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História Shalom - As Memórias de John Sigerson - O Inevitável


Escrita por: B4dWolf

Capítulo 6 - O Inevitável


Esther nunca tinha trabalhado como secretária. Ela trabalhava desde os treze, no comércio da família, tanto na Rússia quanto na Inglaterra, e era algo completamente diferente do trabalho de uma secretária.

Foi complicado lidar com papéis e especialmente com a atribulada agenda do professor mais excêntrico da faculdade. Durante aquela primeira semana, ele chegava em sua sala, vez ou outra, estressado, e sempre saía de lá com uma bagunça impressionante. Mas ela estava se acostumando.

Devido ao trabalho, ela pouco via Holmes, pois a sala do professor Johnson era distante do Laboratório. O único momento em que os dois se viam era quando Holmes a acompanhava até o trabalho, onde os dois se separavam e só se viam à noite, quando Holmes chegava de seu trabalho alternativo em um cabaré, que ele já não ia com a mesma frequência.

Os dois permaneceram dividindo o mesmo quarto, pois outro hóspede chegou e tomou a vaga. Não havia mais jeito, uma vez que Holmes não achava bom que Esther morasse em um local diferente, sozinha.

Quando Holmes chegava do cabaré, com seu violino, depois de tocar a noite inteira, Esther sabia imediatamente, uma vez que ele subia para a cama de cima, fazendo a cama dela se mexer levemente. Ele subia depois de se trocar em um canto, aproveitando-se da escuridão do quarto para isso.

–Boa noite, Mr. Sigerson. – ela dizia, com a voz levemente sonolenta.

–Boa noite. – ele sempre respondia.

–Como foi o trabalho?

–O mesmo de sempre. Toquei por toda a noite, mas desta vez, ganhei uma gorjeta gorda, graças a Margot, que resolvera apresentar um de seus clientes a mim.

Sempre que falava em Margot, Holmes tinha a impressão de que isso causava algum tipo de sentimento obscuro em Esther, desde que um dia, a moça (na verdade, uma prostituta) viera até a estalagem onde os dois tinham se hospedado para devolver um lenço que ele tinha esquecido no cabaré. Embora Esther aparentasse não sentir nada – ela sempre agia assim -, ele sabia que alguma coisa se passava. Da mesma maneira como ele sempre transpareceu a Watson que era uma “máquina de calcular, fria e insensível”, mas seu amigo sabia de suas emoções. Nessas circunstâncias, nada era necessário ser dito.

–Hunf. Tudo bem. – ela dizia, contrariada. – Boa noite.

–Boa noite. – ele disse, por fim, com a cabeça mergulhada no travesseiro.

–Mr. Sigerson?

–Hum? – perguntou Holmes, já de olhos fechados, com um grunhido.

–Além de violinista, o que mais o senhor faz?

–Você já sabe que eu viajo bastante. Nas minhas andanças, eu escrevo relatórios e os mando para jornais. Estive no Tibete, e depois fui para a Pérsia, e depois fiz uma vista à Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos. Foi fascinante. Vendi um relatório extenso narrando minha passagem por aquela área a uma revista. Depois, continuei a andar pela Europa. Fiquei alguns meses andando pela Itália, até decidir pela França, sempre ganhando dinheiro como violinista, o suficiente para minha sobrevivência.

–Nenhuma profissão comum?

Holmes riu baixo. – Essa palavra não combina comigo em nada, minha cara. Tenha uma boa noite.

Dois minutos depois, enquanto Holmes ainda não tinha adormecido, ele ouviu mais um pedido.

–Mr. Sigerson?

–Sim?

–Obrigada por tudo.

Holmes poderia ter respondido qualquer coisa rotineira àquilo, mas ficou em silêncio, ainda de olhos fechados. Ora, ele simplesmente estava ajudando uma moça que, de repente, se viu sozinha, em um país praticamente estranho a si.

Estranhamente, ele pensou, estava se dando bem com ela. Embora fosse mais prática do que ele julgava Esther não deveria ser diferente das mulheres que ele já conheceu. Ela chorava quando triste, ficava irritada com o caos que o quarto ficava às vezes e era um tanto teimosa para o seu gosto. Características de uma mulher, é claro. Mas ainda assim, havia algo de diferente nela, que ele não sabia explicar.

Poderia ser porque ela não era, e nem foi, sua cliente. Claro. Desde que escolhera sua profissão, quando mal tinha vinte anos completados, tudo ao seu redor morrera. Apenas a profissão atingiu primeiro plano. Ele não tinha amigos, muito menos pretendentes. Sua mente estava sempre ocupada pelo trabalho. Ele encontrou algumas mulheres, claro, atraentes à primeira vista, embora jamais admitisse isso e atribuísse a Watson o papel de admirar o belo sexo. Ele matava dentro de si qualquer atração, ou mesmo admiração, imaginando que isso o atrapalharia. A única que conseguiu romper essa barreira era, inevitavelmente, Irene Adler. Ele não era apaixonado – ao menos ele achava que o tal amor não fosse tão limitado a apenas uma admiração, que era o que ele sentia por ela, sempre que via seu retrato ou olhava para o soberano na corrente do relógio. Ele a admirava, nada mais.

Mas Esther era diferente. Ela causava em si uma série de emoções, perturbações. Poderia deixa-lo feliz, impressionado, furioso, ou faze-lo rir, algumas vezes de uma vez só. Isso Irene Adler jamais fizera. Sim, talvez Esther fosse diferente.

Ele balançou a cabeça, aturdido com os rumos que seus próprios pensamentos estavam tomando, e virou-se de um lado da cama, bruscamente. Imediatamente, a cama parecia responder, soltando um ranhido. Ele deveria ser mais cuidadoso, se não quisesse acordar desnecessariamente o ocupante da cama de baixo. Fechando os olhos, ele finalmente dormiu.

 

oooooooooo

 

Holmes tinha começado seu dia irritado. Corria ao redor de sua pequena mala, que sempre andava em desordem mas ele parecia saber onde cada item seu ficava. Enquanto penteava seus cabelos loiros, Esther observava a tudo.

–Quer ajuda? – ela se ofereceu.

–Não.

Ele bufou outra vez, e Esther decidiu dar um ponto final, ao perceber que seu quarto estava uma bagunça, com várias roupas espalhadas.

–Mr. Sigerson, é melhor ir parando com isso, porque depois eu é que terei de arrumar essa bagunça!

Oh, essa mulher, porque ela não tinha que ser como Mrs. Hudson, mais paciente e gentil?

Ele olhou para ela com o canto do olho, e a viu encara-lo ameaçadoramente, com as mãos na cintura e depois cruzar os braços.

–O que você está procurando? – ela perguntou, sentando-se ao lado dele, no chão.

–Meu relógio de bolso.

–Ah. – murmurou Esther. – O seu relógio...

Holmes deu um sorriso amarelo e impaciente. – Eu sempre deixo meu relógio no criado-mudo quando vou dormir, e durante o dia eu nunca o tiro de meu colete. Hoje amanheceu e eu não o encontrei... Será que algum gatuno o levou enquanto dormíamos?

–Eu não sei... Bem, se quer continuar procurando, tudo bem, mas...

–Mas você não tinha se oferecido a me ajudar? Desistiu?

–Preciso estar mais cedo hoje. O professor Johnson quer me mostrar como ele deseja a organização dos arquivos antes de dar sua primeira aula.

–Hunf. – resmungou Holmes. – Está certo.




 

ooooooo

.

 

–Há uma carta para ti, Monsieur Sigerson.

–Para mim? – estranhou. A secretária, de óculos graduados, entregou-lhe um envelope simples, sem remetente. Holmes reconhecia aquele tipo de envelope. Era Mycroft. Para não usar envelopes oficiais, seu irmão comprava-os em uma papelaria perto de Pall Mall.

Holmes pensou em lê-los ali mesmo, mas desistiu quando viu o Professor Pierre se aproximando, repletos de sorriso,

–Encontramos mais um pesquisador eficiente para nossa pesquisa.

–Oh, mas não me diga, meu caro Pierre. E quem seria?

–Edmond Chevalier. Parece que ele voltou de Paris, e que traz novidades. Não é o máximo?

A empolgação profissional de Pierre assustava Holmes, mas não lhe contagiava nem um pouco. Para não causar estranheza, Holmes abriu um sorriso amarelo. Era aquela a oportunidade certa de se aproximar.

–Você sabe onde ele está?

–Bem, eu soube que ele chegou hoje. Aliás, eu cheguei a mencionar contigo que tinha mandado uma carta para ele, contando sobre nossos avanços com derivados de coltar. Ele me respondeu há 3 dias, dizendo estar bastante interessado e disposto a contribuir.

Aquela era uma boa notícia para o Sigerson pesquisador de Química, mas não para o Holmes vingativo.

Em certa noite, após o jantar, Holmes disse a Esther que iria se retirar, pois estava com dor de cabeça, e foi para o seu quarto. Era Mycroft, que de algum jeito já sabia onde ele estava, se comunicando através de uma carta codificada. Holmes a decifrou e conseguiu o resultado.

Más notícias. Mary se foi. Não resistiu ao parto. O bebê também faleceu. O doutor está arrasado. Estarei em Paris semana que vem, para assuntos burocráticos. Hotel de sempre. MH.

Mary? Parto? Então, Mary estava grávida? Havia se passado dois anos desde a sua suposta morte, e Mycroft sempre foi bastante econômico em dar notícias. Mas se algo fez contar-lhe isto, significava que era algo muito complicado deveria estar para acontecer. E Mycroft, então, estava em Paris? Ele sabia que, embora seu irmão tivesse um cargo importante no Governo, ele detestava viagens. O que o teria trazido a Paris? Certamente algo mais grave ainda.

–O que foi, Sigerson? Você está sério...

–Oh, nada demais.

Mycroft queria vê-lo, certamente, e aquela era a possibilidade certa. Ele tinha algo para contar, disso não tinha qualquer dúvida. Mycroft não era homem de sentir saudades de irmão, não a ponto de evocar um encontro. Os dois estavam há quase dois anos sem se ver, e ambos sabiam administrar isso bem. Havia algo sério acontecendo, e ele precisava ir à Paris.

–Acho que terei de ir à Paris.

–O quê?!

–Exatamente. Eu preciso ir para Paris, há algo importante que tenho que fazer.

Os dois sabiam o que isso significava. Era chegada a hora de os dois se separarem. Provavelmente, para sempre.

Um silêncio inquietante ficou. Holmes, por fim, começou.

–Bem, você tem um emprego agora, e acredito que conseguirá pagar as despesas do quarto e... Bem, eu acredito que minha missão por aqui acabou.

Esther parecia um tanto triste. – Puxa... O senhor... Vai ficar por lá por quanto tempo? Quero dizer...

Ela não continuou. Com um suspiro, Holmes respondeu. – Eu não sei.

Diante da resposta de Holmes, ela passou a olha-lo nos olhos. Outra mulher, pensou Holmes, certamente se lançaria em seus braços, ou choraria, ou pediria para que ele ficasse. Mas ela não. Claro, estava triste, e isso era o máximo que seu olhar permitia escapar, mas permanecia firme.

–Bem, eu acredito que seja algo muito importante... A ponto de fazer você largar sua pesquisa...

Ele concordou. – Sim, tem razão.

–É um problema familiar? Desculpe perguntar, mas...

–Não. – ele disse. Não queria dar detalhes.

–Certo. – ela concluiu, sem insistir. – Tudo bem.

–Sim, mas eu não posso ir agora. Tenho de reunir dinheiro para comprar uma passagem para Paris e também vou deixar, pelo menos, um mês de aluguel pago, até que você esteja firme em seu emprego. Mas isso é assunto para depois, mademoiselle.



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