente as palavras de Alexy. No quesito “futuro” o projeto me dava uma base bem mais sólida, mas a questão é que já fazia um tempo que eu não pensava seriamente no meu futuro, eu apenas fazia as coisas sem pensar muito, se eu pensasse demais as crises provavelmente voltariam, eu quase já podia sentir aquele desconforto desesperador na boca do estomago. Talvez, no fim das contas, o problema estava realmente ali, eu estava pensando demais no assunto, talvez eu devesse apenas parar de pensar tanto e de colocar tantos empecilhos e apenas seguir o conselho de Alexy e fazer aquilo logo.

Tirei o celular e digitei o número de contato contido na folha, uma mensagem apenas não faria mal, eu poderia apenas alegar uma curiosidade no assunto e caso eu percebesse que não valia o esforço eu apenas diria que não estava interessado no projeto. Parecia simples na teoria, mas ainda assim eu me peguei encarando a tela do celular por alguns minutos sem saber exatamente como iniciar aquela conversa. No fim eu optei por mandar um foto do próprio anuncio junto com qualquer frase que demonstrasse interesse.

“Hey, recebi um batsinal, parece que alguém precisa de ajuda.”

 Poderia não ser a melhor forma de começar, principalmente considerando que os participantes da Anteros Expo gostavam de levar o seu trabalho de forma absurdamente seria. Talvez eu apenas fosse completamente ignorado, o que não seria totalmente incomodo, eu não teria que me dar ao trabalho de tomar uma decisão e ainda teria uma desculpa para Alexy não ficar me lembrando disso a cada minuto. Mas para a minha surpresa – e talvez desespero – a resposta chegou dentro de poucos minutos.

“Estamos salvos! O herói veio ao nosso resgate”.

“Posso perguntar o nome do meu salvador misterioso?”

“Armin, ao seu dispor.”

“É um prazer conhecê-lo, Armin.”

“Meu nome é Parish, a líder dessa instituição em perigo.”

“Diga, é você aquele quem irá assumir o meu caso?”

Não pude deixar de rir daquela bobeira de conversa, por um momento eu quase me esqueci de que tudo começou por contar de algum projeto universitário que eu não estava realmente interessado, mas se todo o grupo seguisse o entusiasmo da líder então talvez o projeto não fosse tão ruim assim. E no fim das contas, por algum motivo a garota de antes veio a minha mente no momento em que li o nome “Parish”, talvez não fosse nem com ela que eu estivesse falando, mas imaginar que sim tornava a conversa um pouco mais proveitosa.

“Não tão rápido, senhorita.”

“Eu ainda preciso de mais detalhes sobre o assunto antes de prosseguir.”

“Claro, quão ingênuo de mim.”

“Se o senhor puder, todos os envolvidos estarão presentes na 502E as 16hrs de segunda.”

“Acho que consigo um espaço na minha agenda.”

“É uma honra saber que você ira achar um intervalo entre os seus atos heroicos para nós.”

“Te espero lá ;)”

Bem, eu precisava admitir que a primeira parte não havia sido tão horrível quanto eu esperava, havia sido quase divertido, talvez aquela ideia não fosse tão ruim assim. De toda forma ainda era cedo para tomar qualquer decisão, mas não adiantava pensar muito mais nisso agora, só me bastava esperar que a segunda-feira chegasse.

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Ela havia chegado.

Foi mais rápido do que o esperado e naquela manhã eu já havia cogitado diversos motivos para desistir. Abri a conversa com Parish uma e outra vez, pronto para dar uma desculpa, mas alguma coisa me segurava e eu sempre acabava desistindo, por conta disso eu me peguei encarando a porta da sala indicada para a reunião. É claro que eu ainda poderia desistir, mandar uma mensagem de imprevisto e fingir que eu nunca estive ali, mas eu estava ali, então parecia meio ridículo não seguir em frente agora.

Dei uma leve batida na porta para anunciar a minha chegada, mas não esperei qualquer resposta para entrar, eu ainda corria o risco de ficar esperando na frente de uma sala vazia, o que eu não via como a melhor forma de terminar o meu dia, mas para a minha sorte já havia pessoas na sala quando eu cheguei.

Era só mais uma sala de aula normal onde três pessoas organizaram as cadeiras em uma espécie de semicírculo no centro. A primeira que me chamou atenção foi a garota de cabelos castanhos, ela estava de costas para mim, mas eu ainda tinha aquele cutucão no fundo da mente que me dizia que ela era, de certa forma, familiar. Ela estava acompanhada por um rapaz de cabelos vermelhos e cara de tédio, e do outro lado tinha uma garota de cabelos roxos que não parecia prestar muita atenção nos dois primeiros.

— Com licença, acho que minha presença foi solicitada.

Assim que eu me pronunciei todas as atenções se voltaram para mim. Eu trazia comigo o panfleto de anuncio, era a forma mais rápida e eficiente de prever as perguntas e já as responder ao mesmo tempo.

— Você deve ser o Armin. Muito obrigada por ter vindo.

A primeira garota se aproximou para me cumprimentar. Demorou um pouco para eu perceber, mas quanto mais eu olhava mais aqueles cabelos castanhos e os olhos verdes sob os óculos ganhavam um tom de familiaridade a ponto de eu mal ouvir o que ela estava me dizendo enquanto minha mente tentava ligar os pontos.

— Você não é a garota que trombou em mim no outro dia?

Imediatamente o rosto da garota assumiu uma expressão de absoluta surpresa para em seguida começar a receber leves tons de rosa que se espalhavam até as orelhas. Ela ficou por um momento sem reação, o que foi a deixa para o parceiro de antes iniciar uma provocação.

— Uau, Parish. Você estava tão desesperada que resolveu tentar uma abordagem mais direta?

— Cale a boca, Castiel! Foi um acidente. — Ela trocou as atenções entre mim e o ruivo, Castiel, aparentemente, antes de limpar a garganta e se recompor. — Eu realmente sinto muito por aquilo. Eu estava com tanta pressa que nem me desculpei direito.

— Está tudo bem, se não fosse por isso eu provavelmente não estaria aqui. O que traz a tona o assunto principal, não vou roubar muito o tempo de vocês. Qual o projeto?

O sorriso de Parish se alargou e os olhos adotaram um brilho que eu sequer sabia dizer se era humanamente possível existir. Aparentemente ela era a principal interessada no projeto.

— Sim, é claro, vamos do principio. Eu queria trabalhar com algo que representasse a arte em todas as suas formas, ou na maioria delas, e depois de muito pensar eu cheguei à conclusão de que um jogo seria o lugar ideal para reunir tudo. Foi ai que o grupo começou a surgir.

Conforme ela falava era possível perceber o seu entusiasmo se aparecendo em diversas formas, às vezes nos movimento de mãos ou nos tons que a sua voz assumia, o que ressaltava outro ponto que de principio eu ignorei, mas quanto mais ela falava mais eu percebia que ela tinha uma tonalidade de voz peculiar. Era mais grave do que o normalmente esperado de uma voz feminina, mas ainda era incrivelmente melódico, como se ela cantasse todas as palavras que dizia.

— Primeiro temos a Violette. — Ela se aproximou da garota de cabelos púrpura. — Nós tivemos algumas aulas juntas e eu descobri que ela é extremamente talentosa. Logo, como eu queria que todos os cenários e artes fossem feitos a mão, eu não pude deixar de pedir a ajuda dela.

— Obrigada, mas você esta exagerando, Parish.

A pequena Violette deixou a voz sair como um sussurro por de trás da enorme tela que ela tinha em seus braços. Não era preciso muito esforço para perceber que ela era absolutamente tímida, por sorte nós tínhamos Parish que provavelmente mediaria os diálogos que a envolvessem.

— Então temos o Castiel. — Ela apontou para o garoto ruivo. — Nós nos conhecemos desde o colégio e ele sempre foi bom com música, então não foi difícil escolher quem cuidaria da parte sonora. Ainda por cima ele consegue ter acesso a um estúdio profissional, o que só vai melhorar a qualidade dos nossos áudios, o pacote completo.

— Eu poderia dizer que ela está exagerando, mas é verdade, eu sou incrível mesmo.

— Ele também é um pouco convencido, mas ninguém é perfeito.

— Não sou convencido, sou honesto.

A garota revirou os olhos enquanto deixava escapar um gemido de desgosto, mas não diria que ela estava verdadeiramente incomodada, aparentemente aquele era o tipo de relação que os dois tinham.

— Enfim, nós temos mais um integrante, mas ele não chegou ainda.

— Eu mandei uma mensagem para ele há poucos minutos, ele já deve estar chegando.

Castiel mal terminou de dizer a frase quando nós ouvimos o som da porta se abrindo e uma figura alta e de cabelos platinados passou pela porta.

— Minhas desculpas. Eu me esqueci de que a reunião era hoje.

— Nós entendemos, Lys. Mas agora venha aqui, eu estou terminando as apresentações. — O rapaz se aproximou de nós e eu pude ver melhor suas feições. E eu não sabia dizer o que me chamava mais atenção, se eram os seus olhos bicolores ou as suas roupas fora de época. — Esse é o Lysandre, ele vai ajudar com os textos e diálogos, a gente não pretende fazer uma coisa muito complexa, mas ele tem um dom com as palavras que a gente não poderia deixar de lado. Lysandre, esse é o Armin.

— É um prazer conhecê-lo.

— O mesmo.

Agora que todo o grupo se encontrava ali reunido eu poderia dizer com certeza de que eles eram uma combinação peculiar. Era clara a diferença de personalidades entre todos ali, o que me surpreendia em como eles eram capazes de manter aquilo funcionando.

— Bem, essas são todas as partes que nós temos, mas ainda é necessário que alguém junte tudo para a gente. Nós tivemos um programador antes, mas ele arranjou outros projetos e não tinha mais tempo para o nosso trabalho, é por isso que agora eu estou pedindo a sua ajuda. — Ela mordiscou o lábio inferior parecendo um tanto nervosa, mas eu precisava dizer que achei o movimento um tanto fofo. — E ai? O que me diz?

Meu olhar vagou por todos os presentes na sala e eles me encaravam de volta com diferentes tons de expectativa que quase me faziam sentir obrigado a aceitar o convite, embora eu precisasse admitir que Parish havia sido aquela que mais segurou minha atenção naquele momento. Mas a verdade é que havia sido ela desde o começo, aqueles olhos verdes tinham algo mais que me atraia, e era algo que eu queria encontrar.

— Ok, vocês conseguiram chamar minha atenção de certa forma. Eu vou ajudar.

Eu esperava sim um pouco de comemoração, mas não esperava que Parish gritasse animada e pulasse no meu pescoço sem qualquer cerimônia. Eu fiquei sem reação por um momento, acabando só por dar um leve tapinha em seu ombro, retribuindo o quase abraço enquanto achava graça da situação.

 — Obrigada, obrigada, obrigada.

— Você vai acabar assustando ele assim. — Castiel apareceu na cena, puxando Parish com ele e me liberando dos braços finos da garota. — Perdoe a nossa líder, juro que somos um grupo sério. Bem vindo, inclusive.

O restante do grupo me deu as boas vindas, não tão agitadas quanto às da líder, mas ainda era possível perceber a animação em seus rostos. Sem perder mais tempo Parish se pôs a frente do grupo já começando a discutir as responsabilidades de cada um e o futuro do projeto. Ela e Castiel eram os que mais falavam, embora fosse possível perceber o comprometimento de todo o grupo, todos sabiam exatamente o que estavam fazendo e Parish tinha um dom natural para coordenar tudo.

A reunião não durou muito tempo, aparentemente eles já tinham boa parte de tudo planejado, estando apenas em “modo espera” até que achassem alguém que pudessem consolidar seus planos. Seria um jogo de plataforma simples, o foco maior era na arte em si, eu já havia conhecido outros jogos que se focavam nisso e era realmente agradável de ver. Precisava admitir que a ideia era realmente interessante.

Os detalhes finais foram passados e eu fiquei por dentro de todo o projeto em si. Uma vez que a reunião foi encerrada todos se levantaram e foram saindo da sala aos poucos, parando para me dar uma ultima boas vindas antes de sair. Eu já estava pronto para ir também quando senti alguém agarrando o meu braço, olhei para trás para encontrar os mesmos olhos verdes radiantes me encarando.

— Esqueci de dizer, mas o nosso antigo programador ainda chegou a iniciar o projeto. — Ela puxou um pequeno objeto do bolso e me entregou o que acabou por ser um pendrive. — Está tudo salvo ai, se você quiser dar uma olhada. Sem pressa para devolver.

— Ah, claro. Hoje mesmo eu já vejo o que posso fazer.

— Obrigada mais uma vez. E bem vindo ao time.

Ela saiu da sala quase saltitante. Era engraçado e fofo de certa forma, ela definitivamente tinha uma alegria contagiante que esquentava o coração. Não pude deixar de sorrir com toda a situação, aparentemente decidir entrar para o grupo não havia sido uma ideia tão ruim assim, e agora eu me encontrava ansioso pelos dias que estavam por vir.

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Virar noites em claro não era realmente uma novidade na minha rotina, mas as consequências no dia seguinte ainda eram difíceis de suportar, principalmente quando eu via linhas e mais linhas de códigos de programação quando fechava os olhos. Era a maldição que vinha quando você assinava a matricula de qualquer curso que envolvesse computação.

— Noite difícil?

A voz que me tirou dos meus pensamentos veio acompanhada pelo copo de café que preencheu minha visão. Com um pouco de dificuldade eu ergui a cabeça da mesa da cantina onde eu me encontrava derrotado para me deparar com a figura sorridente de Parish, radiante de um jeito que provavelmente só ela conseguiria àquela hora da manhã.

— Acho que você pode dizer isso, considerando que eu só percebi que a noite tinha passado quando vi o sol nascendo. — Eu agradeci o café oferecido e levei o copo à boca. O liquido desceu quente e amargo pela minha garganta, mas foi o bastante para que eu já sentisse a minha alma retornando aos poucos para o corpo. — Eu só tive algumas dificuldades com a programação que você me deu.

— Era tão ruim assim?

— Não estava ruim, mas programação já é complicada por si só. Se eu tentasse seguir a linha de raciocínio do antigo programador provavelmente criaria um conflito nos códigos futuros, então eu decidi só usar a base, mas ainda tive que reescrever boa parte. Não foi realmente um trabalho, reconfigurar a C não era difícil, só é chato quando as coisas começam dar errado e você tem de procurar uma agulha em um palheiro.

Eu parei por um momento, percebendo que eu nada mais estava fazendo do que divagar. Ainda assim Parish era gentil o bastante para permanecer sentada a minha frente com uma expressão alegre como se estivesse ouvindo atentamente e compreendendo todas as minhas dificuldades.

— Desculpe, eu me deixei levar.

— Tudo bem, eu posso não entender todos os detalhes, mas eu sempre gosto de ouvir as pessoas falarem do que elas gostam. Tem uma beleza única.

— Jeito engraçado de dizer que eu sou bonito.

— Eu não estava falando da beleza física, besta. — O rosto dela ganhou os tons de rosa costumeiros, mas o brilho nos olhos não me passava à sensação de que ela estivesse realmente incomodada. — Mas eu também não posso negar. Morenos de olhos azuis fazem o meu tipo.

Foi a minha vez de sorrir. Era engraçado como nos fomos capazes de alcançar um equilíbrio onde parecia que já nos conhecíamos há anos, mesmo que fizesse poucos dias. A presença dela me trazia uma paz, junto com aquele sentimento engraçado na boca do estomago que eu não sabia bem o que era, mas que também não era ruim.

— Parish, Parish. Primeiro o café e agora elogios gratuitos. Admita, você só esta tentando ficar do meu lado bom para poder se aproveitar de mim.

— Meu plano foi descoberto! Mas me diga, eu tinha alguma chance de sucesso?

— Não sei. Talvez ao final desse copo eu decida fingir que nunca descobri nada, e ai você pode tentar de novo.

— Vou manter isso em mente. — Ela piscou para mim, um gesto simples, mas que me fez sentir mais acordado do que se tivesse tomado todos os copos de café do mundo. — Foi bom te ver, mas o dever chama e eu preciso ir. Tente não desmaiar em cima do seu teclado ou eu vou me sentir responsável.

— Se o sentimento vier acompanhado de mais cuidados especiais então eu não posso prometer nada.

Ela mostrou a língua antes de se levantar e correr em direção à saída da cantina, eu fiquei ali, com um copo de café na mão e um sorriso besta na cara. Normalmente os meus dias pós noites em claro não eram repletos de bom humor, mas hoje eu tinha a sensação de que aquele dia seria bom.

༺═──────────────═༻

Já fazia um tempo desde a última vez em que eu havia colocado os pés naquela área do teatro. Tecnicamente eu nem poderia estar ali já que eu já estava fora da equipe, mas Alexy ainda fazia parte da mesma, o que me dava um tipo de “passe livre” para os bastidores do teatro, contanto que fosse antes do inicio das peças e ensaios.

Era por isso que agora eu conseguia seguir pelos corredores quase vazios das salas de vestuário. Eu finalmente tinha conseguido terminar de transferir e modificar os códigos de programação que eu havia recebido de Parish, e agora eu estava tentando a minha sorte de encontrá-la para lhe devolver o pendrive. Ela tinha me dito que ficava no auxilio do teatro desde os primeiros horários, mas não me passou pela cabeça de perguntar exatamente onde. E quando a ideia finalmente se passou pela minha cabeça ela parou de receber as minhas mensagens.

Conclusão, eu estava vagando sem rumo por pessoas que se diziam muito ocupadas para me dar um mínimo de informação. Eu já estava quase sem esperanças quando uma das bailarinas que se alongava nos corredores me disse ter visto Parish indo em direção aos vestuários do fundo fazia alguns minutos. Não era a informação mais recente ou mais precisa, mas era tudo o que eu tinha, com sorte talvez nós nos esbarrássemos no caminho.

Cheguei à região dos vestuários. Eram três no total, dois tinham as portas abertas então uma rápida espiada me confirmou de que estavam vazios, o ultimo era o único com a porta fechada então ainda havia uma chance de que ela estivesse lá. Me aproximei da porta e ergui a mão para bater na mesma, mas antes que eu tivesse a oportunidade de fazê-lo a porta se abriu e uma figura saiu apressada de dentro, quase batendo em mim. Infelizmente não era a figura que eu procurava, não estava nem próximo disso. Com aqueles longos cabelos pretos e aquele ar de Don Juan só poderia ser uma pessoa, DeLucca.

— Ah! Sinto muito. — ele começou. — Eu bati em você? Eu não esperava que tivesse alguém aqui.

— Tudo bem, foi meio minha culpa. — aquela situação era meio estranha, eu só conhecia DeLucca no palco e nas poucas coisas que eu vi e ouvi por ai. Não que eram coisas que faziam dele uma pessoa ruim, é só que a primeira impressão era sempre aquele ego enorme que eu não sabia se permitia que outras pessoas se aproximassem. — Eu só estava procurando alguém, você não a conhece por acaso? Parish?

Ele tocou o queixo fino com os dedos enquanto encarava o teto com uma expressão pensativa, os lábios se moviam em um murmúrio que eu não conseguia distinguir, mas nada que durou por muito tempo antes da realização cruzar as suas feições.

— Ah, sim! Fadinha!

— Fadinha?

— É! Ela é pequenininha e está sempre correndo para lá e para cá, sem dizer as vezes que ela simplesmente desaparece por aí. Então o pessoal inventou o apelido e meio que pegou. Agora todo mundo conhece por “fadinha”.

Precisava admitir que o uso do apelido me pegou de surpresa, ele tinha aquela entonação totalmente afetuosa que dava a ideia de intimidade. Era verdade que eu não conhecia Parish o bastante para saber de todo o meio social que ela estava envolvida, e era meio obvio que ela provavelmente conhecia DeLucca uma vez que ela sempre estava no meio do teatro. Mas ainda assim a realização disso me dava um incomodo estranho, e aparentemente era um incomodo que se fazia visível para o resto do mundo, pois DeLucca não demorou em começar a se explicar novamente.

— Desculpe, eu devia ter pensado melhor antes de falar. Eu não sabia que Parish tinha um namorado, a gente não é tão próximo assim.

— Não sou namorado dela.

— Ah, certo. É só que você, bem, eu pensei que...

— Ta tudo bem. Olha, esquece, eu só precisava devolver algo pra ela, mas eu resolvo isso depois.

— Se você quiser eu posso devolver.

— Achei que vocês não eram próximos.

— Não realmente, mas como ela está na equipe de teatro eu tenho mais chance de encontrar ela do que você.

Não sabia explicar o porquê, mas o jeito como aquele cara colocava as coisas fazia com que eu precisasse de um esforço maior para manter a calma, percebi isso quando o meu maxilar travou e eu pude sentir o ranger dos meus dentes um contra o outro. Respirei fundo para colocar a cabeça no lugar, fazia um tempo que eu não tinha a sensação das minhas emoções saindo do controle, e agora não era a hora para isso, além de que eu não tinha nenhum motivo para me sentir daquele jeito. Com um pouco de esforço eu coloquei um sorriso agradecido no rosto.

— Se não for problema.

Eu entreguei o pendrive e me arrependi quase que na mesma hora enquanto o via guardar o pequeno objeto na mochila. Em minha cabeça eu vi o rosto sorridente de Parish e percebi que eu havia entregado a oportunidade de ver aquele rosto nas mãos de outro cara, mas agora era tarde para voltar atrás.

— Imagina, cara. Não é nada demais. Enfim, se você me der licença, eu realmente preciso ir.

Ele me deu um tapinha de despedida no meu ombro, o que só atenuou a diferença de altura entre nós dois. Era engraçado como ele parecia ser bem mais alto no palco, talvez se devesse a algum jogo de luzes? Bem, não era realmente algo que eu estava interessado. Eu já estava preste a vê-lo desaparecer pelo corredor quando algo no chão, perto da porta do vestuário, me chamou a atenção.

— Ei, espera! Você deixou o seu... — A frase morreu na minha garganta e a duvida se instalou na minha mente quando eu ergui o objeto misterioso. —... Sutiã?

Pendurado pela alça em meu dedo indicador havia agora um sutiã delicado de um tom claro de azul. Meus olhos vagaram da peça intima para o rosto de DeLucca que, embora ainda não tivesse perdido aquele sorriso de galã, agora parecia com algo um pouco mais perto do pânico.

— Não estou julgando.

— Não! Eu... — Ele limpou a garganta como se tentasse se recompor, e eu podia jurar que ouvi sua voz alcançar um tom agudo que me era estranhamente familiar. — Alguma das garotas deve ter esquecido aqui. Acho que eu sei de quem é, pode deixar que eu devolvo.

— Você sabe de quem é?

Agora eu via a expressão nervosa de DeLucca ganhar tons de vermelho que se espalhavam quase até as pontas das orelhas. Por mais que toda a situação fosse muito estranha era engraçado de certa forma, e pela primeira vez eu pude dizer que vi DeLucca como uma “pessoa normal”.

— É só que, têm dias que isso vira uma bagunça na troca de figurino, então todo mundo meio que já sabe o que é de quem.

— Claro... Vou fingir que é por isso. — Eu estendi a peça em sua direção. — Eu te odeio, sabia?

O sorriso relaxado de sempre voltou a aparecer em suas feições e ele puxou o sutiã das minhas mãos, apenas enfiando a peça dentro da mochila sem muita cerimônia.

— A maioria dos caras faz.

Com isso ele saiu às pressas pelo corredor, me deixando para trás ainda um pouco confuso com tudo o que havia acontecido, mas eu cheguei à conclusão que o melhor a se fazer seria ignorar e só seguir o meu caminho de volta. Perto da saída do teatro eu pensei que seria melhor avisar Parish sobre o pendrive, então eu puxei o meu celular do bolso e entrei na nossa conversa, ela ainda não havia lido as mensagens antigas.

“Ninguém soube me dizer onde o mestre dos magos estava.”

“Encontrei com DeLucca e ele me prometeu te devolver o pendrive. Se alguma coisa der errado, ele me obrigou.”

Guardei o celular sem esperar uma resposta, ela deveria estar ocupada se ainda não havia lido as mensagens anteriores. Mas aparentemente Parish também era um ponto fora da curva e nada do que você deduzia sobre ela estava certo, e a resposta chegou em poucos minutos.

“Oi, desculpa não ter respondido antes. Não parei de correr desde cedo.”

“Acabei de encontrar com Augustus, ele já me devolveu o pendrive. Muito obrigada <3”.

“Estou ansiosa para ver como está ficando o trabalho ^^”.

“Não foi nada, fadinha =P”.

“Ai meu Deus, foi o Augustus, não foi?”

“Eu vou acabar com ele!”

O simples fato de poder ter aquela conversa tão banal com ela fez com que o sentimento estranho de mais cedo se tornasse mais suave, embora ele ainda existisse ali eu sentia também uma coisa muito melhor, como se ela iluminasse o meu dia e trouxesse o melhor de mim. A verdade era que eu estava passando por uma complexidade estranha de sentimentos naqueles dias, mas eu não tinha muito tempo para pensar nisso, havia trabalho a ser feito.

༺═──────────────═༻

— Isso é totalmente o básico, mas acho que vocês conseguem ter uma noção.

As primeiras três semanas desde o dia em que eu me juntei ao grupo havia passado. Nós estávamos em mais uma das nossas reuniões rotineiras, que não tinham realmente uma rotina, mas nós tentávamos manter um padrão de encontros. Naquela tarde eu havia levado o meu notebook para mostrar o “esqueleto” do nosso jogo, o que também foi a prova final de que eu iria oficialmente ficar no grupo, o que meio que acendeu o animo de todo mundo na sala.

— Não se parecesse exatamente com o que eu estava imaginando. — Castiel foi o primeiro a falar.

— Por enquanto é só o molde. Vai começar a tomar forma quando as meninas fizerem os desenhos para eu adicionar as texturas. Eu só queria mostrar que o básico da movimentação funciona.

— Não ligue pra ele, Armin. Se não for sobre música o Castiel é uma verdadeira porta, mas o seu trabalho está incrível! — Parish falava com um sorriso enorme no rosto. Era legal saber que o resto do grupo aprovava o projeto, mas saber que ela em especifico gostava fazia ter um toque especial. — Eu estou tão animada! Eu e Viollete vamos começar com as pinturas imediatamente, só precisamos arranjar todos os materiais. Vio, você pode vir comprar comigo essa semana?

— Eu estou um pouco ocupada com outros trabalhos para entregar. Mas eu posso te mandar a lista do que vai ser necessário.

— Mas não é muita coisa? Não sei se eu dou conta sozinha.

— Eu posso ir com você. — Eu me ofereci.

Os olhos de Parish brilharam em animação. Naquele pouco tempo que passamos juntos eu aprendi que ela transbordava de emoções de um jeito que eu nunca havia visto alguém fazer. Se algo bom acontecia ela transformava em uma festa, como se fosse uma criança que recebe doces da mãe, ao mesmo tempo em que, se algo ruim acontecia ela fazia questão de transformar em um drama digno de Oscar.

— Realmente? Não vai atrapalhar o seu trabalho?

— Não realmente, eu preciso das partes de vocês para conseguir continuar. Então meio que eu estou fazendo o meu próprio trabalho também.

Ela deu um gritinho animado e agarrou o meu pescoço em um abraço, repetindo gratidões sem parar. Eu sabia que ela era assim naturalmente, mas ainda assim eu pude sentir um leve calor me subir ao rosto, e tive quase certeza de perceber um leve tom rosado no rosto da mesma quando ela se afastou.

— Você pode esse final de semana?

— Sim. Acredito que eu esteja livre.

— Ótimo! Isso vai ser incrível. Agora nós estamos oficialmente progredindo. Vai time!

Ela desfilou pela sala trocando um high five com todos da sala. Eu me lembro de que no começo eu havia achado estranho como foi possível se formar um grupo composto de figuras tão distintas, mas agora eu percebia que Parish era a responsável por conseguir manter o equilíbrio entre todos. Não era surpresa de que ela era a líder do grupo, ela tinha aquela aptidão natural de conseguir fazer todos colaborarem entre si, sem muito esforço a energia dela só te envolvia e você se sentia bem em cooperar, era algo admirável de se ver.

Nós ficamos mais algum tempo discutindo as partes técnicas do projeto, tanto que nós sequer vimos à hora passar, o que resultou em todo mundo meio que saindo correndo para os seus próximos compromissos. Parish prometeu me mandar os últimos detalhes do nosso encontro no fim de semana e eu tinha o sentimento de que aquela semana demoraria muito para passar.

༺═──────────────═༻

Graças a toda a pilha de trabalho que eu tinha para fazer eu consegui me distrair pelo o resto da semana, mas não havia nada que poderia me salvar do sábado. O tempo se arrastou de forma muito mais lenta naquela manhã, eu chequei o meu telefone diversas vezes e passei em frente ao espelho algumas vezes mais até finalmente chegar o horário em que eu deveria sair de casa.

Eu e Parish havíamos combinado de nos encontrar em frente à estação próxima da universidade. Quando eu estava concentrado em outra coisa o caminho era relativamente curto, mas como hoje nada parecia prender a minha atenção eu senti que a viagem demorou três vezes mais. Sim, eu estava de certo modo nervoso, em todas as outras vezes que nós nos falamos o restante do grupo estava junto, ou então nós conversávamos por mensagens, então hoje só se sentia diferente.

Cheguei com alguns poucos minutos de antecedência, ela ainda não havia chegado então mandei uma mensagem avisando que estaria sentado em um banco próximo, escondido sob a sombra de uma árvore. O sol brilhante daquele dia não estava nem perto de ser o meu clima favorito, às vezes eu pensava que talvez os vampiros nem sequer morressem no sol, eles apenas preferiam o evitar. Errados não estavam, eu fazia o mesmo.

“Eu tive um imprevisto, vou me atrasar um pouquinho ><“.

“E o que você tem contra o sol?”

“Eu sou a noite, querida.”

“Não nos damos bem ;)”

“Claro, como eu pude esquecer.”

A maioria das trocas de mensagens que eu tinha com Parish quase nunca tinham um rumo serio, e daquela vez não foi diferente. Mas ainda assim foi tudo o que eu precisei para me livrar um pouco da tensão que estava sentido desde manhã, sem aquelas conversas eu provavelmente ficaria totalmente inquieto até a hora de sua chegada.

Ficamos alguns minutos trocando mensagens até que ela finalmente chegou. Eu me levantei para falar com ela, mas ela ficou parada na minha frente, digitando sem parar no próprio celular. Fiquei um minuto em duvida de chamar a sua atenção ou não, mas minha própria atenção foi desviada pela vibração do meu celular.

“Cheguei.”

 Eu abri um sorriso imediatamente. Ela tinha esses momentos aleatórios que conseguiam ser extremamente fofos.

— Você sabe que pode falar comigo pessoalmente, certo?

— Mas confesse que assim é bem mais engraçado. — Eu não tive tempo de responder sendo apenas agarrado pelo pulso e puxado em direção a estação. — Vamos logo, não temos tempo a perder.

Nós passamos pela catraca, e eu me permitir a observar um pouco mais durante o processo. Embora eu não fosse realmente um fã do verão, precisava admitir que ele tinha as suas vantagens, o short deixava a mostra boa parte de suas pernas alongadas e a blusa aberta nas laterais me dava à visão de suas costelas onde eu pude ver uma pequena tatuagem. Era simples, um pequeno pássaro formado por diversas notas musicais.

— Tatuagem maneira.

O rosto mostrou uma expressão surpresa, as mãos indo imediatamente até as costelas e dedilhando o desenho, um sorriso se abriu em seguida.

— Obrigada. Às vezes eu esqueço que está ai.

— Tem um significado especial?

— É um rouxinol, normalmente é associado com arte e poesia. Mas também é um passarinho tímido, ele exibe sua arte, mas não quer realmente que as pessoas o percebam.

— Combina com você. — Recebi mais um sorriso em resposta.

Nós seguimos até as plataformas sem muita conversa, era um pouco estranho, mas não realmente incomodo. Como se nenhum de nós soubesse realmente o que dizer, mas ao mesmo tempo não importava se algo fosse dito, nossos olhares se encontravam de vez em quando e era como se aquilo fosse todo o necessário. Nós ficamos em silencio por mais um tempo enquanto esperávamos o metrô chegar, até que ela começou.

— Eu estava pensando, faz um tempo que eu não te vejo no teatro.

— Eu sai da equipe quando entrei pro seu projeto.

— Não é realmente um fã, hein? — Soltei uma pequena risada.

— Arte nunca foi minha praia.

Nossa conversa foi cortada por um momento com a chegada do metrô. O mar de gente começou a se mover entre o embarque e desembarque e nós precisamos nos segurar um no outro para não sermos completamente levados. Com certeza o metrô já havia visto dias mais cheios, mas ainda assim naquele dia foi preciso que nós nos apertássemos um pouco em um canto. A proximidade me permitia a observar com muito mais detalhes agora, de um modo que eu quase me perdi em suas belas feições, mas ela me chamou de volta, sua voz tão perto que quase me causou arrepios.

— Você diz não ser fã de arte, mas pra mim o seu trabalho é com certeza um tipo de arte.

Nossos olhos se focaram por um instante. Eu não sabia exatamente como reagir, era a primeira vez que alguém se referia ao meu trabalho daquele jeito, mas o fato de ser Parish quem o fazia só me deixava mais alegre por dentro. Ela era uma amante da arte, e se ela dizia que o que eu fazia era arte então eu não poderia deixar a oportunidade passar.

— Jeito engraçado de dizer que me ama.

— Pare com isso! — Ela me deu um leve soco no ombro, mas as risadas me diziam que ela não estava realmente incomodada. — Você é tão convencido.

Eu a acompanhei nas risadas, principalmente quando ela cruzou os braços e desviou o olhar para a janela, fingindo estar emburrada, mas eu podia ver o enorme sorriso em seu rosto e o leve rubor nas bochechas.

— Você pensa em voltar? Pro teatro eu quero dizer.

Era verdade que eu ainda não tinha pensado no que fazer depois que a Expo passasse. Já havia meio que virado um habito não pensar muito no meu futuro, e se eu começasse isso só se estenderia demais e causaria um sofrimento desnecessário. Eu dei de ombros, sem ter realmente uma resposta concreta.

— Não sei. Se for preciso, talvez. Não estou realmente ansioso para voltar a ver DeLucca no palco.

— Você não gosta dele?

Abri um sorriso pronto para fazer alguma piada a respeito, mas quando eu olhei para Parish ela tinha uma expressão séria, mordiscando o lábio da forma que eu percebi que ela fazia quando estava nervosa ou pensativa – e que também acabou se tornando uma das minhas fraquezas – o que acabou fazendo com que eu engolisse a minha brincadeira e encontrasse uma resposta mais perto da realidade.

— Eu não tenho nada pessoal contra ele. Mas a imagem que eu tenho dele é de um narcisista irritante, então não acho que a gente se daria bem. — Parish riu.

— É, eu entendo. Mas ele não é sempre assim, sabe? Na verdade ele é inseguro e se importa demais com a opinião alheia, e mesmo estando cercado de pessoas ele nunca pode ser sincero com ninguém. Acho que você poderia tentar conversar de verdade com ele um dia.

A conversa tomou um rumo muito mais profundo e totalmente inesperado, e ainda por cima era sobre DeLucca, aquele de quem eu não tinha o menor interesse. Ainda assim, ver o modo sério com que Parish falava dele me dava um nó no estomago.

— Você é próxima dele?

Eu não pensei antes de falar, mas no momento em que falei eu percebi o meu erro, que só se tornou mais visível quando o sorriso de Parish se alargou. Eu não poderia dizer o que ela estava pensando, mas o sentimento que eu tinha era de ser uma presa esperando pelo bote.

— Ciúmes?

— Não.

 Sim. Mas eu não podia simplesmente admitir, embora negar talvez só piorasse a minha situação. Mas era verdade, agora que ela havia perguntado eu poderia dizer que a seriedade e preocupação que ela usava para falar de DeLucca me causava aquele desconforto estranho. Talvez não fosse o meu lugar de estar sentindo aquilo, mas estava lá, e era uma droga. Para meu alivio ela não insistiu muito no assunto.

— Se você diz... — Mas o sorriso nunca saiu do seu rosto. — Sobre DeLucca, nós somos próximos de certa forma, mas é só por causa do meu pai. E, no fim das contas, eu nunca poderia ser a amiga próxima que ele precisa.

— E por que não?

Nossa conversa foi interrompida pela voz do metrô anunciando a próxima estação. O semblante sério e o olhar sonhador de Parish desapareceram em um instante, como se nunca tivessem estado ali, voltando para o seu estado radiante de sempre.

— Vamos, é a nossa parada.

Ela agarrou minha mão e me puxou para fora do vagão com ela. Nossa conversa anterior acabou ficando de lado, mas eu não consegui tirar aquele incomodo do fundo da mente.


Notas Finais


Link pro grupo mais lindo desse facebook <3
Fanfics Amor Doce/Eldarya
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