História Sentimentos Hipócritas - Passado IV

1 ano atrás

As sacolas no meu braço pesavam enquanto eu esperava em baixo do toldo a chuva passar, ao meu lado, sentado no degrau da entrada do mercado, um garoto descontraído observava a chuva, sua expressão era calma e séria, como se estivesse apreciando o momento.

- Você sabe que pode alugar um guarda-chuva nosso não é?

Ele falou subitamente, olhei em volta para conferir se era comigo, minha voz falhou quando tentei responder, então ele apenas apontou para um canto onde haviam alguns guarda-chuvas com um papel colado em cima dizendo que eram para clientes frequentes, dei uma balançada nas sacolas cheias de compras, mesmo minha casa sendo próxima do mercado ainda seria ruim de levar segurando um guarda-chuva.

- Acompanhe ela, é filha de um velho cliente nosso. - O atendente do mercado apareceu dos fundos, era um homem alto e bem aparentado que sempre atendia com gentileza, o que não condizia com o leve chute que ele deu nas costas do garoto para fazê-lo se levantar - Vá logo seu preguiçoso.

- Está bem, não precisa me chutar. - Quando ele se levantou pude ver melhor o seu rosto, era um garoto da minha escola que eu não me lembrava o nome, ele pegou um dos guarda-chuvas e estendeu a mão na minha direção - Me dê algumas sacolas para ficar mais leve de carregar, eu também trabalho aqui, não se preocupe.

Olhei novamente para o atendente do mercado, ele confirmou com a cabeça e voltou para o balcão nos fundos, o garoto ajeitou na mão as compras que lhe entreguei e começou a me acompanhar, o guarda-chuva grande permitia que ficasse-mos a uma distância que não tornava aquilo desconfortável, pelo menos, não mais do que o silêncio entre nós dois já deixava.

- Você gosta de observar a chuva? - A pergunta genérica saltou da minha mente, apenas para quebrar o gelo do momento.

- Não é que goste da chuva, eu só aprecio parar um pouco às vezes e pensar sobre qualquer assunto. - Ele deu uma leve inclinada no guarda-chuva, como se quisesse ter uma visão melhor do céu acinzentado - Nem uma única gota de chuva é igual às milhares que a cercam, o mesmo vale para as pessoas, é impossível conhecer e entender todas elas, e essas oportunidades são coisas que acabam não voltando.

Quando terminou de responder já estavam na porta da casa de Lilian, ele esperou ela entrar e fez um pequeno aceno antes de ir embora, antes de virar-se, um pequeno vislumbre de um olhar distante e pensativo tomou seu rosto, como se o que ele mesmo acabou de falar trouxesse à sua mente lembranças de algo que ele não gostava de lembrar.

...

Daquele dia em diante, passei a conversar eventualmente com o garoto sempre que ia ao mercado da família dele, sua companhia era algumas vezes divertida, outras pensativas, era um momento imprevisível do meu dia, e algumas vezes o melhor momento deles. Meu interesse por ele apenas aumentava, mas eu não me atreveria a estragá-los já que eu apenas o via quando saía para ir no mercadinho, julho estava terminando e as férias acabariam junto com o mês, mas a companhia do garoto era algo que eu não queria perder.