História Sangue Negro (Segunda temporada) - Destinação, Determinação e Deliberação

Severo Snape

Hermione não me questionara sobre quem eu era. Foi uma decepção não poder, ao menos, tentar fazê-la lembrar. Mas forçar, não seria uma solução.

Seu impulso final de me abraçar, no entanto, demonstrou que quanto mais próxima Hermione ficava de mim, mais seu corpo reagia a proximidade. Sua mente poderia não lembrar, mas o corpo, sim.

Meu plano era tentar me aproximar cada vez mais. Mas Hermione pareceu fugir de todas as formas possíveis. Quem poderia culpá-la? Estava se protegendo do que não podia compreender.

Um mês se passara desde o ocorrido e eu quase não conseguia chegar perto de Hermione. Ela fugia de mim toda vez que nos encontrávamos no corredor. Nas aulas, preferia fazer dupla com qualquer outra pessoa que não fosse eu. Nem mesmo Draco conseguia abordá-la.

Mas eu jamais desistiria.

A neve entorno da escola derreteu com a chegada de fevereiro e foi substituída por uma umidade fria e monótona. Nuvens cinza-arroxeadas pairavam à baixa altitude sobre o castelo, e uma chuva gelada contínua deixava os gramados escorregadios e lamacentos. O resultado disso foi que a primeira aula de Aparatação do sexto ano, programada para a manhã de sábado, para os alunos não faltarem às aulas normais, foi realizada no Salão Principal e não ao ar livre.

Encaminhei-me até o salão principal e me juntei a um grande grupo de alunos do sexto ano de todas as casas. Hermione estava entre os inscritos para o curso, logo eu me inscrevi para ficar de olho nela.

Todas as mesas do salão tinham desaparecido. A chuva chicoteava as janelas altas e o teto encantado girava sombriamente no alto, quando todos se reuniram diante de Minerva, Filio, Pomona e Horácio – diretores das Casas –, e um bruxo miúdo que só poderia ser o instrutor de Aparatação do Ministério. O bruxo era estranhamente descorado, com pestanas transparentes, cabelos ralos e um ar incorpóreo, como se uma lufada de vento pudesse levá-lo.

– Bom dia – começou quando todos os alunos se reuniram e estavam em silêncio. – Meu nome é Wilkie Twycross, e serei o seu instrutor ministerial de Aparatação nas próximas doze semanas. Espero poder prepará-los para o teste de Aparatação, neste prazo...

– Malfoy, sossegue e preste atenção! – Minerva vociferou.

A curiosidade exacerbada dos cabeças-ocas fez com que todos virassem para ver o que Draco estava aprontando. O loiro assumiu uma tonalidade rosa-escuro; estava enfurecido quando se afastou de Crabbe, com quem, pelo jeito, estivera discutindo aos cochichos.

– ... prazo em que muitos de talvez estejam prontos para fazer o teste – prosseguiu Twycross, como se nada tivesse acontecido. – Como vocês talvez saibam, normalmente é impossível aparatar ou desaparatar em Hogwarts. O diretor suspendeu este encantamento, apenas no Salão Principal, por uma hora, para que vocês possam praticar. Gostaria agora que cada um se posicionasse deixando um metro e meio de espaço livre à frente.

Como era de se esperar daquele bando, teve início a balburdia. Muitos se empurravam para conseguir o espaço requerido e raros pediam que seus colegas se afastassem. Minerva e meus outros ex-colegas de trabalho, circulavam entre o amontoado, enfileirando e posicionando os retardatários e impedindo possíveis brigas por espaço. Lancei um olhar torto para Horácio quando o homem se aproximou para tentar me indicar uma posição melhor. Não foi preciso nada mais que isso para que ele se afastasse rapidamente. Eu não me mexeria dali, tinha uma ótima visão de Hermione.

Acompanhei o olhar de Hermione para o outro lado do salão, apenas para encontrar Potter correndo naquela direção. O garoto praticamente sumia atrás da massa gigantesca que era Ernesto MacMillan. O que ele pretendia? Examinei o seu entorno e notei que Draco continuava discutindo com Crabbe, a um metro e meio dele.

Claro. Potter e sua implicância com Draco... Ele deveria estar mais preocupado com Hermione. Tornei a olhá-la e ela já não mais se atinha ao garoto, parecia ansiosa e impaciente ao mesmo tempo. Aquilo me intrigava, Hermione já sabia aparatar, não precisava das aulas para fazer a prova e adquirir sua licença.

– Agora então... – anunciou Twycross atraindo a atenção de todos.

Ele fez um aceno com a varinha e, instantaneamente, apareceram aros de madeira no chão em frente a cada um dos estudantes.

– É importante lembrar dos três Ds quando aparatamos! Destinação, Determinação e Deliberação...

Até eu estava ficando irritado com tanta enrolação. Continuei observando Hermione enquanto o homem se esganiçava para instruir corretamente os cabeças-ocas. Mais uma vez, eu vi a ansiedade crescer em seus traços. Por Salazar... O que ela pretendia?

– Quando eu mandar... um... dois...

Então, eu compreendi o que Hermione pretendia, mas era tarde demais. Eu não conseguiria impedi-la.

– ...TRÊS!

Hermione aparatou. E contrário a todos os outros, que apenas pretendiam entrar no círculo de madeira a sua frente, ela sumiu completamente.

Hermione Granger

Aparatei nos portões da Mansão dos Malfoy e corri para dentro da casa. O discurso daquele pigmeu tinha tomado uma boa parte do tempo em que o Salão Principal estava com o encantamento que impedia aparatação suspenso. Logo, eu teria que correr para não atrair muita atenção no meu retorno.

Esmurrei a porta até um elfo doméstico abri-la. Seus imensos olhos estavam assustados com a minha brutalidade, mas eu não me importei. Ignorei sua existência e percorri os passos que me separavam da sala de reuniões. Cruzei as portas duplas com as palavras na ponta da língua, no entanto, para a minha frustração, o Lorde não estava ali.

Voltei para o hall da casa e o elfo já havia sumido no ar. Claro que ele não ficaria ali para ser espinafrado. E agora? O que faria? Talvez outra pessoa pudesse me ajudar.

Sem perder mais tempo, avancei pela escada até o andar superior. Os corredores iguais foram ficando para trás até que, finalmente, alcancei a porta branca que eu tanto procurava. Bati à porta, dessa vez com delicadeza, apesar da pressa. Não demorou para que a ela se abrisse e um amontoado de cabelos negros surgisse para me receber.

– Hermione? O que faz aqui? – Bellatrix indagou com a confusão estampada em seus traços.

– Não temos tempo para isso – rugi com urgência. – Onde está o Lorde?

Ela ergueu uma sobrancelha e me analisou brevemente.

– Ele não está.

A raiva ferveu dentro de mim e eu tive que me segurar para não gritar. Justamente no dia em que eu conseguia chegar até a mansão, ele não estava?

– Inferno! Eu precisava falar com ele!

– O que é tão urgente que precisou vir até aqui? – questionou ignorando meu surto.

– Se vocês respondessem minhas cartas, eu não precisaria me desdobrar para vir até aqui!

Seu cenho franziu.

– Hermione, eu não tenho notícias suas desde a sua volta para Hogwarts – informou encafifada. – Não chegou sequer um sinal seu até este instante.

– Salazar! Como eu temia, aquele velho deve ter intercedido minha correspondência... – amaldiçoei-o.

– Provavelmente – concordou com um breve aceno. – Agora, me diga o que é tão urgente? Aconteceu algo com você?

– Não – repliquei rapidamente para não perder mais tempo. – Ouça, você sabe o que é Horcrux?

Bellatrix coçou o queixo e franziu o cenho. Claramente estava pensando sobre a palavra.

– Creio não poder ajudá-la. Mas por que o interesse?

Bufei irritada. Todo aquele trabalho, para nada!

– Potter me contou que em um de seus encontros com Dumbledore, o velho usou o termo e ele está ligado ao Lorde de alguma forma. Quero saber o que Dumbledore pretende com o conhecimento que deseja conseguir sobre essa tal de Horcrux.

A mulher ficou repentinamente séria.

– Falarei com o Lorde sobre isso. Não se preocupe, Hermione. Assim que obtiver uma resposta, você saberá.

Suspirei derrotada. Quanto azar! Mas ao menos esperava que Bellatrix repassasse o meu recado.

Preparei-me para virar e ir embora, mas um estalo me fez permanecer no lugar e encarar a mulher que permanecia a minha frente me analisando.

– Alguém da família Prince é subordinado ao Lorde?

Bellatrix pareceu surpresa com a questão inusitada, mas negou com a cabeça.

– Desconheço qualquer Prince que siga o Lorde. Na verdade... – Ela coçou o queixo pensando mais um instante. – Até onde eu saiba, Hermione, a linhagem da família Prince foi extinta há anos com a morte de Eileen Prince. Era uma ex-jogadora de quadribol famosa nos anos quarenta...

Franzi o cenho. Isso significava que a família Prince estava extinta há anos.

Lembrava de Prince mencionar ser praticamente o último Prince. Mas a informação de Bellatrix o contrariava por uma ou duas gerações. Era, no mínimo, curioso.

– Posso estar errada... Por que não olha no livro de linhagens bruxas que eu te dei?

– Livro?

Eu não lembrava exatamente do livro e não lembrar de um livro não condizia comigo.

– O que eu te dei de Natal – replicou aborrecida.

Agora que ela mencionara, eu tinha uma vaga lembrança do livro. Mas era uma memória turva para tão pouco tempo que passara. Dei de ombros, ignorando o pensamento. Procuraria o livro depois.

– Claro, claro – murmurei sem interesse. – Bem, era só isso. Sendo assim, já vou.

Sem dar tempo para despedidas, dei as costas para Bellatrix e voltei pelo corredor. Estava na hora do teatro em Hogwarts.

Severo Snape

Evidentemente, o sumiço de Hermione chamara a atenção. Os alunos cochichavam em baixo tom sobre o que poderia ter ocorrido, enquanto meus ex-colegas e o instrutor do ministério rondavam o círculo que pertencera a Hermione, compartilhando suas teorias. Eu tinha certeza que ela aproveitara a oportunidade para ir atrás de Voldemort e lhe contar tudo o que arrancara do idiota do Potter e do inútil do Weasley. Ela só precisava de uma oportunidade e nós a demos de mão beijada.

“PLOC”

Em um piscar de olhos, Hermione estava de volta e bem no meio de seu círculo.

– O que houve, Srta. Granger? – Minerva tomou a dianteira e questionou o que todos queriam saber.

O olhar dissimulado que lançou para os outros era digno de um prêmio. Para qualquer um que olhasse, Hermione pareceria assustada e confusa. Mas eu a conhecia bem o suficiente para saber que estava mentindo.

– Eu... Eu não sei ao certo – informou em um sussurrou mínimo. – Era como se estivesse em um lugar intermediário... Nem fora, nem dentro do círculo. Parecia flutuar... Foi horrível!

A comoção e a piedade que destinavam a Hermione quase me fez ir até eles e espancar cada um. Eles não viam que era mentira?

– Vá até a Ala Hospitalar para que Papoula lhe dê uma poção calmante, sim? – Horácio se aproximou vitimado pela compulsão de Hermione. – Depois tente descansar. Esses traumas podem ser horríveis!

– Obrigada senhor – ela respondeu secando lágrimas convincentes.

Sem esperar por qualquer contrariedade, Hermione deixou o salão. E para o meu desespero, eu não conseguia definir se ela conseguira ou não repassar informações para Voldemort.

Hermione Granger

Deixei o salão ainda fingindo fragilidade, estava alerta para possíveis olheiros que pudessem me delatar. Mas não havia uma alma pelo corredor principal. Todos estavam em seus salões comunais. A tempestade que rugia do lado de fora do castelo não tentava ninguém a deixar seus dormitórios. Recobrei a pose e me encaminhei lentamente para a torre da Grifinória, não havia mais nada que eu pudesse fazer naquele instante.

Eu esperava que o Lorde recebesse minha mensagem e ficasse alerta. Ainda assim, a curiosidade para compreender o que a tal Horcrux tinha de importante, estava me matando! E só havia uma única alternativa senão Voldemort... Slughorn.

Potter não conseguira arrancar uma única palavra do velho. Claro que não conseguiria, era um incompetente. Esperar que ele conseguisse a informação e depois simplesmente roubá-la, era cômodo. Mas demoraria demais... Isso se ele conseguisse algo.

O que só me deixava uma opção.

Eu arrancaria o significado de Horcrux de Slughorn como o Lorde um dia fez.