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História Scars - Família...


Escrita por: hyuuga_nashiro

Notas do Autor


Oi, meus lindinhos. Voltei, um pouquinho atrasada só, me desculpem :D
Novo cap, gostaria de dedicar ao meu lindo STRAUSS que me ajudou a arrumar essa joça há um bom tempo atrás e eu finalmente postei huhu Outro agradecimento pra minha marida Vitty que fez essa capa lindja.

OBS: esse capítulo contém uma cena de estupro, vou indicar os pontos onde vocês podem pular, uma leitora me disse que era incômodo para que ela lesse. QUERO LEMBRAR QUE estupro é um ato horrendo de violência e desrespeito, desonra o corpo e cria marcas horríveis na vida de uma pessoa. Eu NÃO INCENTIVO de modo algum o estupro, repudio isso e, se você passou por isso ou conhece alguém que passou, DENUNCIE!!!

Capítulo 2 - Família...


2 anos depois

Percy acordou com gritos e móveis se quebrando, um zumbido no ouvido e uma pontada aguda na cabeça. Era o final de uma tarde de domingo particularmente tediosa e supostamente a folga dele, mas Gabe parecia muito irritado pra se importar e começou seus escândalos um dia mais cedo. Ele se levantou, as costelas doíam minimamente e, tentando evitar qualquer tipo de esforço, vestiu apenas uma calça, sem importar com as diversas marcas em seu corpo que ele escondia o tempo todo. Reyna estava viajando e Sally estava no supermercado, então ele não se preocupou com as aparências e começou a pensar em uma forma de se livrar de Gabe para tirar uma soneca da tarde decente. Ainda esfregando os olhos, ele bocejou e saiu do quarto, perguntou o que havia acontecido e um celular foi jogado violentamente em seu rosto. Ele pensou em fazer algum comentário sobre o quão rude aquele pedaço de gordura era, mas acabou por ignorar o gesto e ler a mensagem da tela. Gabe havia perdido uma aposta grande, como sempre, e receberia uma visita para coletar o dinheiro. Mas o desgraçado não tinha dinheiro porque havia gastado tudo no conserto do carro que aparentemente acontecia desde que o comprara. Ele pensou em voltar a dormir, em ignorar e mandar tudo pro alto, mas sua situação era complicada e se Gabe estava em problemas, Percy estava em maiores problemas ainda.

Ele já era um garoto crescido, podia acabar com Gabe se realmente tentasse, sabia disso. Mas ele era um soldado quebrado e não tinha mais uma voz própria. Ele era usado dia e noite, privado de suas escolhas, vivendo sob medo e ódio. Parte de si ainda chorava no canto escuro toda vez que aquele monstro aparecia em sua mente, mas ele aprendera que lágrima nenhuma iria tirar sua dor e, se já havia aguentado tudo aquilo, poderia aguentar mais. Não importava mais se Gabe iria espanca-lo até suas costas serem lavadas em seu sangue, ou se passaria dias amarrado, com fome, sede e frio. Era ruim, desconfortável, o fazia ferver de ódio, mas... De alguma forma, parecia que ele havia parado de se importar com as coisas importantes, consigo mesmo. Ele só queria que a gritaria parasse porque queria dormir um pouco mais.

-Eu pago. –Percy falou, esperando acalmar a fera, mas acabou recebendo um empurrão forte e mais uma série de palavrões.

-São trinta mil, caralho! –o homem berrou. –Nem você me rende tanto assim, sua puta arrombada.

Percy revirou os olhos, cansado daquele drama, dos insultos sem criatividade. –Se você me deixasse cuidar das despesas da casa, duraria muito mais. –ele resmungou e sentou no sofá rasgado quando sua tontura ameaçou voltar. Acendendo um cigarro, ele virou o resto do líquido suspeito de uma garrafa qualquer na boca e choramingou por um alívio. Era muito pedir um dia em que ele não tivesse que ouvir aquela voz repugnante?

Houve batidas na porta e de repente tudo ficou silencioso. Ele já sabia quem era. O idiota estava com problemas e alguém veio resolver. Talvez ele devesse deixar qualquer que fosse o ser humano ali dar um fim naquele porco imundo, mas não podia contar com a sorte. Ele se lembrou de sua primeira lição no mundo das apostas: “Mortos não pagam as dívidas”. Era bem capaz de fazerem algo pior com ele.

Gabe o encarava e ele encarava a porta. Estava cansado daquilo, talvez devesse fumar algo mais forte. –Você vai me deixar lidar com isso, Gabe? –ele perguntou calmamente e acendeu outro cigarro, esperando que a fumaça nublasse um pouco seu estresse. O homem estreitou os olhos em sua direção, irritado com o cheiro da maconha.

-Mais tarde a gente conversa sobre isso. –ele rosnou e o puxou pelo cabelo, levantando-o do sofá e jogando-o em direção a porta. Um forte “tud” ouviu-se e seu nariz começou a sangrar com o baque na madeira. Ele puxou um lenço da caixinha na mesa antes de abrir a porta, o cigarro pendurado no canto da boca soltando uma fumaça fina e inofensiva.

-Pois não? –ele perguntou e encarou a figura, sentindo um tremor. Era um homem tão alto quanto a porta, uma pilha de músculos que parecia ter sido tirado do MMA. Seu rosto tinha inúmeras cicatrizes e, por mais que ele odiasse parecer fraco, Percy não pôde deixar de dar um mínimo passo para trás com a aparência assustadora dele. Talvez um dia ele houvesse sido um ser humano, mas tudo o que restara era um rosto de pedra e tatuagens de gangue.

-Então Gabe finalmente achou uma empregadinha? Pra isso ele tem dinheiro, huh? –o homem o empurrou e passou, entrando no apartamento sem ser convidado. Ele olhou em volta e sua sobrancelha deu um tique de irritação ao encontrar tudo vazio. Percy fechou a porta, deu dois tragos mais fortes e engoliu o choro. Ele conhecia aquele homem, ele sabia, ele havia ouvido tudo sobre ele...

-Ahm, Gabe não...

-Nem tente me dizer que Gabe não está. –o homem se aproximou com raiva e Percy deu um sorriso despreocupado, muito embora estivesse tremendo por dentro. Ele jogou o lenço no lixo e pegou outro, certo de que a droga em seu sistema era a única coisa o mantendo ali.

-Eu ia dizer que o Gabe não me paga nada. Honestamente? Eu não sei nem lavar louça. –ele tirou o sorriso. -Eu moro de favor aqui e pago as contas como posso. Qualquer problema pode resolver comigo. –ele deu outra tragada e olhou no relógio. Tinham de ser rápidos, Sally não podia encontrar aquele sujeito ali ou ele não teria certeza se poderia resolver a situação. Sua mãe não tinha a menor ideia do que acontecia entre aquelas paredes.

-Mas que conveniente. –o homem aproximou-se mais e Percy encontrou-se encurralado. Ele apoiou o braço na parede e examinou Percy, virando o rosto dele de um lado para outro, então abaixou os olhos para seu corpo. Ele não parecia impressionado com as cicatrizes e vergões no corpo do garoto, mas deu um passo para trás. –Cadê o desgraçado?

-Eu já disse que...

-Olha aqui, pivete, pode até funcionar com os outros, mas comigo não. Eu quero o dinheiro, nada além disso.

Percy franziu a testa, sua irritação ameaçando tomar conta quando ele percebeu o que se passava na cabeça dele. –Eu não estou me vendendo, porra. –ele grunhiu. –Eu estou tentando chegar em um acordo porque não importa o quanto você ameace Gabe ou o vire de ponta cabeça, ele não tem nenhum centavo e se você matar ele, o que eu agradeceria, iria ficar sem o pagamento de qualquer jeito.

O homem se afastou, o tique de irritação crescendo. –Você é esperto demais pro seu próprio bem.

-A gente se vira como pode. –ele apontou o sofá para o homem, um gosto amargo no fundo da garganta. Abriu a geladeira e suspirou cansado. –Cerveja? Ainda tem algumas. –ele perguntou sem olhar pra trás, se esticou para alcançar o fundo do grande freezer e o homem arqueou a sobrancelha ao enxergar melhor as cicatrizes que se esticaram e romperam, finos vergões que podiam ser vistos de longe. Ele ajeitou-se no sofá, sentindo um leve desconforto com a qualidade do material. Percy abriu a cerveja e entregou uma para o homem, tragou silenciosamente antes de sentar no braço de outra poltrona e abraçou a perna direita. –Então... Você tem um nome?

-Ares.

Ele desejou poder se esconder e chorar. -Hm, deus da guerra. –ele sorriu misterioso, mas por dentro sofreu um tique. Ele era o dono da maior rede de lutas ilegais da América, junto a drogas e outras coisas. Era algo como seu primo distante e família não era o forte de Percy. Ele já lidava com muitos problemas pra se importar com mais.

-Meu pai era um retardado. –ele encolheu os ombros, já simpatizando com o garoto, muito embora houvesse algo nele que o incomodava, uma estranheza familiar. –E você?

-Perseu. –ele riu da coincidência de nomes mitológicos. –Mas todo mundo me chama de Percy... ou Cabeça de Alga, dizem por aí que eu não sei quanto é dois mais dois.

O homem riu baixo e gutural, de alguma forma aquele som fez a espinha de Percy se contorcer em agonia e ele fechou os olhos tragando virtuosamente, sentindo como seu tremor apenas adormecia ao invés de ir embora.

-Você me parece mais inteligente do que a média. –ele tombou a cabeça, pensando em quantas coisas Gabe escondia. –Então, como pretende me pagar?

-Gabe recebe vinte mil por mês. –ele mentiu e diminuiu o valor pela metade, sabendo dos imprevistos que seu padrasto arrumava. –Com bastante mal humor e muitas porradas pro meu lado, eu consigo te pagar tudo em dois meses.

O homem franziu a testa, sentindo os primeiros sinais de uma mentira no jeito como o dedo do pé dele se contorcia. –É um ótimo negócio, melhor do que eu esperava vindo de Gabe, mas... Eu to curioso. –ele tomou um gole de sua bebida. –Por que ta fazendo isso por ele? Ta na cara que o Cheiroso é um merda que te inferniza.

Percy finalmente tomou um gole de sua cerveja e sentou na poltrona em frente ao de Ares. –Eu tenho que tomar conta da família. Se não for eu, vai ser eles. –ele encolheu os ombros, como se estivesse conformado e Ares teve que admitir que a vontade de quebrar o resto daquela força foi quase irresistível.

-Você aguenta bastante... pra um pivete. –ele disse e recostou-se. –Eu até aceitaria sua oferta, mas eu sei que Gabe ganha muito mais do que isso. Não é nada pessoal, garoto, mas negócios são negócios.

Percy suspirou. –Eu entendo. Quanto você quer? –ele se preparou para a surra que receberia mais tarde, porém algo aconteceu. Era claro que algo aconteceria.

Um barulho de raiva irrompeu pelo apartamento e Gabe saiu furioso. –Já chega dessa palhaçada, moleque, você não sabe lidar com merda nenhuma! –ele berrou irritado ao imaginar seu dinheiro indo embora.

Percy suspirou e tomou metade da garrafa em alguns goles, sua irritação cresceu a um nível novo. –O que você sugere, Gabe? Vender o apartamento?

-Não, eu vou vender você. –ele falou e Percy gargalhou amargamente.

-Me desculpe? –o garoto se levantou, sem acreditar. Não era como se ele fosse grande coisa, como se já não houvessem feito pior do que “emprestar” ele por um fim de semana para qualquer um com grana o suficiente. Mas aquele era Ares...

-Já que ele só quer dinheiro, eu vou te vender pra alguém com muita grana e assim eu pago a dívida dele. –Gabe anunciou como se fosse simples. Percy sentiu a raiva borbulhar no seu peito.

-Você não pode. A gente combinou...

- Você obedece ou eu te dou uma surra. –ele gritou e Percy sequer considerou sua ameaça. Por mais doente, cruel e monstruoso que Gabe fosse, ele já sabia o que esperar dele. Com outros... talvez ele não saísse vivo dessa.

No entanto, Ares já parecia tentado com a ideia.

-Eu quero vinte mil em dois meses, Gabe, e o garoto vai comigo. –ele deu um sorriso torto. –Isso é... se ele passar no teste. Eu to precisando de alguém esperto pra me ajudar e ele serve bem.

Percy engoliu o nó na sua garganta. Tinha certeza que parecia um rato assustado, mas não se importou. Ele não podia ir embora de casa, Sally e Reyna precisavam dele.

Aparentemente a aposta agradou Gabe e ele jogou Percy na direção de Ares sem pensar duas vezes. O garoto segurou-se no sofá e tentou não cair por cima do homem, as pernas bambeavam com força. Ele encarou Gabe com todo nojo que podia e olhou para o relógio de novo, tentando achar uma desculpa.

-Sally... –ele começou a falar.

-Vocês têm meia hora. –Gabe apontou para o escritório dele e o homem o puxou pelo pescoço. Era verdade que Percy não se importava muito com o que acontecia a si mesmo, mas isso não significava que não doía e que não sentia medo. Ele tentava se focar na raiva, ela era fácil de lidar, mas Gabe parecia fazer curso intensivo de como acabar com a sua vida.

CENAS FORTES A SEGUIR

Ele trancou a porta e encostou-se nela, a testa bateu duas vezes antes dele inspirar fundo, aceitando qualquer merda que fosse acontecer consigo. Uma mão grande deslizou por suas costas e parou em sua barriga. Foi como se toda a raiva que sentisse multiplicasse e começasse a girar furiosamente em seu estômago e ele sentiu como se pudesse vomitar a qualquer momento.

A mão travou ao redor do seu pescoço e ele foi jogado contra a cama, o ar já ficando escasso. Seu corpo foi sendo mordido com raiva e ele grunhiu de dor, mas parecia não ser o suficiente para o homem. Ele queria quebra-lo como vidro, apagar o brilho dos olhos verdes.

Foi virado na cama com violência e sentiu as calças serem arrancadas. A mão do homem era grande e pesada e, conforme ele o espancava, Percy se pegou gritando que parasse. Quando foi praticamente rasgado ao meio, ele não se importou em chorar como um bebê, em gritar e implorar que apenas morresse. Não era apenas seu corpo que doía, era ele. Sentia a carne suja, sentia tudo tão impuro. Ele queria cortar e arrancar toda aquela pele, mas ainda era ele quem estava manchado.

Estava sangrando. Seu nariz, sua boca, vários cortes no rosto. O homem havia batido sua cabeça contra a cabeceira da cama diversas vezes e nem mesmo a droga que fumara antes serviu de anestésico. Suas costas doíam tanto que ele já estava caído, mesmo sendo xingado e apanhando mais, não conseguia se levantar. Ele foi sendo quebrado em cada posição possível, teve que olhar naqueles olhos cruéis e ser insultado, violentado, apanhou tanto que todos os anos com Gabe pareceram cheios de carinho.

E quando o homem terminou, cuspindo em seu corpo ensanguentado, ele ainda teve que dizer que Percy não servia pra nada. Ele ia voltar pra pegar o dinheiro e se Gabe não tivesse nada, ele iria matar um por um.

Percy se enrolou no canto da cama e afundou o rosto no travesseiro, gritando e chorando. Haviam coisas piores que a morte na vida.

Fim das cenas fortes

Ele conseguiu levantar e vestir sua cueca, mas nada além disso. Logo depois, tudo começou a cair em pedaços.

Foi como em câmera lenta, Percy ouviu o som de passos na madeira velha que rangia e a chave na porta, Gabe o encarando com um sorriso de pura felicidade para as marcas de seu corpo e finalmente, Sally entrando. Ela estava cheia de sacolas e algumas coisas azuis podiam ser identificadas. Em qualquer outro momento, ele teria sorrido...

-Percy, querido, você tem visitas? Por que não me avisou? Eu teria... –ela parou no meio da frase e as sacolas caíram de suas mãos. Ele escondeu-se atrás de Ares, mas já era tarde, ela já havia visto tudo e não havia volta atrás. Gabe sorria como se a sensação de machucar Sally fosse melhor do que de machucar Percy e ele jurou que não havia nada que desejasse mais no mundo do que matar aquele desgraçado.

O rosto sempre doce e sorridente de Sally se transformou em uma careta de horror e repulsa. Ninguém reparou em Ares saindo como se não houvesse feito nada demais.

-Seu monstro! –ela berrou para Gabe, como se todos os anos de paz houvessem sido compreendidos. –Meu bebê! Meu filho! O que você fez com ele?! –ela gritou e, por segundos, Gabe até mesmo deu um passo para trás. Então, com um grito raivoso como o de um cão selvagem, ela deu um soco no rosto de seu padrasto. Ele cambaleou e bateu a cabeça no freezer, caiu desacordado feito um saco vazio e a cabeça começou a sangrar. Sally, no entanto, não parou. Ela continuou socando, chutando e berrando o homem como se estivesse possuída.

-Mãe! –Percy gritou ao ver seus nódulos sangrando. Seu pulso já começava a inchar e ele rapidamente procurou pela caixa de primeiros socorros. Ela ainda parecia em choque, não parava de chorar e encarava-o como se estivesse em seu enterro. –Mãe, se acalma, não é tão ruim assim. Olha, eu já to terminando de enfaixar e... –ela soluçou.

-Por quanto tempo? Como... por que você deixou ele fazer isso? –ela perguntou com a voz quebrada. Todos aqueles anos em que ela pensou que Gabe houvesse se tornado um homem melhor porque Percy o convencera com uma simples conversa... Fora tudo ilusão. Ela havia falhado com seu dever mais sagrado como mãe: proteger seu filho.

Percy suspirou e a puxou para um abraço, afagando seus cabelos. Sua mãe ainda era bonita, mas já não era tão jovem e seu corpo frágil desabou nos braços dele. Ele a consolou e tentou não demonstrar a dor pelo aperto que ela fazia em suas costelas.

-Eu só queria te proteger. Doeu tanto, mas eu faria tudo de novo... –ele se afastou e encarou Gabe no chão. –Aquele foi o melhor gancho que eu já vi na minha vida! –ele vibrou fracamente. –E você nem é canhota. –ele sorriu e ela voltou a chorar.

-Você mente tão mal, eu devia saber que seu sorriso não era de verdade, eu devia ter descoberto, te protegido...

-Ei, ei, se acalma. –ele a sentou na cadeira e encheu um copo de água com açúcar, entregado às suas mãos trêmulas.

–Aquele... homem... –sua mãe tentou falar, mas ainda parecia em choque e ele resolveu que não havia mais como esconder nada. Talvez ele a pudesse convencer a ir para longe, talvez ela finalmente entendesse que tinha o direito de ser feliz.

-Eu fiz um trato com o Gabe há mais ou menos dois anos atrás. Eu trabalharia e pagaria todas as contas dele e assim ele não encostaria um dedo em você ou Reyna... Ele teria que trata-las bem e vocês não poderiam saber de nada. –ele evitou encarar Sally porque agora ela parecia com tanta raiva quanto antes.

-Dois anos? –ela sussurrou.

-Mas o trabalho não dava dinheiro o bastante, então ele mudou o ramo dos... negócios. –ele não precisou dizer a Sally nada além porque as marcas e cicatrizes no seu corpo disseram mais do que deveriam e ela estava em choque demais para perguntar. –Gabe perdeu uma aposta muito grande, então ele me ofereceu como parte do pagamento.

-Ele te ofereceu?! –ela bateu com a mão boa na mesa e Percy teve que segurá-la para que não chutasse o corpo inerte do homem no chão.

-Era o único jeito, eu sinto muito. –ele então encarou seus olhos castanhos pela primeira vez e sentiu os seus próprios marejarem. –Ele vai voltar. Ele vai matar todos nós... Eu não tenho como ganhar esse dinheiro. –Percy sussurrou.

Sally levantou-se decidida. –Arruma as suas malas. Nós vamos embora agora. –ela se dirigiu ao próprio quarto e Percy pensou em tudo o que aquilo acarretaria para sua vida antes de finalmente entrar no carro de Gabe.

-Nós não vamos voltar nunca mais? –ele perguntou, entre desespero e alívio, pensando em Calypso, em Will, em Grover, em todo o inferno que o rodeava.

-Não. –ela disse decidida e Percy quase conseguiu ver sua mãe em uma armadura brilhante, salvando a pátria.

-Mamãe... –ele sussurrou com os olhos marejados. –Eu amo você.

Sally ligou o carro. –Eu também te amo, Percy. Mais do que tudo.

Ele fechou os olhos. Agora ele podia se lembrar dos doces azuis, do sorriso quente, das músicas antes de dormir, de cada momento de felicidade que aquela mulher lhe deu.

Mais tarde, lhe diriam que sua mãe morreu em um acidente. O carro escorregara na pista molhada, um raio atingiu o corpo inerte de Sally e a havia fritado tão cruelmente que a perícia teve de usar os dentes para descobrir quem era.

Mas esse não era o pior. Porque por mais que fosse insuportável, ele não podia arrancar sua vida. De todas as coisas que ele teve coragem de fazer na vida, tirar sua própria dor não era uma delas. Se ele arrancasse isso, não sobraria nada além do vazio. Ele havia falhado na única promessa que fizera.

Agora sim ele podia dizer que havia conhecido o inferno.

Ele se lembrava das sirenes, do jato de água contra o fogo, mas sua mente estava em branco. Não pensava em nada, apenas em como era frio em Long Island. Ele deveria estar em Montauk agora, em frente a uma fogueira quentinha. Talvez sua mãe tivesse marshmallows azuis. Mas ele sabia que não haviam chegado lá.

-Mamãe... –ele chamou, um sentimento ruim no peito. A única coisa que ouviu foram palavras assustadas enquanto o resto ficava em silêncio.

-Me deixa passar, ele é meu filho!

Percy não se lembrava de ter um pai. Sua cabeça estava tão confusa.

-Pode leva-lo pra casa, vamos enviar um médico para checar seu filho em breve.

Ele fechou os olhos. Abriu de novo, estava dentro de um carro confortável e quente. Alguém abriu a porta e o ajudou a sair. Uma grande porta de madeira escura se abriu e seu único pensamento foi quantas pessoas moravam ali porque era enorme. Seu corpo inteiro doía, sua cabeça latejava e ele estava com tanta fome que sentia o estômago se contorcer. Ouviu uma gritaria aguda, pareciam crianças. Ele levantou os olhos.

Tinha um garoto estranho ali. Ele era alto e atlético. Tinha grandes olhos negros e uma pele branca rosada. Seus cabelos negros eram compridos e iam até as omoplatas, raspados nos lados em um corte punk com uma pose de pitiboy. Ele sabia que apenas reparou em tudo aquilo porque sua mente insistia de distraí-lo da dor pensando em qualquer outra coisa supérflua.

-Pai, o que aconteceu?? –ele abriu caminho.

-Traz a Bianca aqui.

Ele sentiu o corpo descansar em algo macio e tentou um meio sorriso. Alguém o abraçava, tinha cheiro de mar e dia ensolarado.

-Pai? –a voz de uma garota o fez abrir os olhos. Ela era mais baixa que o outro garoto, mas muito parecida. Seus cabelos longos estavam trançados iguais ao de sua irmã.

-Reyna... –ele levantou a mão. –Você voltou, Reyna...

-Meu nome é Bianca. –ela franziu a testa. –O que houve com ele?

-Acidente de carro, foi ali na rodovia, eu estava no mercado e quando parei pra ver... era ele.

-Você o conhece? Já o levou ao médico?

-Ele... é meu filho.

-Certo. –Bianca chacoalhou a cabeça, mantendo a ordem mesmo quando ela mesma estava um caos. –Parece que já fizeram os curativos nele. Eu vou pegar algo pra ele vestir.

Ele acordou um pouco de seu estupor quando foi remexido para lá e para cá para ser vestido. As roupas ficaram apertadas nele, alguns machucados doíam.

-Desculpe pelas roupas. –Bianca disse. –Achei que Hippie fosse mais gordo. –ela tentou um sorriso, mas parecia assustada.

-Você tem um irmão que chama Hippie? –Percy perguntou, confuso e perdido, meio atônito.

-Se você se chamasse Hypnus, até Roberval seria um nome lindo. –o garoto idêntico ao lado dela riu baixo. –As roupas ficaram bem em você. Me dá isso aqui. –ela pegou as roupas velhas e rasgadas das mãos de Percy. –Leva ele pra sala, Nico. Eu termino de arrastar aquelas pestes pra mesa.

-Ok... –ele olhou ao redor sem saber o que fazer. –Você... Deve ta com fome, ne?

A porta da casa se abriu e um homem alto entrou. Ele era uma cópia mais velha de Nico. Ele não disse nada, apenas sentou-se na mesa enquanto o restante chegava na mesa. Todos os olhares se voltavam para ele, mas Percy se concentrou na tarefa de não gemer de dor.

-Amigo novo, Nico? Você não me avisou. –Hades encarou o garoto cuidadosamente.

-Eu não faço ideia de quem ele é. –Nico disse. –Papai disse que ele sofreu um acidente.

-Ele poderia ser um serial killer disfarçado. –Triton disse, encarando-o suspeitosamente, principalmente os olhos verdes.

-Eu nunca matei antes. –Percy disse, olhando fixamente uma faca. –Embora eu realmente estivesse com muita vontade. –ele levantou os olhos para Hades. –Não era tão corajoso assim.

-É um assunto pesado para o jantar. –Hades esfregou os olhos com dois dedos e tentou um sorriso fraco. –E eu posso sentir sua fome daqui. Conversamos depois, não quero que meus filhos se sintam incomodados. Sabe como é difícil ser um pai...

-Não. –Percy disse abruptamente. –Eu não sei como é. -um silêncio triste apossou-se do ambiente e os olhos verdes de Percy finalmente quebraram o contato com os negros. Ele encarou seu prato e, relutantemente, levou a primeira garfada à boca. Sorrindo fracamente, ele olhou para Bianca. –Isso realmente ta bom... Bianca.

Ela sorriu grandemente e, antes que pudesse agradecer, Poseidon voltou para a sala arrastando um garoto sonolento.

-Ah, Percy. Está se sentindo melhor?

-Onde eu to? –Percy perguntou.

-Você precisa comer. Não está pensando com clareza. –Poseidon disse.

-Eu não sei quem vocês são. O que eu to fazendo aqui? O que aconteceu? –ele levantou cambaleando e foi em direção da porta. Ele caiu de fraqueza nos degraus da escada e vomitou tudo o que tinha na barriga. Todo seu corpo doía, principalmente um ponto em sua cabeça. Ele sentiu o coração bater tão forte que seu peito doía e pensou que estava morrendo. A respiração acelerou e ele fincou os dedos na grama, tudo doía e girava, sentia que ia desmaiar, ele só queria que a sensação passasse, que aquela ponta de medo sumisse.

-Garoto estúpido. –ele ouviu uma voz ao seu lado e virou a cabeça. Os olhos arregalados de alguém se dividiram em quatro e ele abriu a boca, sem achar o ar. Sua mão fechou-se na camiseta da pessoa e a queimação tornou-se insuportável até que tudo fico borrado o bastante para se tornar escuro e ele perdeu a consciência.

Ele teve sonhos e lampejos do acidente como se estivesse fora de seu corpo. Sally gritava, mas não saía som, então tudo revirava dentro do carro, mas a mão dela estava sobre seu peito, segurando-o firme enquanto sua própria cabeça batia uma e outra vez contra o volante. Ela tateou seu rosto a procura de ferimentos, então destravou seu cinto e gritou que ele saísse do carro. Ele estava tonto, então saiu, cambaleando, mas quando olhou para dentro, a gasolina pingava por todo o carro e ela estava desacordada...

Fogo. Fogo. Fogo. Era só o que havia. Ele sentiu o cheiro de carne queimada. Sentiu o desespero como água em seus pulmões, então um tapa em seu rosto o acordou.

Ele sentou-se imediatamente, tudo girando e doendo, então caiu de novo. Levou as mãos ao rosto e sentiu-o molhado. Seus dedos tremiam e ele engoliu com dificuldade o nó em sua garganta.

-Você acordou. –a voz falou.

-Não. –ele respondeu sarcástico, mas saiu mais rude do que esperava.

-Eu deveria ter te deixado gritar e chorar, então.

-Cala a boca. –Percy virou para o lado e segurou a barriga com o braço, o corpo ainda tremendo.

-Me desculpe. –ele disse e Percy lembrou da voz. Era Nico. –Papá trouxe um médico.

-Eu só apaguei por um momento.

-Não. Você apagou por um dia. Já está quase na hora do jantar... De novo. –Nico disse e ele virou-se para o lado, encarando a grande porta que dava para a varanda.

-Eu... Não quero incomodar.

-Não é incômodo. Ele disse que te conhece.  Dr. Apollo. O afilhado dele também é médico... Mas eu esqueci o nome dele. –Nico suspirou. –Eu escutei uma parte da conversa, parece que você visitava Apollo Solace frequentemente.

-Menos do que eu deveria. –ele respondeu secamente e levantou-se, dessa vez devagar.

-Vai ficar tudo bem. –Nico disse. –Don disse que você vai ficar com a gente.

-Quem é Don?

-Seu pai, ué.

-Meu pai, eu... Não tenho pai.

-Bem... Foi o que ele disse.

Seus pensamentos foram interrompidos com duas batidas suaves e contidas na porta entreaberta. Ele levantou a cabeça e arregalou levemente os olhos ao ver Luke. A cicatriz em seu rosto parecia menos branca e ele tinha um ar menos rebelde, um sorriso simpático e... Um jaleco branco? Percy arqueou a sobrancelha ao lembrar que Luke era muito mais velho e quase já terminava a faculdade de Medicina. Sentiu-se culpado por não ter comparecido à festa em sua homenagem. O convite branco com fita dourada havia passado um bom tempo encardido na caixa de correspondências da cozinha até que Reyna o jogou fora.

-Percy. Quanto tempo, parceiro. Eu posso entrar? –ele tombou a cabeça ligeiramente em um gesto tranquilo e esperou pela aprovação do garoto. –Bela encrenca você andou se metendo. Me sinto meio culpado... Eu poderia ter te poupado de algumas cicatrizes se houvesse me procurado antes. –ele falou, obviamente com duplo sentido.

-Desculpe. Eu me apavorei. –ele respondeu, também em duplo sentido. –Já virou doutor agora? –ele perguntou divertido, tentando aliviar a tensão e Luke se ajoelhou em sua frente, abrindo uma maleta de couro liso e brilhante.

-Ainda não. Eu estava fazendo residência, mas decidi fazer algo mais real, mais perto das pessoas... Agora eu trabalho na Wound&Care, é uma clínica pequena que atende crianças pobres que não podem pagar por um hospital decente. –ele sorriu. –Acho que você não estava na lista, mas eu vou fazer uma exceção.

-Tsk, quanta generosida- AI! –ele reclamou.

-Desculpe. Eu só preciso verificar sua pressão. Me disseram que passou um bom tempo sem comer e acabou por vomitar tudo. –ele encarou-o com seus olhos azuis preocupados. –Você deu um bom susto no seu pai.

Percy virou o rosto. –Ele não é o meu pai. Ele... é só um estranho. Como ele me achou?

Luke suspirou e decidiu não responder, concentrando apenas em seu trabalho. Em algum momento enquanto Luke fazia curativos em suas costas, ele levantou os olhos, sentindo uma pressão estranha em seu corpo, então entendeu: Nico.

O garoto o encarava, metade do rosto escondido pela parede e grandes olhos negros arregalados. Percy olhou para baixo, para as cicatrizes horríveis em seu peito, as marcas que nunca sairiam e que... Gabe havia feito. Ele apertou as mãos com raiva, mas a pele de seu braço se esticou e ele grunhiu de dor.

-Não se esforce. –Luke disse, limpando com cuidado um grande rasgo nas costas dele. –Eu não sei como isso não infeccionou, os cortes são tão fundos... É muita sorte, melhor não abusar, hein?

Percy suspirou. –Obrigado... Luke. –ele fechou os olhos. –Por tudo. –sussurrou a última parte e sentiu uma leve hesitação nas mãos do médico.

-Eu não sei se deveria me agradecer. –ele respondeu, meio culpado. –Como está Reyna?

-Viva. Saudável. Graças a você. Eu as protegi o quanto pude e... Agora que ela se foi, eu sinto como se pudesse aceitar, com o tempo, sabe? Seria pior se Gabe a houvesse machucado e eu me martirizasse por não ter feito nada. Então obrigado. –ele abaixou a cabeça mais uma vez, porém seu queixo foi levantando pelas mãos fortes e macias de Luke.

-Você não parece tão ruim quanto me disseram. –ele esboçou a sombra de um sorriso tranquilo. –Mas tem algo me incomodando.

-Talvez... Talvez eu não esteja reagindo da maneira certa. Mas ela morreu. Eu sei que eu vou cair e chorar em algum momento, isso dói tanto que eu não sei como consigo respirar. -ele riu em desgosto. -Minha única escolha é ser forte por tudo que ela fez por mim. Eu não estaria aqui se não fosse... Isso não tem nenhum significado profundo e não se atreva a me indicar um psicólogo. –ele ouviu uma risada baixa e suave e sabia que era de Nico. De alguma forma, o som era agradável. Luke bufou, fingindo indignação e procurou por algum apetrecho em sua mala.

-Não era sobre isso. Eu achei que você tivesse sofrido uma concussão e esquecido sobre o acidente. Dessa forma, você não estaria tão chocado porque não se lembraria...

-Eu me lembro. –ele disse abruptamente e Luke mordeu o interior das bochechas.

-E está tudo bem?

-Essa é a pergunta mais otária que já me fizeram, doutor. –eles riram.

-Faz parte do protocolo perguntar mesmo assim. –Luke deu de ombros e atingiu os olhos de Percy com uma luz pequena. –Siga a luz. –o garoto revirou os olhos antes de fazer como foi ordenado. –Estranhamente, está tudo bem. Você vai precisar de ajuda com os curativos das costas. Troque de manhã e à noite por... três dias? Sim, depois disso, deixe secar ao ar livre e tome um pouco de sol. Não use a piscina. Eu sei que ela é maravilhosa, mas o cloro pode fazer mal. E se alimente saudável, pode ajudar com as marcas... com o tempo. –ele abaixou a voz e Percy sorriu.

-Você me ajudou de jeitos que eu não posso te agradecer o suficiente. –ele se levantou com um pouco de dificuldade. –Valeu mesmo, Luke. –ele abraçou o jovem doutor e lhe deu dois tapinhas fracos nas costas.

-Claro... –Luke finalmente esboçou um sorriso tranquilo verdadeiro. –Me sinto melhor sabendo que você está em boas mãos. –ele fechou sua bolsa e a pegou. –Não me dê esse olhar. Eu conheço essa família há anos... Eles não vão te julgar por nada do que você fez e, se você deixar, eles vão te defender com unhas e dentes. Seu pai realmente está abalado com tudo o que aconteceu, dá uma chance, ok?

Percy assentiu com a cabeça e observou Luke dar instruções a Nico sobre como trocar os curativos. Ele olhou para a grande porta da varanda aberta e tencionou-se, as lembranças de seu antigo apartamento vindo à tona. Gabe costumava amarrá-lo na janela ou na porta e espanca-lo durante minutos, ás vezes horas... Não era seu lugar favorito no mundo.

-Se estiver com frio, eu posso fechar. –Nico se ofereceu, finalmente saindo detrás da parede.

-Não é lá fora que me incomoda. –ele disse sombriamente, então apontou para sua cabeça. –É aqui dentro.

-Eu tenho aspirinas. –Nico deu um sorriso sem jeito. –E um jantar delicioso. Costuma funcionar.

Percy coçou a nuca, uma mania infantil de quando era pego fazendo travessuras ou quando estava sem jeito. No entanto, seus dedos tocaram as tranças no cabelo.

Sally.

-Sinto muito por todo esse incômodo...

Ela estava morta, droga. Morta. Mortinha. Da Silva.

-Não precisa se desculpar. Don gosta de ajudar as pessoas, mesmo que você fosse um estranho, não é nada demais.

-Ok, hm... –ele desviou-se do olhar inquisidor de Nico em seu corpo, provavelmente suas cicatrizes.

-Eu não vou perguntar. –o garoto disse, a cabeça virada para o corredor. –Mas se quiser contar, minha boca é um túmulo. –ele saiu pela porta, guiando-o silenciosamente pelos corredores. –Eu também achei que isso era um labirinto quando cheguei aqui. Mas era legal porque tinha muito quarto pra se esconder e Don sempre brincava com a gente.

-Poseidon? –Percy arqueou a sobrancelha. –Quão estranho isso é?

-Não muito. -Nico suspirou. –Ok. Vai na frente. –ele deu um sorriso encorajador e Percy desceu as escadas, um degrau de cada vez, fazendo caretas de dor e insultando mentalmente a necessidade de uma escada longa como aquela. Quando ele finalmente alcança o último degrau, uma casquinha inútil do ferimento em seu tornozelo se rompe e ele cambaleia, mas é aparado por um corpo alto e forte. O cheiro da brisa do mar atinge suas narinas e ele sabe que é apenas um perfume muito estranho, mas a sensação é reconfortante e ele jura que já sentiu-se assim... há muito tempo atrás.

-Você ta bem? –a pessoa pergunta e ele percebe que é seu pai. –Talvez ele devesse ter ficado na cama, Nico.

-Dr. Castellan assegurou que ele estava bem, pai.

-Foi só uma ferida idiota. –ele afastou-se de seu pai. –Eu to morrendo de fome. –ele comenta e sua boca saliva ao ver a mesa de jantar cheia de comida.

Poseidon ri alto. –Hoje fui eu que fiz tudo! A Bianca, aquela cobrinha, experimentou mais cedo pra saber se era seguro. –ele tornou a rir. –Eu sei que era só uma desculpa esfarrapada. –ele empurrou levemente Percy para a mesa e puxou a cadeira para o garoto sentar. Ele ficou entre uma garota ruiva que ele mal olhou e um garoto de dreads com um sorriso infantil. –Eu fiz camarão ao molho. Ainda é sua comida favorita, ne?

-Como você sabia? –ele perguntou, confuso pelo “ainda”.

-Eu fazia pra você, nos finais de semana... Devia ter uns três anos, não sei se você lembra.

Percy abaixou os olhos para o prato cheio e pensou em Calypso. Ela também lhe fazia aquele prato em cada ocasião especial: aniversário de qualquer um, aniversário de namoro, aniversário de primeiro beijo, aniversário de...

-Percy? –ele levantou os olhos para Nico, em pé ao seu lado. –Essa é a minha namorada. –ele disse com um tom tímido de orgulho. –Rachel Elizabeth Dare.

-Ah. –ele olhou para a garota, para as sardas e as mãos delicadas. –Você é a garota que pinta, ne?

-Ahn? –ela se confundiu e ele riu.

-Na minha escola tinha uma sala de artes e uma sessão dedicada aos seus quadros. Eles são realmente lindos.

-Er, ah... –ela corou e deu um sorriso grande. –Qual o seu preferido?

-A vista para o Central Park. –ele sorriu. –Tem alguma coisa melancólica e triste sobre aquele céu nublado... Algo preso e... Eu não sei. Dá pra ver o Central Park da janela do meu quarto. Do meu antigo quarto. –ele corrigiu rapidamente. –Mas a sua vista é do lado chique da cidade, ne?

Dare riu. –Sim. Apartamento da minha vó. Era uma cobertura chique e cheia de bugigangas caras. Eu me senti claustrofóbica e fui pintar. A única vista bonita era pra fora daquele lugar... Acho que, de alguma forma, eu transmiti aquelas sensações para o quadro.

-Eu olhava para aquele quadro todos os dias. –Percy disse. –Eu sabia que tinha algo além de uma vista bonita nele. Acho que eu desvendei agora. –ele sorriu nostálgico.

Dare encarou fundo os olhos verde-mar de Percy e sentiu o peito encolher-se lentamente com uma sensação morna de conforto e adoração. Algo que ela não sentia desde que Nico defendera a causa de adotar Tyson, muitos anos atrás. Ela rapidamente desviou os olhos, sentindo-se culpada.

-A comida vai esfriar, garotos. –Hades disse enquanto colocava uma garrafa de vinho na mesa. Percy olhou para Nico e o garoto encarava fixamente a Dare com o cenho franzido, mas logo aliviou a expressão, como se tentasse dissipar um pensamento ruim, então sentou-se do outro lado.

-Ta faltando alguém, não é? –Percy perguntou, mas afundou-se imperceptivelmente quando todos o encararam.

-Ah, sim. O Hippie não gosta de levantar da cama. Nem pra comer. –o garoto ao seu lado falou como se fosse um grande ultraje.

Dare riu. –Tudo bem, Ty. Eu levo pra ele depois. Já virou rotina mesmo. –ela deu de ombros e começou a comer. Percy comeu em silêncio, respondendo uma pergunta aqui e ali sobre tópicos seguros como a escola e sua namorada. Então ele percebeu um vulto na cozinha e esticou o pescoço para ver.

Havia uma garota de cabelos pretos bagunçados e olhos azuis elétricos, sentada na pia, balançando os pés enquanto bebia vinho da garrafa e mexia no celular. Ela o encarou por alguns segundos e arqueou a sobrancelha com uma expressão maldosa e ele recuou. Havia algo de inquietante nela. Algo similar a ele.

-Então, Percy...Ouvi que você pretende se emancipar? –Hades perguntou quando todos haviam terminado de comer.

-Eu não sei. Parece impossível, mas eu...

-Você não tem que se preocupar com isso. É claro que tem um lugar com a gente. –Poseidon disse e Tyson segurou em seu braço, os olhos grandes e castanhos brincando.

-Eu vou ter um irmão novo? –então ele olhou para Poseidon. –Eu quero um irmão novo! Os outros já ficaram chatos! –a mesa inteira caiu na gargalhada e Dare levantou-se de forma elegante, quase como se flutuasse ao invés de andar. Ela limpou a boca do garoto com um guardanapo.

-É claro que ele vai ficar, Tyson. –ela deu um sorriso gentil para ele. –Para onde mais ele iria? –ela lhe deu um olhar significativo e Percy suspirou.

-Eu não acho que eu tenho uma escolha mais. –ele murmurou. A garota que estava na cozinha agora estava encostada na porta de vidro que separava os ambientes. Ele olhou novamente para ela, para o fogo familiar que crepitava em seus olhos, uma presa que se tornou caçadora. Era tão estranhamente familiar que doía olhar.

-Ah, essa é a Thalia. –Poseidon disse. –Minha sobrinha. –ele sorriu. –Eu não te vi entrar.

-É porque eu não usei a porta. –ela disse com um sorriso felino e todos riram.

-Incorrigível. –Bianca bagunçou os cabelos dela e os olhos azuis faiscaram perigosamente com diversão. –Thai é como uma irmã para nós.

-Essa família é grande, hein? –Percy brincou.

-Sempre tem lugar pra mais um. –Bianca piscou alegremente e começou a recolher os pratos. O arrastar de cadeiras foi automático, mas ela já pigarreou. –Nem pensem. Nós vamos tirar no palitinho quem vai lavar a louça hoje.

O coro de “aahs” foi geral e Percy pegou-se sorrindo inconscientemente. Reyna costumava fazer isso com Sally,  Gabe e ele.

-Pega o potinho dos palitos, Thai. –Bianca gritou da cozinha e Thalia pegou um pote cheio de palitos de fósforos. Bianca voltou e acrescentou mais um palito e olhou para Percy. –Don fez o jantar, então ele fica de fora.

-Mas você colocou um palito a mais.

-É porque tem a Thai e o Percy hoje. –ela sorriu e Percy sentiu-se agradecido por ter sido incluído, mesmo que soubesse que não o deixariam lavar a louça por causa de seus ferimentos. A ação de inclui-lo em uma atividade idiota da família o fez contente, de qualquer maneira.

Cada um tirou um palito e, no final, Percy e Thalia tiraram os palitos quebrados.

-Merda. –Thalia resmungou. –Eu deveria ter usado a porta. Isso foi praga. –ela brincou.

-Tudo bem, nós vamos tirar de novo...

-Não tem problema, eu posso lavar a louça. –Percy disse. –Eu não estou inválido.

-Mas suas mãos estão machucadas. Você não pode ter contato direto com produtos de limpeza.

-Eu uso uma luva. Ou eu posso secar e guardar enquanto a Thalia lava.

-Tudo bem, então. –Bianca disse e recolheu os palitos. –Todo mundo pra sala, em meia hora o filme começa! –ela avisou e todos se dirigiram para a gigantesca sala, arrumando travesseiros no grande tapete felpudo, se empurrando e brincando. Percy observou seu pai dar uma rasteira em Hades, ser puxado para baixo e amassado por um monte de adolescentes na zona da infância. Ele sorriu pequeno e dirigiu-se à cozinha. –O suco de maracujá ta na geladeira, Thai. Depois você leva pra gente lá na sala, ok? Divirtam-se. –ela deu um grande sorriso e saiu feliz da cozinha.

Percy suspirou e pegou o pano. Seu pai era um milionário casado com outro milionário que brincavam de casinha com um monte de pirralho. Ele não sabia como se sentia sobre ambos serem homens, nunca havia parado para pensar se alguma coisa era errada ou certa, ele nunca teve escolha, uma mente própria. Foram minutos de silêncio incômodo antes que Thalia resolvesse dizer algo.

-Então... Bia me disse que o Luke te visitou. –ela comentou. –Vocês já se conheciam?

-Luke? Sim. –ele disse desconfiado e observou a sobrancelha dela franzir, então resolveu dizer algo mais concreto. –Ele vivia com a May em Manhattan. De alguma forma, ele me ajudou em uma fase difícil.

-Hm. –ela disse, enxaguando o último prato. –Ele ainda não se formou, ne?

-Não. Ele parou de fazer residência no hospital da cidade e ta numa clínica que ajuda crianças pobres. Wound&Care, eu acho... Não sei. –ele deu de ombros. –Você conhece ele?

-Amigos em comum. –ela disse, mas, assim como ele, seu lábio superior tremeu em um tique de mentira. Percy preferiu não comentar nada sobre aquilo, ela tinha uma razão para esconder as coisas, assim como ele. Além do mais, ele não havia dito nada que pudesse prejudicar Luke e ela não parecia ser má, perigosa, mas não má. –Pegue o suco na geladeira. –ela ordenou e secou as mãos, então ordenou os copos em duas bandejas.

-Maracujá? É pra acelerar o sono? –ele deu um sorriso divertido e Thalia finalmente esboçou uma risada.

-Com certeza. –ela disse. –Mas essa tática não funciona mais. Cinco anos fazendo isso... Acho que eles pegaram imunidade.

-O que eles vão assistir? –ele perguntou e Thalia arqueou a sobrancelha.

-Nós vamos assistir Maze Runner. –ela disse, pondo ênfase em “nós”. –É um filme interessante, uma adaptação distinta e original do livro. Fala sobre sobrevivência. –ela parou e olhou para a sala. Percy seguiu seu olhar, observando a família reunida rindo e conversando. –Eu sei muito sobre isso. –ela disse. –E eu reconheço um quando vejo. –seu olhar sério caiu sobre Percy e ele sentiu como se ela pudesse ver muito além de seu rosto. –Você é um sobrevivente. Mas está na hora de parar de fugir. O perigo passou. Você deve ficar com a sua família agora. –ela disse e, enquanto ele ficou ali, pensando sobre suas palavras, ela levou o suco a sala e serviu a todos.

-Percy! Não vem assistir com a gente? –Nico perguntou, assustando-o.

-Ah... Eu... –ele olhou para Thalia, fingindo que não estava ciente da confusão dele. –Tem lugar sobrando pra mim? Eu não quero ser massacrado. –ele brincou e Nico sorriu.

-Tem sim. Ninguém mexe com meu cantinho. Vem logo, ta começando. –ele puxou Percy pela manga da camiseta, tendo cuidado para não encostar nele, sabendo que estava todo machucado.

Percy deitou ao lado de Nico, o braço esquerdo encostando no braço direito dele. A sensação morna de calma e familiaridade vinda do garoto o tranquilizou e ele fechou os olhos por um momento.

-Não vale dormir antes de começar. –Nico sussurrou e ele virou o rosto, percebendo mais uma vez a beleza exótica do garoto. Afastou seus pensamentos.

Ele nunca havia se atraído por nada antes. Ele fazia o que tinha que fazer, apenas isso. Mas gostar de tocar alguém, além de Calypso...

-Se não estiver confortável...  Pode subir para o quarto. –Nico disse, a voz baixa e meio triste.

-Eu to bem. –ele sorriu. –De verdade.

Nico chegou mais perto. –Ok.

---

Triton trocou o peso de uma perna para outra e fez uma cara emburrada enquanto tentava alcançar o topo do guardarroupa. Sua amada irmã Bianca havia jogado sua sunga favorita lá em cima e ele precisava lavá-la ou não poderia nadar mais tarde. Talvez ele devesse ter lavado a louça do almoço e ser poupado do discurso de “quebra das regras” e da fúria implacável daquela diabinha. Maldito o dia em que seu pai resolveu morar com todas aquelas pestes. Ele não poderia ter continuado em seu confortável chalé na beira da praia deserta? Mas não! Ele tinha que se mudar com Hades e formar uma família linda e feliz.

-Peste maldita dos infernos... –resmungou. –Como é que eu vou alcançar aquela merda?

-Quer ajuda, Tonny? –Nate esgueirou a cabeleira branca pela fresta da porta, os lábios levemente curvados na sombra de um sorriso divertido. Ele entrou no quarto e olhou para cima, então simplesmente esticou a mão e puxou a sunga verde escura de Triton. –Não sei o que você vê nesse pedaço de pano velho. Talvez a Bia estivesse tentando te fazer um favor.

Triton puxou com ferocidade a peça das mãos de Thanatus. –Favor? Aquela fera serpentina nunca me faria nada bom! Ela me odeia e eu odeio ela. Ponto.

Nate esboçou diversão pelos olhos. –Serpentina? Palavra nova, Tonny? Que orgulho. –ele bagunçou os cabelos negros e grossos do garoto e Triton afastou-se dele.

-Dá um tempo, Nate. Eu não sou tão burro assim. –ele reclamou e sentou na cama, sentindo-se repentinamente incomodado. Ele havia sido reprovado no ano anterior e passou meses sendo motivo de risada entre seus irmãos. Seu orgulho apenas estava intacto porque Nate nunca havia feito nenhuma piada sobre ele.

-Eu não acho que você seja burro. –o garoto explicou. –Você apenas age como um completo burro. –ele deu um sorriso sarcástico e Triton bufou.

-Não ta ajudando.

Nate caminhou pelo quarto enorme antes de finalmente sentar ao lado de Tonny. Ele se apoiou nos antebraços e encarou os pôsteres de surfistas e bandas aleatórias espalhados pelo quarto. Ele sentiu dois pares de braços fortes abraçarem sua cintura e a cabeça de Triton descansar em sua barriga. Nate deixou-se cair para trás e enredou a mão nos fios de cabelo. Seu peito bateu um pouquinho mais forte e ele sentiu-se envergonhado ao pensar que Triton poderia ter ouvido, mas decidiu que não se importava. O garoto sabia como ele se sentia, era impossível não saber.

-Você realmente não acha que eu sou burro, ne... Nate? –ele perguntou, temendo a resposta. A mão do mais velho desceu por seu pescoço e ele suspirou com o toque fantasma da mão gélida do outro.

-Eu acho que você precisa rever suas prioridades. –ele disse e, como sempre, Triton não entendeu. Ele levantou a cabeça e olhou para Nate, seus grandes olhos verdes encarando-o confusos. Ele ainda tinha as mãos em volta do mais velho, mas gostava tanto de abraçar aquele corpo que não fez nenhum movimento para se desfazer da posição. Nate afastou os cabelos da testa de Triton e sorriu pequeno. –Você é muito inteligente. Mas não se esforça e, quando tira uma nota boa, esconde de todo mundo. Acha que eu não vi aquele B em Trigonometria? Eu não sei porque você repetiu, mas não é por ser burro.

Triton abaixou a cabeça e escondeu o rosto no peito de Nate, sentindo seu orgulho terminar de se curar conforme a opinião da única pessoa que importava se cravava em sua mente. Ele ouviu as batidas fortes do coração do mais velho e sorriu inconscientemente. Ele gostava tanto de Nate... Mas era um sentimento errado. Eles eram irmãos e ninguém nunca os aceitariam. Sendo a pessoa que era, não ser aceito era a pior coisa que poderia acontecer a ele e Triton não poderia suportar os olhares julgadores em sua direção.

-Então eu sou inteligente? –ele perguntou ainda confuso, o queixo apoiado no peito forte de Nate.

-Não tanto quanto eu. –Nate respondeu e Tonny riu.

Uma batida na porta interrompe o momento e Triton separa-se dele subitamente, sentindo o rosto queimar levemente. A porta abre e sua carranca volta ao perceber que é Bianca.

-O que foi agora, sua cobra mal amada?

Bianca franze a testa e então decide ignorá-lo. –Eu estava procurando o Nate. Você não teve a oportunidade de conhecer o Percy, nem você, Triton, mas acho que não se importa com ele.

Nate se levanta da cama e observa o garoto atrás de Bianca. Ele parecia cansado, olheiras proeminentes e... Aqueles olhos realmente eram idênticos aos de Tonny.

-Percy, esse é Thanatus Pluto, mas a gente chama ele de Nate. –Bianca os apresentou. –Nate, esse é  Percy Jackson, o filho do Don que ta naquela foto da sala.

-Tem uma foto minha aqui? –Percy pergunta e Nate repara em como sua voz é grossa e alta, semelhante a Poseidon. –Onde?

-Na sala de retratos. –Nate responde. –A família é grande, então tem uma sala só para as fotos. Eu não sabia que você era realmente filho de Poseidon, achei que fosse um sobrinho.

-Meu pai teve uma razão pra esconder isso. –Triton finalmente fala e Percy franze a testa. –Que foi? Não gosta de ouvir a verdade?

-Eu sei a verdade, Triton. –ele diz firmemente sem piscar. –E nada do que você diga vai mudar isso. Embora... Nico estava certo.

-Sobre o quê? –ele pergunta com os dentes trincados.

Percy cruza os braços em uma pose superior. –Ele disse que você era um babaca orgulhoso e narcisista, mas que no fundo era inseguro feito uma criancinha. Eu disse pra ele que não julgava as pessoas antes de conhecer. –ele suspirou. –Mas parece que o pirralho tava certo. Você é mesmo um filhinho de papai. –ele deu um sorriso convencido. -Relaxa, eu não vim pra tirar o papaizinho de você.

-Não é como se isso fosse funcionar, não é mesmo? Ele mesmo te largou, pra que ele iria te querer de volta?

Percy deu um passo pra frente ao mesmo tempo que Triton, porém Bianca se pôs entre eles.

-Ninguém vai tirar o pai de ninguém! –ela afastou os dois. –Nós somos uma família, Tony! E embora eu odeie conviver com um idiota feito você, eu ainda me importo pra caralho contigo! –ela levantou seu olhar firmemente e ele apenas se manteve calado porque Bianca nunca usava palavrões. –Eu lembro como foi difícil pra todo mundo, especialmente pra você, quando nos mudamos pra cá. E teve muito sofrimento por causa disso. Percy já passou por muita coisa e se eu tiver que te dar uma surra pra você se comportar, vai ser uma surra bem dada, Triton.

Ela olhou para Nate, calado como se fosse um mero figurante. Ele arqueou a sobrancelha para ela e suspirou, então colocou a mão no ombro do garoto.

-Ela está certa, Tonny. Dá uma chance, ele é seu irmão... assim como eu. –ele disse com uma voz baixa e todas as defesas de Triton caíram despedaçadas. Ele encarou os olhos azuis prateados como gelo e soltou uma reclamação inaudível. A pressão para que ele se desse bem com Percy era grande e, se ele não fizesse um mínimo esforço pra se dar bem com o garoto, seria o vilão da história.

-Que seja. –ele esticou a mão na direção de Percy. –Trégua?

-Trégua. –Percy aceitou a mão dele, toda a ofensividade de sua posição abandonada. A ação deixou Triton desconcertado. Ele parecia inofensivo, um cara legal demais, então porque toda aquela pose defensiva antes? Talvez houvesse sido sua culpa que ele se comportasse daquele jeito, mas não era como se Triton fosse um valentão ou algo do tipo, ele era inofensivo também.

Isso o deixou pensando que tipo de pessoas Percy teve que lidar durante sua vida. O pensamento o deixou levemente incomodado e ele quase se sentiu mal pelo garoto. Quase.

---

Hazel estava tendo o melhor dia de sua vida. Seu pai finalmente havia parado de pegar no seu pé e ali estava ela, carregando sacolas cheias de bugigangas aleatórias e um cartão de crédito sem limite. Ah, a vida era bela. Pelo menos até ela chegar em casa e descobrir que tudo aquilo fora apenas um teste e ela nunca mais sairia de casa. Afastou os pensamentos balançando a cabeça, mas acabou ficando tonta e seus cachos entraram no campo de visão. Ela bateu contra algo alto e duro e choramingou, deixando as sacolas caírem no chão. Suas pernas cambalearam, mas alguém a segurou pela cintura.

-O que...

-Desculpe, senhorita. Eu estava distraído. –uma voz falou e ela apreciou ligeiramente o sotaque estrangeiro. Hazel afastou-se do corpo forte e olhou para cima. Era um garoto com traços chineses, porém tão atraente que doía de olhar. Ele parecia ter acabado de sair de uma revista de musculação e ela sentiu as bochechas quentes ao desejar voltar para aqueles braços firmes. –Você está bem? Eu a machuquei? –ele perguntou sem jeito, o olhar meio apavorado. Ela parecia uma boneca e ele ficou com medo de que ela houvesse batido a cabeça com força.

-Eu to bem. –ela se mortificou por sua fala desleixada. Bianca sempre a corrigia, mas passar tempo demais com Nico a havia mal acostumado e agora ela estava envergonhada.

-Quer ajuda com as sacolas? –ele perguntou, mas já estava pegando todas com facilidade e, mesmo cheio de bugigangas rosas, ele ainda parecia másculo.

-Desculpa... –ela torceu os dedos nervosa. –Fiquei sonhando acordada aqui. –ela sorriu. –Eu sou Hazel Levesque.

-Frank Zhang. –ele riu. –Então, pra onde a senhorita vai?

-Ah... Eu não quero atrapalhar você.

-Tudo bem, eu só estava andando sem nada pra fazer.

-Nesse caso... –ela sorriu e deu pulinhos alegres. Frank tentou não rir porque, ao mesmo tempo em que ela parecia infantil, havia algo de fofo e feminino nela que o atraiu. –Eu estava indo pegar um táxi.

-Certo, então vamos. –ele ergueu as sacolas no ar para conseguir passar pelas portas e ela se pegou admirando os músculos dele. Uma vendedora olhou para Frank e então para ela. Hazel caracterizou aquele olhar como pura inveja e, por um momento, ela sentiu ciúmes do completo estranho que a ajudava.

O táxi demorou muito para chegar e o centro da cidade ficava longe de sua casa, então Hazel se pôs a conversar com o garoto. Ele era chinês, mas morava no Canadá. Sua avó havia falecido recentemente e ele decidiu fazer intercâmbio para ficar mais perto do pai. Ainda não o havia encontrado e tudo o que sabia sobre ele era um nome: Ares. Ele morava sozinho em um apartamento simples no subúrbio, algumas quadras longe da casa de Hazel, porém estudava na mesma escola que ela.

-A Goode é uma escola legal. Eu fiz vários amigos por lá e houve até um jogo de interclasses. Eu fui escolhido como capitão do time de basquete, dá pra acreditar? –ele começou a falar animado. –Nós chegamos nas finais, mas tinha um garoto da outra escola que era bom demais. Um tal de Jackson. Ele era quase profissional! Queria ter conhecido ele melhor, quem sabe ele poderia ter me ensinado umas coisas.

Hazel sentiu as costas tensionarem. –Ah, Jackson. –ela sorriu nervosa. –Ele mora comigo. –ela pensou no que poderia dizer sobre seu novo irmão. Estava receosa de que Frank não aceitasse o modelo de sua família, mas ele parecia tão legal que ela acabou esquecendo suas preocupações. –Ele é filho do meu padrasto, faz duas semanas que veio morar com a gente. Ele vai estudar na Goode também.

-Sério? –as feições de Frank se iluminaram. –Você não para de me impressionar, baixinha.

Hazel tentou ficar brava por ele a chamar de “baixinha”, mas tinha tanta afeição e bondade em suas palavras, que ela acabou por não achar tão ofensivo ser chamada assim.

-Chegamos. –ela suspirou e o táxi parou em frente a uma mansão enorme.  Frank assoviou.

-Uau. Eu estava certo, você realmente é uma princesa. –ele brincou e saiu do carro, então deu a volta e abriu a porta para ela. Hazel fingiu-se indignada.

-Engraçadinho. –ela mostrou a língua e aceitou as sacolas uma por uma. Frank abriu o portão e entregou a chave para ela, mas ficou parado ali. –Então...

-Eu vou te ver de novo? –ele perguntou imediatamente, as bochechas um pouco vermelhas e os olhos cheios de expectativa.

-Claro! –ela respondeu sem pensar. –Minha sala é a 46. Passa lá qualquer dia desses e a gente almoça junto.

-Boa ideia. –ele sorriu e deu um beijo breve na bochecha dela. –Até mais, Hazel.

-Até... –ela repetiu sonhadora e caminhou em letargia através do enorme jardim até a porta, um sorriso idiotia tentando ser contido. Seu pai abriu a porta e ela deu um mini pulo de susto. –Ah, Papá. –deu um sorriso nervoso e tentou, inutilmente, esconder as sacolas atrás de seu corpo magro. Hades suspirou e a deixou entrar.

-Eu desisto de você. –ele murmurou. –Vou deixar a Bianca criar todos vocês sozinhos já que eu não tenho autoridade nenhuma nessa casa.

-Mas Papá... –Nico cantarolou. –Se você dá um cartão sem limite pra uma mulher, não pode esperar que ela realmente compre só alguns livros, ne? Ainda mais se for a Hazzie.

-Nicolas! –ela apertou os dentes e saiu pisando duro conforme seu irmão ria. Ela passou por Percy na escada e ele tinha um rosto sério e reprovador em sua direção. Ela abaixou a cabeça como um cachorrinho que acaba de levar uma bronca, mas ele a parou no caminho.

-Hazel... –ele a chamou e ela olhou para cima acuada. –Toma cuidado com quem você anda. –ele disse e, por um momento, o rosto dele parecia tão assustado que ela suspeitou de Frank, mas era melhor apenas deixar pra lá. Percy era um cara estranho com um passado desconhecido, apenas isso.

-Eu sei. –ela respondeu. –Obrigada por me avisar, mas... Frank não faria mal a uma mosca.

-Não é ele que me preocupa. –ele disse e suspirou, então simplesmente saiu e ela piscou confusa. Qualquer que fosse o problema daquele garoto, não era da conta dela. E ela definitivamente não se afastaria de Frank por causa da paranoia dele. Dando de ombros, correu escadas acima e largou as sacolas de qualquer jeito em cima da cama antes de correr na direção do porão.

-Hippie! –ela bateu na porta e ouviu alguém resmungar, então apenas entrou. Hypnus estava jogado no colchão, comendo chocolate de olhos fechados com uma preguiça tão grande que Hazel quase perdeu todo o ânimo de viver. –Eu conheci um garoto hoje! –ela confessou com um sussurro estrangulado e ele abriu apenas um olho.

-Quem?

-Frank Zhang. –ela suspirou e observou o garoto revirar os olhos antes de voltar a sua preguiça. Ignorando-o, ela contou tudo sobre o passeio, a conversa, a aparência dele... Até que o ouviu roncar. –Hippie! –ela o balançou, mas ele sequer se mexeu. –Puxa vida... E eu que achei que ele tinha paciência comigo.

-Não é paciência. É preguiça de enxotar. –uma voz falou atrás de si e ela congelou, insultando-se mil vezes por não lembrar que Dare usava o porão para pintar de vez em quando. Ela virou-se e encarou a garota com os cabelos gigantescos e bagunçados, toda suja de tinta, até no nariz.

-Rachel... –ela começou a enrolar um cacho na ponta do dedo. –Eu não sabia qu...

-Tudo bem. Eu não sou fofoqueira. –ela piscou. –Sei guardar segredos. –ela se levantou e começou a misturar tintas em um pote pequeno. –O que acha? Eu deveria pintar o cabelo do Hippie de preto ou loiro?

Hazel encarou Hypnus dormindo pacificamente em uma posição artística que ele sequer planejou. Seus cabelos louros dourados vibrantes estavam espalhados pelo travesseiro e ela sorriu.

-Preto não. Vai parecer o Papá. O Hippie é bonito desse jeito mesmo. –ela disse e Dare concordou.

-Mas então... Zhang? Eu já ouvi esse nome em algum lugar.

-A mãe dele era uma médica. Ela foi para o Afeganistão cuidar dos soldados e acabou morrendo em um ataque quando ele ainda era criança. Você fez um quadro sobre ela, não lembra?

-Eu fiz? –ela franziu a testa.

-Sim... Teve um memorial em homenagem a ela e você pintou a cena da cerimônia. Foi em um jardim de violetas no quintal de uma casa francesa no...

-Canadá! –ela exclamou surpresa, então ficou melancólica. –Ah, sim... Eu me lembro. Foi um dia triste. Mas eu não vi o filho dela.

-Ninguém viu. Ele ficou tão triste que adoeceu.

Dare suspirou e chacoalhou a cabeça, tentando dissipar os pensamentos ruins. Ela começou a tracejar o contorno dos olhos fechados de Hypnus, mas parou.

-Eu dei aquele quadro à família Zhang. Se o ver novamente, poderia...

-Claro. –Hazel sorriu, empolgada com a possibilidade de ter algo a falar com Frank. –Obrigada, Rachel. –ela deu um beijo na bochecha colorida da ruiva e saiu dali, pensando apenas em quão ferrada ela estaria se Dare fosse uma linguaruda. –Estou salva. –saltitou feliz, pensando em qual roupa usaria na segunda-feira.

Ela tinha que causar uma boa impressão, afinal.


Notas Finais


So... talvez tenha ficado confuso, sobrecarregado, ah, eu não sei... Hm, o que acharam ? :D


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