História Separadas Pelo Casamento - Regras flexíveis ou não

Eu achei que fosse chorar ou me sentir uma grande merda depois de ter ouvido tudo o que Lauren disse. Mas, assim que cheguei em casa e pude finalmente me sentar e esticar as pernas no sofá, eu não sentia nada. Literalmente nada.

Entorpecida. Era essa palavra que definia o que eu sentia. Eu não me sentia nem feliz, nem triste, nem brava, nem cansada. Liguei a televisão para assistir uma série qualquer, como se nada tivesse acontecido. Dei de ombros e caminhei pelo meu apartamento e naquele instante percebi o quão grande e vazio ele era. Parecia que eu havia acordado de um sono muito profundo e que os últimos acontecimentos não haviam sido processados corretamente.

Ao receber uma ligação de Cara foi como se tudo de repente viesse à tona de uma vez só. Por mais que eu já estivesse pensando no que realmente havia acontecido, foi só quando eu vi o nome de Cara no visor do celular que eu soube o quanto as coisas estavam fodidas. Controlei as malditas lágrimas e respirei fundo.

-Alô. -Falei, atendendo a chamada.

-Você pode me dizer porque deixou Lauren na loja pra fazer a lista de presentes sozinha? Eu achei que o combinado era ela te ajudar, e não fazer tudo! Se eu receber algum presente idiota, juro pra você, Camila que eu vou te caçar até você arrumar essa merda. -Ela ameaçou com a voz aguda e descontrolada.

-Cara, eu... -Minha voz falhou.- Eu não consegui...

-Você não conseguiu o que? -Ela perguntou, ríspida.

-Eu discuti com a Lauren e não consegui mais ficar lá...

-Eu não entendo isso. Eu não te pago pra ficar discutindo com a Lauren, pago pra cuidar que ela faça boas decisões em relação ao casamento. Ou você já se esqueceu disso, Camila? Será que eu vou precisar ter uma conversa com a administradora da sua empresa?

Respirei fundo e apertei os olhos. Ela estava jogando muito sujo.

-Pode falar com quem você quiser, Cara. -Dei de ombros.

Escutei Cara bufar do outro lado da linha e depois ela ficou em silêncio por alguns segundos.

-Camila, me desculpe. Eu não estou em dias muito bons, me desculpe por ser grossa com você. -Ela se desculpou, soando doce e calma.

Franzi as sobrancelhas, num minuto ela quase me matava e no outro, me pedia desculpas como se tivesse cometido um crime. O que havia acontecido com aquela garota? Clara estava certa quando me disse que parecia estar nervosa. Mas ela estava nervosa até demais.

-Cara, está tudo bem.

Ela ficou quieta de novo e segundos depois, começou a chorar descontroladamente.

-Eu não sei o que está acontecendo comigo! -Ela soluçou do outro lado da linha.

Arregalei os olhos e tirei o celular do ouvido para olhar o visor. Era com Cara Delevingne que eu estava falando mesmo? Ela brigou comigo, pediu desculpas e agora estava chorando, tudo isso em menos de três minutos de ligação. Que tipo de bipolaridade doentia era aquela?

-Cara, você está bem?

-NÃO! -Ela gritou, ainda chorando.- Eu estou tão cansada e irritada, parece que tem um peso enorme em mim e eu não estou mais me aguentando em pé.

-O que está acontecendo?

-EU. NÃO. SEI! -Ela gritou, pausadamente.- Se eu soubesse, daria um jeito de acabar com isso mas eu não sei. Eu sinto como se tivesse jogando a minha vida no lixo.

-Mas como assim? Isso é por causa do casamento?

-Sim. Quer dizer, não. Talvez. Eu não sei, talvez seja. -Ela respirou fundo e voltou a soluçar logo depois.- Ah, meu Deus, eu sou uma pessoa horrível.

Bufei e revirei os olhos. Era só o que me faltava, uma noiva era infiel e a outra, surtada. Como aquelas duas ainda queriam se casar? Pelo jeito que Cara falava, ela estava prestes a desistir de tudo por culpa de um surto psicótico. E Lauren parecia cada vez mais confortável com a ideia de se casar com alguém que ela sabia que não a faria feliz. Aquele casal me dava trabalho demais, eu não deveria ter que ser babá de nenhuma das duas ou sequer ouvir suas queixas.

-Cara, você não é não. -Eu ainda assim tentei acalmá-la.- Você é uma ótima garota.

-Eu não sou não. -Ela continuava a soluçar.- Eu sou terrível e eu estou horrorosa.

-Cara, cala a boca e me escuta por um minuto: Olha só, você não é terrível e muito menos horrorosa. Você vai se casar com a Lauren, que é uma pessoa ótima. Vocês vão ser muito felizes, porque eu sei que se amam. Terão uma penca de filhos inseminados e vão morar em uma casa enorme em Los Angeles. Vocês são as queridinhas da América. Esse nervosismo é normal, acredite em mim. Eu já lidei com muito mais noivas do que você possa imaginar e todas elas ficam malucas antes do casamento. Vai ficar tudo bem, eu prometo.

Cara respirou fundo e controlou os soluços. Eu podia ouvir que ela respirava normalmente, mas ainda fungava um pouco. Esperei alguns segundos para voltar a falar.

-Está melhor? -Perguntei.

-Estou, muito obrigada. -Ela soava genuinamente agradecida.- Me desculpe por isso, eu não sei o que está havendo comigo...

-Você não precisa se desculpar, eu estou acostumada. -Respondi, dando ombros.

-Ai, meu Deus. Você é um anjo. -Senti uma pontada no estômago e neguei com a cabeça, mesmo sabendo que ela não podia me ver.- Sinto muito por ter gritado contigo.

-Está tudo bem, Cara. Eu compreendo.

-Muito obrigada, Camila.

-Sem problemas, Cara. -Respondi.

Ficamos em silêncio por mais alguns segundos. Eu não sabia se devia desligar a ligação, porque não sabia se ela ainda queria conversar sobre alguma coisa. Então, continuei quieta. Parecia que nenhuma de nós duas sabia como continuar uma conversa normal depois daquela mistura de acontecimentos estranhos. Eu pigarreei para tentar acelerar o processo.

-Hm, então... -Falei, me preparando pra desligar o telefone.

-Ah, Camila? -Cara me interrompeu.

-Sim?

-Os vestidos que fizeram pra mim chegam amanhã de manhã. Você poderia vir me ajudar a escolher? -Ela perguntou.

Fiquei muda por um tempo, mas assenti.

-Sim, claro que posso. -Meu sorriso era fraco e frio e minha sorte era que Cara não podia vê-lo.- Que horas mais ou menos?

-Ótimo! Acho que às nove está muito bom. Estou na mesma suíte que Lauren aqui no Four Seasons, então é só subir.

-Tudo bem, então. Boa noite, até amanhã.

-Até!

Coloquei o celular na mesa da cozinha. Enquanto procurava alguma coisa muito doce e extremamente calórica pra comer na geladeira, eu me sentia prestes a desabar em lágrimas. Não há nada que marque mais um casamento do que o vestido da noiva e eu, logo eu, ia ter que ajudar Cara a escolher seu vestido. Aquilo era muita má sorte pra uma pessoa só.

Depois de levar a comida pro quarto e praticamente fazer um piquenique na cama, eu me dediquei a tentar dormir. Horas se passaram e eu não conseguia pregar os olhos. Só fui conseguir dormir depois das cinco da manhã e ainda assim acordei assustada duas horas depois. Então eu decidi me levantar de vez. Tomei banho, fiz um café da manhã aceitável e peguei meus óculos de sol para sair de casa. Passei em uma Starbucks pra comprar café - preto e sem açúcar dessa vez, igual a minha vida - e de lá fui para o Four Seasons.

Entrei no hotel e passei reto pela portaria, pegando o elevador e subindo até a suíte presidencial. Outros seguranças mal encarados me olhavam como se eu fosse uma bomba relógio assim que as portas do elevador se abriram, mas eu passei por eles como se não me afetasse. Entrei na suíte, colocando os óculos de sol para cima na cabeça.

-Cara? -Chamei por ela.

Andei mais um pouco na suíte até ver a armação que ela tinha feito para poder provar os vestidos. Na luxuosa sala de estar, ela tinha puxado um dos espelhos de corpo inteiro mais para frente e empurrado todos os móveis para o lado. Três caixas enormes estavam abertas ao lado do espelho, mas os três vestidos estavam esticados em cima dos dois sofás. Eu me aproximei para observá-los e toquei o tecido de um deles, sorrindo.

-Camila? -Disse Cara, me pegando de surpresa.

-Ah, olá. -Eu me virei para encará-la.
Ela estava usando um conjunto de lingerie branco e um espartilho. Arqueei as sobrancelhas, mas não comentei nada. Provavelmente ela ia usar uma lingerie parecida com aquela no dia do casamento. Eu me aproximei de Cara ainda sorrindo.

Lauren apareceu logo atrás dela e recuou um passo quando me viu. Ela parecia em choque.

-Camila! -Ela exclamou, como se não me visse há anos.

-Oi. -Falei, na maior calma.

-Vá embora, Lauren. -Cara se virou para ela.- Você disse que tinha coisas para fazer hoje, então vai. Eu não quero que você me veja de vestido de noiva.

-Realmente, ver a noiva antes do casamento com o vestido, dá azar. -Comentei, dando ombros.

Lauren olhou para nós duas, confusa. Ela voltou a olhar pra mim e seus olhos endureceram. Ela trincou o maxilar e assentiu com a cabeça, dando um beijo em Cara - o que me fez desviar os olhos - antes de sair da suíte. Cara virou-se pra mim novamente, agora com um sorriso entusiasmado, e foi pegar um dos vestidos.

Eu a ajudei a colocar o primeiro vestido. Todos tinham mangas cumpridas e dois deles eram bem parecidos, mas esse primeiro era o mais diferente. Ela encarou seu próprio reflexo no espelho e virou de lado, observando como o tecido formava uma cauda a ser arrastada pelo chão.

-Você gostou? -Ela perguntou.

-Sim, ficou ótimo. -Respondi, sorrindo.

-Tudo bem, vou provar os outros.

De novo, eu a ajudei a tirar o vestido e a colocar o segundo. Depois, eu a ajudei a colocar o terceiro vestido. Todos haviam ficado deslumbrantes e eu honestamente nem sabia como opinar. Se ela me pedisse ajuda ou conselho, seria inútil.

-Acho que gostei mais do primeiro, tem um caimento melhor no seu corpo. -Ela puxou o primeiro vestido para olhar de perto.

-Todos ficaram lindos, então qualquer um deles vai ficar ótimo. -Comentei e Cara deu risada.

-Você não está sendo muito prestativa.

-Desculpa. -Cruzei os braços e balancei os ombros.

-Tudo bem. -Ela riu de novo.- É, acho que eu quero o primeiro vestido. Vou mandar colocarem o segundo e o terceiro de volta nas caixas. Ah, finalmente!

-Aleluia! -Joguei as mãos para o alto.- Você escolheu o vestido, aleluia!

Finalmente Cara havia escolhido o vestido e finalmente as coisas pareciam estar caminhando no eixo correto. Lauren e eu não estávamos nos falando, o que era melhor para o casamento dela. Cara e eu tínhamos entrado em um acordo e ela havia decidido o vestido. Finalmente as coisas estavam se acertando.

-Ah, eu vou tirar esse treco que está me apertando, se você não se incomoda. -Cara puxou o espartilho de uma vez e jogou-o no chão.

Dei risada e neguei com a cabeça. Não havia problema nenhum em ela ficar seminua na minha frente. Eu já havia visto a noiva dela em condições piores, então, sem problemas.

-Eu estou literalmente cansada, você acredita nisso? -Ela comentou.

Cara colocou as mãos na cintura e virou de lado pra mim, ficando de frente para o espelho. Ela continuava sorrindo, até o momento em que percebi o havia estado na minha frente por aquele tempo todo. Encarei a barriga de Cara, que agora sem espartilho formava uma pequena protuberância, como se ela tivesse ganhado alguns quilos. Mas eu sabia que aquilo não era porque Cara havia ganhado peso. Eu sabia muito bem o que era.

-Cara, você... -Apontei sua barriga.

Ela se encolheu um pouco e abraçou o próprio ventre, recuando alguns passos.

-Eu não achei que você perceberia. -Ela murmurou.

-Eu já vi muitas noivas grávidas antes. E não é muito difícil perceber. Há quanto tempo você está esperando esse bebê?

-Estou indo para o quarto mês. -Ela se aproximou de mim com os olhos suplicantes.- Mas, Camila, por favor, não conte pra Lauren. Isso já estava em meus planos e nos dela também, eu só quis fazer uma surpresa e adiantei o tratamento.

Meu queixo caiu e eu tentei engolir seco. Cara grávida. Cara grávida de alguém. Cara grávida fora do tratamento que não se podia adiantar. Cara grávida de alguém que obviamente não poderia ser Lauren por motivos de incompatibilidade biológica. Cara se casando grávida com Lauren, sem Lauren saber. Minha cabeça ia estourar. E pensar que eu achava que, pela primeira vez em dois meses, as coisas estavam certas. Aquilo era literalmente um pesadelo. Eu só conseguia imaginar o que Lauren faria quando descobrisse uma notícia daquelas. Mas eu respirei fundo e me controlei. Cara não fazia ideia de que eu sabia das regras do tratamento que ela fazia. Eu tinha que continuar sustentando aquela mentira.

-Camila, por favor. Me prometa que você não vai contar isso pra Lauren. -Ela fincou as unhas em meu braço e me fez encará-la.

Eu encarei e assenti com a cabeça, ainda chocada e sem conseguir realmente acreditar.

-Prometi. -Respondi em um sussurro.- Você não precisa se preocupar.