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História Sinaleira. - Chapter I.


Escrita por: hanalyx

Notas do Autor


E vem aí. ~

Pois é, eu não paro.
Dessa vez resolvi tentar algo diferente: narração no presente e em primeira pessoa.

Boa leitura! <3

Capítulo 1 - Chapter I.


 

— Foi bom negociar com você. — a mulher diz, solene. Lentamente começa a recolher seus papéis e os guarda de volta em sua maleta — Esta empresa terá um futuro promissor com você no topo, Eren Jaeger. 

Com um sorriso ironicamente formidável nos lábios, ela estica a destra em minha direção, como um cumprimento entre negociadores. Embora ache tudo uma besteira superficial gigantesca, não me recuso a corresponder seu gesto. Yelena é uma mulher misteriosa e muito, muito gananciosa. Não há nada que a deixe mais empolgada do que falar de dinheiro. Honestamente, ela me dá arrepios. 

A acompanho até porta e, antes de sair, ela faz questão de salientar novamente que a empresa terá um futuro promissor quando eu a assumir. Isso é normal, visto que todos depositam as boas expectativas em mim. Mas, é quando finalmente me vejo sozinho que deixo escapar um longo e audível suspiro contra a porta fechada. 

Que merda de vida... Não aguento mais essa coisa de ser pressionado para ser o filho do acionista famoso. Confesso, essa aspiração a riqueza, negócios e requinte nunca foi meu forte, estou aqui por pura obrigação. 

Caminho até minha mesa e procuro pelo maço de Marlboro Light Menthol. Ultimamente, esse acúmulo de responsabilidades me fez adquirir um novo vício insuportável: fumar para relaxar. Nunca pensei que me veria nessa situação tão deplorável aos vinte e um, mas veja bem, aqui estamos. 

Arrasto os passos até a porta de vidro que dá acesso a sacada e, do lado de fora, me debruço sobre o parapeito. Acendo o cigarro e me deixo divagar ao observar a paisagem abaixo do décimo sétimo andar. Filadélfia é uma cidade bonita, tenho que admitir. Populosa, amparada pelo governo, charmosa para turistas. Entretanto, mesmo sendo regado por tantas características atrativas, me sinto tentado a continuar chamando este lugar de gaiola. Quer dizer, não me levem a mal, mas é aqui que se encontra essa droga de empresa. Ou pelo menos a sede, porque as filiais estão espalhadas pelo país e pelo mundo. Isso aqui é só a pontinha do iceberg. E, ao que tudo indica, em menos de dois anos irei ter que suportar todo o peso dessa imensa pedra de gelo. 

Jaeger é um sobrenome e tanto neste lugar. Qualquer um diria que sou um cara sortudo por isso, mas costumo dizer que é apenas um nome que me mantém preso a algo que eu não quero. Meu avô acabou fundando uma empresa de ações quando tinha minha idade e o negócio alavancou de tal forma que segue passando de geração em geração. O atual presidente é meu pai, Grisha Jaeger, mas ele vive dizendo que em breve irá jogar a responsabilidade toda no meu colo, pois, segundo ele, já sou homem o suficiente para isso. 

Na realidade, eu só fui o infeliz da história. Tenho um irmão mais velho chamado Zeke Jaeger que, teoricamente, assumiria a maldita presidência por direito, já que é o primogênito. Porém, o cara foi mais rápido e deu perdido em todos há cinco anos. Pois é, ele simplesmente fugiu sem deixar nenhum contato. Durante os dois primeiros anos meu pai fez questão de procurar por ele, mas quando percebeu que não iria conseguir achar nem um mísero rastro do filho, adivinha quem teve que segurar a bomba? Queria poder fazer o mesmo que Zeke, mas meu amoroso pai já deixou bem claro que vai me caçar até os confins do quinto dos infernos se eu sequer cogitar uma maluquice dessas.

Mais um trago no cigarro. E, novamente, que merda de vida.

Está um fim de tarde tão bonito e ensolarado, embora estejamos no meio do outono. Mas nem isso consegue me deixar animado. Assopro a fumaça na expectativa imatura de espantar meus problemas e frustrações da mesma forma que ela se esvai em favor do vento. 

Que besteira. 

Me dou conta de que estou me aproximando do filtro, mas continuo tenso e estressado da mesma forma. A vontade de acender mais um depois deste é grande, não nego, mas sou impedido quando ouço a porta do escritório ser aberta sem nenhum tipo de aviso prévio. 

Me viro com o cigarro inacabado preso nos lábios, podendo fitar a mulher que vem até mim e me olha com certa insatisfação, mantendo os braços cruzados rente ao corpo. 

— Até quando vai ficar fumando desse jeito? — ela me repreende. 

— Até meus problemas sumirem, que tal? — puxo o cigarro entre os dedos e assopro a fumaça para cima. 

Ela revira os olhos. 

— Você devia crescer, Eren. — e ela continua me repreendendo como se fosse minha mãe, que chata — Já não é mais um adolescente rebelde. 

E essa é a minha vez de revirar os olhos. 

— Mikasa, você veio aqui só para me encher o saco? 

De repente, já nem sinto mais vontade de fumar. A pressão que essa mulher faz em mim parece um balde de água fria que me faz querer apenas sumir do mundo de uma vez. 

Amasso o cigarro no cinzeiro disposto na extremidade do parapeito e passo por ela, voltando a me aproximar da mesa. Ela apenas me observa, ainda muito indignada. 

Mikasa Ackerman é uma das melhores funcionárias do meu pai. Ela é um monstro da área de finanças. A mulher consegue dar nó em pingo d’água quando se trata de propostas para enriquecer essa droga de empresa. Sinceramente, até acho que ela seria uma melhor presidente do que eu. É mais preparada, tem mais postura, é inteligente... o único problema dela é não ter o sobrenome. O maldito sobrenome. E embora a gente tenha essa relação meio turbulenta – principalmente quando ela dá uma de irmã mais velha ou mãe superprotetora –, a verdade é que gosto dela. Nos conhecemos desde quando éramos crianças, já que os pais dela são nossos sócios desde... Bem, desde sempre.

— Eu vou fingir que não ouvi sua resposta malcriada. — me alfineta e sou obrigado a sorrir, ladino. Ela se aproxima da mesa e põe mais algumas folhas ali, o que vejo de soslaio que são mais planilhas — Fiz um balanço dos rendimentos da empresa nos últimos meses. — explica, categórica — Estamos indo bem, se comparados ao balanço do último trimestre. O patrocínio do Chicago Bulls foi um bom investimento. 

— É, quem diria que investir em um time de basquete em ascensão iria ser tão rentável assim. — comento, analisando os papéis ao lado dela. Mesmo sem olhar diretamente para ela, sei que está com um sorriso satisfeito nos lábios — Qual é o nosso próximo passo agora? 

Penso que ela irá começar a despejar projetos e mais projetos até me deixar entediado e sonolento, mas, ao contrário disso, ela apenas junta as folhas e põe do outro lado da mesa. Fico confuso, confesso. E então, ela suspira e me encara. 

— Vamos ao café. — diz ela, subitamente. 

Mikasa hoje está uma caixinha de surpresas. Para alguém que é sempre muito centrada nos afazeres da empresa, me propor um momento de descanso me parece uma atitude meio questionável vindo dela. 

— O que é isso do nada? 

— Você está visivelmente exausto. — ela examina meu rosto — O estresse e o acúmulo de trabalho vão te fazer surtar a qualquer momento. Acho que é uma boa deixa para relaxar um pouco. 

Não posso discordar. Ultimamente, tudo o que tenho feito é colecionar propostas e mais propostas de parceiros e investidores, analisar quais são as melhores e mais rentáveis e mandar todo o balanço para meu pai. Fora as reuniões particulares e diretas como a que acabei de ter com Yelena. O trabalho está sendo tão exaustivo que nem mesmo em casa tenho um momento de descanso. Até meu sono está comprometido e tenho certeza que Mikasa soube disso ao perceber minhas olheiras tão evidentes que parece que estou acordado ininterruptamente há pelo menos três meses. 

No fim, acabo aceitando a sua proposta e seguimos juntos para o térreo, onde nos encontramos com mais um dos funcionários da empresa: Jean Kirschtein. Ele é uma especie de braço direito da Mikasa, além de serem bons amigos. Na verdade, por termos a mesma faixa de idade, acabo tendo com eles mais uma relação de amizade do que de patrão e empregado. Se bem que nunca vi ninguém dentro desta empresa como um subornado meu. Sequer me vejo como um chefe... 

— Credo, você tá horrível. — comenta Jean, o tom zombeteiro me fazendo revirar os olhos outra vez — Anda brigando com a sua cama? 

— Obrigado por avisar o que já sei. — digo com desdém, ignorando sua pergunta. 

Embora a minha relação com Jean seja bem mais ácida, sinto que esse é o seu maior diferencial. Ele não tem aquela coisa de manter a postura ou me tratar como uma figura superior. Ele se comporta como se fôssemos amigos de colegial, o que está mais do que ótimo para mim. A última coisa que quero é um bando de engomadinho me chamando de chefe e me tratando como se fosse um príncipe ou algo ridículo assim. 

Mikasa segue na frente, enquanto nós dois ficamos para trás, rumo à cafeteria do prédio. Jean me conta sobre como está empolgado para assistir ao jogo do Chicago Bulls que acontecerá no fim de semana. Por algum motivo, o cara é fissurado em tudo que envolve basquete, até me pergunto por que virou empresário e não jogador profissional. 

Ele me convida para ir junto e até penso em aceitar, mas lembro da pilha de papéis e planilhas que preciso analisar e da quantidade de contratos que tenho que enviar para meu digníssimo pai. Só de lembrar já me bate uma dor de cabeça. É frustrante, porque nem mesmo após receber uma carga de nicotina no meu corpo consigo me sentir o mínimo relaxado. 

Nos sentamos em uma mesa, após selecionar um pedido pelo visor digital sobre o balcão de atendimento. Minutos depois, recebemos uma bandeja com três cafés expressos e alguns donuts. A minha bebida, em especial, é extraforte e sem açúcar. Talvez assim me animo ou, no melhor dos casos, fico um pouco mais energético. 

— Você anda trabalhando demais. — comenta Jean, ainda um pouco chateado porque não irei acompanhá-lo ao jogo — Acho que devia pedir uma folga ao seu pai. 

— Não é tão simples assim. — beberico um gole do café, antes de rir, um riso tão amargo quanto a bebida que escorre pela minha garganta — Não é porque eu sou filho do presidente da empresa que tenho regalias. 

— Bom, se você quiser, eu posso tentar fazer o seu trabalho por uns dias. — sugere Mikasa. 

Percebo que suas intenções são boas. Ela tem uma certa preocupação, não apenas em seu tom de voz, mas também em seu olhar. O fato dela pegar bastante no meu pé, é porque se preocupa demais. E não posso ser ingrato ao ponto de dizer que ela não me ajuda, afinal, se não fosse por ela, esse acúmulo de trabalho seria infinitamente maior e mais exaustivo. Ela e Jean já fazem tanto por mim, seria injusto pedir que eles tomassem ainda mais das minhas responsabilidades. 

Suspiro e levo mais uma vez o copo de papel aos meus lábios. 

— Não se preocupem com isso. Eu vou dar conta de fazer tudo sozinho. 

— Mas você não precisa fazer tudo sozinho, Eren. — ela protesta. 

— Mikasa, entendo que você quer me ajudar e eu te agradeço sinceramente por isso. — meu olhar sobre ela é tão sério que ela estremece um pouco — Mas há certas coisas que nem você e nem o Jean podem fazer. 

Ela abaixa o olhar e sinto uma onda de arrependimento me preenchendo. Acho que fui muito rude na forma como acabei de me expressar, o que dá pra perceber nitidamente na cara daqueles dois. Acabo enfiando mais café pela goela abaixo, tentando não me sentir um verdadeiro babaca ao perceber que ando tão estressado que perdi meu autocontrole. 

— Merda. — murmuro, colocando o copo vazio sobre a mesa — Me desculpa... 

Mikasa ergue o olhar, entristecida. 

— Tudo bem? Eu te entendo. 

— Nós entendemos. — o outro completa — Não se preocupe com isso. Sabemos que você anda muito estressado por causa do trabalho, isso acontece. 

É, isso acontece. Sei que eles entendem que não foi intencional e que sabem que estou apenas tentando não ser um cara explorador, mas me dói toda vez que acabo perdendo a calma dessa forma. Jean e Mikasa são as únicas pessoas que realmente me entendem nesse lugar. Esse comportamento não é nem um pouco correto com eles. 

Um silêncio ensurdecedor preenche o local. Tudo o que dá para ouvir é o som do ambiente, das pessoas, da máquina de café e do meu celular tocando no bolso da minha calça. Espera... o quê? Pego o aparelho um tanto receoso. E como se meu consciente não estivesse preparado para ver a assombração de um filme de terror, acabo me espantando quando vejo o nome do meu pai surgir na tela. 

— Alô? — atendo totalmente incerto, notando os olhares dos outros dois sentados em minha frente. 

— Onde você está? — ele está claramente irritado, o que me faz engolir em seco. 

— Estou no café da empresa, por quê? 

— Preciso que você vá até Kensington analisar um projeto pessoalmente. — declara, autoritário. 

— Kensington? — encaro os dois e eles arregalam os olhos ao ouvir minha pergunta — Enfim, quando quer que eu vá? 

— Agora mesmo. — ele está a ponto de explodir — Vou te enviar o nome do investidor e o endereço por mensagem. Vê se não demora. 

E então, ele desliga, sem me dar tempo de fazer qualquer questionamento. Odeio isso. Minha vontade é de atirar o celular longe e mandar esse homem para além do quinto dos infernos. 

— Seu pai quer que você vá para Kensington? — Mikasa finalmente pergunta. 

— É, e quer que faça isso agora. 

— Inglaterra? — Jean parece ainda mais confuso. 

A notificação de repente surge na tela do meu celular. Aparentemente, o tal Kensington é um bairro a oeste da cidade. Fica apenas a alguns minutos da empresa. 

— Não, Kensington daqui. É um bairro vizinho. — elucido.

— Com todo respeito, mas seu pai só pode estar louco. — diz Mikasa. Me pergunto se ela só percebeu isso agora, sendo que trabalha há tanto tempo para esse lunático — Kensington é um bairro pobre e muito violento. O que pode vir de um investidor em um lugar como aquele? 

— Eu não sei, mas infelizmente vou ter que ir descobrir. — suspiro, guardando o celular no bolso novamente — A gente se vê outra hora. 

Me levando a contragosto e, enquanto caminho até o estacionamento, a pergunta de Mikasa fica ecoando na minha cabeça. O que poderia esperar vindo de um lugar com um histórico tão elevado de pobreza, com altas taxas de homicídio e um índice surpreendente de pessoas envolvidas com tráfico de drogas e prostituição? Estou começando a achar que meu pai realmente não regula bem, ou, no mínimo, que não se importa se por acaso eu acabar sendo baleado. 

Cinco minutos depois, já estou na estrada. Talvez também seja um pouco maluco por ir a um bairro de periferia com uma BMW preta ridiculamente nova, mas, se nem meu pai se importa, por que eu iria me importar? O trajeto até o endereço indicado não foi longo, mas, conforme os minutos vão passando, percebo que o entardecer gradativamente vira um lindo anoitecer. E quando finalmente estaciono no tal local, o relógio já marca sete da noite. 

Desço do veículo analisando tudo ao meu redor. Parece que estou diante de uma espécie de edifício abandonado. A pintura é envelhecida e deteriorada, assim como as grandes grades que cercam o terreno também são enferrujadas. Sinceramente, isso parece um presídio, mas não hesito em travar o carro no pátio em frente ao prédio e seguir até a entrada. Quando vou tocar a campainha, alguém abre a porta antes e arregalo os olhos ao perceber que é uma criança. Um menino loiro e de olhos cor de caramelo. Ele sorri para mim e, sem dizer uma palavra sequer, me puxa para dentro do recinto. 

Por dentro o lugar parece ainda pior. Não sei se é por causa da luz amarelada, mas as paredes mofadas não me passam uma sensação de bom investimento vindo daqui.  O garoto me guia por um longo corredor, de onde surgem várias outras crianças correndo, às vezes até tenho que me esquivar de algumas. 

Subimos uns dois lances de escada em uma certa paz, até que paramos em frente à última porta de mais um longo corredor e ele enfim solta minha mão. O menino bate na madeira duas vezes e logo uma voz masculina surge, dizendo que podemos entrar. 

— Ele chegou, sr. Braun. — o garoto diz sorridente, apontando a cadeira em frente à mesa para que pudesse me sentar. 

Confesso que estou meio confuso. Não sei se olho para o garoto eufórico ao meu lado ou se tento manter a postura solene enquanto me aproximo do assento e fito o homem que está do outro lado da mesa. 

— Obrigado, Falco. Agora pode ir. — diz ele, terno, antes de se voltar para mim — Eren, filho de Grisha Jaeger, certo? 

Afirmo com um leve maneio de cabeça. 

— E imagino que você seja Reiner Braun. 

Ele repete a resposta muda, gesticulando uma das mãos para que me sente. Não hesito, pois confesso que estou intrigado. Não é todo dia que entro em um prédio abandonado cheio de crianças para conversar com um investidor que mais parece um lutador de MMA. O sujeito é loiro, musculoso e, ainda que esteja sentado, duvido que tenha menos de um e oitenta. E pra piorar, ainda tem uma barba recém aparada, o que lhe dá um ar ainda mais intimidador. 

Apesar de nutrir um receio de estar correndo risco de morte, o sorriso que surge em seus lábios em seguida me tranquiliza um pouco. Bom, pelo menos ele não parece mais que está prestes a cometer um assassinato e que eu serei a vítima. 

— Acho que devo começar me desculpando por ter te feito vir até aqui. — ele começa, categórico — Mas sinto que não iria conseguir passar uma boa imagem do meu projeto se você não viesse pessoalmente ver do que se trata. 

Me ajeito melhor na cadeira e franzo as sobrancelhas, balançando a cabeça em negação. Merda, estou realmente curioso. 

— Bom, acho que o que você precisa fazer agora é me surpreender, só assim vou poder dizer se valeu a pena ou não ter dirigido até aqui. 

Ele solta uma risadinha e apoia os cotovelos sobre a mesa, juntando as mãos em frente ao corpo. 

— Eu vou ser bem direto. — começa, a seriedade voltando a me deixar arrepiado — Imagino que você não tenha uma boa impressão deste bairro. No mínimo, imagino que você tenha feito uma boa pesquisa para saber quais são as estatísticas de Kensington. 

— Sim, sei que é um bairro violento e tudo mais. — dou de ombros — Mas o que exatamente isso tem a ver com o que vamos tratar aqui? 

— Kensington é um bairro esquecido e totalmente abandonado pelo governo, portanto não é errado dizer que boa parte dos moradores daqui são marginalizados. — ele explica e eu concordo — Sabe aquelas crianças que você viu correndo pelo prédio? 

— Sei... 

— Todas foram resgatadas das ruas. — conta, me surpreendendo — São crianças entre cinco e doze anos que foram abandonadas ou que estavam vivendo em situações precárias com seus familiares. Este prédio onde estamos agora, é um antigo hotel que foi abandonado há pelo menos quinze anos. 

— Como conseguiu alvará para ocupar este lugar? — arqueio a sobrancelha. Confesso que tudo me deixou intrigado, mas ainda assim... 

— Uma ação contra o governo. — lança, simplista — Entrei com uma ação judicial para conseguir a posse do condomínio. As partes mais detalhadas não são pauta do nosso assunto, mas quero que saiba que é um ambiente que me pertence legalmente. 

Não é como se eu estivesse desconfiando da legalidade do lugar, só fiquei curioso. Entretanto, ainda me pergunto o que mais pode vir dessa conversa. 

— Certo, entendi. E o que exatamente você quer com a minha empresa? — detesto tanto esse termo que sinto meu estômago embrulhar. 

— Sendo bem sincero, sr. Jaeger, o nosso governo é uma vergonha. — e eu sou obrigado a concordar novamente — Apesar de terem me dado um alvará de ocupação, foi só isso. O abandono continua o mesmo. 

Hum, estou começando a entender onde ele quer chegar. 

— Então...? 

Ele abre uma gaveta do seu lado da mesa e retira dali uma pasta azul, a qual desliza para mim. 

— Basicamente, meu projeto consiste em criar abrigos pelo bairro, além de projetos sociais específicos. Como eu disse, a situação  por aqui é algo desumano e doloroso de ver. O consumo de drogas é altíssimo e, infelizmente, a prostituição também está em ascensão, principalmente entre menores de idade e mulheres. — ele explica, pesaroso — Dentro dessa pasta estão todos os detalhes escritos do meu projeto. Plantas de edifícios que temos interesse em utilizar, além de um mapeamento demográfico que aponta detalhadamente algumas das infelizes estatísticas que apontamos aqui. 

Enquanto folheio superficialmente algumas páginas, noto que minha visão se embaralha com tantos números. Por Deus, esse lugar parece que nem existe de fato. A urbanização passou longe e, Reiner tem razão, boa parte dos moradores do bairro precisam de alguma ação de ressocialização. O índice de dependentes químicos, homicídios e pessoas se prostituindo é realmente preocupante. Muito preocupante. 

Sinto uma leve dor nas têmporas só de pensar na parte mais burocrática e financeira de tudo isso, mas não sinto que é algo que deva ser visto apenas como um negócio dessa vez. É uma questão de empatia, de diplomacia e, sobretudo, é uma questão humanitária. Não é sobre construir prédios, patrocinar grandes marcas ou coisas assim, é sobre salvar vidas que estão à mercê da sociedade. E deduzo que Reiner nos procurou por desespero ou falta de opções estatais, talvez viu alguma chance de ajuda em nossa empresa. 

Acabo deixando escapar um longo suspiro sentenciado. Talvez meu pai não fique muito feliz com esse projeto, mas farei o possível para que ele seja aprovado. 

— Bom, eu prometo que vou avaliar com cautela quando chegar em casa. — digo sinceramente, guardando os papéis de volta na pasta — Depois disso, enviarei a proposta para o meu pai. De verdade, eu espero que ele possa fazer algo a respeito. Disponibilizar verbas e fazer investimentos em projetos sociais é algo inédito para nós. 

— Eu sei disso. — nos levantamos e trocamos um aperto de mão. Ele sorri — Mas eu tenho boas expectativas depois da nossa conversa. 

Não sei se estou tão otimista quanto a isso, porque conheço bem aquele velho ganancioso, mas não quero ser o estraga prazeres da situação. Ainda mais porque a ideia de Reiner é boa... Na verdade, é excelente. É um projeto tão bondoso e puro que me surpreende que tenha vindo de um homem tão intimidador. 

Ele me acompanha até a saída do prédio e no caminho encontro novamente com aquele garotinho loiro, o tal Falco – se me recordo bem. Dessa vez, ele está junto de uma menina, Gabi o nome dela. Eles apenas sorriem pra mim e eu retribuo, meio sem jeito. 

Quando retorno ao meu carro, deixo a pasta que me foi dada no banco traseiro e desabo no do motorista. Embora me sinta aliviado por não ter sido furtado, também estou sufocado com tantas responsabilidades em um único dia. Afrouxo a gravata e abro dois botões das camisa social branca. Sinceramente, não aguento mais. 

Pego o celular para conferir as horas e quase caio de costas. Tive a impressão de que minha conversa com Reiner foi bem curta e ligeira, mas o relógio marcando quase meia noite me diz o contrário. Por acaso entrei em algum vórtex temporal? De qualquer forma, sei que não estou em uma ala segura, então é melhor dar partida.

Enquanto estou dirigindo pelo bairro, decido dar uma olhada mais detalhada. Depois de tudo que Reiner me contou, é difícil não perceber os traços tão escancarados da marginalidade e da pobreza deste lugar. Confesso que isso me dá um certo aperto no coração. Para alguém que está tão acostumado a viver com o luxo, essa realidade é meio chocante para mim. 

Quando me dou conta da estrada novamente, já estou próximo a uma sinaleira. E para ser franco, me surpreende que tenha alguma espécie de sinal assim na saída desse bairro. 

Olho mais adiante e vejo que o que me aguarda pela frente é uma maldita encruzilhada, ainda bem que me lembro com exatidão do caminho. Enquanto o tempo é cronometrado, aproveito para tatear o painel do veículo em busca do meu maço de cigarros. Por sorte, está exatamente no mesmo lugar onde havia deixado. Pego um e levo aos lábios, encontrando um novo problema: onde deixei meu isqueiro? Abaixo levemente para ver se caiu em algum lugar, praguejando a Deus e o mundo por estar tudo dando errado. Só queria poder fumar em paz, droga. 

E a minha irritação só aumenta quando ouço três batidas na janela do meu carro. 

Ergo o olhar, irritadiço, e encontro uma silhueta desconhecida sombreando as vidraças escuras. Poderia ser um assaltante ou um assassino, mas mesmo assim, nada me impediu de fazer um ato de tamanha coragem e insanidade. Admito que não sei que tipo de loucura me atingiu para abaixar o vidro, mas quando meus olhos colidem com aqueles semelhantes tão azuis quanto o oceano, percebo que encontrei minha resposta. 

Nunca fui muito de me apegar a detalhes, mas esses olhos me cativaram. A forma como estão contornados por uma maquiagem aparentemente leve e que destaca as íris tão azuladas. Entretanto, o que mais me chama atenção é que não consigo encontrar nada em seu olhar. Ele é tão desconexo e vazio quanto a minha própria existência. 

— E aí, como vai ser? Está interessado? 

O quê? Estava tão entretido analisando os olhos do garoto que nem percebi que ele havia debruçado sobre a janela do meu carro. Sua expressão indignada indica que ele está esperando por algo, mas o que exatamente? E pior, no que diabos eu estou interessado? 

Ergo um pouco mais o olhar e percebo que ele não está sozinho. Pela minha contagem superficial e provavelmente errônea, vejo que estão em um bando de dez. Entre eles, meninas, mulheres e  outros garotos. Todos trajando umas roupas bem... ousadas. Mas que merda está acontecendo? E por que alguns estão entrando em outros carros? E por que esses carros são tão caros quanto o meu? 

Quando volto meu olhar para o sujeito na minha janela, ele crispa os lábios e suspira pesadamente. 

E é aí que minha ficha cai. Este garoto... não apenas ele, mas todos os outros que estão com ele são, na realidade, garotos de programa. E o fato dele estar aqui, me olhando com tamanha impaciência e desdém, significa que só pode estar esperando que eu seja mais um de seus clientes. 

Mas que merda. Mesmo sabendo no que isso implica, que muito provavelmente esse garoto deve ser muito mais novo e que não devia estar na rua, por que algo nele mexeu tanto comigo? Não sei se é pelo seu olhar vazio, ou se é pelo fato dele parecer mais acuado do que os demais que observei. Ele parece quieto, até mesmo frio, com as mãos nos bolsos do seu fino moletom que sequer é capaz de conter a brisa gélida que sopra do lado de fora. É muita loucura, principalmente por saber do que se trata e do porquê. Mesmo assim, loucura maior é o que me leva a guardar o cigarro de volta no maço e destravar a porta. 

O garoto, no entanto, já deve estar tão habituado com esse tipo de coisa que nem me diz nada, apenas entra e fecha a porta em seguida. Também sobe o vidro escuro novamente, sem nem sequer pedir permissão. Ele crispa os lábios outra vez e só então percebo como é pequeno. Não deve ter mais de um e setenta. Seus cabelos loiros são ligeiramente compridos – um pouco acima dos ombros – e bem arrumados. Apesar das calças jeans surradas e do moletom encardido aparentemente tão usado que o tecido já afinou, ele não está fedendo ou algo do tipo. Muito pelo contrário, o garoto tem um cheiro de banho recém tomado muito agradável.

Ele cruza os braços e noto que suas bochechas estão levemente vermelhas, provavelmente pelo vento frio que o atingiu enquanto estava na rua. Sendo assim, ligo o aquecedor e dou partida novamente. Não que eu realmente me importe com algo, até porque nem conheço o indivíduo e até agora ele não me disse uma palavra desde que entrou, mas a última coisa que quero é alguém tendo uma crise de hipotermia ao meu lado. 

Enquanto tento manter meus olhos atentos na estrada, é meio complicado não o observar de soslaio. Ele se recosta no banco e não parece nem um pouco receoso ou nervoso, o que me leva a crer mais uma vez que ele faz isso com tanta frequência que já deve ser super recorrente, um hábito. E minha suposição só toma mais força quando ele murmura: 

— Conheço um lugar nas redondezas. Costumo ir lá, não é tão longe daqui e não é muito caro também. 

Sou obrigado a desviar o olhar da condução por um instante só para encará-lo. Ele fala com tanta naturalidade, como pode? No entanto, apenas me limito a assentir, voltando a prestar atenção na direção. 

Me pergunto o que há de errado comigo. Será que estou tão frustrado emocionalmente que não me importo mais com a minha própria dignidade? Não sei por que raios estou dirigindo sem hesitar para um motel barato junto com um garoto de programa. A falta de um momento para relaxar deve ter fritado meus neurônios de vez. E sabe o que é pior? Não sinto nenhum tipo de remorso ou algo incômodo por estar fazendo isso. 

É claro que me sinto um hipócrita desgraçado, nem parece que acabei de sair de uma reunião para tratar de projetos sociais para tirar pessoas como esse garoto dessa vida horrível e injusta. E o que eu estou fazendo agora? Estou contribuindo para essa máfia. Mereço uma surra. 

— Qual é o seu nome? — ouço a voz incrivelmente suave me atingir novamente. 

— Eren. — respondo de forma automática. Acho que manter meu sobrenome em segredo por enquanto é o essencial para minha própria segurança — E o seu? 

— Armin.


Notas Finais


Hey!

Após terminar minha outra Eremin – O ano da formatura –, eu estava pensando em postar uma Eremika, mas uma amiga em off praticamente implorou para eu postar esta, então aqui estou.
Quero deixar bem claro que não estou aqui para romantizar nada, logo vocês irão entender melhor o plot. Por favor, não me cancelem ainda!!!

Enfim, espero que vocês tenham gostado. ~

Nos vemos em breve, xoxo.


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