Fevereiro, 136 EC
A insanidade do duque Venomania
Um cálido vento fúnebre soprava a cidade de Lasaland naquela noite. Noite de lua crescente e brilhante, tão viva em sua branquidão que impedia a visão das estrelas no manto escuro do céu noturno. Uivando em seu luxo, o zéfiro atravessava as esquinas de árvores e casas, levando a brisa fresca de encontro a todos que se davam ao direito e prazer de encontra-la. Naquela madrugada, apesar de calma e iluminada, algo parecia fora de seus eixos; algo que a ventania do zéfiro não conseguira levar embora junto com os fragmentos de areia e folhas caídas. A aura negativa temida por todos que ousassem aproximar-se da mansão nobre parecia ainda mais forte e intensa, podendo ser sentida como um baque surdo dentro do peito mesmo a quilômetros de distância. O local não permitia a entrada de quaisquer correntes de vento; estava totalmente abafado, impregnado com o aroma salgado de suor e lágrimas.
Em um dos muitos quartos do segundo andar, vinha á tona o que já havia se tornado rotineiro. Os fios dos cabelos róseos da garota espalhados e desgrenhados sobre a cama, entrando em contraste com a brilhante cachoeira de fios púrpura do rapaz que a dominava. Os lençóis sob os dois uniam o suor e as lágrimas em um cheiro sofrido e fúnebre como o vento exterior, que aumentava ainda mais os desejos insaciáveis daquele que há muito parecia ter perdido sua lucidez. As pernas da mulher envolviam sua cintura sem muita firmeza, reflexo do óbvio cansaço da mesma, sendo mantidas em posição apenas pela força com a qual a mão esquerda do duque segurava sua coxa, começando a marca-la com outro dos muitos hematomas vermelho vinho que já a havia cravado. Com o torso mantido sobre o da menina, o homem explorava-lhe o corpo com a mão livre, passeando por suas curvas e formas bem esculpidas, enquanto mantinha-se beijando-a com os olhos entreabertos. Sentia-se excitado em ter a respiração ofegante da garota erguendo seu tórax e criando contato direto entre os fartos seios da mesma e seu corpo, enquanto observava as feições da linha tênue entre prazer e dor que esta sentia. O mundo parecia dar um veloz giro em sua própria órbita a cada vez que ouvia-a gemer e grunhir baixo por ter alguma área de seu frágil corpo machucada ou estimulada. Sentia-se como se estivesse prestes a perder o controle de si mesmo ainda mais. Lenta e sublimemente desce sua mão direita pelo corpo da mulher, indo de sua bochecha, onde estava mantida para secar-lhe alguns fios de saliva que escorriam de seus repetidos beijos molhados, passando pelo seu tórax e delineando perfeitamente sua cintura em velocidade moderada, parando ao chegar á sua coxa livre. Segura-a firmemente, mordendo o lábio inferior de Lukana, que aproveitava a interrupção do beijo para tentar desesperadamente recuperar o fôlego perdido. Erguendo seu torso, mantém-se ajoelhado na cama, admirando curtamente o corpo marcado e suado da garota á sua frente.
“Vire-se.” Ordena-a, em voz firme e um pouco sombria. Quase desmaiada com a fadiga, a garota abre lentamente os olhos cerrados, observando-o em questionamento. Finalmente assimilando o que lhe havia dito, a garota vira-se, mantendo-se apoiada nos joelhos e segurando a cabeceira da cama, ainda ofegante e um pouco desnorteada. Mordendo o lábio inferior, o rapaz induz com as mãos a garota a abrir mais as pernas. Permitiu-se ver o íntimo da pequena encharcado de sua própria excitação, juntamente com os frutos dos sequentes ápices que já havia alcançado dentro dela.
Inclina-se sobre a garota, segurando firmemente o quadril da mesma, causando um breve toque entre suas intimidades, fazendo-a capaz de perceber como estava fortemente alterado. Beija-a a nuca, sentindo o arrepio percorrer por todo o corpo da menor, que arqueia as costas e geme baixo. Afastando alguns fios de cabelo desarrumados do caminho, aproxima-se da orelha da menina, mordiscando o lóbulo e permitindo que sua respiração quente fosse sentida por ela.
“Grite para mim...”
Em um movimento súbito, encaixa-se e penetra-a com força, mantendo-se totalmente dentro de seu íntimo. Com o prazer repentino preenchendo seu corpo, a garota obedece-o involuntariamente, arqueando-se ainda mais e gemendo em volume alto. Não sentia mais dor em suas estocadas violentas; estava extasiada de tantas vezes que haviam repetido suas relações em uma só noite. Entretanto, apesar de não sentir mais tanto prazer em seu íntimo demasiadamente estimulado, algo dentro de si parecia contorcer-se a cada toque de Venomania em seu corpo, de modo que sentia-se envolta por um contentamento estranho e corrupto.
Após o choque súbito dissipar-se, Lukana abaixa a cabeça, ofegante e exausta. Ainda completamente dentro da intimidade da garota, Sateriasis puxa-a os cabelos com uma das mãos, forçando-a a levantar a cabeça e fazendo-a erguer o olhar. Enrola a ponta dos fios em volta de seus dedos, impedindo-os de escapar com o polegar. A garota franze o cenho levemente com a dor.
“Você gosta disso, não é?”
Estoca-a novamente. E, mais uma vez, a garota sente o prazer leva-la ao paraíso e ao inferno em questão de segundos, gemendo ainda mais alto. Deliciando-se tanto com as contrações e umidade da garota como com suas sonoras demonstrações de prazer, Venomania morde o lábio inferior com força.
“Eu lhe fiz uma pergunta.”
Puxa os cabelos de Lukana com mais força, fazendo-a ter de arquear suas costas ao máximo. Seus olhares mantiveram-se frente a frente, enquanto os olhos da garota enchiam-se de lágrimas novamente com a dor em sua coluna e couro cabeludo.
“Você gosta disso?”
Estoca-a mais uma vez. Porém, na posição que se encontrava, a garota pôde apenas soltar um grunhido baixo e cerrar os olhos com força. Tentando responder á pergunta do duque, esta assente com a cabeça, movimentando-a o pouco que podia. Insatisfeito com a resposta, Venomania franze o cenho.
“Responda-me corretamente!”
Com a mão que segurava o quadril da menina, Sateriasis infere um forte tapa contra o traseiro da mesma, fazendo-a gritar em dor ardente.
“S-Sim, senhor Venomania...” A garota tenta respondê-lo, em meio a soluços e respiração descompassada. “Eu gosto muito...! Por favor, faça-me sua novamente.”
A resposta arranca um sorriso sádico e malicioso do duque. Soltando os cabelos de Lukana de seu invólucro, mantêm-se ajoelhado na cama novamente, segurando firmemente a cintura da garota com ambas as mãos.
“Boa menina!”
Antes que a mulher pudesse sequer processar corretamente o que lhe havia dito, inicia-lhe uma sequência de estocadas lentas, porém profundas, em seu íntimo. Sentindo-se inteiramente consumida pelo prazer em súbito, esta cerra os olhos com força e geme alto, aumentando a intensidade com a qual segurava a cabeceira da cama. Ainda mantendo esse ritmo, o rapaz aproxima-se do pescoço da garota novamente, dando-o curtos beijos. Notando suas intenções, a garota ergue a cabeça, para facilitar-lhe o acesso á uma de suas áreas mais vulneráveis. Ao fazê-lo, sente-o começar a distribuir-lhe beijos e chupões por toda a área. Sentindo-se totalmente entregue, a garota arfa, permitindo o prazer de consumi-la mais uma vez. Notando a lucidez da garota sendo levada embora ao mesmo ritmo que a sua, Venomania passeia sua mão esquerda pelo corpo desta novamente, até alcançar-lhe os seios, apertando-os com certa força, enquanto aumentava a velocidade das estocadas progressivamente.
“Minha safada...”
Infere-lhe um tapa mais uma vez. Lukana grita novamente; desta vez, não pela dor, mas pelo incrível tesão que esse tipo de toque do duque a causava. As estocadas mantinham-se em velocidade suficiente para levar ambos á insanidade. O pescoço da garota encontrava-se quase que totalmente marcado dos chupões que lhe havia dado; manchas vermelhas, já quase roxas, que o estimulavam ainda mais em continuar o que fazia. Sentia as repetidas contrações da intimidade da garota contra seu membro deixarem-lhe ainda mais fora de si, enquanto tragava o delicioso aroma dos cabelos da mesma.
Após minutos de sincronia incansável, ambos sentem o calor do ápice próximo correr por seus corpos suados. Ainda próximo á orelha da menina, onde mordiscava o lóbulo, permitiu-a ouvi-lo arfar e gemer baixo nas poucas ocasiões em que se deu a esse luxo. Afastando-se do pescoço da mulher, o duque ajoelha-se em posição correta na cama novamente, segurando o quadril da garota com força. Esta por sua vez, abaixa a cabeça e apoia uma das mãos na cama, com a outra ainda segurando a cabeceira, gemendo em meio á sua respiração descompassada.
Mordendo o lábio inferior, Venomania sente os repetidos espasmos percorrerem seu corpo como um feixe de eletricidade. Involuntariamente, crava suas unhas no local onde segurava a menina, fazendo-a gritar em dor, enquanto lágrimas surgiam em seus olhos já marejados. Aumentando ainda mais o ritmo no qual a estocava, foi sendo levado á insanidade tão profunda que esquecera da garota e tudo a seu redor por instantes, dando atenções apenas para a excitação que sentia. Desperta-se de sua letargia com o alto e sonoro gemido da garota, que arqueava suas costas ao máximo, alcançando o seu clímax. Este som de tão clara e óbvia rendição fora o suficiente para estimular Venomania ao máximo. Erguendo a cabeça, com os olhos cerrados com força, sente-se tomado pelo prazer do orgasmo e despeja-se dentro da garota mais uma vez, permitindo que um gemido suficientemente sonoro escapasse por seus lábios.
Ainda arfante e com um sorriso divertido estampado em sua face, inclina-se para frente, depositando um calmo beijo no pescoço da garota exausta e descompassada, antes de retirar-se de dentro dela. Ao sentir-se livre daquilo que a preenchia, Lukana rende-se ao seu corpo fraco e repleto de fadiga, permitindo-se cair deitada de lado na cama de casal em que se encontrava. Vendo o seu estado, Sateriasis ri discretamente, movendo-se e deitando-se ao lado da menina afadigada. Com a cabeça apoiada no braço, utiliza a mão livre para retirar alguns fios de cabelo que tombavam pelo rosto da menina, dando visão direta ao seu rosto corado e cansado.
“Quatro vezes.” Diz a ela, em tom de voz baixo e calmo, afagando a cabeça da pequena, que abre os olhos parcialmente ao ouvir sua voz. “Você é muito mais do que aproveitável, Lukana Octo.”
A menina sorri fracamente, um sorriso quase que sem vida. O duque envolve-a em um abraço aconchegante, aninhando-a em seu tórax.
“Você é minha gostosa.”
Acaricia calmamente a face da garota, abaixando-se para dá-la mais um de seus beijos molhados e sedentos, talvez tentar convencê-la a render-se para transarem uma quinta vez. Entretanto, ao passear pela língua da costureira com a sua, nota como o movimento estava cansado e ocioso, assim como todo o resto de seu corpo. Após curtos segundos, separa o beijo e observa a figura de olhos fechados da menina, quase que inconsciente. Calmamente, deposita uma série de selinhos nos lábios da mesma, abraçando-a em seguida.
Ao interromper o abraço, levanta-se e pega um dos muitos lençóis desarrumados na cama, estendendo-o sobre a garota adormecida. Veste-se de suas calças brancas, que estavam jogadas pelo chão juntamente ao restante de suas roupas e de Lukana, estando o vestido e a peça íntima da garota rasgados pelo calor do momento. Em passos silenciosos, caminha até a porta do quarto, abrindo-a e caminhando para o lado de fora. Antes de fecha-la atrás de si, observa a figura adormecida de Lukana iluminada pela luz do luar provida pela enorme janela; a única luz que fora necessária para ilumina-los em seus desejos convergentes durante toda a noite. Um sorriso inocente forma-se em seus lábios.
“Boa noite, minha Lukana.”
Fecha a porta atrás de si, com o maior cuidado possível. Iria até a sacada, admirar a visão da cidade entorpecida; talvez beber um pouco ou fumar um cigarro. Não sentia sono ainda, em plena altura da madrugada. O demônio dentro de si parecia em festa com a conquista, apesar de não estar nem perto de estar satisfeito; imaginava consigo que ainda poderia comê-la pelo resto da noite, se esta permitisse. Entretanto, somente por ter saído de seu ócio bastardo, já sentia-se com uma vitória.
Naquela noite, Sateriasis iria dar-se ao luxo de sentir a brisa do zéfiro mais uma vez.
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Uma estranha chuva caía. Não era frígida ou úmida; nem sequer era água. Tratava-se de gotas escarlate; gotas de sangue, que caíam lentamente, como se estivessem presas naquele lugar sombrio, seguindo poucamente o que eram obrigadas a fazer pela gravidade. Um tenebroso som ecoava; som de ventanias horrendas, como as que haveria em uma tempestade. Entretanto, nem uma sequer brisa ousava passar por aqueles terrenos. Sateriasis sente-se finalmente despertar, apesar de ter certeza que se encontrava consciente há muito tempo. Seus olhos assustados fitavam um ponto qualquer na completa escuridão que o rodeava, enquanto seu corpo deitado na grama negra sentia a poça da chuva formar-se sob si. Cada gota caía em sua pele como lava ardente, causando-lhe queimaduras sem marca, mas que continuavam a arder da mesma forma. Guiado pelo instinto, o duque levanta-se, sentindo seu corpo funcionar mecanicamente, como se estivesse desligado do cérebro. Inexpressivo quanto a tudo em seu redor, olha em volta. Por todos os lados, nada além de chuva e pura escuridão, podendo apenas ver a grama áspera e escura que residia sob seus pés. Sem saber bem o que fazer, decide caminhar adiante. Sentia-se cada vez mais diminuto em comparação ao lugar obscuro e sem vida. A chuva queimava cada vez mais a sua pele, mas a dor parecia não afetar o seu corpo guiado alheadamente, enquanto sua alma aflita o implorava para parar.
Não muito distante dali, surgiu uma luz. Uma luz que brilhava em pureza tamanha que podia ser considerada uma salvação única para aquele infinito repleto de trevas. Das profundezas luminescentes, avistou uma silhueta caminhando em passos calmos em sua direção. Uma pequena anja, vestida de um singelo vestido branco que ia-lhe até os joelhos, cobria-se o próprio rosto com suas enormes asas. Aproximava-se sem pressa, parando ao alcançar uns bons trinta metros de distância de Sateriasis, rindo brevemente em ritmo sereno.
“Este é um lugar horrendo não é?” Comenta, removendo as asas da fronte de seu rosto, revelando a face juvenil e angelical, rodeada pelos cabelos verdes como uma floresta de pinheiros. Sateriasis parece finalmente recuperar controle total de seu corpo, podendo guia-lo com sua mente, que havia perdido sua lucidez com a visão da menina.
“Gumina...” Sussurrou para si mesmo, ainda desacreditado do que via. “Gumina, é você?”
“Venha comigo, Sati.” A garota abre os braços para recebê-lo. “Podemos sair juntos deste lugar horrível.”
Um sorriso vibrante surge no rosto do rapaz, enquanto admirava a figura iluminada, que batia calmamente as asas.
“Gumi!”
O duque corre para alcançá-la, sentindo uma felicidade sem igual possuir seu corpo. Chegando á sua frente, o rapaz envolve-a em um abraço apertado, jurando nunca mais deixa-la partir. Sentia uma das mãos calmas da garota afagar-lhe a cabeça, enquanto a outra mantinha-se pousada em suas costas para reconforto. Venomania queria dizer tantas coisas á sua amada; queria dizer-lhe como sentiu sua falta e como a perdoava por tudo que o havia dito, além de desculpar-se por ter prejudicado-a em seu relacionamento com o verdadeiro Sati. Entretanto, antes que pudesse dizer sequer uma dessas coisas, sente as unhas afiadas da menina perfurarem-lhe as costas como facas, descendo juntamente com a mão da mesma e traçando um caminho de sangue em suas roupas cortadas da mesma maneira. Observa sobre o ombro momentaneamente, assustado com o que sentira, até ouvir risadas maldosas e assustadoras serem emitidas por aquela á sua frente.
“Você pensa que não sei seu segredo, não é?” Questiona a menina, olhando-o nos olhos com expressão demoníaca. Suas asas são lentamente corroídas pela chuva, enquanto que a luz que a cercava tornava-se igualmente escarlate. “Você é pecador, Sateriasis Venomania. Será que deveria lhe chamar assim?”
Desaparecendo o sorriso assustador em sua face e estampando feições sérias, empurra o rapaz, fazendo-o perder o equilíbrio e cair sentado na grama áspera. Ainda incerto do que ocorria, o duque continua a observa-la, enquanto esta vira-se de costas, em direção á fenda escarlate que havia sido criada onde ora reinava sua luz angelical.
“Gumina, espere!” Implora-a, estendendo uma mão em direção á menina, que interrompe seu caminhar á fenda. “Sou eu, Cherubim. Fiz isso apenas por amor a você. Por favor, dê-me uma chance; vamos sair deste lugar juntos, Gumi...”
A garota ri. Um riso frenético e sádico, maliciando a fala do rapaz, que se sente perdido em meio a tantas ideias divergentes.
“O lugar de pecados mortais é no jardim infernal, Asmodeus!”
Deixando-o apenas a única sentença, atravessa a fenda, desaparecendo da visão de Sateriasis, que via-se novamente sozinho em meio aos jardins infernais, o lugar ao qual pertencia desde que se vira como gente. A chuva de sangue tornou-se de cor púrpura, caindo como um solvente corrosivo em sua pele, fazendo-o gritar em dor e desespero. Pedia desculpas repetidamente ao infinito vazio, na esperança de que, talvez, seus pecados fossem perdoados. Porém nada acontecia. Logo viu-se em meio á um largo oceano púrpura, formado pelo mesmo líquido que caía dos céus. Lutou para manter-se na superfície, onde podia respirar, apesar de continuar sentindo a dor de ser corroído pelo ácido mortal que o envolvia.
Enquanto batalhava contra a correnteza, sentiu algo puxar-lhe os tornozelos, forçando-o cada vez mais ás profundezas. Tratava-se de uma mulher encapuzada; uma máscara branca e vermelha cobria-lhe os olhos, permitindo visão apenas de sua pele pálida e lábios arroxeados, enquanto que sua cabeça mantinha-se totalmente coberta pelo seu capuz esverdeado. Antes que pudesse sequer tentar soltar-se, uma figura demoníaca ascende das marés, exibindo seus chifres pontudos e grossos e suas asas castanhas, arrastando-o para o fundo das águas e levando sua alma para a morte certa nos jardins do inferno.
“Teu pecado é imperdoável.”
Com os olhos marejados e corpo trêmulo, o duque acorda em um espasmo, olhando em volta e tentando situar-se. Para sua sorte e alívio, não encontrava-se nos temidos campos infernais, onde sua mente o forçava a estar até poucos segundos atrás. Estava em uma carruagem de movimento lento, ao lado de I.R. em sua forma felina, que observava calmamente pela janela, virando seu olhar em direção ao duque ao notar o seu estado. Ainda perplexo, recosta-se novamente ao assento, levando uma mão á cabeça, visto que ainda sentia-se inegavelmente tonto e com respiração descompassada. A pequena gata rubra ri de canto.
“Finalmente acordou!” Remarca, voltando a olhar a paisagem. “Deve ter sido um pesadelo e tanto. Seus grunhidos já estavam me deixando desconfortável.”
“... Quanto tempo se passou desde que adormeci?” Questiona, olhando de canto em direção á felina distraída.
“Por volta de uma hora. Não precisávamos fazer todo o trajeto á carruagem, sabia?”
Esquecendo momentaneamente sua fadiga, o duque ri divertidamente com o comentário ingênuo da maga, que ergue uma sobrancelha.
“Por favor, I.R.! Eu sou lorde destas terras!” Remarca, com a soberba em sua forma mais pura. “Viajar á pé não faria jus á minha imagem.”
A gata revira os olhos, impaciente.
“Bela imagem a sua.” Afirma sarcasticamente, em face séria e um pouco sombria. “Primeiramente, já é estranho suficiente um duque viajar sem um servente.”
“É mesmo? Eu nunca achei que--”
Sateriasis interrompe a própria frase ao ter seu olhar encontrado com o de seu cocheiro, que o observava curiosamente, em feição incrédula e um pouco espantada, provavelmente preocupado com seu estado mental por estar conversado com uma gata. Levando a mão á nuca, o duque cumprimenta o seu condutor com um sorriso amarelo, antes deste revirar os olhos e voltar-se novamente em direção aos cavalos que conduzia. Um pouco constrangido, Venomania atira seu olhar a I.R. novamente.
“É realmente aceitável conversarmos normalmente em público?” Questiona, em voz baixa, quase em sussurros. “Sabe, gatos falantes não são comuns em Asmodean... Ou em qualquer outro lugar, eu acho.”
Entretida com a vergonha do rapaz, a gata ri, esticando-se no acolchoado.
“Não se preocupe com isso, só você pode entender o que digo. O cocheiro apenas crê que você é um amante de gatos bizarro.”
Insatisfeito com o esclarecimento, o duque franze o cenho e balança a cabeça em negação.
“Isso não é lá muito melhor...” Retruca. I.R. dá de ombros. “Por que não veio em sua forma humana, mesmo?”
“Não seria muito agradável para minha reputação ser vista em uma viagem com você.” Afirma, exibindo um sorriso cínico, continuando sua frase ao ver que o indignado Sateriasis estava prestes a reclamar-lhe. “Além disso, esta forma é muito mais compacta e conveniente.”
Aceitando parcialmente a resposta, Venomania consente-a, voltando sua atenção novamente á paisagem do lado de fora, atentando-se ás árvores, cujas copas dançavam suavemente com a brisa. O dia estava estranhamente bonito para a época do ano, o que o fora bastante surpreendente. Um belo zênite banhava toda a pequena área arborizada pela qual passavam, dando destaque a algumas pequenas clareiras vazias. O rapaz ouvia silenciosamente o som emitido pelas rodas da carruagem em uníssono aos galopes dos cavalos, até notar os receosos olhinhos verdes da gata fixos em suas feições, virando-se para esta.
“Já esteve em Abito antes?” Questiona, coçando o topo da orelha direita com uma pata dianteira.
“Creio que não. Pelo menos não que eu me lembre.” Responde-a sem muito interesse, dando de ombros.
A felina murmura, apoiando-se na janela ao lado, observando o que vinha adiante em seu trajeto. Nota facilmente a aproximação da vila á qual tomavam rumo, exibindo um curto sorriso em face. Percebendo a expressão da gata, Sateriasis observa pela própria janela, vendo as casas lentamente surgindo no horizonte.
“Você tem certeza de que ela está lá?” Ainda observando o vilarejo, interrompe a linha de pensamentos de I.R., que observa-o de canto. “Está certa de que ela vive nessa vila?”
A feiticeira estampa sua melhor face indignada e séria. Não gostava de ter os seus métodos duvidados por terceiros; era uma maga milenar, afinal. O que nesse mundo ela não saberia demais? O propósito de terem vindo á um local tão distante e sem importância era um único: uma pequena camponesa, que presenciara o ocorrido na floresta, dias atrás. A garota cruzava o local em sua casualidade, exibindo seu espanto com um sonoro grito ao avistar a encarnação demoníaca do duque abraçada á quase inconsciente Lukana. Crente de que ela não os causaria muitos problemas imediatos, a dama tomou-se por deixa-la ir momentaneamente ao vê-la fugir pelo caminho que havia vindo, investigando-a incansavelmente nos seguintes dias até localiza-la como residente de Abito. Após tanto desgaste, a última coisa que desejava era ter o seu trabalho negligenciado por seu subordinado, visto que este havia exercido o que podia ser considerado como nada em sua parte do contrato até o momento.
“A garota é uma camponesa no vilarejo. Chama-se Mikulia.” A gata responde, deitando-se no acolchoado e apoiando a cabeça na interseção entre as patas dianteiras cruzadas. “Mikulia Greenonio, se quiser maiores especificações.”
Sateriasis ergue as sobrancelhas em surpresa e incredulidade.
“Você a localizou bem rápido. Bom trabalho.” Cumprimenta-a, sorrindo divertidamente. A mulher demonstra seu auto-orgulho com um riso de canto em soberba.
“Tenho meus contatos por toda a região. Sei de tudo que quero e controlo tudo que desejo.” Engrandece-se, com o olhar propositalmente perdido, evidenciando seu exibicionismo. “Ou achas que não foi graças a mim que tornou-se duque?”
Venomania ri da autoconfiança da gata.
“Eu iria herdar o título por linhagem familiar de qualquer jeito, minha cara!” Afirma, cruzando os braços e recostando-se no assento novamente. A felina franze o cenho.
“Se não fosse por mim você nem estaria vivo, tolo! Posso muito bem desfazer tudo o que fiz!” Ameaça, os pelos rubros um pouco arrepiados em fúria súbita.
“Não adianta blefar, queridinha. Sei que precisa de mim.”
A gata preparava-se para retrucar-lhe de maneira agressiva e impiedosa, visto que não admitia tamanho descaramento quanto aos serviços que prestava em troco apenas do aumento de poder para a lâmina que o havia confiado. Entretanto, ao relembrar-se que, como o havia cedido o contrato de Asmodeus, um demônio poderoso e além de seu controle como feiticeira, apenas o próprio poderia cancelar o contrato, recorda-se de sua imponência quanto ás negligências do duque. Irritada com a derrota, a maga acomoda-se novamente.
“Ingênuo.” Debocha-o, mudando a direção do olhar. Entretido com a situação, Sateriasis ri de canto por alguns instantes, cessando lentamente ao notar o local, ora possuído pelo ritmo divergente de sua voz á de I.R., ser aos poucos tomado pelo calmante silêncio cortado apenas pelos galopes dos cavalos novamente. Um pouco cansado, o rapaz boceja e espreguiça-se, tomando uma posição despojada sobre o acolchoado, que o parecera extremamente convidativo em súbito.
“Que cansaço horrível!” Afirma retoricamente, mesmo sabendo que chamaria a atenção da felina de qualquer forma. “Ainda estou com sono...”
“Ora, evidente! Como queria não ficar exausto após passar a noite inteira acordado com Lukana?”
A gata ri baixo, divertida tanto por sua própria constatação como pela face e sorriso malicioso de Sateriasis após focar seu olhar em nenhum ponto em específico, recordando seus bons momentos com a costureira na noite passada.
“Detesto admitir, mas você está certa.” Assente, mantendo sua posição despojada. “Ela deve estar dormindo calmamente até agora, na mansão. Ontem á noite foi bastante;como posso dizer...? Intenso! Acho que seria a palavra correta.”
A gata exibe um curto sorriso de canto, balançando a cabeça em negação, demonstrando incredulidade.
“Estava ficando surpresa em como estavam conseguindo manter esse ritmo incansável por uma semana inteira sem ficar exaustos.” Remarca, fitando alguns fiapos que escapavam do enchimento do acolchoado.
O duque ri calmamente; uma risada entretida, mas que, ao mesmo tempo, soava repleta de segundas intenções. A felina volta seu olhar curioso para o rapaz.
“Você me fez ficar assim, I.R.” Afirma, olhando serenamente nos olhos da maga, que vê-se constrangida com a situação desconfortável, retornando o olhar envergonhado para o assento e recolhendo a cauda arrebitada, que pairava sobre seu corpo esguio, e deitando-a ao lado das patas. Venomania nota o constrangimento da menor, rindo discretamente. “Eu quis dizer com o contrato, boba! Não precisa ficar envergonhada; olha só, está até ficando vermelha!”
“Meu corpo já é vermelho. Tolo!”
Sateriasis deixa escapar um riso divertido, enquanto observava as repetidas tentativas da gata de ignora-lo. Ao fim da conversa, põe-se a assistir a paisagem pela janela mais uma vez, pensando em seu futuro e alguns poucos trechos não tão desprezíveis de seu passado. Pensava em Lukana, e em como a menina o havia dado prazer nas últimas semanas. Voltara á sua mente mais uma vez a ideia de tornar-lhe sua esposa oficialmente ao público, pensamento novamente eliminado em questão de segundos. Não hesitaria em fazê-la sua pela eternidade, juntamente a Gumina, que nunca saíra de seus planos. Entretanto, poligamia se fazia estritamente proibida na região, segundo as leis do império Beelzeniano, devido aos preceitos religiosos da crença Levinosa. O sorriso em sua face desaparece, transformando-se em uma expressão entristecida. Achava essas leis estúpidas; afinal, por que não poderia ter ambas Lukana e Gumina? Por que não poderia manter-se ao lado das mulheres que ama? Frustrado, suspira superficialmente, assistindo o pouco movimento que já podia ser visto no pequeno vilarejo da distância na qual se encontravam.
“O que faremos quanto aos parentes de Lukana?” Questiona á gata, que ergue o olhar em sua direção, mesmo notando que este ainda continuava fitando a estrada. “Eles irão ficar preocupados logo.”
“Não se preocupe quanto a isso.” Tranquiliza, voltando a observar a paisagem pela janela. Curioso, o duque observa-a com uma sobrancelha erguida, tendo sua face de questionamento dispensando qualquer pergunta. “Irei elaborar algo assim que lidarmos com Mikulia.”
Novamente, aceita prontamente a resposta da feiticeira, visto que todos os seus planejamentos haviam procedido corretamente até então.
Dentro de poucos minutos os galopes dos cavalos foram lentamente silenciando-se, indicando que haviam finalmente chegado á pequena vila de Abito. Seguindo as ordens de I.R., Venomania pede ao cocheiro para que os dirigisse ao norte do vilarejo, próximo ás fronteiras, onde encontrariam o chefe do local para supostas resoluções diplomáticas. Pôde notar o olhar curioso e atencioso dos residentes preso na carruagem, que cruzava o local em ritmo moderado; cada galopar dos equestres parecia atrair ainda mais pessoas, que murmuravam entre si sobre do que podia se tratar.
Ao alcançar a fronte de uma das maiores residências da vila, o condutor puxa as rédeas dos cavalos, fazendo-os parar o ritmo em súbito. Encontravam-se frente á morada do chefe do vilarejo, aquele que liderava as finanças e relações diplomáticas do local com suas conurbações, sendo Lasaland a mais influente. Tratava-se de uma residência de tamanho mediano, medíocre em relação ás de mesma classe na capital de Asmodean, mas evidentemente a de maior porte no pequeno município. Notando que haviam chegado á seu destino, I.R. estampa um sorriso satisfeito, tentando abrir a porta ao seu lado para iniciar sua busca, tendo dificuldade em realizar tal tarefa com as pequenas patas felinas. Percebendo os problemas da maga, Sateriasis ri discretamente e estende o braço para abrir-lhe a passagem, recebendo um curto olhar de gratidão da gata. Vendo esta saltar tenuemente até o solo, abre a porta para si mesmo, sendo recepcionado por um vigoroso vento oeste que soprava há momentos. Pondo os pés em chão firme, espreguiça-se de modo despojado, tentando manter os resquícios de seu sono mantidos de lado pelas próximas horas. Sentindo a pequena gata esgueirar-se por entre suas pernas para chamar-lhe a atenção, vira a vista em direção á mesma, que entorna o olhar de reprovação á coordenada da morada burguesa.
“Caríssimo duque Sateriasis! Mas que honra!”
O rapaz torna-se em direção á voz, sem muito interesse aparente. Um homem baixo e um pouco robusto, de pele pálida, uma curta barba grisalha e cabelos do mesmo tom tomados pela calvície em alguns pontos, aproximava-se com um sorriso receptivo em face, acompanhado por dois servos pouco mais altos que ele guardando-lhe. Baseado em suas vestimentas e evidente possessão de serventes, podia-se facilmente constatar que tratava-se do governante de Abito, o homem de maior potência do local. Sateriasis recebe-o com um pequeno sorriso forçado ao tê-lo aproximar-se suficientemente.
“O que o traz á nosso humilde vilarejo, senhor Venomania?” Questiona, segurando firmemente a mão direita do rapaz por entre as suas, sorrindo animadamente. Entretanto, quando o duque começaria a respondê-lo, teve sua fala e linha de raciocínio cortados pelo espasmo repentino do homem, exibindo face de espanto. “Céus, que tipo de hospitalidade é essa? Perdoe-me, majestade. Irei prepara-lo uma recepção agora mesmo.”
Sateriasis ri discretamente, um pouco desconfortável com a situação.
“Não precisa ser tão formal; não tenho tamanho título de majestade.” Avisa-o, conseguindo libertar sua mão do invólucro criado pelo chefe da vila. “E uma recepção calorosa também não se faz necessária; até porque acabei por vir sem aviso prévio. Perdoe-me pela inconveniência.”
“Entendo.” O homem assente, alisando os fios grisalhos que cobriam sua própria calvície.
“A razão de minha vinda repentina é nada mais que, bem, minha obrigação. É meu dever estar ciente dos ocorridos em meu território, apesar de ter negligenciado tal tarefa desde que sucedi meu pai como duque.” Esclarece, fixando o olhar em um pequeno pássaro que pairava ingenuamente.
“Parece-me digno!” O homem afirma, virando-se em direção á sua residência. “Poderemos conversar melhor na sala. Acompanhe-me, por favor.”
O chefe do vilarejo estende ambos os braços em direção á sua moradia, indicando sua hospitalidade ao rapaz, que sorri de canto falsamente, sentindo-se incomodado por ter de envolver-se em assuntos desnecessários antes de resolver o que realmente o interessava. Guiado totalmente pela obrigação, segue o homem ao ritmo que este adentrava a residência, ainda com a pequena gata rubra e impaciente esgueirando-se por entre os cantos. O local mantinha a humildade exterior em sua imagem interna, sem muitos luxos ou riquezas, apenas o necessário para conforto burguês. Com um sorriso em face, o líder convida alegremente o duque a sentar-se em uma das poltronas da sala, tomando seu próprio lugar frente a esta.
Pelos próximos noventa minutos, foi mantida uma conversa duradoura acerca dos assuntos de interesse mútuo de Abito e Lasaland, assim como do resto de Asmodean. O chefe da vila comentava suas próprias historietas e fatos, rindo animadamente de alguns em seguida. Entediado e insatisfeito com a posição que fora forçado a tomar, Sateriasis apenas sorri forçadamente de canto a cada constatação do passado e presente feita pelo pomposo homem á sua frente. Este comentara a respeito de Ilote Venomania, o nobre pai de Sati, e as muitas vezes que este havia visitado a vila juntamente com o garoto ainda na flor da juventude. Ao ser questionado se recordava-se, o duque confirma cinicamente, mesmo sabendo que nunca sequer estivera nessa situação, já que não tratava-se do verdadeiro herdeiro Sateriasis Venomania.
Em certo ponto da prosa, o impaciente rapaz abaixara seu olhar em direção ao pé da poltrona, onde a pequena gata rubra localizava-se previamente, na tentativa de pedi-la uma saída rápida daquele inferno. Entretanto, ao procura-la com o olhar, notara que não mais se encontrava descansando onde estivera nos últimos longos e cansativos minutos. Distraindo-se momentaneamente da conversa, o duque olha inquietamente em volta na tentativa de localiza-la, ato que intrigara bastante o chefe de Abito, que ergue uma sobrancelha.
“Algum problema, caro duque?” Questiona, com o olhar fixo no rapaz receoso.
“Não, de forma alguma.” Retruca, ainda procurando-a pela casa. Vendo que não a acharia em qualquer lugar do recinto, vira-se para o homem, com olhar acanhado. “Se o senhor não se importa, preciso resolver alguns assuntos de grande importância. Poderemos terminar essa conversa em breve, ok?!”
O homem pondera por instantes, franzindo suavemente o cenho e acariciando a própria barba, logo exibindo um curto sorriso.
“Mas é claro, senhor Venomania! Quando o senhor quiser!” Constata abertamente, apesar de ainda um pouco estranhado pelo comportamento do rapaz.
Ambos levantam-se para um curto cumprimento de despedida. Sentindo-se vitorioso, Sateriasis é acompanhado pelo líder até as portas já abertas da morada, tendo-se novamente abraçado pelos ventos exteriores ao tomar o primeiro passo no lado de fora. Recolocando-se em sua órbita, acena brevemente ao homem ao tê-lo fechar as entradas da residência, iniciando sua desesperada busca pela pequena gata rubra nos arredores do vilarejo. Pensava consigo que esta não poderia ter ido muito longe, afinal os territórios de Abito são bem limitados. Entretanto, preocupava-se com o fato de ter-se visto passando pelas ruas da vila sem um sequer acompanhante, cavalo ou carruagem, olhando de canto a canto e exibindo sua melhor face intrigada e perdida, observada por muitos ao seu redor.
Após minutos que pareceram uma eternidade, avista a felina esgueirando-se por entre casas e pequenas quitandas, desviando de rodas de pequenas charretes enquanto seguia seu rumo, que tudo indicava ser á fronteira. Aumenta o ritmo de seus passos, na tentativa de seguir o ritmo ágil no qual as pequenas patinhas moviam-se pela multidão. Em certos pontos, a distinta coloração dos pelos da gata fora a única salvação de perdê-la de vista entre os muitos que passavam por ali. Inquieto com a perseguição, o rapaz franze o cenho, pensando nas poucas e boas que diria a I.R. por abandona-lo sem mais nem menos em uma situação como aquelas.
Quando finalmente dera-se ao luxo de interromper a corrida atrás da pequena maga rubra, o duque curva-se, apoiando as mãos sobre os joelhos, tentando recuperar sua respiração descompassada pelo ritmo cansativo que fora forçado a tomar. Erguendo o olhar embaçado, pôde ver a pequena sorrir e miar animadamente, olhando em direção á algumas árvores da floresta que delineava a fronteira; a longa cauda escarlate pairava sobre seu corpo em uma dança tênue e paciente. Tomando mais uma vez os impulsos restantes dentro de si, caminha em direção á mesma, em passos grossos e pesados, para que esta notasse sua rude presença irritada. Entretanto, esta não movera-se da posição na qual se encontrava, parecendo dar bastante atenção seja lá a o que fazia.
“Então agora resolveu me abandonar, também?” Impõe, cruzando os braços, observando-a superiormente com desdém e ira, enquanto esta voltara seu olhar cínico e orgulhoso para encontrar-lhe. “Você não faz ideia do trabalho que tive para lhe achar. E para lhe alcançar... Prefiro nem comentar!”
Entretida, a gata ri curtamente, miando dengosamente em seguida. Em um movimento rápido, entrelaça-se por entre as pernas do rapaz, roçando-se contra as mesmas e ronronando, em uma intimidade que lhe fora bizarramente estranha. Antes que pudesse perguntar o que a maga estava a fazer, ouve passos, curtos e hesitantes, vindos da floresta e indo em sua direção. Ergue o olhar, que encontrava-se fixo na felina, mirando a face daquela que assistia á cena com um pequeno sorriso nos lábios. Tratava-se dela. A pequena camponesa, Mikulia Greenonio, aquela que tanto procuravam previamente. Avistando-a, o rapaz sorri de canto, enquanto é recepcionado por um riso animado e feliz da menina.
“Então será como nas histórias que vovó me contara...” A pequena comenta retoricamente, saltitando de modo infantil em seguida. “O meu príncipe-demônio veio buscar-me, finalmente!”
O rapaz ri de canto, satisfeito e um pouco confuso.
“Então foi você, mesmo. Você viu-me na floresta em minha forma demoníaca.”
A menina assente com a cabeça, ainda mantendo seu sorriso alegre e bobo. Sateriasis vira o olhar para I.R., que observava-o, engrandecendo-se por tê-la encontrado tão facilmente.
“Noto que estás trajado como um humano normal, agora.” A garota aponta, um pouco curiosa. O rapaz volta seu olhar a ela novamente. “Quer dizer, não que você não seja um humano normal... Não sei bem ainda o que é você, senhor príncipe!”
“Desculpe-me perguntar, mas porque chamas-me de príncipe?” Questiona, aproximando-se de Mikulia, que dá de ombros.
“Apesar de me assustar no momento, eu o achei incrível quando o vi na floresta... E bem atraente, também...” Assume, tornando seu olhar para uma direção qualquer, tentando esconder a sua óbvia face rubra. “Levou-me a crer que tratava-se de alguém da realeza.”
Admirado pela franqueza do comentário feito pela menina, Venomania sorri de canto. A camponesa parecia uma criança inocente, ainda presa em sua crença infantil em contos de fada e príncipes encantados. Demonstrava-se submissa, de modo que, em uma pequena porcentagem de chances, poderia aceitar juntar-se a Lukana em sua mansão por livre e espontânea vontade. Entretanto, uma proposta como essa seria um risco grande demais a ser tomado, visto que tudo indicava que iria assusta-la e espantar-lhe, fazendo-a relatar o ocorrido a outros e assim alastrar a má fama de insanidade do duque pelos outros cantos da região. Tendo isto ponderado, o rapaz olha nos olhos de I.R., que o observa com feição séria.
“E então, o que você acha?” Questiona á gata, em sussurros, não especificando a que se tratava, na tentativa de evitar o entendimento e consequente medo da garota. A camponesa ergue uma sobrancelha, visivelmente confusa.
“Bem, se quiser tentar, melhor aproveitar agora que não há ninguém por perto.” Sugere abertamente, visto que apenas o rapaz entenderia o que estava a falar.
“Talvez eu consiga fazê-lo sem transformar-me por completo...” Infere, chamando a atenção da maga, que ri curtamente em desdém.
“Tenho minhas dúvidas, rapaz.” Contradiz. “A força de Asmodeus é inegavelmente maior que a sua.”
“Desculpe-me interromper, mas... Do que e com quem está falando?” A intrigada menina ousa perguntar, um pouco constrangida. Sateriasis, por sua vez, ergue o olhar em direção a esta, sorrindo de canto; um sorriso sedutor e um pouco malicioso.
“Não é nada importante, Mikulia... De fato, acho que nada mais deveria importar a nós, no momento.”
Em um movimento rápido, segura firmemente ambos os ombros da garota, trazendo-a mais para perto de si. Surpresa, esta arregala os olhos, apesar de manter sua posição estática.
“Que rosto adorável... Mesmo sendo causado por um curso de eventos, talvez nosso encontro tenha sido obra do destino.” Infere, observando a expressão de dúvida e espanto da menina. “Não irei transformar-me desta vez, pelo seu próprio bem, ok?”
Antes que a perplexa garota pudesse questionar-lhe qualquer coisa, segura-a o queixo, aproximando suas faces ainda mais.
“Apenas olhe nos meus olhos, Mikulia...”
Sem escapatória, a pequena menina sente-se forçada a manter seus olhares em contato incessante. Notando a situação, tenta inutilmente escapar, utilizando as mãos para desfazer o invólucro que a prendia, não rendendo em qualquer resultado. Aos poucos, vê-se tomada por uma estranha letargia, tendo seu corpo enfraquecendo-se e tornando-se sem vida, mantendo o contato visual constante que havia sido criado e tendo seu corpo tomado e sua sanidade consumida pela energia maligna do pacto de Sateriasis, até perder totalmente os seus sentidos corretos e sua lucidez. Sentindo a dor estridente em sua cabeça causada pela sua luta incessante contra a transformação demoníaca, o rapaz cerra o punho, na tentativa de impedir com todas as suas forças que a forma do contrato prevalecesse, fazendo-a transparecer o menos possível.
Após curtos segundos, a intensa troca de olhares recíproca dos dois é interrompida por Venomania, que leva uma das mãos á cabeça na tentativa de conter a agonia que sentia, como se algo dentro de si estivesse prestes a implodir. Ao deslizar os dedos pelo couro cabeludo, pôde sentir a ponta áspera e rígida de um dos chifres de Asmodeus; uma pequena prova de que sua invocação havia funcionado corretamente, e que havia contido-a consideravelmente bem, visto que estes haviam sido o único resquício da mesma. Notando a aparentemente apatia da garota, vira-se em sua direção novamente, exibindo um pequeno sorriso de canto. Esta, por sua vez, mantinha sua expressão estática e tépida, acompanhando o olhar do rapaz, com a boca entreaberta e face cálida, expressão característica do feitiço ao qual havia sido submetida. Com as duas mãos nos ombros da menina novamente, o duque puxa-a para perto de si, aproximando-se cuidadosamente de sua orelha, sentindo um pequeno calafrio percorrer o corpo da menor.
“Você gostaria de retornar comigo á minha mansão, querida?”
Afastando-se da área sensível da menina, cria um contato visual novamente, notando sua expressão sem vida rapidamente tornar-se um sorriso vibrante e animado, antes desta envolver-lhe com seus braços em um movimento rápido e súbito para um abraço apertado.
“É claro que sim!” Responde alegremente, mantendo sua personalidade infantil, apesar das circunstâncias nas quais se encontrava. “Eu adoraria retornar com você, meu príncipe!”
Sateriasis fita I.R. de canto, notando que a gata parecia tão incrédula quanto ele no resultado obtido pela invocação. Ainda confuso, afaga suavemente os cabelos turquesa da garota que o abraçava, na tentativa de assimilar o que ocorria.
Havia, de fato, conseguido.
Controlara sem demais problemáticas os poderes do contrato, rendendo mais uma garota ás suas conquistas. Sentia-se vitorioso, apesar da fadiga que ainda acompanhava a sua mente de modo constante e incômodo.
Asmodeus, entretanto, pouco importava-se com o sofrimento de seu subordinado; não sentiria a dor do corpo humano deste, de qualquer maneira. Encontrava-se em estado de celebração, abraçado á sua boêmia, celebrando a segunda mulher; a segunda vítima. A segunda a dançar incansavelmente em seu harém de desejos proibidos e pecados imperdoáveis.
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Dias e noites haviam se passado em sua lentidão dolorosa e traiçoeira desde o incidente avassalador em Abito. A família Greenonio, ainda desesperada pelo desaparecimento curioso de sua caçula, havia se tornado foco de sussurros e boatos por toda a região. Como a jovem Mikulia, que nos dias anteriores ao ocorrido agia em sua normalidade, teve seu estado dado como desaparecida misteriosamente durante a noite, muitos desenvolveram a ideia em senso comum de que a garota havia fugido no meio da noite com um amante ou para prostituir-se, difamando o nome da mesma e sua família. Insatisfeitos com tais acusações, os pais e parentes da menina continuavam a nega-las, visto que a sua pequena garotinha nunca faria uma coisa dessas.
Entretanto, afirmar sem provas perante um tribunal é o mesmo que condenar a própria cabeça á forca.
Pais, tios, irmãos e amigos. Nem um sequer, quando questionado, sabia responder quando questionados algo que poderia ter levado ao sumiço da garota. Sabiam que havia algo fora de seus eixos, não somente por seus instintos como pelo que os poucos fatos que podiam afirmar com certeza os haviam levado a crer. Algo martelava repetidamente em suas mentes, como uma memória perdida que se fazia necessária, mas não tinha canais de retorno ou aceitação em seus egos. Ninguém, nem mesmo os mais próximos a Mikulia, conseguiam inferir quem ou o que seria responsável pelo misterioso caso Greenonio, ou quais seriam as intenções da menina com tal fuga, caso houvesse sido algo voluntário.
Todavia, apesar de todos os acasos no vilarejo próximo, Lasaland continuava no que havia se tornado normalidade. A mansão burguesa mantinha a sua estranha aura de energia negativa e pesada, que parecia ter se intensificado em súbito. Nesse ponto, mais nenhuma alma viva em sua completa sanidade se atreveria a adentrar o local, seja lá serventes, negociantes, diplomatas ou informantes. As poucas entregas que ainda eram feitas ao local tinham-se mantidas pelo carteiro frente da porta central, para serem pegas pelo seu destinatário em um momento futuro, sem mais requisição de rubrica ou papelada por motivos de receio e pavor.
Em uma dessas entregas, teve-se mandada á livre distribuição pública panfletos promovendo a mais recente apresentação no grande teatro da cidade de Lisa A, estrelando a exótica cantora e dançarina Lolan Eve em seu novo show de encenação teatral. Estes folhetos estiveram entregues juntamente ás encomendas e correspondências, a contrato da própria mulher, para ter sua peça com o máximo de presenças possível.
No início de mais uma das muitas manhãs tépidas na cidade, Lukana acordara cedo para continuar as tarefas que mantinha para si mesma voluntariamente na mansão, como cuidar da limpeza e organização do local em momentos de ausência ou ocupação de Venomania, enquanto assistia ao belíssimo nascer do sol no horizonte pela imensa janela. Após a organização dos livros nas estantes e a varredura do chão darem-se por completas, a garota dá-se o luxo de abrir as portas francesas frontais, permitindo a entrada de uma calma brisa matinal que enche o lugar e aconchega o seu corpo, renovando-o por inteiro. Abaixando o olhar, a menina avista as correspondências deixadas pelo carteiro. Um maço de cartas, presas umas ás outras por um elástico para não dissiparem-se meio ao vento que soprava. Tomando-as em mãos, a menina mantém as portas encostadas e sobe rapidamente as escadas até o segundo andar, em direção ao corredor de quartos que lá havia.
Em um dos muitos cômodos lá localizados, a dupla insaciável trocava beijos vorazes, despojados sobre a já desarrumada cama de casal, sequer importando-se com a falta de ar que lhes era provida devido ao longo tempo que passavam saboreando o toque de seus lábios. A garota tinha seus cabelos turquesa soltos, já suados e desgrenhados, fruto da longa e incansável madrugada que havia passado ao lado daquele que julgava ser seu amado. Ela mantinha um de seus braços envolvendo o pescoço do rapaz á sua frente, enquanto sua mão livre acariciava-lhe o rosto em um gesto de carinho negligenciado. Ele, por sua vez, envolvia firmemente o quadril da garota em seu colo com os braços, trazendo-a cada vez mais para perto de si. Suas línguas passeavam uma pela outra em um movimento sedento e imperfeito, um desejo interminável de possessão do corpo alheio, de poder-se afogar cada vez mais naquele prazer grosseiro e delicioso.
Interrompendo o beijo contínuo, o rapaz passeia suas mãos pelas curvas da cintura da menina, subindo de suas coxas e indo até seus seios, apertando-os firmemente enquanto beijava-lhe o pescoço e a clavícula. A menor ergue a cabeça em êxtase, cerrando os olhos e permitindo-se ser invadida pelas deliciosas sensações mais uma vez. Todavia, antes que a garota pudesse alojar-se corretamente sobre seu colo para possuírem-se mais uma vez, batidas calmas são ouvidas vindo do outro lado da porta, desconcentrando ambos se seu foco.
“Senhor Venomania, as entregas chegaram!” A voz serena e pacífica de Lukana ecoa, exibindo inocência pura e infantil, como se não tivesse consciência do que havia acabado de interromper. Impaciente, Sateriasis revira os olhos, enquanto Mikulia exibe feição decepcionada e um pouco triste.
“Entre.” Comanda-a, ainda com a menina menor sentada em seu colo. Abrindo rapidamente a porta, Lukana fita a cena por curtos segundos, um pouco espantada, mas exibindo um sorriso cínico em face. Mikulia, constrangida, aninha-se mais profundamente no tórax do rapaz, na tentativa de encobrir seus seios á mostra. Venomania ri curtamente da atitude da pequena, voltando novamente o olhar á mais velha em seguida. “É bom ter algo de muita importância nessas cartas, Lukana.”
Em um movimento rápido, toma as cartas das mãos da menina, removendo o elástico que as unia e analisando-as superficialmente. Propostas de negócios, reuniões diplomáticas e algumas contas. Nada fora do normal. Exceto um único panfleto de cores vibrantes, dobrado no meio e posto por entre as correspondências. Curioso, o duque desdobra-o, lendo o anúncio que este trazia, exibindo um pequeno sorriso em lábios ao ver do que se tratava. Já ouvira falar de Lolan Eve antes, a bela dançarina de palco que encantava homens e mulheres com seu charme extravagante e corpo bem construído, apesar de não ser mais tão jovem como as suas colegas de ofício. Pensou consigo que esta seria uma boa oportunidade de vê-la pessoalmente, afinal, Lisa A é uma das cidades mais próximas a Lasaland, chegar lá não seria um problema. Vira-se para Lukana novamente, entregando-a as correspondências de volta.
“Arquive estas no escritório juntamente ao resto, Lukana.” Pede. A garota assente com a cabeça. “E prepare os cavalos e advirta o cocheiro. Partirei para Lisa A em breve.”
A costureira concorda, retirando-se do quarto em passos rápidos, fechando a porta atrás de si novamente. Sateriasis volta o seu olhar para Mikulia. Sua feição parecia estranhamente entristecida, olhando-o nos olhos em um pedido indecifrável.
“O que houve, querida?” Questiona-a, explorando suas curvas com as mãos novamente, depositando curtos selinhos sobre seus lábios corados.
“Você vai viajar e me deixar aqui, assim...” A garota chantageia emocionalmente, exibindo feição mimada.
O rapaz ri curtamente. Em um movimento súbito, empurra-a sem muita força, fazendo-a deitar-se de bruços na cama. Posiciona-se sobre ela, segurando ambos os seus pulsos, beijando-a vorazmente em desejos convergentes. Com o calor possuindo seu corpo novamente, Mikulia deixa-se levar pelos seus movimentos, permitindo seu corpo a pender-se e perder sua tensão anterior. A menina envolve o quadril do rapaz com suas pernas extasiadas, demonstrando-se totalmente entregue e deixando evidente o seu desejo de tê-lo possuindo-a mais uma vez. Percebendo a permissividade da menina, Venomania sorri de canto, interrompendo o beijo momentaneamente e aproximando-se da orelha da menina, permitindo-a sentir seu hálito quente em sua nuca.
“Não pense que irei deixa-la tão facilmente...”
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