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História Six Years - 02. something wrong


Escrita por: intensive

Notas do Autor


Espero que gostem. <3

Capítulo 3 - 02. something wrong


Fanfic / Fanfiction Six Years - 02. something wrong

O primeiro indício de que havia algo errado foi em meio ao elogio fúnebre.

Charleston mais parecia um conjunto de fortalezas do que uma cidade. Sua imagem sofisticada lembrava a Europa; os moradores eram grandes apreciadores do estilo clássico, já que era raro encontrar um casa que não fosse branca ou bege. Seus enormes prédios possuíam pontas agudas e haviam janelas por todos os lados. Para uma grande observadora como eu, tudo aquilo parecia impecável demais. A cintilante capela bege se realçava em cima de um morro tão distante que parecia uma fotografia. O clima, todavia, parecia palpável – um calor vivo, que exalava uma umidade carregada.

Outro passadiço momento de lucidez queria me contrariar, me dizendo que eu não deveria estar ali. Mas me livrei dele. Já estava lá, o que tornava a relutância inútil. O hotel de Charleston se assimilava a um castelo. Entrei no bar agradável e pedi um drink Manhattan para a garçonete agradável.

– Veio para o funeral? – perguntou ela.

– Sim.

– Triste.

Consenti e abaixei a cabeça. A garçonete agradável entendeu o sinal e permaneceu quieta.

Me orgulho de ser uma mulher esclarecida. Não acredito em sorte, destino ou em nenhuma dessas superstições idiotas. Entretanto, eu estava ali, tentando explicar meu ato impulsivo exatamente dessa forma. Eu tinha que estar aqui, disse a mim mesma. Fui obrigada a pegar aquele voo, mas não sabia porquê. Tinha visto Lauren me trocando por um homem, e mesmo assim não conseguia me conformar. Precisava de uma conclusão. Seis anos atrás, Lauren me dispensou com um bilhete escrito que se casaria com o ex-namorado. Um dia depois, deixou um convite para o casamento. Não era de se surpreender que tudo ainda soasse... incompleto. Então eu estava ali, esperando levar pra casa, se não um encerramento, um desfecho.      

É admirável como racionalizamos tudo quando queremos muito alguma coisa.

Mas o que eu queria ali, exatamente?

Acabei a bebida, agradeci à garçonete agradável e, cuidadosa, segui até a capela. É claro, continuei afastada. Eu podia ser ruim, insensível e estar ali por um interesse pessoal, mas não incomodaria uma viúva enterrando seu marido. Me mantive atrás de uma árvore, sem sequer dar uma olhada nos presentes.

Assim que ouvi o hino fúnebre de abertura, uma olhada rápida confirmou que o caminho permanecia tão livre quanto seria possível. Todos estavam dentro da capela. Me encaminhei até lá. Um grupo gospel cantava. Em uma palavra, era espetacular. Sem saber bem o que fazer, tentei abrir a porta, empurrando-a. Entrei com uma mão como se estivesse coçando meu rosto, enquanto baixava minha cabeça.

Disfarce horrível, eu sei.

Nem precisava. A capela estava cheia. Fiquei com os atrasados no fundo, pois não havia lugar para sentar. O coral encerrou seu canto e um homem subiu ao púlpito. Falou sobre como Luis era um médico caprichado, bom vizinho, excelente amigo e um ótimo pai de família. Não sabia que era médico. O homem realçou as qualidades de Luis – a compaixão, o coração bondoso, o dom de fazer qualquer um se sentir especial e a disponibilidade para arregaçar as mangas e trabalhar sempre que alguém precisasse de ajuda. Levei aquilo como um discurso fúnebre tradicional – possuímos o costume de supervalorizar os mortos –, mas via uma lágrima nos olhos de cada um ali presente, a forma como concordavam com cada palavra, como se fosse algo que só eles pudessem ouvir.

Posicionado lá no fundo, tentei alcançar meu olhar a Lauren lá na frente, mas muitas cabeças impediam. Desisti ao encontrar pessoas me observando. Não queria chamar atenção, então parei. Eu já havia entrado na capela, olhado e ouvido palavras sobre o falecido. Não era suficiente? O mais eu faria ali?

Era hora de ir embora.

– Nosso primeiro discurso – anunciou o homem no púlpito – será de Richard Santos.

Um adolescente – creio que tivesse mais ou menos 16 anos – se pôs de pé e caminhou até o púlpito. Minha primeira intuição foi de que Richard devia ser sobrinho de Luis Felipe Santos (e, por extensão, de Lauren) mas esse raciocínio se tornou errado quando o garoto começou a falar.

– Meu pai era meu herói...

Pai?

Precisei de alguns segundos. O cérebro humano tem dificuldade de retornar depois que vai por determinado caminho. Quando criança, meu pai tentou me enganar contando-me uma charada. ‘’Pai e filho sofrem um acidente de carro. O pai morre e o garoto é levado às pressas para o hospital. Ao chegar lá, quem está de plantão diz: ’Não posso operar esse menino. Ele é meu filho.’ Como pode ser?’’ Isso é o que estou tentando dizer com os caminhos do nosso cérebro. Essa charada devia ser difícil para a geração do meu pai, mas, para gente da minha idade, a resposta – quem estava de plantão era a mãe do menino – era tão clara que me recordo de soltar uma gargalhada.

Eu estava lidando com uma situação parecida. Me perguntava como um homem que só havia se casado com Lauren seis anos atrás podia ter um filho já adolescente.

Richard era filho só de Luis e não dela. Ou ele já se casara ou pelo menos tivera um filho com outra mulher.

Novamente tentei ver Lauren na primeira fila. Curvei o pescoço, mas a mulher ao meu lado suspirou irritada por eu estar invadindo seu espaço. No púlpito, Richard estava brilhando. Falava com emoção. Todo mundo chorava, exceto eu.

E agora? Permaneceria ali? Cumprimentaria a viúva, confundindo-a e atrapalhando seu luto? E quanto ao meu egoísmo? Queria mesmo vê-la outra vez? Queria vê-la lamentando a perda do seu amor?

Melhor não. Espiei o relógio. Havia reservado o voo de volta para aquela madrugada. Sim, ida e volta no mesmo dia. Nada de desembolsar com hotel. Um desfecho econômico.

Tinha os que diziam o óbvio sobre mim e Lauren – que eu projetara nossa vida juntos de forma incoerente. Compreensível. Sendo objetiva, sinto que esse raciocínio é válido.  Mas o coração nunca foi objetivo. Logo eu, que admirava os melhores pensadores, teóricos e filósofos da nossa época, nunca me rebaixaria a usar uma proposição tão batida quanto eu apenas sei. Mas eu sei mesmo. Tenho consciência do que eu e Lauren fomos. Enxergo nitidamente, sem nenhum borrão, e por isso não consigo analisar o que nos tornamos.

Ainda não captei o que aconteceu entre nós.

Quando Richard acabou e se sentou, soluços baixos ecoaram pela capela. O eclesiástico que comandava o funeral voltou ao púlpito e pediu para que todos ficassem de pé. Enquanto a congregação se levantava, aproveitei para sair. Caminhei de volta ao palmiteiro. Apoiei-me no tronco, saindo da vista de quem estava na capela.

– Como se sente?

Me curvei e vi a garçonete agradável.

– Estou bem, obrigada.

– Grande homem, o doutor.

– É – eu disse.

– Você e ele... eram próximos?

Silêncio. Alguns minutos depois, a capela se abriu. O caixão foi trazido para fora, ao sol reluzente. Quando pertos do carro funerário, os encarregados de carregá-lo, incluindo Richard, contornaram-no. Uma mulher com seu grande chapéu preto seguia atrás. Seu braço rodeava o pescoço de uma garota com cerca de 14 anos. Bem do seu lado, havia um homem alto. Ela se assegurou nele. Pensei que deviam ser irmão e irmã, mas era apenas mais um palpite. O caixão foi levantado e posto na traseira do carro funerário. A mulher com chapéu preto e a garota foram encaminhadas até uma limusine. O provável irmão alto ajudou-as a entrar. Richard entrou logo depois. Assisti o restante começar a sair.

Nenhum sinal de Lauren.

Não estranhei muito. Já havia presenciado as duas situações. Algumas vezes a esposa era a primeira a sair, com uma das mãos sobre o caixão. Em outros momentos saia por último, aguardando a capela esvaziar antes de enfrentar a passagem pela porta. Lembro que no funeral do meu pai, minha mãe não quis falar com ninguém. Saiu pelos fundos, evitando encontrar a família e os amigos.

Eu assistia as pessoas saindo. Seu sofrimento era sincero e palpável. Não estavam ali só por dever. Gostavam de Luis. Estavam comovidas com sua morte. Mas o que eu esperava? Que Lauren me trocasse por um derrotado? Era melhor tê-la perdido para esse médico adorado do que por um sedutor cretino.

Um ótimo tema para reflexão.

A garçonete continuava parada ao meu lado.

– Do que ele morreu? – sussurrei.

– Você não sabe?

Silêncio. Balancei a cabeça antes de me virar para ela.

– Assassinato – falou.

A palavra ficou detida no ar carregado, resistindo para não ir embora. Eu repeti:

– Assassinato?

– Sim.

Abri a boca, fechei-a, reprisando o ato mais algumas vezes.

– Como? Quem?

– Acho que foi baleado. Não tenho certeza sobre isso. A polícia não sabe quem foi, mas acham que foi um assalto frustrado. Você sabe... o cara entrou na casa sem saber que tinha gente lá.

Senti mal-estar. Todas pessoas haviam saído da capela. Observei atentamente a porta e esperei por Lauren.

Mas ela não apareceu.

O homem que presidira a cerimônia saiu, fechando a porta. Ele recolheu-se ao carro funerário e deu a partida. A primeira limusine o acompanhou.

– Alguma saída lateral?

– O quê?

– A capela. Tem outra porta?

Ela contraiu as sobrancelhas.

– Não. Só essa.

O cortejo começou a se movimentar. Onde estava Lauren?

– Você não vai ao cemitério? – interrogou-me a garçonete.

– Não – respondi.

Ela apoiou sua mão em meu braço.

– Você parece estar precisando de um drinque.

Sem discussão. Fui meio que mancando com ela em direção ao bar e desmoronei na mesma cadeira que antes. Ela me serviu outro Manhattan. Eu mantinha os olhos fixos na capela, no cortejo, na pequena praça.

Nada de Lauren.

– Me chamo Maggie.

– Camila – falei.

– Como conheceu o Dr. Santos?

– Mesma universidade.

– Sério? Pensei que você fosse mais nova.

– E sou. Ele já era ex-aluno.

– Ah, faz sentido.

– Maggie?

– Oi?

– Você conhece a família do Dr. Santos?

– Richard... o filho dele namorou minha sobrinha. É um bom garoto.

– Qual a idade dele?

– Dezesseis, talvez 17. Ele e o pai eram muito próximos. Que tragédia.

Não sabia como chegar ao assunto, então fui direto ao ponto:

– A esposa do Dr. Santos... você conhece?

Maggie curvou seu pescoço.

– Você não conhece?

– Não, nunca a encontrei – menti. – Só nos víamos em alguns eventos da universidade. Ele nunca ia acompanhado.

– Você parece muito abalada para uma mulher que só o conhecia de alguns eventos de universidade.

Não sabia o que responder, então prorroguei, tomando um gole de Manhattan, em seguida dizendo:

– É que... não a vi no funeral.

– Como sabe?

– O quê?

– Você acabou de dizer que não a conhecia. Como a reconheceria?

Cara, sou mesmo péssima nisso.

– Vi algumas fotos.

– Não deviam ser boas.

– O quê?

– Ela estava lá. Saiu com Briana logo depois do caixão.

– Briana?

– A filha deles. Richard carregava o caixão. Depois o irmão do doutor saiu com Briana e Eleanor.

Me recordava delas, é claro.

– Eleanor?

– A esposa do Dr. Santos.

Minha cabeça começou a girar.

– Pensei que o nome dela fosse Lauren.

– Lauren? O nome dela é Eleanor. Ela e o Dr. Santos namoraram desde a época de escola. Cresceram aqui perto. Estavam casados faz um bom tempo.

Eu somente a encarava.

– Camila?

– O quê?

– Tem certeza que veio ao enterro certo?


Notas Finais


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