- Qualquer coisa?
- Sim, qualquer coisa. - falei apoiando o rosto entre as mãos. - Eu só não tenho como ajudar com essa sua idéia absurda de voltar no tempo. Ainda não foram inventadas máquinas para isso. Não há formas existentes de se fazer essa loucura.
- Claro que tem. E está em você.
- Nao, não esta em mim, não sou nenhum Einstein, não entendo nada de física, e nem mesmo da bíblia, nunca passei de Genesis. - falei, e o pequeno animal abriu a boca como se estivesse se preparando para falar, mas eu o impedi quando voltei a tagarelar novamente. - Eu não entendo. - batuquei os dedos contra o meu queixo. - Eu sou apenas uma desenhista e pintora, não tenho nenhuma outra habilidade fantástica além dessas. - pensei um pouco. - Bom... Eu também entendo de vibradores, mas não acho que isso seja algo muito relevante.
- Talvez, se me deixasse falar, as coisas ficassem mais claras. - disse me encarando com aqueles olhos intensos e chamativos que desceram para o meu pescoço. - Você tem o meu colar.
E se aproximou de mim, fixando ainda mais os olhos no cordão dourado que sustentava uma pequena e delicada rose quartz, que estava envolvido em minha pele.
Abri a boca para voltar a tagarelar, mas me calei quando ela levantou a pata exibindo as unhas afiadas, bem na frente dos meus olhos.
- Não, esse colar é meu. - retruquei.
- Esse colar é nosso. Você é a porta, eu sou a chave. Nossas almas estão ligadas. - Murmurou. - prends-moi, sauve-moi à côté.
Eu conhecia muito bem aquela frase.
- de ton cœur, mon enfant. - dissemos juntas.
Lágrimas se formaram em meus olhos.- Como você sabe disso? Como sabe tudo isso?
- Porque essa foi a última coisa que eu ouvi da minha mãe no seu leito de morte, quando ela me deu esse colar.
- Me explique, Demetria, eu estou tão confusa. - supliquei.
- Por onde eu devo começar? - murmurou. - Noto que sua massa encefálica me trará grandes problemas, plébéien. - me encarou. - Hoje será completado os cem anos da minha morte. Isso significa que o portal se abre no badalar da meia noite. Use o colar, peça a ele. Peça que te leve a vinte de Julho de 1917.
- Hoje? Eu tenho uma vida, tenho que me programar, tenho quadros para terminar, um vibrador novo para usar. - ha o vibrador, pequeno e preciso. - Que portal e esse, uh? O que esse colar tem de especial?
- Pare de perguntar tantas coisas de uma vez só, le femme. Eu também tinha uma vida, e se eu não amasse essa "minha vida" não estaria implorando a uma plebéia qualquer para me salvar. - disse subindo nas minhas pernas e me olhando nos olhos.
- Quem era você? - questionei.
- A única coisa que posso dizer é que me chamo, Demetria Devonne Lovato.
- E como eu te encontrarei? - tombei a cabeça um pouco para o lado. - Isso se eu realmente não estiver louca, é claro.
- O destino se encarregará de nos aproximar.
- E eu devo salva-la de quê?
- Acha que se eu soubesse teria sido morta? - agora ela estava irritada, muito irritada, temi que aquelas unhas me tocassem denovo. - Isso só você poderá descobrir.
- Acho que vou enlouquecer. - falei baixinho.
- Enlouqueça depois, le femme. No badalar do sino, a meia noite de hoje, terá que ir. Eu preciso de você. - disse saindo do meu colo.
- Ir para onde? - Falei me levantando.
- Torre Eiffel.
- Eu não entendo, o que eu devo fazer?
- Me leve contigo, la eu digo a você.
- Porque não diz agora?
- Porquê eu tenho medo que desista.
~
Coloquei algumas coisas em minha bolsa, coisas que me serviriam na minha missão suicida. Imaginei varios cenários, vários rostos que deveriam ser o dela.
Seria ela uma mulher rechonchuda? Talvez uma mulher da noite? Ou melhor uma mãe de nove filhos, feia e amargurada?
E se eu estivesse apenas louca como Dinah disse?
A questão é, eu nunca descobriria se não fosse até o fim.
E foi por isso que fiz o que o meu subconsciente pediu.
Eu realmente estava ouvindo aquele gato do diabo.
Eu realmente estava dirigindo em direção a torre Eiffel.
Parei o carro bruscamente, havia chegado até no meu destino final, eu não tinha a mínima ideia do que estava fazendo, a única coisa que sabia era que tinha muito medo daquele animal medonho que me fez ir até lá.
Peguei a minha mochila e abri a porta para que eu e o filhote de Satã, descessemos do veículo.
Estava frio, muito frio, era uma das noites mais geladas que já enfrentei em Paris. O céu estava nublado, nuvens extremamente cinzas o cobriam, dando um ar dramático a bela cidade. Isso daria um ótimo quadro, pensei.
Eu poderia estar em casa com um chocolate quente nas mãos, poderia estar na minha cama quentinha, poderia estar me masturbando com o meu mais novo vibrador de formato engraçado, ou eu poderia estar deitada na minha cama usando o vibrador enquanto tomava o chocolate quente.
Alternativas tentadoras.
Parei o meu corpo bruscamente quando avistei um guarda baixinho e rechonchudo, de longe.
- E agora? O que faço? - Perguntei.
- Suba. - Disse simples, parando ao meu lado.
- Até o topo? - engoli em seco olhando para cima, uma queda dali seria fatal.
- Rápido, plébéien insolent. - bufou. - Eu distraio ele. - disse se referindo ao guarda.
E o filhote a Satã correu feito uma louca desvairada pulando no rosto do pequeno homem.
Então foi a minha vez de correr, seguindo o que um gato insano me obrigou a fazer, porque aquilo me dava emoção. Porque aquilo me dava prazer, quebrar as regras me dava vida.
Desviei de alguns ferros retorcidos, enquanto o pequeno demônio segurava com força o rosto do homem o colocando para correr, subi os degraus como se fosse uma velocista prestes a vencer, e me dirigi até o limite de onde era possível que um ser humano subisse.
Olhei para os lados pensando em desistir quando o gato se aninhou aos meus pés.
- E agora?
- Quando o sino tocar, você pula.
Disse como se fosse a coisa mais simples do mundo.
- Pu..pular? - engoli em seco. - Eu tenho mesmo que pular? E se eu morrer?
- Não vai morrer. - Afirmou
- E como eu volto?
- O colar te trará de volta, peça a ele, peça da forma certa. Ele sempre ouve. Dos corações partidos aos apaixonados.
- Ai meu Deus, o que diabos eu estou fazendo? - murmurei para mim mesma, esperando uma resposta divina, que eu sabia que não viria. - Acho que quero desistir.
- Nao faça isso. - Murmurou subindo na grade ao meu lado. - Você é a minha única esperança.
- Nao fale assim. - Pedi baixinho. - Eu não sei dizer não.
E o sino tocou alto.
Era o badalar da meia noite.
- Eu preciso que faça.
Olhei para o gato preto que estava em alerta ao meu lado.
- Salve-me.
Segurei a pequena pedra do colar em minha mão. - Cinco de Julho de 1917. - Falei.
Respirei fundo.
E pulei.
A última coisa que ouvi foi Demetria gritar. - Vinte.
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