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História Se Houver Amanhã (Nemi) - O desemprego


Escrita por: demetrizando

Capítulo 29 - O desemprego


Dois dias depois, Demi estava parada do lado de fora da entrada familiar do Philadelphia Bank. Usava uma peruca preta comprida, uma maquiagem escura, uma cicatriz vermelha no queixo. Se alguma coisa saísse errada, seria da cicatriz que se lembrariam.

Apesar do disfarce, Demi tinha a sensação de estar nua, pois trabalhou naquele banco durante cinco anos e os empregados eram pessoas que haviam-na conhecido muito bem. Teria que tomar todo cuidado para não se trair.

 Ela entrou no banco. Havia muitos clientes lá dentro, pois Demi escolheu deliberadamente a hora do pique do movimento. Aproximou-se de uma das mesas de atendimento dos clientes. O homem sentado por trás concluiu um telefonema e disse:

 - Pois não?

 Era Jon Creighton, o fanático do banco. Odiava judeus, negros e porto-riquenhos, mas não necessariamente nessa ordem. Sempre foi um motivo de irritação para Demi durante os anos em que ali trabalhou. Agora, não houve qualquer sinal de reconhecimento no rosto dele.

 - Buenos días, senhor. Eu gostaria de abrir uma conta corrente, agora.

O sotaque de Demi era mexicano, o mesmo sotaque que ouviu por tantos meses de Paulita, sua companheira de cela. Havia uma expressão de desdém no rosto de Creighton.

 - Nome?

- Rita Gonzales.

- E quanto gostaria de depositar em sua conta?

 - Dez dólares.

- Em cheque ou em dinheiro?

 - Acho que em dinheiro.

 Ela tirou cuidadosamente da bolsa uma nota de dez dólares, toda amassada, meio rasgada, entregou a Creighton. Ele estendeu um formulário em branco para ela.

 - Preencha isto.

Demi não tinha a menor intenção de escrever qualquer coisa com sua letra. Franziu o rosto.

- Desculpe, senhor. Machuquei minha mão... num acidente. Importa-se de escrever para mim, por favor.

Creighton, bufou. Esses mexicanos analfabetos!

 - Disse que seu nome é Rita Gonzales?

 - Sim.

 - Endereço?

Demi forneceu o endereço e o telefone do hotel em que estava hospedada.

- Nome de solteira de sua mãe?

 - Gonzales. Minha mãe casou com seu primo.

- E sua data de nascimento?

 - 20 de dezembro de 1988.

- Lugar de nascimento?

 - Cidade do México.

- Assine aqui.

 - Terei que usar a mão esquerda.

 Demi pegou uma caneta e desajeitadamente escreveu uma assinatura ilegível. Jon Creighton preencheu uma ficha de depósito.

 - Eu lhe darei um talão de cheques provisório. Seus cheques impressos serão remetidos pelo correio dentro de três ou quatro semanas.

- Bom. Muito agradecida, senhor.

 - De nada.

Ele observou-a sair do banco. Malditos mexicanos.

(...)

Há diversos meios ilegais de se obter acesso a um computador e Demi era uma especialista no assunto. Ajudou a montar o sistema de segurança do banco e agora estava prestes a contorná-lo.

 Seu primeiro passo era encontrar uma loja de computadores, onde poderia usar um terminal para fazer contato com o computador do banco. Encontrou uma a vários quarteirões do banco, quase vazia. Um vendedor ansioso se aproximou.

 - Em que posso servi-la?

-Estou apenas dando uma olhada.

Os olhos dele foram atraídos por um adolescente empenhado num jogo de computador.

 - Com licença.

 O vendedor afastou-se apressadamente.

Demi virou-se para o computador à sua frente, um modelo de mesa, ligado a um telefone. Entrar no sistema seria fácil, mas ela estaria obstruída sem o código de acesso apropriado. Esse código era mudado diariamente. Demi participou da reunião em que foi decidido o código de autorização original.

- Devemos mudá-lo constantemente - dissera Clarence Desmond - a fim de que ninguém possa violá-lo. Contudo, queremos que seja bastante simples para as pessoas que estão autorizadas a usá-lo.

O código finalmente escolhido usava as quatro estações do ano e o dia corrente. Demi ligou o computador e bateu o código para o Philadelphia Bank. Ouviu um zumbido estridente e pôs o receptor do telefone no módulo do computador. Um aviso apareceu na pequena tela:

 SEU CÓDIGO DE AUTORIZAÇÃO, POR FAVOR?
Era o dia 10.
OUTONO 10, digitou Demi.
ESTE É UM CÓDIGO DE AUTORIZAÇÃO IMPRÓPRIO. A tela do computador ficou em branco.

Eles teriam mudado o código? Pelo canto do olho, Demi percebeu o vendedor a se aproximar novamente. Ela deslocou-se para outro computador, lançando-lhe um olhar casual e seguindo para o corredor. O vendedor diminuiu as passadas. Uma curiosa, concluiu ele. E adiantou-se apressadamente para cumprimentar um casal de aparência próspera que entrava na loja.

 Demi voltou ao primeiro computador. Tentou se situar na mente de Clarence Desmond. Ele era um homem de hábitos e Demi tinha certeza de que não teria variado demais o código. Provavelmente mantivera o conceito original das estações e dos números. Mas como os mudara? Seria complicado demais inverter todos os números; portanto, era provável que ele tivesse apenas trocado as estações. Demi tentou de novo.
SEU CÓDIGO DE AUTORIZAÇÃO, POR FAVOR?
 INVERNO 10.
 ESTE É UM CÓDIGO DE AUTORIZAÇÃO IMPRÓPRIO. A tela tornou a ficar vazia.

Não vai dar certo, pensou Demi, desesperada. Farei só mais uma tentativa.
SEU CÓDIGO DE AUTORIZAÇÃO, POR FAVOR?
PRIMAVERA 10.
A tela ficou vazia por um instante e depois a mensagem apareceu:
CONTINUE, POR FAVOR.
Então Desmond trocou mesmo as estações. Ela digitou rapidamente:
TRANSAÇÃO INTERNA DE DINHEIRO.
No mesmo instante, o cardápio do banco, as categorias de transações disponíveis, apareceu na tela:
VOCÊ DESEJA
A) DEPÓSITO DE DINHEIRO
 B) TRANSFERENCIA DE DINHEIRO
 C) RETIRADA DE DINHEIRO DE CONTA DE POUPANÇA
D) RETIRADA DE DINHEIRO DE CONTA CORRENTE
REGISTRE POR FAVOR SUA OPÇÃO
Demi escolheu o B. A tela tornou a se apagar e logo um novo cardápio apareceu.
VALOR DA TRANSFERÊNCIA?
PARA ONDE?
 DE ONDE?
Ela digitou: DO FUNDO DE RESERVA GERAL PARA RITA GONZALES. Quando chegou o momento de indicar o valor, ela hesitou por um instante. Tentador, pensou Demi. Como tinha acesso, não havia limite para a quantia que o computador agora poderia lhe dar. Se quisesse, pegaria milhões. Mas não era uma ladra. Tudo o que queria era o que lhe pertencia por direito. Ela digitou 1.375,65 dólares e acrescentou o número da conta de Rita Gonzales. A tela comunicou: TRANSAÇÃO CONCLUÍDA, DESEJA EFETUAR OUTRAS OPERAÇÕES?
NÃO.
SESSÃO ENCERRADA. OBRIGADO.
O dinheiro seria automaticamente transferido pela Câmara de Compensação Interbancária que manipulava os 220 bilhões de dólares deslocados entre os bancos todos os dias.
 O vendedor se aproximava outra vez de Demi, o rosto franzido. Demi se apressou em apertar uma tecla e a tela do computador apagou.

 - Está interessada em comprar esse aparelho, dona?

- Não, obrigada. Não consigo mesmo entender esses computadores.

Ela telefonou para o banco de uma drugstore na esquina e pediu para falar com o chefe dos caixas.

- Olá. Aqui é Rita Gonzales. Eu gostaria que minha conta corrente fosse transferida para a matriz do First Hanover Bank, em Nova York, por favor.

- O número de sua conta, Senhorita Gonzales?

Demi deu a informação. Uma hora depois, Demi deixou o hotel e partiu para a cidade de Nova York.

 Quando o First Hanover Bank de Nova York abriu, às 10 horas da manhã seguinte, Rita Gonzales ali estava, a fim de retirar todo o dinheiro de sua conta.

 - Quanto tem? perguntou ela.

O caixa verificou.

- Tem 1.385 dólares e 65 cents.

 - Sim, está correto.

 - Gostaria de levar um cheque visado nesse valor, Senhorita Gonzales?

 - Não, obrigada. Não confio em bancos. Quero tudo em dinheiro.

Demi recebeu os 200 dólares habituais ao deixar a penitenciária estadual e mais a pequena quantia que ganhou tomando conta de Maddie. Contudo, mesmo com o dinheiro do fundo do banco, ela não tinha segurança financeira. Era indispensável que conseguisse um emprego o mais depressa possível. Ela hospedou-se num hotel barato na Lexington Avenue e começou a enviar seu currículo aos bancos de Nova York, solicitando um emprego como técnica em computadores.

 Logo descobriu que o computador se tornou subitamente o seu inimigo. Sua vida não era mais particular. Os bancos de memória dos computadores continham a história de sua vida e prontamente a revelavam a qualquer um que apertasse as teclas certas. E no instante em que a ficha criminal de Demi aparecia, seu pedido de emprego era rejeitado.

 Acho improvável que, tendo em vista os seus antecedentes, qualquer banco possa contratá-la.

Clarence Desmond estava certo. Demi enviou outros pedidos de empregos a seguradoras e outras empresas que operavam com computadores. As respostas eram sempre iguais: negativo.

Tudo bem, pensou Demi, sempre posso fazer outra coisa. Ela comprou um exemplar de The New York Times e começou a procurar os anúncios de emprego. Havia uma vaga de secretária numa firma de exportação. No momento em que Demi passou pela porta, o gerente de pessoal disse:

 - Ei, eu te vi na televisão . Você salvou uma garota na prisão, não é mesmo?

Demi virou-se e fugiu. No dia seguinte ela foi contratada como vendedora no departamento infantil da Saks, na Quinta Avenida. O salário era muito menor do que ganhava antes, mas pelo menos daria para se sustentar.

 Em seu segundo dia de trabalho, uma freguesa histérica reconheceu-a e comunicou ao gerente do andar que se recusava a ser servida por uma assassina que afogou uma criancinha.

Demi não teve sequer a oportunidade de explicar. Foi imediatamente despedida. Parecia a Demi que os homens contra os quais executara a sua vingança estavam dando a última palavra, no final de contas, convertendo-a numa criminosa pública.

A injustiça do que estava lhe acontecendo era corrosiva. Não tinha ideia de como odiaria viver e pela primeira vez começou a experimentar um sentimento de desespero. Ela vasculhou a bolsa naquela noite para verificar quanto dinheiro lhe restava. Num canto da carteira viu o pedaço de papel que Betty Franciscus lhe deu na prisão.

CONRAD MORGAN, JOALHEIRO, QUINTA AVENIDA, 640, CIDADE DE NOVA YORK.

Ele se empenha na reforma criminal. E gosta de ajudar as pessoas que já passaram pela prisão.

Conrad Morgan et Cie Joalheiros era um estabelecimento elegante, com um porteiro de libré do lado de fora e um guarda armado dentro. A loja propriamente dita era simples, mas as joias eram requintadas e caras.

Demi disse à recepcionista:

- Eu gostaria de falar com o Sr. Conrad Morgan, por favor.

 - Tem um encontro marcado?

 - Não. Uma... uma amiga comum sugeriu que eu o procurasse.

 - Seu nome?

 - Demetria Lovato.

- Um momento, por favor.

A recepcionista pegou um telefone e murmurou alguma coisa que Demi não pôde entender. Ela repôs o telefone no gancho.

 - O Sr. Morgan está muito ocupado neste momento. Pergunta se poderia voltar às seis horas.

 - Posso, sim. Obrigada.

Demi saiu da loja e parou na calçada, indecisa. Vir para Nova York foi um erro.

Provavelmente não havia nada que Conrad Morgan pudesse fazer por ela. E por que deveria fazer? Ela era uma estranha total. Ele me fará um treinamento e me dará uma esmola. Não preciso de qualquer das duas coisas. Nem dele nem de qualquer outra pessoa. Sou uma sobrevivente. Darei um jeito, de alguma forma. Que se dane Conrad Morgan. Não voltarei a procurá-lo.

 



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