O bipe do relógio ressoava longe. Era feriado local e não havia necessidade de acordar cedo, já que não precisaria trabalhar, mas aquele dia era diferente.
Há quase quatro anos sua vida se modificara, a culpa que carregava era maior que qualquer dor física que já pudera sentir.
Levantou-se lentamente e abriu a cortina, permitindo que a luz entrasse no quarto escuro. A luz era mínima, pois o clima estava frio e pequenas gotas de chuva caiam do céu dando uma beleza peculiar àquele dia.
Depois de ter tomado um banho procurou em seu armário um moletom negro e uma calça jeans azul escura, olhou-se no espelho e seus olhos negros continham uma melancolia que nunca mais poderia ser retirada. Arrumou os fios pretos apenas passando a mão, sacudindo-os um pouco para que tirasse a umidade e permaneceu encarando seu reflexo no espelho. Sua expressão continha uma tristeza impar. Deixou seus devaneios de lado lembrando-se o que deveria fazer aquele dia.
Pegou as chaves do carro em cima da mesa e colocou em melhor posição o porta–retratos que ali havia com a foto de um rapaz. Os cabelos pretos com as pontas vermelhas, olhos azuis que contrastavam com a sua pele extremamente branca e os lábios rosados abertos em um sorriso que deixava a foto ainda mais bonita. Olhou-a por um tempo e logo saiu.
As ruas estavam quase vazias devido ao feriado, a música tocando no som do carro era agradável, parou o carro em frente a uma loja de flores, estacionou e adentrou a loja. Ficou observando a diversidade de flores que havia ali, logo a jovem atendente aproximou-se do rapaz.
– Bom dia, senhor.
– Bom dia! – Disse baixo – Vou querer aquele ali. – Apontou para o buquê pronto de orquídeas azuis.
– O senhor quer que seja entregue aonde? – Perguntou a moça gentilmente.
– Em lugar nenhum, eu vou levar.
– Tudo bem. – Sorriu, pegando o buquê e o levando.
Os procedimentos do pagamento foram feitos, a moça o estendeu as flores já na devida embalagem.
– Tem um ótimo gosto, senhor Yutaka. – E piscou para ele, que apenas abriu um meio sorriso, pegando as flores e seu cartão, e em seguida saindo do estabelecimento.
Ridículo, era o que pensava sobre o comportamento da atendente. Naquele dia queria apenas um pouco de paz e não uma atendente oferecida.
A cada vez que chegava mais perto de seu destino um bolo se formava em sua garganta, um aperto inexplicável que chegava a sufoca-lo, e até o fazia pensar na possibilidade de pegar o carro e voltar para casa, mas não podia fazer isso. Todos os anos naquela mesma data sempre ia até aquele local por mais difícil que fosse.
Parou o carro, pegou as flores e seguiu para dentro do cemitério. O lugar estava um pouco vazio, algumas pessoas que estavam ali acendiam incensos para seus entes queridos e oravam por eles. Passou por essas pessoas e continuou caminhando lentamente, ouvindo o som da grama debaixo de seus pés, até chegar a uma lápide. Sentou-se ao lado dela, retirou a grama um pouco mais alta que cobria o nome da pessoa.
– Takanori... –Sussurrou, e uma lágrima silenciosa percorreu seu rosto. – Sinto tanto a sua falta...
As lembranças vieram a tona, doendo cada vez mais ao lembrar cada sorriso, cada abraço, cada beijo.
– Eu não sabia... Eu juro que não sabia que você tinha alguém. – Soluçou – Seria difícil ver você a distância, mas se tivesse sido assim você ainda estaria aqui para me dar seu mais doce sorriso. – Continuava a soluçar baixo.
Um vento frio começou a correr dentro daquele local, as flores da árvore de sakura que tinha ali perto balançavam, Yutaka permanecia de cabeça baixa sentindo o vento frio, que era como um cafuné em seus cabelos.
– Você veio, mesmo não querendo... Mas veio. Fico feliz.
A voz suave e grossa assustou-o, fazendo-o levantar a cabeça rapidamente e vendo o homem que havia amado. O grito de susto ficou preso em sua garganta e a lembrança mais dolorida veio a sua mente.
Takanori em seus braços com a mão sob o abdome, o recém-tiro disparado pela sua noiva, a mulher sentada no chão gritando desesperadamente que a culpa era de Yutaka por ter se metido na vida deles, e logo o segundo disparo também foi ouvido. A mesma mulher que gritava atirou em sua própria cabeça. O corpo inerte no chão, e mesmo assim a mão ensanguentada de seu amado passando por seu rosto, o sorriso doce o confortando e dizendo que estava tudo bem.
– Isso não pode ser real. – Disse observando Takanori. Os cabelos tão negros quanto antes, os lábios tão rosados quanto a última vez que o beijara – Eu estou louco.
– Não está. Sempre o vejo vir aqui, o visito e vejo seu sofrimento.
– Impossível. – Sussurrou.
– Não é, eu sei o quanto você sofre todos os dias ao lembrar-se do que aconteceu, mas você não sabia.
– Ela se matou, a culpa é minha. – Começava a chorar novamente – Matou você!
– Eu estou aqui. – Tocou seu rosto, as mãos tão frias quanto o vento que soprava – Eu não a amava, mas sim a você.
– Pare de brincar comigo.
– Orquídeas azuis, sempre gostei delas.
– Você não é real... Está morto.
– Não estou. Meu espirito vive em você, todas as manhãs vou vê-lo.
– Nunca o vi.
– Já me viu sim, apenas não se lembra.
Seus pensamentos vaguearam para o que lhe acontecia com frequência, e lembrou-se da borboleta branca que sempre estava na sua janela pela manhã.
– A borboleta... – Sussurrou.
– Sim, sempre vou vê-lo quando acorda. Seus olhos são lindos pela manhã.
– Por que tudo isso tinha que acontecer?
– Não chore, estou aqui para tirar suas dores, para não te ver chorar.
– O quê?
– Dói tanto em mim tê-lo enganado e vê-lo carregar uma culpa que não é sua, então não tenho que perdoá-lo em nada, mesmo que me peça isso todos os dias.
– Ainda amo você.
– Eu sei, por isso poderemos ficar juntos para sempre.
As mãos de Takanori envolveram o seu rosto e o beijou lenta e calmamente. Yutaka sentia a pele fria contra a sua, seu corpo foi encostando-se à lapide que estava ali, o vento começou a correr mais forte e mais frio, as pequenas e finas gotas de chuva começaram a cair, seu corpo foi perdendo as forças e o frio começou a consumi-lo. Era como se o tempo estivesse parado. Sem dor, sem culpa... Sem sofrimento.
– Agora descanse, você já carregou demais esse peso, está tudo bem agora.
O corpo inerte estava recostado à lapide, como se estivesse dormindo. A expressão serena era apenas o que era visto ali, além das duas borboletas brancas que contrastavam sobre a cor do buquê de orquídeas azuis, e logo alçaram voo.
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