História Seele - 8 - É hora de aceitar que posso tentar ficar próximo

"Eu não posso mudar, esse amor silencioso não pode mudar"

(Yokan - Dir en Grey)

Yuri até que não achou difícil se adaptar à nova rotina de sua vida. Era a primeira vez que acompanhava de perto a produção de um drama, apesar de detestar o gênero. O que lhe fez aceitar de vez mesmo a proposta que seu muy amigo Takeshi recebeu em seu nome foi a grana polpuda como salário. Podia parecer uma desculpa da mais esfarrapada possível, o que de fato era. Não queria admitir até para si mesmo que era somente para ver Victor em sua persona de ator. Era o seu quarto dia na nova empreitada e tinha que acompanhar de perto as gravações, já que além de ser o assistente do diretor de fotografia, o japonês também tinha a função de escolher algumas fotografias dos episódios e postar nas redes sociais, como forma de promover Rise and Fall, mesmo que a produção fosse ao ar apenas uma vez por semana. Estava junto daquele que seria o seu superior por alguns meses, discutindo como colocar aquela parte do roteiro para ser filmada. Parecia algo fácil... se não fosse os pitacos que o diretor de fotografia dava quando tentava transpôr a cena do papel para a encenação e não conseguia. 

- Acho que o último assistente deve ter forjado o acidente pra se ver livre desse cara. - era o que Yuri pensava no momento. Nada estava parecendo perfeito para aquele homem, que no momento esbravejava aos quatro ventos a sua tentativa fracassada. 

- Mas que merda!! Exijo que mudem essa parte do roteiro! Eles acham que meu trabalho é tão fácil assim para me tripudiarem dessa maneira? - o diretor resmungava. - Quer saber de uma coisa? Vou comer! Acham mesmo que eu sou obrigado a morrer de fome só pra ver essa merda acontecer? Não mesmo! - e saiu a passos duros, em direção ao refeitório existente no complexo de estúdios cinematográficos do bairro de Minato, onde a maior parte das cenas de Rise and Fall estavam sendo gravadas. 

Yuri pensou em fazer o mesmo, mas era porque estava com fome. Enquanto fazia seu caminho até o refeitório, pensava no quanto estava sendo fácil demais aquela sua nova rotina. Lembrou-se de que mal via Victor, pois as cenas nas quais ele começou a  trabalhar se focavam mais no outro russo com quem ele dividia o nome e teve a leve impressão de que o loiro não tinha ido com sua cara, pois viu nele o mesmo olhar de Seung Gil, aquele mesmo olhar assassino de desprezo. Por estar distraído com seus próprios pensamentos, acabou esbarrando em alguém. Poderia ter caído, pelo fato de tal pessoa ter passado por ele correndo quando ambos se trombaram, só que ao menos o ser fez o favor de lhe segurar para não cair. Quando foi ver quem era, sentiu um frio na espinha. Era ninguém menos que Masaharu, seu ex-namorado. Havia se esquecido que o azulado trabalhava na produção, como assistente de direção geral.

Notara que havia uma leve diferença no mais velho. Os cabelos azuis agora possuíam algumas mechas esverdeadas, ainda continuavam na altura dos ombros e existia mais um piercing no lado oposto do outro, além dos vários brincos em suas orelhas. Masaharu olhava para Yuri com um certo tom de divertimento. Estava se relembrando do vexame que o moreno fizera na sua frente, quando foi fazer o favor de tirá-lo daquele bar. Claro que ele não se lembraria, conhecia isso dele. Só não esperava o encontrar ali. 

- Há quanto tempo, Yuri-chan... agora posso dizer que isso sim é um reencontro apropriado. - o fotógrafo vira a cara, nervoso. Odiava ter que não conseguir se lembrar do que aconteceu naquela maldita noite. 

- Boa tarde pra você também, Masaharu. Estava indo comer, mas um borrão de cor azul me impediu de fazer isso. - tentou se distanciar. O cameraman o impede, pegando seu braço. 

- Yuri-chan, espera! Eu... poderia lhe acompanhar? É que faz tempo que a gente não se vê... - corou ao falar aquilo. Yuri só bufou de irritação. Ele mesmo já não o viu naquela noite dos infernos? - Poderíamos só conversar. Nada de mais.

Vendo que não tinha nenhuma alternativa de como se livrar daquele homem, o japonês deixou que Masaharu o acompanhasse, a contragosto. Chegaram rapidamente no refeitório e ambos optaram por katsudon. O moreno parecia mais feliz diante daquele prato. Mesmo chateado por causa do chilique de seu superior e da aparição de seu ex, uma tigela caprichada de katsudon o fazia esquecer tamanha irritação. Masaharu sentiu isso quando Yuri passou a conversar com ele, sem apresentar algum tipo de hostilidade ou algo do tipo. Eles não sabiam que tinha um certo russo observando-os em uma das mesas. Também não saberiam do sentimento inesperado de ciúmes que tomou conta de Victor. O prateado saiu dali e deixou metade de sua refeição intocada, algo que não passou despercebido por Yuri Plisetsky, que resolveu comer o arroz com curry e bife de Kobe que ainda se encontrava no prato. Ria internamente ao ver o quanto seu colega era transparente demais em relação às suas emoções e que por isso deixara sua carreira na Federação Russa manchada, já que não era de esconder o que fazia, falando mesmo na cara de quem contestava e esse podia ser um bom motivo para que outros admirassem essa parte da personalidade de Victor, o que era seu caso. O mais velho deveria agradecer por ser considerado um счастливчик* aos olhos dele. Porque não é todos os dias que um homem arruinado recebe a chance que ele recebeu.

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"Vejo aquela feição em seu rosto e aquele olhar em seus olhos"

(22 - Lily Allen)

Achou que seria um martírio ter que estar com Masaharu naquele refeitório, mas acabou se enganando. A breve conversa foi até considerada agradável por Yuri. Não podia ficar o resto de sua vida guardando ressentimentos por algo que não deu certo. Por isso, voltara ao seu trabalho um pouco mais tranquilo, disposto a aguentar os pitacos daquele diretor de fotografia se fosse preciso. Concluiu que deveria colocar de vez seus pensamentos em ordem, a começar por Victor. Confessara a si mesmo que a insegurança e o ressentimento do relacionamento fracassado poderiam ser motivos mais do que suficientes por repelir o russo, além das estranhas sensações que o prateado lhe causava. Decidiu que iria pôr isso em prática quando tivesse tempo. Não viu quando o diretor de fotografia saiu do estúdio, alegando que precisaria sair um pouco para fumar. Só percebeu isso quando uma "certa pessoa" entrou no local, segurando em sua mão direita o que parecia ser um script. 

- Yuri... o que faz aqui sozinho? - aquela voz lhe causou o seu segundo frio na espinha do dia. Por que a voz de Victor Nikiforov precisava ter uma entonação tão doce e ao mesmo tempo... sensual?

- Estava tentando trabalhar... mas o maldito diretor saiu de novo e me deixou sozinho mais uma vez. É tarde demais pra desistir disso aqui? - o japonês fez bico. 

- É sim. As coisas nesse meio são assim mesmo. Não é muito difícil se acostumar, mas também não é fácil ficar o tempo todo obedecendo... - e calou-se. Não iria falar para Yuri agora sobre os motivos que o levaram a se rebelar e se tornar o "rei dos escândalos" na Rússia. - Ah... gostaria de me ajudar com isso aqui? É que tem algumas palavras aqui que eu não entendo... - mudou rapidamente de assunto. O fotógrafo percebeu e preferiu não comentar nada, apenas para manter o bom clima naquele estúdio. 

Apesar de não querer admitir, Yuri achou divertido ajudar Victor com o roteiro. Era algo que ele não fazia nem com Phichit, por detestar dramas. Não falaria para o russo que mesmo aquilo parecendo legal, nunca deixaria de odiar dramas, já que preferia filmes e desenhos animados por não serem longos demais. Se preparava para procurar o diretor de fotografia, que estava demorando demais a voltar, quando sentiu uma mão quente e macia em cima de seu ombro. 

- Espera. Falta mais uma cena pra me ajudar aqui... 

- Mais uma? Gomenasai Nikiforov, não posso. Tenho que encontrar o meu superior e além disso, estou com uma maldita dor de cabeça. Se me der licença, preciso ir. - o aperto em seu ombro ficou um pouco mais forte. 

- Por favor... é só essa. Juro que te deixo em paz. - fez cara chorosa para tentar convencer o rapaz, o que de fato funcionou. Voltaram a ensaiar. Tudo ia bem, até chegar na última parte do script.. 

- Eu não vou fazer isso. Me recuso! - Yuri aponta para a tal parte, que indicava que a mocinha da história deveria receber um beijo de Victor.

- Não se preocupe, é só técnico. Além do mais, essa não seria a primeira vez que eu beijo um homem, Katsuki. - o nipônico considerou aquilo provocação por parte do prateado. 

Respirou fundo. Foi para o centro do estúdio e fechou os olhos. Cerrou os punhos, pronto para socar Victor se ele viesse de gracinha e o enganasse. Sentiu o ator se aproximar. Respirava levemente aquele doce perfume que saía dos poros do russo. Céus, como era bom esse cheiro que vinha dele. O prateado levantou delicadamente o queixo do moreno e chegou perto de seus lábios. Colou-os nos seus e naquele instante, parecia que uma descarga elétrica passara pelos corpos de ambos. Mesmo que o beijo fosse falso, eles tinham a certeza de que algo deveria acontecer. 

- Vamos ter que ensaiar mais uma vez. - Yuri abriu os olhos depois de ouvir Victor falando aquilo. 

Repetiram novamente o beijo técnico. Porém, o fotógrafo colocou a língua para fora da boca e fazia o órgão adentrar na boca do mais velho, sem nenhuma resistência por parte dele. Victor fizera questão de aprofundar aquele contato. Não podia perder a oportunidade. E enquanto ali eles se entregavam a algo desconhecido, uma pequena plateia composta pelo outro Yuri e Masaharu, trocavam olhares cúmplices. O loiro via aquela cena um pouco receoso, com medo de que algum escândalo surja no Japão envolvendo o seu colega, caso acontecesse o que estava pensando. Já o azulado, olhava com um pouco de ressentimento e tristeza algo que já teve a oportunidade de fazer com Yuri, mas que agora era um estrangeiro que estava em seu lugar.

E não podia confessar nem para si mesmo que isso parecia algo realmente bonito de se ver.

"Eles acham que sou louco, mas não conhecem o sentimento"

(My Demons - Starset)