Garfield se levantou da cama assim que concluiu o estudo sobre um grupo de homens muito suspeitos. Ele juntou os papéis e os colocou em uma pasta de plástico transparente, saindo do quarto a passos rápidos. Deu uma olhada para a porta de Ravena mas não pensou em parar, dirigindo-se diretamente para o elevador.
Não estava cedo e, mesmo que ele não tivesse um relógio naquele momento, podia dizer pela luz do Sol que já se passava um pouco do meio-dia. Precisaria ser rápido no que estava prestes a fazer.
Foi até o escritório de Asa Noturna, batendo devagar na porta, enquanto segurava a pasta com a mão livre. Afastou-se um pouco e esperou até ouvir a permissão para entrar, sendo imediato após a ordem de Richard.
Entrou e fechou a porta, sentando-se na cadeira que ficava de frente para a mesa. Asa Noturna parou de mexer no notebook e o olhou, ciente de que a visita não era em vão.
- O que aconteceu? – perguntou diretamente.
- Nada. – Garfield respondeu.
- Nada? Você não costuma vir aqui.
- Eu sei. – pensou no incidente que havia acontecido no quarto de Ravena há três dias. Olhar para o rosto de Asa Noturna ainda o deixava com vontade de rir. – Só quero pedir desculpa.
- Pelo quê?
- Por aquele dia que você entrou na sala e eu saí. – deu de ombros. – Todo mundo saiu.
- Ah – o rosto de Richard ficou um pouco vermelho. – Não tem problema.
- Eu acho que tem.
- Por quê?
- Foi idiota. Eu não tenho nada contra você e acho que é infantilidade agir daquela forma – Garfield foi sincero. – Eu só saí porquê vi todos indo embora, mas sinto muito. Quero que saiba que sou grato à você.
Asa Noturna semicerrou os olhos, encarando os de Garfield. Os olhos do líder eram azuis, gélidos, penetrantes e assustadores. Ele não precisava falar muito para deixar claro o que pensava ou queria fazer – um simples olhar bastava para desarmar um inimigo, amigo ou quem quer que fosse.
- Obrigado, Garfield.
- Eu que agradeço. Não sei o que estaria fazendo da vida se você não tivesse me oferecido um emprego.
- Finalmente chegamos ao assunto – Asa Noturna sorriu de lado. – O que aconteceu?
- Eu tenho uma missão?
- Não fui informado de nada.
- Só eu sei.
- E quanto ao Bruce e Alfred?
- Só eu sei. – Garfield repetiu.
- ...Ok.
Garfield respirou fundo e colocou a pasta em cima da mesa, empurrando-a para Asa Noturna, que a pegou e abriu quase no mesmo instante.
- Todos aqueles homens que nós consideramos como lobos solitários são, na verdade, um grupo só.
- Como você descobriu isso? – Asa Noturna perguntou.
- Não foi difícil, só demorado. Eles agem da mesma forma, usam táticas parecidas. Encontrei fotos e filmagens deles em um mesmo lugar. Eles são um grupo perigoso, Dick. – Asa Noturna continuou lendo os papéis. – Eu sei como pegá-los. Você se lembra de uma missão que eu fui no ano passado? Aquela em que uma casa de câmbio simplesmente explodiu do nada... Lembra?
- Sim.
- Foram eles. Foi tudo tão bem armado que ficou parecendo que a explosão foi por causa de um curto-circuito, mas o símbolo deles estava pintado em uma das paredes – Garfield mostrou uma foto. – Tá vendo?
- Sim.
- Eles não fizeram só isso. Estão envolvidos em roubos de aviões, atentados, mortes em massa.
- Garfield...
- Eu preciso pará-los. Você só tem que liberar o jatinho e eu saio hoje à noite ou amanhã cedo.
- Não.
- O quê?
- Não.
Garfield soltou o peso do corpo no encosto da cadeira, olhando abismado para Asa Noturna. Enfiou os indicadores nos ouvidos e coçou para ter certeza de que não estava ouvindo errado.
- Eu estou trabalhando nisso desde que cheguei aqui. – balançou a cabeça. – Essa missão tem que ser minha.
- Não.
- Dick!
- É uma sentença de morte, Garfield!
- Eu dou conta.
- E o que eu vou falar para o Bruce?
- Nada.
- Como nada?
- Ele não tem que saber e nem o Alfred. – Garfield tentou argumentar. – Vai ficar só entre a gente.
- Isso é loucura.
- Você sabe que a sua permissão é mera formalidade.
- O que você quer dizer?
- Eu já consegui o jatinho, mas não queria ir sem te avisar. – mentiu.
O queixo de Asa Noturna caiu aos poucos e ele acabou com a boca aberta. Garfield não desmentiu o que tinha falado, pois sabia que surtiria algum efeito no amigo. Bom ou ruim. Ele sairia no lucro em qualquer um dos casos.
- Você sabe que, se te acontecer alguma coisa, tem alguém aqui que vai me matar, não sabe? – Asa Noturna cruzou os braços.
- A Ravena não precisa ficar sabendo.
- E como você pretende enganá-la?
- Não vai ser um enganação. É só não falar que a missão pode ser perigosa.
- Pode ser?
- Não tem como afirmar, Dick.
- Você sabe que é a coisa mais perigosa que você vai fazer.
- Sim, mas ela não precisa saber.
- Acha isso justo?
- Não.
- E vai levar isso a diante?
- Eu preciso.
- Não. Você só quer alimentar o seu ego. – Asa Noturna falou. – Eu posso arrumar uma equipe para resolver esse problema.
- Grayson, eles são Código Vermelho.
- Exatamente. Você só teve um em toda a sua vida.
- Agora tenho outro – Garfield suspirou. – Me empenhei nessa pesquisa. Por favor, você tem que me ajudar.
- Não.
- Eu vou com ou sem a sua permissão. Se alguma coisa acontecer comigo, estarei em Londres. Você pode ir atrás de mim.
- Garfield!
- Estou falando sério.
Asa Noturna bufou e balançou a cabeça negativamente, guardando os papéis na pasta, sem terminar de ler.
- Ok. Você pode ir.
- Mesmo? – Gar arregalou os olhos.
- Sim, mas eu quero um relatório completo e todas as medidas de segurança. – ordenou. – Faça amizade com alguém, dê o meu número e avise para me ligar caso ocorra alguma emergência.
- Estou me sentindo um novato outra vez.
- Eu estou confiando em você.
- Eu sei, eu sei. Sobre a Ravena...
- Sobre ela – Asa Noturna o interrompeu. – Eu ainda não esqueci a forma como você entrou naquele quarto e a beijou.
- Você gostou?
- Logan.
- O quê?
- Não sei se te prefiro todo sério ou fazendo essas brincadeiras estúpidas.
- Não fale nada para ela.
- Eu não vou. – suspirou. – Não preciso ter a filha de Trigon enlouquecida no meu pé.
- Obrigado.
- Vou perguntar pela última vez: você tem certeza?
- Sim.
- Isso é loucura.
- É uma loucura necessária – Garfield quase sorriu. – Esses idiotas são Código Vermelho só por enquanto. Vou pegar esses ter...
Ele deixou a voz morrer quando a porta do escritório foi escancarada, e uma Ravena furiosa apareceu, balançando impacientemente a chave do carro no indicador direito. Asa Noturna deu um pulo de susto, e Gar escondeu discretamente a pasta com todas as informações sobre a missão.
- Eu preciso estacionar o meu carro e a sua moto está no meu caminho – ela olhou para Asa Noturna. – A garagem está cheia de peças de carro pelo chão e o Cyborg colocou a sua moto na minha vaga.
- Por quê? – ele perguntou.
- Para ter mais espaço para o T-Car.
- Por quê ele não arruma o T-Car na oficina?
- Você precisa perguntar isso para ele. – Ravena bufou nervosa e seus olhos pararam em Garfield. – Oi. – sorriu.
- Oi. – o metamorfo sorriu de volta.
- Eu vou tirar a moto da sua vaga, Ravena. – Asa Noturna se levantou e Garfield lhe entregou a pasta. – O jatinho vai estar te esperando no aeroporto. – saiu.
Ravena franziu o cenho, esperando Asa Noturna sair do escritório. Olhou para Garfield, vendo-o suspirar pesadamente e levantar as mãos.
- O que era aquilo? – ela perguntou.
- Dados sobre minha próxima missão.
- Próxima missão?
- Sim.
- Quando?
- Hoje à noite ou amanhã de manhã.
- Tão rápido assim?
- Não tenho escolha – Garfield estendeu a mão para ela e a puxou para seu colo. – Mas não vou demorar.
- Para onde você vai?
- Já está querendo me seguir?
- Quem sabe. – Ravena deu de ombros, segurando o pescoço dele. – É perigoso?
- Não.
- De verdade? Da última vez você disse isso e foi parar em um sequestro.
- A última vez foi catastrófica. Não vai se repetir.
- Adianta alguma coisa se eu te pedir para não ir?
- Infelizmente, não.
- Tudo bem. – ela suspirou, e encostou os lábios nos dele. – Eu já estava esperando por essa resposta.
Garfield abriu um sorriso pequeno e a beijou, segurando seu pescoço com uma única mão. Usou a outra para acariciar a cintura de Ravena e a encostou na mesa de Asa Noturna, aprofundando o beijo com a língua.
Tinham gargalhado muito sobre o que havia acontecido no quarto dela, há três dias. Sempre se lembravam da expressão de Asa Noturna e da forma que ele reagiu ao vê-los aos beijos. Agora, Richard sabia sobre eles, e Garfield sabia que Ravena havia feito as pazes com o antigo melhor amigo.
Ela levantou um pouco as costas e se deitou sobre os papéis e o notebook de Asa Noturna, fazendo com que Garfield se levantasse para continuar com o beijo. Ele se deitou sobre ela, passando os dedos em seus cabelos e distribuindo beijos rápidos pelo rosto dela.
- Você dorme comigo essa noite? – ele perguntou, ao pé do ouvido dela.
- Sim.
- Obrigado. – sorriu, voltando a beijá-la.
A porta abriu mais uma vez, e Asa Noturna pigarreou alto ao ver a cena. Seus olhos pegaram as pernas de Ravena entre as de Garfield, e também viram as mãos bobas dele percorrendo o corpo dela.
- A moto já está fora do caminho. – falou, mais alto que o normal. Andou até a estante e apertou um botão amarelo, que fez com que a mesa fosse puxada para dentro de um compartimento secreto que ficava dentro do chão. Ravena e Garfield caíram desajeitadamente, um em cima do outro, esmagando-se.
- Ai! – ela reclamou, tentando se livrar do pé esquerdo de Garfield, que estava em sua bochecha. – Garfield! Sai!
Ele saiu de cima dela e ficou de pé, ajudando-a a levantar. Encararam Asa Noturna, com raiva e vontade de rir, enquanto seus rostos adquiriam um tom claro de vermelho.
- Obrigada por tirar a moto, Dick. – Ravena disse, começando a sair do escritório. Acenou para Garfield e sumiu no corredor, deixando-k sozinho com Asa Noturna.
- Eu sei que essa mesa é tentadora – Richard rosnou. – Mas não está disponível para você usá-la.
- Desculpe, Grayson.
- Eu vou estudar sua missão com mais atenção e me avise se precisar de ajuda.
- Certo. Obrigado por não falar nada a Ravena.
- Não concordo com isso.
- Eu sei, mas é o certo.
- Até que ponto, Logan?
- Eu não quero que ela me siga outra vez. Você mesmo disse que é muito perigoso.
- E é... – ele parou de falar. – Ela te seguiu?
- O Alfred não te contou?
- Não.
- Ahn... Ok, então. Eu vou me preparar para a viagem – Garfield balançou a cabeça, muito mais à vontade do que costumava ser. – E a mesa é mesmo muito confortável.
Asa Noturna usou a pasta para bater na cabeça dele, arrancando uma reclamação cheia de palavrões do metamorfo. Olhou-o apreensivo, como um irmão mais velho olha para o mais novo em uma situação de risco, estendendo a mão para ele:
- Tome cuidado.
- Eu sempre tomo.
- É um Código Vermelho. – avisou. – Se precisar de ajuda...
- Eu peço reforço. – Garfield segurou a mão dele e sacudiu de leve. – Obrigado pela confiança.
- Boa sorte, Logan.
- Obrigado, Grayson.
Garfield saiu do escritório, animado. Aproveitou o dia para treinar e ainda teve tempo de jogar videogame com Cyborg, antes de ir para o quarto descansar. Tomou um bom banho e começou a arrumar a mochila que levaria, sem se importar com o horário tarde.
Ravena entrou no quarto um tempo depois, já de pijama e apenas com o celular na mão. Ela foi até ele e olhou as coisas que estavam separadas na cama, fazendo careta para as comidas enlatadas.
- O que foi? – ele riu.
- Você vai comer isso?
- Se precisar, sim.
- Hum – balançou a cabeça. – Precisa de ajuda?
- Por favor. Já que você gosta tanto das minhas camisas, pode separar algumas para mim?
- Quantas?
- Três.
Ela assentiu e parou em frente ao guarda-roupa, pegando as camisas como ele havia pedido. Inclui um moletom na mochila sem que ele percebesse, uma vez que não sabia para onde ele estava viajando.
Ficaram em silêncio e terminaram de arrumar a mochila, com um clima estranho no ar. Ravena suspirou e se sentou na cama, encarando as próprias mãos.
- Qual é o problema, Rae? – Garfield perguntou, ajoelhando-se a sua frente.
- Eu tenho um mau pressentimento sobre isso. – Ravena confessou.
- Não é nada demais.
- Mas, e se não der certo?
- Vai dar.
- Você promete? – olhou-o nos olhos.
- Sim. Eu prometo – ele sorriu. – Estarei de volta em alguns dias e trarei um presente.
- Não quero presentes. Você só precisa voltar vivo.
- Você confia em mim?
- Você sabe que sim.
- Então acredite no que estou falando.
Ela revirou os olhos e segurou o rosto dele com as duas mãos, aproximando seus narizes.
- Por que você é assim? Tão teimoso?
- Porque você também é. – ele respondeu imediatamente.
- Posso te pedir uma coisa?
- Outra promessa?
- Não.
- Vai em frente.
- Não deixe que o vislumbre da esperança de dias melhores se apague como a vela faz quando o pavio já não é mais suficiente. – ela falou.
- O que você quer dizer?
- Eu quero que os seus olhos continuem com esse brilho que eles ganharam – sorriu um pouco. – Você merece o mundo.
- Obrigado. – Garfield não entendeu muito bem, e Ravena se amaldiçoou por esconder coisas dele. Talvez estivesse na hora de mudar isso e... desistir. – Você também.
O silêncio se fez presente outra vez.
- O que eu sou para você, Gar?
- Você – ele colocou as mãos no peito dela, bem cima do coração. – Você é toda esperança que eu já tive em forma humana.
Ela sorriu de lado, passando o nariz dele. Não queria tê-lo para preencher suas partes vazias. Já era completa sozinha, plena e capaz de iluminar uma cidade inteira com seu brilho e confiança. Gostava de ter Garfield por os dois, juntos, botavam fogo em tudo. Faziam queimar, esquentar. Eram uma dupla imbatível.
- Eu preciso muito dormir agora. – ele murmurou.
- Já?
- Vou sair cedo.
- Eu sei. – ela se deitou na cama, puxando-o para perto.
Garfield a abraçou e olhou seu rosto por longos minutos, até vê-la dormir tranquilamente. Tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. Evitou se mexer na cama para não acordá-la e proibiu-se de sair dali, querendo aproveitar cada segundo com ela.
A hora de ir para Londres chegou, e ele não tinha dormido nada. Se arrumou e deu um beijo na testa de Ravena, saindo silenciosamente do quarto, sem saber se voltaria.
Ela acordou horas depois, sentindo frio por estar sozinha. Esticou o braço direito para o lado em que Gar estava deitado e suspirou alto ao não senti-lo. Sentou-se na cama, encarando o quarto escuro. A falta dele se fez presente de forma cruel, deixando seu coração apertado de medo.
Estava com um mau pressentimento sobre isso.
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