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História Signos de Sangue - Imundice mundana


Escrita por: Manny

Notas do Autor


Oi, genteeeeeeeee! A fanfic vai avançando, e esse capítulo ficou bem grandão... Me contem o que estão achando, por favor, se não fico perdida entre gostaram/não gostaram. E digam se os capítulos estão muito grandes, pois qualquer coisa eu posto menores, pra ficar menos cansativo, sim? :D
Gostaram da capa? Eu fiquei bem satisfeita hsauhsuahsuash :3
Obrigada aos favoritos e visualizações <33333333
Enfim, vamos lá, boa leitura, e não se assustem com o final... e.e

Capítulo 3 - Imundice mundana


Fanfic / Fanfiction Signos de Sangue - Imundice mundana

 

Capítulo II

 

Imundice mundana

 

*✹*

 

O céu estava carregado, e parecia prestes a desabar sobre suas cabeças, e o vento gelado da madrugada refrescava a mente sonolenta de Kris, enquanto este seguia pelo beco escuro com seu guarda-costas. Apesar de o lugar ser repugnante, era mais movimentado do que ele esperaria. Viciados, mendigos e vadios encaravam desconfiados os homens altos e bem vestidos, e pousavam o olhar nas armas que um deles carregava no cinto.

Os homens pararam em frente a uma porta de ferro grossa que começava a enferrujar. Kris se aproximou e bateu três vezes, até que uma pequena janela fosse aberta. Olhos cruéis espiaram pela abertura e analisaram o sorriso despreocupado dos homens.

— O que quer? — disse rudemente, com a voz rouca.

— Estou aqui pra falar com o Monstro, tenho hora marcada — Kris respondeu.

— Mostrem suas marcas — exigiram os olhos.

— Ah, qual é, cara? Está congelando aqui fora.

— Então pode continuar congelando aí. Só entra se mostrar a marca.

Kris suspirou e, vencido, abriu o zíper da jaqueta e abaixou uma das mangas, revelando o braço esquerdo exposto pela blusa branca cavada. Próximo ao ombro, um círculo negro do tamanho de uma moeda estava tatuado, semelhante a um buraco que parecia sugar a pouca luz que havia ali.

— Ótimo — disse o cara de dentro. — Agora ele.

O guarda-costas não esboçou reação alguma e continuou parado. Kris o olhou e sorriu de lado.

— Tudo bem, Tao.

Após uma troca de olhares, o outro homem levanta a barra do casaco expondo o abdômen definido e com algumas cicatrizes. A mesma tatuagem negra estava desenhada acima do umbigo, e logo foi coberta novamente.

— Satisfeito? — Kris olhou o porteiro, com um sorriso sarcástico.

Os olhos espiaram mais um pouco e então sumiram quando a portinhola foi fechada. Segundos depois a enorme porta rangeu e se abriu, revelando um homem mais jovem e baixo que eles, que portava uma Vz 24¹.

— Ainda não conheço você — Kris disse ao garoto. — É novo aqui?

— Não interessa — ele apontou a arma para os dois quando entraram. — Suas armas ficam aqui.

Kris pôde sentir a irritação emanar de Tao, mas acenou com a mão para que ele deixasse as pistolas e facas ali.

— Parece que o Monstro aumentou a segurança. Problemas?

O garoto o ignorou e continuou com a arma erguida.

— Congo, venha revistar esses caras — ele disse para alguém não específico. Outro homem, tão alto quanto Kris e Tao, mas bem mais musculoso e carrancudo apareceu e fez a revista, não encontrando armas escondidas, enquanto o garoto voltava a fechar a porta e barrá-la com várias trancas.

— Isso vai durar muito mais? O sol está quase nascendo, garoto — Kris falou.

— Não me chame de garoto — apontou para um corredor com a arma. — Por ali.

O grandão chamado Congo foi na frente, seguido de Kris, Tao e o garoto sem nome. O corredor era mal iluminado e abafado. Kris sentiu a sola do coturno grudando no chão. Congo parou em frente a uma porta e a abriu, e Kris logo sentiu cheiro de fumaça. Mas não qualquer fumaça. Eles curtem uma boa erva aqui, pensou.

— Entrem — disse o garoto armado.

Tao e Kris entraram com Congo e a porta se fechou com um baque. A sala esfumaçada parecia mais um depósito de bebidas e outras drogas e, junto à iluminação precária, tornava o ambiente claustrofóbico. Ao contrário do que Kris pensara, a sala estava quase vazia. Apenas três outros homens estavam ali, Monstro e seus dois capangas. E só quem fumava era Monstro, sentado em uma poltrona de veludo negro, com uma pistola Webley Fosbery² banhada à ouro.

— Monstro! Estou vendo que está aproveitando a mercadoria — Kris falou, alegremente.

— Ah, sim — o homem disse, tragando o cigarro mais uma vez e fazendo círculos de fumaça quando expirava. — Mas outra vez só vieram vocês dois. Alfa continua na toca?

— Sabe como ele é, Mon. Bem tímido.

— E eu sou bem paciente.

Monstro tragou rapidamente uma última vez e jogou o cigarro no chão, pisando no toco quando se levantou. Segurando a arma, andava até os recém-chegados tranquilamente.

— Mas você sabe que paciência tem um limite — sacudiu a arma na direção deles, então soltou uma risada engasgada e abriu os braços. Kris alargou o sorriso e abraçou Monstro desajeitadamente enquanto ele ainda ria. — Seu desgraçado, por que fica sumindo sem dar notícia? Sempre fico pensando que acabou com umas balas no rabo.

— Meus inimigos têm que se esforçar mais — Kris falou. — Além disso, eu estava muito ocupado enfiando umas balas nos rabos deles.

Monstro gargalhou mais uma vez e olhou pra Tao, socando seu ombro de leve.

— E aí, brother?

Tao acenou breve com a cabeça. Não simpatizava nem um pouco com Monstro. O mafioso fizera parte de um passado que Tao tentava, ao máximo, ignorar, mas que insistia em vir à tona cada vez que fitava os olhos sádicos. Felizmente, esses olhos estavam mais interessados em Kris.

— Como vão os negócios? — perguntou Kris.

— Impossível ficar melhor — Monstro começou a andar para a porta de onde vieram, e os dois o seguiram, assim como os capangas. — Com a crise as pessoas tendem a ficar sem dinheiro pra sustentar os seus filhos. Melhor pra nós, que podemos comprar as crianças por uma ninharia.

Tao e Kris escutavam calados. Kris fingia demonstrar um real interesse, enquanto Tao se esforçava para respirar normalmente, sentindo-se cada vez mais enjoado.

— Ainda esse mês, Bang da Butcher vai levar uma leva pra começar o treinamento nas montanhas — Monstro continuou. — Isto é, as que sobreviverem ao inverno vão receber seu treinamento.

A risada de Monstro pareceu distante e abafada aos ouvidos de Tao, enquanto eles avançavam no corredor claustrofóbico. Por hábito, levou a mão direita à cintura, mas não encontrou sua arma ali. Sentia-se nu e exposto sem suas armas, e tentado a voltar pra entrada e pegá-las de volta, só por precaução. Ele e Kris haviam visitado aquele lugar inúmeras vezes, levando drogas e saindo com dinheiro, mas a sensação sufocante nunca o abandonara.

— Comprei algumas garotas mais maduras, se você quiser pode levá-las. Estão meio magrelas demais, mas nada que uma boa engorda não dê jeito. Até lá podem ser treinadas por suas meretrizes.

— Qual a idade? — Kris agia controladamente, e perguntou por saber que não seria inteligente deixar o homem falar sozinho.

— Dez ou doze, não sei direito, mas sempre terá um cliente com gosto peculiar.

Kris engoliu em seco.

— Bem, agradeço a oferta, mas crianças crescem, e eu perderia esses clientes, então vou passar.

Monstro encarou o sorriso brilhante de Kris e apenas acenou positivamente, acrescentando um "você quem sabe".

Monstro entrou por uma porta que foi aberta por um dos capangas de plantão. Todos, exceto o guarda, entraram com ele. A sala, diferente de todo o resto do prédio, era luxuosa e refinada. Com cortinas e tapeçarias em tecidos finos, uma enorme mesa de reunião de mogno, as cadeiras estofadas por veludo negro, e um pequeno, mas completo, bar no canto mais distante da sala. Havia, também, uma estante cheia de arquivos e um cofre embutido na parede, escondido por um quadro de uma pintura perturbadora, que logo fora afastado para que Monstro digitasse a senha.

— Ficou sabendo da morte de um dos presidentes da Vase? — ele perguntou, enquanto verificava o cofre.

— Sim — Kris se sentou em uma das cadeiras, e Tao ficou atrás de si, em pé. — Recebi as fotos. Obra da Reptile, não?

— Exatamente — o gangster pegou um envelope do cofre e se aproximou. — O presidente estava querendo atrapalhar os esquemas do Chefão. Aprendeu a não atrapalhar, pena que não vai poder usar o aprendizado pra nada.

O envelope foi estendido para Kris, que o pegou sem hesitar.

— Presentinho?

— Um favor — Monstro sorriu e se sentou na cadeira ao lado. — Não ache que eu esqueci que seu camarada aí foi um dos melhores aprendizes da Butcher, treinado pelo próprio Calango. Nem sei como ainda permito que o traga com você.

— Tao é meu amigo, não um servo para eu prendê-lo na sede.

— Espero que seu amigo seja bem leal. Nem sei como ouve você.

— Eu tenho meus charmes — Kris deu uma piscadela e puxou os papéis do envelope. — O que temos aqui?

As fotos e informações sobre dois homens estavam nas folhas. Kris franzia as sobrancelhas enquanto lia as descrições de cada um.

— Não parecem muito ameaçadores. Quer que Tao os elimine?

— Ah, eles podem ser uma grande ameaça. Estão investigando o caso do escândalo do mês passado. Esse aqui até conseguiu invadir o sistema da Vase, mas foi bloqueado. Quase conseguimos rastreá-lo, mas ele usou um blocker pra parar o sinal, deve ser um arruaceiro virtual. O outro fica postando teorias do fim do mundo e conspirações do governo no blog, acredito que seja só mais um retardado.

— Então por que eliminá-los?

— Pra mandar um aviso aos outros metidos a justiceiros. E porque o chinês tem milhares de visualizações no blog. Ele pode incentivar os outros retardados que leem os artigos dele. Não queremos isso.

— Só tire o blog do ar. Não deve ser tão complicado, o garoto conseguiu invadir o sistema da Vase, nem que por alguns minutos, qualquer hacker pode limpar um blog de internet.

Monstro suspirou, e Tao ficou alerta. Não seria bom se Monstro perdesse a paciência, algo que acontecia facilmente.

— Por que, meu querido aliado estrangeiro, eu gosto de arrancar o mal pela raiz. Se você só aparar as folhas, elas voltarão a crescer. E é claro que depois vou tirar o blog do ar, mas primeiro vou mandar uma mensagem para os seguidores do tal Oito contra Oitenta.

Monstro e Kris se encaravam e a tensão começara a engrossar, até Kris sorrir e se recostar na cadeira, se abanando com as folhas dos arquivos.

— Se é isso que você quer, querido aliado coreano, você terá. Tao é o melhor varredor de todos. E pra garantir que os caras não deem mais as caras, vou mandar dois varredores. Faço-te feliz assim?

Monstro gargalhou e tirou um maço de cigarros pretos do bolso do paletó, acendendo um.

— Pode apostar, cara. Pode apostar.

 

*✹*

 

A tempestade finalmente se derramara pela gélida Seoul. E viera violenta, deixando os doces flocos de neve pra mais tarde, e baleando tudo o que havia em seu caminho com pedras de granizo. E depois enormes gotas d'água batendo contra os telhados e janelas, que faziam as crianças se esconderem debaixo das cobertas, recolhendo mais suas pelúcias contra si.

A violência das águas e fúrias dos ventos intimidaria qualquer um a sair de casa, mesmo de carro. Exceto os varredores. Não havia empecilhos nem desculpas para um varredor deixar de fazer seu trabalho. A única utilidade da previsão do tempo para eles era saber qual a melhor arma para se passar despercebido, e qual o melhor horário para fazer a limpeza. Aliás, um bom varredor saberia que a melhor hora para executar um trabalho seria debaixo de uma barulhenta chuva, encobrindo sua presença como a escuridão encobre a sombra de um rato.

Um dos bairros mais perigosos da capital, Jeongneung, estava localizado ao lado do Parque Nacional Bukhansan³, o lugar favorito dos criminosos para tráfico, negociações e, principalmente, limpeza. O terreno montanhoso possuía inúmeros pontos cegos, que escondiam drogas, mercadorias ilegais e, até mesmo, corpos. O parque costumava ser um dos pontos de turismo mais visitados da cidade, mas os tempos não eram os mesmos. Qualquer um que se aventurasse por ali seria considerado um criminoso, ou uma futura vítima.

Já no bairro de Jeongneung, apesar de ser um bairro residencial, o crime ali se instalara. Um dos grandes grupos do Submundo instalara sua sede ali há alguns anos. Butcher era seu nome; um nome conhecido por toda a Ásia, e temido até no mundo do crime. A organização trabalhava com a formação de assassinos, os matadores mais eficientes e discretos, chamados de varredores. A Butcher criava máquinas de matar, e as vendia como guarda-costas, seguranças, e até mesmo como assassinos profissionais do governo. Ou os mantinha na organização, concentrando uma força incrivelmente desproporcional se comparada com a dos outros grupos criminosos. Todos sabiam que temer e respeitar a Butcher era o mais sensato, e os que não sabiam eram rapidamente eliminados, se tornando mais um dentre os vários exemplos do que a organização era capaz. Além disso, era raro que o grupo formasse alianças com algum outro. As que eram formadas logo acabavam, por se tratarem de trabalhos rápidos. O único grupo que mantinha uma aliança duradoura com a Butcher era a Caliban. A Caliban comanda o tráfico de pessoas, principalmente crianças e jovens mulheres, e se relacionava comercialmente com vários outros grupos; porém, sua relação com a Butcher era quase como uma irmandade. As duas organizações cresceram juntas, apoiando uma à outra. Desse modo, a Caliban também se tornara temida, por esse e outros motivos, além da fama de seu líder, Monstro, que levava jus ao nome, sendo um dos gângsteres mais cruéis e perigosos da Coreia do Sul, superando até mesmo seu pai, o fundador da Caliban.

Os matadores da Butcher rendiam um lucro imenso só pelo fato de poderem ser "alugados" para um serviço de limpeza. Treinados desde a infância nas diversas artes de luta, técnicas de assassinato e manipulação de armas, substâncias e tecnologias. Eles eram divididos em classes, conforme o trabalho em que se especializavam. Desde mortes rápidas, lentas ou que parecessem acidentais, além de técnicas de abate e habilidades com armas e venenos. Quanto mais complexo e difícil o trabalho, mais habilidoso e caro seria o matador.

A maioria deles estava no nível D, onde o trabalho devia ser rápido e não precisava de cobertura, ou seja, todos deviam saber que a morte se tratara de uma limpeza. Os de nível C trabalhavam de forma lenta, por vingança, antes de finalizarem, ainda deixando claro o mandato de morte. Os de nível B eram experts em trabalhos disfarçados de acidentes, o que sugeria o uso de artifícios como venenos e tecnologia. E havia os de nível A, os mais temidos e especializados em vários aspectos do assassínio. Possuem conhecimento sobre armas de fogo e armas brancas, venenos e tecnologias, e, principalmente, técnicas de tortura. Raramente eram contratados, já que seu custo é alto. Trabalham mais para a própria Butcher, e são tão frios quanto pedras de gelo. Seu trabalho é considerado desgastante por passarem até mesmo dias interrogando um único indivíduo, mas sempre lhe arrancavam cada gota de seu conhecimento; ninguém seria forte o bastante nas mãos de um matador A. E os desse nível eram poucos; os que existiam não se relacionavam com outras pessoas, se não para os negócios, não pareciam ter sonhos, e ninguém conseguia ler que tipos de pensamentos rodeariam suas mentes laceradas por tantos horrores que já viveram. Eram classificados como "nascidos para matar".

E, naquela madrugada tempestuosa, no terraço de um dos prédios mais altos do bairro de Jeongneung, estava um deles. Um A. E, com ele, um homem com aproximadamente quarenta anos, que pendia perigosamente pela beirada do prédio, sendo segurado pela gola da camisa encharcada.

— Não, não, por favor, não me solte! — ele agarrava, em desespero quase que palpável, a mão que o segurava. Os gritos esganiçados e a respiração ofegante saíam cada vez mais frequentes.

— Diga onde está — ordenou o matador, com a expressão mais gélida que a chuva que os açoitava. — Diga, ou lhe será pior.

— Eu não sei… não sei do que fala… por favor — o homem já chorava e tremia todo o corpo.

— A maleta. Do presidente Jung.

— A maleta… a maleta… não sei… Jung não me contava muito… por favor, me tire daqui!

— Quem ele estava vendo? Quem lhe contava sobre a Butcher?

— Eu não sei… — os soluços começaram, tornando sua fala mais embargada.

— O que ele te contava?

— Ele não me contava… muito… ele não… confiava em mim… por favor…

— Não confiava em você? — o matador puxou o homem da beira do prédio, e continuou a segurá-lo. — Ele não te contava nada?

— Não… eu juro… não estava trabalhando com ele, por favor… — a distância da morte pareceu acalmá-lo. — Eu sou leal à Vase… tentei arrancar do Jung o que ele sabia… eu tentei… ele não confiava em ninguém… tentei fazer com que confiasse em mim… só isso… por favor, eu sou leal à corporação…

— Você é leal?

— Sim, sou! Eu juro!

— Esse foi seu erro.

Sem mais chances de ouvir o choramingo do homem, o matador, com um movimento ágil, desenlaçou as mãos do presidente da sua, e o empurrou com firmeza para trás. A última expressão que viu foi a surpresa do homem enquanto ele deslizava para o céu, e então caía, sumindo de sua vista e misturando seu grito de horror com a canção da tempestade, até que só restou a tempestade.

O matador continuou fitando a paisagem urbana. Parecia não se importar com as gotas violentando seu rosto e a roupa grudando ao corpo. Em verdade, nem parecia estar ali de alma. Os olhos piscaram e o homem se virou, olhando além da chuva.

— É assustador quando faz isso. Seus ouvidos continuam afiados.

Ele observou o homem parado próximo às escadas. Fazia algum tempo que não via aquele sorriso convencido, e mesmo assim não demonstrou qualquer emoção.

— Há quanto tempo, Kai. Continua o mesmo. Nunca recebe ninguém com sorrisos.

— Já você adora sorrir, até demais, Tao.

Alargando o sorriso, Tao saiu da chuva e sinalizou para Kai segui-lo. Este foi, e passou a mão no rosto, tirando o excesso de água do rosto quando entrou no prédio. A porta foi fechada, abafando o som do aguaceiro.

— O que quer?

— Sempre doce — Tao tirou o casaco e o pendurou no corrimão da escada velha, arrumando o cabelo. — Sabe, eu nem quero ver sua arte quando chegar lá em baixo. Aquele cara vai estar péssimo quando o encontrarem.

— Esse foi o objetivo.

Tao observou o matador e suspirou, lembrando que o colega nunca se importava com nada. A não ser uma coisa.

— Temos trabalho — ele falou, erguendo um envelope molhado pela chuva.

Kai pegou o envelope, sem se importar em checar o conteúdo.

— Quem mandou?

— Monstro. São dois, um meu e outro seu. Peguei o mais gatinho, é claro. Não que o seu seja mal — Tao sorriu de lado, e viu Kai o olhar com carranca. — E não que você ligue pra como ele seja, é claro. Enfim, as instruções estão todas aí. Divirta-se.

Tao se virou, pegou o casaco e começou a descer as escadas, parando de repente e se virando pra olhar Kai.

— Devíamos sair pra beber, sabe? Como nos velhos tempos.

Kai não respondeu, o que fez Tao sorrir e se virar, continuando a descer.

— E você devia sorrir mais — gritou lá de baixo, sumindo de vista.

O matador suspirou, irritado pelo colega ser sempre tão intromentido. Por fim, seguiu no mesmo rumo. Passou ao lado do corpo que jogara, constatando sua morte, e o deixou ali mesmo. Subiu em sua moto e seguiu pela chuva.

Seu apartamento não era longe daquele prédio, seja por coincidência ou destino, então não demorou para se abrigar. Deixou a moto na garagem e subiu ao apartamento. Não se importou em trancar a porta, apenas deixou de trinco e seguiu pelo local no escuro, sem acender nenhuma lâmpada. Deixou o envelope em uma mesinha próxima à porta, junto à pistola Colt* que sempre levava consigo e a chave da moto. Seguiu até o banheiro, retirando as roupas molhadas no caminho e deixando-as jogadas no chão sem cuidado. Tudo que queria era um banho quente e demorado; queria trocar a água gelada da chuva pela água quente do chuveiro, e se demorar ali, sem pensar em futuros trabalhos, ou nos que já havia cumprido.

Kai só queria se concentrar na água. Uma das poucas coisas que o acalmava. Que o fazia esquecer do passado. Onde podia fechar os olhos e não ser atormentado pelos flashes que o perseguiam. Ali podia ficar em paz.

Porém, infelizmente não podia passar o resto de seus dias debaixo do chuveiro. Se pudesse, já havia feito isso.

Depois de se colocar em roupas leves e confortáveis, Kai andou de volta à sala, desviando das roupas espalhadas, e pegou o envelope. Sentou-se no sofá, pensando nas palavras de Tao sobre irem beber qualquer hora. Kai sabia que nunca iria. Há tempos deixara o hábito de beber casualmente. Mesmo que fosse pouco, a bebida ainda alterava seus sentidos e retardava seus reflexos. Alguém como ele não podia se dar ao luxo de ter seu corpo lento, por menor que fosse o efeito em si.

Respirou fundo, deixando os devaneios de lado, e abriu o envelope. Dentro havia o típico relatório da vítima, com instruções e o motivo do assassínio. Uma pequena foto havia sido impressa e colada no canto superior da ficha. Um rapaz jovem sorria minimamente para a câmera em uma foto casual. Kai teria dito ser mais velho, porém o indivíduo era alguns anos mais velho que si, apesar de sua aparência demonstrar o contrário. O garoto cursava ciências da computação, não tinha ficha na polícia, trabalhava meio período em uma assistência técnica e vivia em uma república. Tinha altos conhecimentos sobre tecnologia e havia ganhado prêmios e medalhas em olimpíadas de mecatrônica e programação quando estava no colégio. Sempre foi um aluno exemplar e dedicado, e seu histórico escolar era considerado excelente e impecável. Kai tentou imaginar o motivo de alguém querer o garoto morto. Ele sempre fazia isso antes de ler real o motivo escrito na ficha. Queria tentar ver a pessoa como os outros viam, pois sabia que muitas de suas vítimas aparentavam ser cidadãos perfeitos.

O único motivo que encontrara era que Do Kyungsoo havia visto, ou sabia de algo, que não deveria ter conhecimento. Era um simples serviço de limpeza, então porque encarregarem Kai de fazê-lo? O matador não gostava de lidar com vítimas inocentes, que só estavam no lugar e na hora errados. Não, é outra coisa.

Kai passou os olhos pelo final da ficha, vendo que Kyungsoo estava sendo acusado de conspiração contra a empresa Vase, e ameaçava indiretamente a Butcher. Isso só pode estar errado, ele pensou. Quem, em sã consciência iria desafiar a Vase? E se envolver com a máfia?

O matador franziu as sobrancelhas e olhou novamente a foto de sua próxima vítima, repetindo, em pensamento, como as pessoas são capazes de qualquer coisa, por mais que não aparentem.

— Pelo visto você esconde muito bem seu verdadeiro eu por trás de olhos tão doces, não? — murmurou baixinho, sorrindo levemente.

 

*✹*

 

Gwangjang era um bairro cortado pelo rio Han e ficava na divisa do município de Seoul com Guri. Há alguns anos, essa fronteira era fortemente guardada pela polícia, evitando a entrada clandestina de criminosos e o comércio do mercado negro. Por um tempo, a guarda da fronteira se manteve eficiente e parecia inabalável. Entretanto, o Submundo, sempre encontrando meios de burlar a lei, construiu passagens subterrâneas entre as duas cidades, e oferece subornos aos poucos guardas que vigiam a rodovia que atravessa a fronteira nos dias atuais.

Como todos os bairros de Seoul, Gwangjang também tinha seu grupo dominante. A Netuno, uma organização jovem, se comparada com outras do início do Submundo, comandava as atividades clandestinas no bairro. Ela conquistou o respeito entre os outros grupos criminais por ser inovadora. As passagens construídas pela Netuno dispararam o capital em circulação no mundo do crime. Outras organizações passaram a usar as Rotas Piratas - como foram chamadas - ao se aliarem com a Netuno, que só lucrou com as novas alianças, avançando rapidamente e conquistando o território da fronteira.

Sua principal atividade é o comércio clandestino de produtos ilegais. Desde o início da crise, a dificuldade para se comprar algo fabricado no exterior cresceu absurdamente. A Netuno contribuía para o tráfico desses produtos como uma espécie de transportadora, então, a diversidade de materiais relacionados ao grupo era enorme. Porém, seu foco estava, principalmente, em tráfico de substâncias tóxicas ilegais no país. Desde venenos, à matérias-primas para a produção de substâncias ilícitas, como a metanfetamina e o ópio.

A maioria dos transportes era feita durante a madrugada. Entretanto, naquela manhã invernal, a Netuno conduzia mais um carregamento pela fronteira; dessa vez em um barco de pesca, um dos disfarces do grupo, identificado com o símbolo de uma âncora pintado junto ao nome Barracuda.

O barco pesqueiro atravessou a fronteira sem problemas. O capitão, um homem velho e carrancudo, já era conhecido pela guarda, que não se preocupou em checar o carregamento. O barco navegou um pouco mais, ganhando uma distância segura da vista da guarda, então ancorou no pequeno porto de Gwangjang. Um caminhão esperava ali, pronto para ser abastecido com a carga. O motorista se aproximou do cais e abriu um largo sorriso para o velho capitão.

— Senhor Kang, bem na hora!

— Sempre chego na hora, garoto — rosnou o velho, que devolveu o sorriso ao motorista. Então voltou a típica expressão irritada e se virou para os poucos marujos. — Levem logo a mercadoria pra fora, não temos o dia todo!

O motorista riu e seguiu para a parte traseira do caminhão, onde seu ajudante já estava abrindo as portas de latão.

— Está tudo pronto, Mark?

— Sim, senhor Tuno. Aquele barulho estranho no pneu era só cascalho grudado. Nada de mais.

— Ótimo. Não temos tempo pra trocar pneus, ou qualquer outra coisa — Tuno apertou as têmporas com a ponta dos dedos. Sua cabeça parecia prestes a estourar. A noite anterior não havia sido das melhores.

Os marujos começaram a trazer a mercadoria em carrinhos de mão, e Mark os ajudou a organizar dentro do compartimento do caminhão. Tuno olhava de longe, esperando impacientemente. Detestava ter que esperar, ainda mais quando estava tão irritadiço. Não conseguira dormir bem desde o ataque no cassino na noite anterior. Tudo estava indo conforme planejara, o indiano ia assinar os papéis de uma compra importante para a Netuno, ele só esperava a maleta recheada com notas de dinheiro. E a teria, se dois idiotas não tivessem atirado em Suri antes de ter o acordo fechado. Tuno esperara por aquela venda o ano todo, seria o melhor negócio que fecharia para sua organização. Mas ele não deixaria barato. As câmeras de segurança haviam sido boicotadas, mas ele guardava na memória os rostos dos dois cretinos que arruinaram sua venda, e os procuraria até na parte mais profunda do tártaro para acertar as contas.

— Senhor, o senhor está ouvindo?

Tuno olhou Mark, confuso, havia se perdido em planos de vingança e esquecera do tempo. Felizmente o caminhão já havia sido carregado e ele podia voltar à sede e organizar as últimas vendas do ano. Preciso urgentemente de férias. Bem longe daqui, e em um lugar quente.

A porta do compartimento traseiro foi trancada e os dois homens subiram na cabine. Tuno deu a partida, ouvindo Mark tagarelar sobre o almoço. O Barracuda se preparava para içar a âncora e voltar a navegar. O caminhão já saía de perto do cais quando um Jipe virou no porto em alta velocidade, as rodas derraparam e cantaram na curva e um homem apontava uma PPD-34*, mirando a arma em direção ao caminhão, enquanto outro, usando uma beretta*, disparou uma sequência de tiros contra o Barracuda. Tuno e Mark viram, chocados, o capitão e os marujos serem baleados diversas vezes até caírem no convés. O sangue respingara por toda a parte no barco, repintando a coloração desbotada.

Tuno não perdeu tempo e pisou fundo no acelerador avançando contra o Jipe.

— Abaixa! — gritou para Mark, que se jogou no chão da cabine instantes antes de o para-brisa ser atingido por uma leva de tiros.

O caminhão seguiu para cima do carro, que, vendo que Tuno não desviaria, se lançou para o lado, pouco antes da colisão, raspando as latarias dos dois veículos. O caminhão oscilou, mas seguiu firme. Tuno não diminuiu a velocidade em nenhum momento, e apenas acelerou, conforme o caminhão se distanciava do Jipe, que fazia uma curva para persegui-los.

— Estão vindo! — Mark parecia agoniado.

— Já vi.

Tuno fez uma curva fechada, saindo da rodovia principal, e entrou no bairro de Gwangjang. Ali era seu território, e ele conhecia cada prédio. Seus olhos estavam afiados e grudados no caminho. Mark - que agarrava o banco com força - nem ousava chamá-lo. Sabia o que o chefe fazia, e confiava em suas decisões, mas o pânico aumentava conforme via o Jipe se aproximando pelo espelho lateral. Mais tiros foram disparados, acertando a lataria. Tuno apertou o volante com força, até os nós dos dedos ficarem brancos, os olhos estavam cerrados e a boca se tornara uma linha reta. Por dentro, o ódio parecia querer transbordar. Cada vez mais o Jipe se aproximava. Estavam chegando a uma parte movimentada do bairro, e Tuno temia pelos civis, mas daria seu jeito antes de envolver outras pessoas.

Ele manteve a velocidade alta e constante enquanto os perseguidores os alcançavam, e quando estavam quase próximos o suficiente para cortarem o caminhão, Tuno pisou fundo no freio. O caminhão oscilou perigosamente, mas ele manteve as mãos firmes no volante. O impacto com o Jipe os fez saltar dos bancos e baterem os corpos nas portas.

Segundos depois, Tuno largou o freio e voltou a acelerar, desengavetando o Jipe. Mark viu que algumas pessoas presenciaram a colisão, e olhavam assustadas para o Jipe destroçado. A traseira do caminhão também devia estar destruída, mas nenhum dos dois pensou nisso. Tuno apenas pisou fundo, indo em direção à sede.

Se antes Mark não queria cortar a concentração do chefe, agora ele temia por isso. Tuno parecia tão enfurecido, que ele mal ousava se mover. Chegaram à sede alguns minutos depois do acontecimento. O portão não demorou em ser aberto e o caminhão entrou em uma das garagens de descarregamento. Tuno mal desligara o motor e já abrira a porta, saltando do veículo e andando até a parte de trás. O estrago fora grande o suficiente para perderem boa parte da mercadoria.

— Desgraçados! — gritou, chutando a roda do caminhão.

— Chefe! O que aconteceu?

Três homens correram para a garagem, trabalhavam para Tuno e se espantaram ao ver o estado do caminhão marcado com furos de bala.

— O que aconteceu! — Tuno riu soprado, sorrindo sarcástico. Os outros ficaram estáticos. — Aqueles malditos romperam a aliança, foi o que aconteceu.

Mark também saíra do veículo e estava pálido como a morte.

— Nos atacaram no cais. Mataram o velho capitão e começaram a atirar na gente.

— Vocês estão bem? — um dos recém-chegados se aproximou de Mark e o revistou em busca de ferimentos.

— Tudo bem, Jinyoung. Mas acho que não podemos dizer o mesmo daqueles caras. Senhor, o senhor deu uma lição neles!

Todos olharam para Tuno, sorrindo. Mas logo ficaram sérios ao verem o olhar de reprovação do chefe.

— Chanyeol, quem quebrou a aliança? — Um deles perguntou.

Tuno apertou os olhos e passou a mão pelos cabelos, sentindo a cabeça latejar como nunca.

— Disse pra não me chamar por esse nome, Jackson. ­ — Bufou. — Foi a Caliban.

Os outros arregalaram os olhos, em choque.

— Não pode ser… são nossos melhores aliados… eles…

— Isso não importa, Yongjae. Nesse mundo nenhuma aliança dura pra sempre. Eu vi a marca da caveira no Jipe, eram eles, e não se importaram que soubéssemos disso. — Chanyeol se sentou no chão, encostado contra o caminhão. Seu braço direito sangrava na altura do ombro, e o sangue começava a empapar a jaqueta.

Jinyoung andou até ele para examinar o ferimento. Por sorte, era apenas um arranhão de uma bala que passara perto demais.

— Deixe isso pra depois, Jinyoung — Tuno disse, com o olhar perdido. — Temos outras coisas pra nos preocupar, pessoas pra recrutar, contatos pra visitar.

O capanga o olhou, confuso. Os outros se aproximaram. Tuno os olhou com um sorriso sombrio e cansado.

— Acabam de declarar guerra contra nós. E não vamos deixar que vençam.

 

*✹*

 

Pela quarta vez seguida, Luhan desinfetava a bancada do laboratório de anatomia com álcool setenta, da maneira mais minuciosa possível. Depois daquela, só bastaria mais uma, e o serviço estaria pronto. Ele passaria a desinfetar as mãos, o mesmo número de vezes. A maioria das limpezas chegava ao número cinco. Ele não sabia explicar de outra maneira que não fosse o "me sinto confortável assim". A maioria não entenderia, mas ele não se importava, contanto que terminasse a conta corretamente.

Sua família insistia em tentar fazer com que tratasse o que chamavam de transtorno obsessivo compulsivo. Luhan não via dessa maneira, apenas estava habituado a manter as coisas sob controle. Coisa que ele acreditava ser essencial na profissão que escolhera. Quando estivesse finalizando uma operação, ou examinando um paciente, não deixaria nada passar. Não seria como aqueles médicos que esqueciam o relógio dentro do paciente e só se dariam conta disso depois que tivessem o costurado. Primeiramente, Luhan nunca deixaria seu relógio dentro do paciente, que estupidez.

Era por isso que estava feliz como estava. Não via seu TOC como um problema, e sim, como parte de sua vida organizada e impecável. Luhan odiava sujeira, e lembrar-se a todo o momento como o mundo estava imundo, das inúmeras maneiras imagináveis, o fazia perder a cabeça. Por isso evitava pensar, não queria perder o controle.

Não devia perder o controle.

— Luhan, ainda está aqui?

Ele olhou em direção à porta aberta. Sua colega de classe, Ye-Jin, o olhava com um sorriso. Ele sorriu igualmente, brilhante, como sempre era.

— Ah, Ye-Jin, estava acabando a limpeza. Sabe como a professora gosta de tudo organizado.

— Luhan, eu devia ser mais como você. Sei que não faz isso porque precisa de nota, afinal, você nunca precisa de nota. Mas talvez isso me ajudasse com minha média.

Ela riu e Luhan a imitou.

— Poderia tentar. O laboratório de análises sempre precisa de alguém.

— Tem razão. Obrigada pela dica, Luhan! Agora tenho que ir, meu pai está me esperando. Vamos jantar juntos hoje. Bem, até amanhã!

— Tenha um bom jantar!

Luhan continuou sorrindo depois que a porta foi fechada e os passos de Ye-Jin soaram cada vez mais fracos até desaparecerem. E continuou sorrindo quando foi recomeçar a limpeza da maçaneta da porta, a qual já havia terminado. Eles não têm culpa de estarem acostumados a viver num mundo sujo, pensou.

Passava das nove quando toda a limpeza estava concluída. Inclusive de suas mãos. A universidade estava praticamente vazia. Apenas os seguranças rondavam os corredores vez ou outra, e já estavam habituados às saídas tardias de Luhan. Ele se despediu simpaticamente dos que encontrou pelo caminho, e saiu do campus.

Apertou o casaco contra o corpo, inspirando o ar gelado da noite. Ele sempre preferiu o frio ao calor. Era tão limpo, confortável e convidativo; enquanto o calor era pegajoso, perturbador e aversivo.

Ele seguiu pelo caminho de sempre. Não sentia medo, como as outras pessoas; se sentia seguro em sua rotina, portanto continuava sempre pela mesma rota. Rota que atravessava vários becos imundos. Apesar de abominar a sujeira, Luhan sentia que era preciso vivenciá-la, saber que havia algo importante para lidar. Lidaria com a sujeira a seu modo.

E, aquela noite em particular, era uma noite incomum, porém já vivenciada antes; talvez de outras maneiras, mas sempre com o mesmo aspecto. Aquela era uma de suas noites. Enquanto passava por um beco, um som o fez parar. Da entrada, olhou para a escuridão silenciosa, esperando mais um ruído, que não demorou a vir.

Alguém chorava. Luhan não gostava quando as pessoas choravam, então adentrou o beco, e seguiu adiante. Não demorou muito para encontrar uma garota. Era uma criança, e estava encolhida contra as lixeiras cheias. Suas roupas estavam rasgadas, e ela havia feito o que pode para se esconder dentro delas. Abraçava as pernas contra o corpo magricelo, e escondia o rosto em meio aos braços dobrados. Os cabelos emaranhados caíam em volta de si, abafando o choro sôfrego. Luhan agachou em frente à menina, sem querer assustá-la ainda mais.

— Olá — disse simpático, como se fosse comum encontrar alguém naquela situação.

A garotinha levantou a cabeça o suficiente para Luhan ver os olhos inchados e o rosto machucado. Ela se encolheu um pouco mais e não respondeu.

— Não precisa ter medo de mim, estou aqui pra te ajudar.

Aquilo pareceu chamar a atenção da menina.

— Você está? — falou em um fio de voz e esperança.

— Sim. Eu ouvi você. Não precisa mais ter medo. Apenas me diga quem fez isso com você, e tudo ficará bem.

O olhar da menina tremeu, e o medo era nítido. Mas, mesmo com as lágrimas escorrendo e a voz embargada, ela respondeu:

— Foi um homem mau e grande. Ele me machucou, fez coisas ruins em mim e foi embora — ela soluçava. — Mamãe disse para não sair sozinha, mas o Dino fugiu e eu precisava encontrá-lo, eu deixei o portão aberto e ele saiu.

— Tudo bem, não foi sua culpa. Vamos encontrar o Dino e vou te levar pra casa, venha. Está com frio?

E garotinha acenou com a cabeça e pegou a mão que Luhan oferecia. Ela era menor do que ele pensara, devia ter, no máximo, dez anos. Ele tirou seu casaco e colocou na menina. Ficou largo, mas ela pareceu melhor, mais segura, como se estivesse enrolada em seu cobertor depois de ter um pesadelo.

Ela não soltou a mão de Luhan enquanto eles saíam do beco e caminhavam pela rua deserta. Aquele bairro era perigoso, ainda mais durante a noite, e ninguém ousaria a sair de casa. A não ser que fosse uma garotinha inocente à procura de seu cãozinho.

— Qual é seu nome? — Luhan perguntou, sorrindo.

— Nara.

— Como o Dino é, Nara?

— Ele é peludinho — ela disse, já havia parado de chorar, mas fungava um pouco. — Ele fica comigo quando meu pai bate em minha mãe, aí eu não sinto tanto medo. Acho que ele fugiu por que tem medo também, às vezes meu pai grita muito alto com ele.

— Seu pai é bom com você?

— Sim. Mamãe diz que ele só fica irritado com o trabalho, porque ele trabalha muito pra cuidar da gente. E ele não bate tanto na minha mãe, foi só quando ela queimou o arroz sem querer.

— Bem, ajude ela com o arroz, sim? Assim seu pai não vai gritar.

— É verdade — ela sorriu e apertou mais a mão de Luhan.

Nara mostrou onde morava e não demoraram a encontrar o cão, que veio correndo em direção à garota, e ela o pegou no colo.

— Agora, vá pra casa e conte à sua mãe o que aconteceu. Não se preocupe com o homem mau, vou procurá-lo e fazer com que não seja mau pra ninguém mais, tudo bem?

Ela acenou.

— Pode me dizer como ele era?

— Ele… — ela olhou para o chão, enquanto pensava. — Estava vestido de preto, e não tinha cabelo. Tinha um desenho na cabeça dele, mas não sei o que era…

— Isso basta — Luhan faz carinho no pelo do cão e sorriu para Nara uma última vez. — Ajude seus pais e se alimente bem. Quando o Dino sair não vá atrás dele, ele voltará sozinho. Tudo bem?

— Sim.

— Boa menina. Agora vá.

Ela balançou a mão se despedindo e correu para casa. Luhan esperou que entrasse, então suspirou e deu meia volta em direção ao beco. Estava apenas com a fina blusa de manga comprida, mas não sentia frio. A adrenalina aumentava gradativamente enquanto seguia pelo beco. Cada vez mais adentro, perdia as esperanças de encontrar o homem. Mas o encontrou. Ele estava sentado no chão, e usava uma seringa para injetar alguma substância no próprio braço. Tinha uma caveira tatuada na cabeça careca. Não ouviu Luhan, até que ele se aproximou.

— Quem é você? — perguntou em voz alta.

— Sou alguém que sabe o que você fez com aquela garotinha.

O homem pareceu não entender. Então seus olhos cruéis brilharam e um sorriso assustador se abriu, revelando dentes podres e corroídos pelas drogas.

— Você a encontrou? — ele gargalhou. — Fiz um ótimo trabalho nela, devia ter visto…

Luhan sentiu a ira lhe invadir e ergueu a perna, investindo velozmente no rosto do homem, que tombou pro lado.

— Desgraçado! — o homem gritou, virou o rosto e o nariz sangrava. — Você vai ter o mesmo destino dela, seu idiota!

Ele levantou, cambaleante e avançou em Luhan, que desviou e empurrou o homem contra a parede do beco. Ele sabia que devia tomar cuidado, drogados ficavam agressivos e suas forças aumentavam.

Luhan segurou o homem contra a parede, o imobilizando.

— Você não vai fazer nada com ninguém — disse em tom controlado. — Nunca mais.

Então pegou um pequeno canivete preso ao cinto, e o abriu. O corte que fez a cada braço foi preciso, cortando os nervos principais que sustentavam os braços. O homem gritou, mais de raiva do que de dor, enquanto os braços pendiam na lateral do corpo, inertes. Luhan o jogou no chão, vendo o homem chutar e espernear, tentando levantar, mas o impediu, pisando em seu tórax. Agachou para se aproximar e sorriu. Um de seus sorrisos mais verdadeiros e satisfeitos.

— Como é a sensação de impotência? Poderia descrever pra mim? Poderia me dizer como é quando o medo cresce dentro de você quando você olha nos olhos de um monstro faminto?

O homem grunhiu, mas não conseguiu se mexer.

— Olhe nos meus olhos — Luhan sussurrou, sorrindo. — Observe o que vou fazer com você, vai ser divertido. Pelo menos pra mim.

— Vá se foder! — gritou o homem.

Luhan se afastou e começou a retirar a calça do sujeito, que dificultava cada vez mais, esperneando as pernas. Luhan suspirou e o olhou.

— Você não me dá escolha.

Luhan ergueu o canivete e enterrou na perna esquerda do homem, que gritara mais por dor dessa vez. Puxou o canivete e o enfiou na outra perna, distraindo-se com o sangue que empapava as calças do homem, sem se importar com os gritos e lamentos dele.

— Agora ficará quieto.

Puxou o canivete de novo, e voltou a retirar as calças do homem, o deixando exposto totalmente ao frio. Luhan segurou o canivete e o aproximou das partes íntimas do sujeito que voltou a se espernear, quando percebeu seu destino.

— Não! Não! Pare! — lágrimas desciam por seu rosto, e o medo tomara conta de sua essência.

— Oh, agora você está entendendo como é ter medo? Aposto que aquela garotinha sentiu muito mais medo do que isso, vamos lá.

E ignorando os apelos do homem, Luhan o cortou, e pareceu não ouvir e se importar com seus gritos. Apenas via o sangue quente e abundante escorrendo pela pele pálida e lambuzando suas mãos; seu coração saltava e o sorriso que abriu foi o mais verdadeiro e maravilhado que poderia exibir. A risada nasceu no fundo de sua garganta e se misturou à voz rouca e agoniada do homem, que, sem forças, se engasgava com a própria saliva.

Luhan jogou a cabeça pra trás, gargalhando como nunca, até sentir os olhos lacrimejarem e a barriga doer, até o fôlego acabar e ele precisar se recompor. Engoliu em seco, ainda fitando a rubriques em suas mãos; o sangue era tão limpo aos seus olhos. Jogou o membro decapitado do homem pro lado e deixou o canivete ao seu lado. Se aproximou do rosto do homem, que tremia violentamente, repetindo "por favor, por favor" sem parar. Luhan não ligava pra seus lamentos.

Olhou no fundo de seus olhos, apreciando o medo inacreditável que eles mostravam.

— Pessoas como você são tão imundas. São monstros, que ousam sujar a pureza de criaturas tão limpas da maldade como as crianças. Mas eu te entendo. Sei como é praticamente impossível controlar o monstro, mas é preciso fazer isso. Eu tenho controlado o meu muito bem, mas o deixo sair pra limpar esse mundo de pessoas como você. Hoje eu sou seu monstro. E a última coisa que verá nesse mundo. Não se esqueça de mim até nos reencontrarmos no inferno.

E foi com essas palavras que Luhan deu fim à vida daquele homem. A viu deixar seu corpo, e os olhos foram os primeiros a se apagar.

 

*✹*

 

Fim do Capítulo II

 

 


Notas Finais


¹Vz 24 = rifle -> http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://photos.imageevent.com/willyp/russiansovietcomblocsection/romania/vz24mausersniper/Rom%252520Vz24%252520snip%252520L.jpg&imgrefurl=http://theredish.com/img/vz24%2520sniper&h=401&w=1454&tbnid=qjav53Z35qCUBM:&docid=y0evrAf4wF-iTM&hl=pt-BR&ei=wQZRVqXDMtCswgSupZyADw&tbm=isch&ved=0ahUKEwjlp-zq3aLJAhVQlpAKHa4SB_AQMwgjKAcwBw
²Webley Fosbery = pistola -> http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://i56.photobucket.com/albums/g182/dougstump/DSC_0856.jpg&imgrefurl=http://forums.gunboards.com/archive/index.php/t-918-p-2.html&h=531&w=799&tbnid=zqvn_HpkKWd7VM:&docid=lhLjQ6saSq6V5M&hl=pt-BR&ei=1whRVtaRMJPhwgTI37ygAg&tbm=isch&ved=0ahUKEwiW2brp36LJAhWTsJAKHcgvDyQQMwg-KBswGw
³Parque Nacional de Seoul -> https://www.google.com.br/search?q=Webley+Fosbery&safe=off&hl=pt-BR&biw=1366&bih=631&site=imghp&tbm=isch&source=lnms&sa=X&ved=0ahUKEwjO7bjX36LJAhXEN5AKHdsWDxEQ_AUIBigB#safe=off&hl=pt-BR&tbm=ischq=parque+nacional+Bukhansan
*Colt = pistola -> http://www.google.com.br/imgres?imgurl=https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ca/Colt_Army_Mod_1860_Fluted_Cylinder.JPG&imgrefurl=https://pt.wikipedia.org/wiki/Colt_1860&h=816&w=1878&tbnid=IuXX7AWfiDp5rM:&docid=K8kDdNvPt0BFMM&hl=pt-BR&ei=UxJRVovnBI3QwgTYj76gCg&tbm=isch&ved=0ahUKEwjL3PDu6KLJAhUNqJAKHdiHD6QQMwg0KAQwBA
*PPD-34 = Submetralhadora -> http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://img11.itiexue.net/1414/14143187.jpg&imgrefurl=http://bbs.tiexue.net/post2_5623213_1.html&h=235&w=640&tbnid=uNeWEzTxsaqqnM:&docid=cIX4tn7kkVFmhM&hl=pt-BR&ei=ahJRVrmFE4XZwgSv1L3gBQ&tbm=isch&ved=0ahUKEwi54vr56KLJAhWFrJAKHS9qD1wQMwgsKBEwEQ
*Beretta = pistola semiautomática -> http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.thefirearmblog.com/blog/wp-content/uploads/2014/11/Beretta-M9A1-2-920x613.jpg&imgrefurl=http://www.thefirearmblog.com/blog/2014/11/12/potd-beretta-m9a1/&h=613&w=920&tbnid=15dvwkspqsdYuM:&docid=i_Z40F3PjasiQM&hl=pt-BR&ei=-RJRVtykIoHOwATmxonIAg&tbm=isch&ved=0ahUKEwichaK-6aLJAhUBJ5AKHWZjAikQMwg5KAgwCA

~

Gente, coloco essas notas só por curiosidades e tals, se vocês quiserem visualizar melhor as armas e lugares :D
ENTÃO. Luhan... o que dizer sobre ele? Acharam muito pesado essa parte? Bem, faz parte da personalidade desse Luhan... vocês vão entender como funciona a mente dele no decorrer da história. Não fiquem com medo dele shauhsuahsuahs
O Tuno é o Chanyeol, quem adivinhou? Channie poderoso, líder da Netuno, bicha do poder hsauhsuahsuahs Parece que ele está meio irritado com Baek e Chen... olha as tretas! E os comparsas dele são os boys do GOT7 :3
Kris e Tao, já tem um couple, gente hsuahusahsuahs
E esse Monstro é um monstro mesmo, não pensem que ele e Kris são amiguinhos. Negócios à parte... E o Monstro "é" o Rap Monster do BTS hsauhsuahsuahs eu amo ele, gente, juro, só o escolhi por causa do nome mesmo... mas ele é um amor <3
Kai... matador na fanfic e matador de corações na vida real -parei. O que acharam dele? Muito emo/gótico/roqueiro/vampiro? Vocês também vão entender a personalidade dele nos próximos capítulos. Na verdade, vão entender de todos, já que esse é o objetivo hehe Kai já conheceu Kyung, mesmo que por currículo shuashauhsuahs e já houve um certo desprezo XD
Xiumin não apareceu nesse capítulo, porque ia ficar enorme demais... sei que é cansativo. Mas no próximo ele aparece, prometo, e já vai ter um pouco de romance :3
Enfim, digam o que acharam, falem comigo, por favor! Fico achando que espantei todos vocês com minhas bizarrices hsuahsuahsuahs
Beijos à todos, até mais! :D
*3*

*

Link da Playlist de Signos de Sangue:
https://open.spotify.com/user/manny_chuva/playlist/5rPiCF5EJanZ7UU065QlzF


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