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História Sutileza - Confissão


Escrita por: Endora_

Capítulo 21 - Confissão


Fanfic / Fanfiction Sutileza - Confissão

Não foi nada fácil para Agnes manter-se impassível diante das lamentações de Gianfrancesco, enquanto cuidava dos ferimentos em seu rosto. Ouviu-o desabafar a respeito de como se sentia triste e ofendido ao ver sua tão adorada Diana dançar com todos os homens da festa, mas não com ele. Falar, choroso, do quanto a amava com toda sua alma e de como se sentia deficientemente retribuído por ela. 

Mais uma vez, ela foi compreensiva, paciente, e muito carinhosa. Procurou concentrar-se ao máximo no que estava fazendo para tentar não dar tanta atenção ao que ele dizia. Gentilmente, permitiu que ele se deitasse em sua cama por alguns minutos, mas ele, exausto, caiu em sono profundo. Sentada numa cadeira, ela esperou que ele despertasse, aproveitando a chance de olhar livremente para ele pelo máximo tempo possível. Imaginou como seria se pudesse se deitar ali com ele, ocupando o pouco espaço que sobrava na cama, e despertar ao lado dele quando irrompesse a manhã.

Mas quase uma hora inteira se passou, e ele não acordava. Passaria a noite toda ali. Agnes pegou a roupa que usaria para dormir naquela noite, e mais alguns objetos de que precisaria pela manhã e deixou o quarto para ocupar um dos poucos quartos de hóspedes que se encontravam vagos naquela noite. Antes de sair, despediu-se de Gianfrancesco com um demorado beijo na testa, saboreando cada detalhe da sensação da pele dele contra seus lábios. Deixou mais um beijo na face de Gianfrancesco, antes de, por fim, ter coragem de se afastar dele.

Sentada à mesa do café da manhã junto de Diana, Gianfrancesco e Carolyn, Agnes comia em silêncio. Gianfrancesco estava calado também. A única conversação que se ouvia era entre Carolyn e sua mãe, que conversavam como se os outros dois não estivessem presentes.

Era o segundo dia desde a polêmica celebração do aniversário de Madame Tremaine, e os últimos convidados haviam partido na noite anterior. Com a passagem de vinte e quatro horas inteiras sem a menor menção aos acontecimentos daquela noite, Agnes havia iniciado aquele dia com a leve sensação de que tudo continuaria igual. Ela terminou de comer, e ia se levantar, quando ouviu a voz firme de Diana dizer:

— Sente-se aí. Ninguém sai desta mesa antes de mim — encarava alternadamente seu amante e a governanta, e Carolyn percebeu no ar que aquela ordem não se estendia a ela.

Apesar de ter apenas sete anos, Carolyn percebia e entendia tudo o que se passava na vida dos adultos. Não que desse grande importância a isso, mas achava divertido observar o que podia e imaginar o resto. Em sua casa na árvore, tinha escondidos alguns romances que haviam sumido da biblioteca sem explicação. Não fazia ideia do que era sexo, mas estava perto de compreendeer o que era amor.

Então, mesmo sem nunca ter visto a mãe beijar Gianfrancesco, sabia que eles eram uma espécie de casal. Ela entendia que duas pessoas não precisavam ser casadas para se amarem, assim como entendia que nem todas as pessoas casadas se amavam. Ela entendia o que era a paixão não correspondida que Agnes nutria por Gianfrancesco e nunca havia se preocupado em esconder dos olhos atentos da pequena senhorita Tremaine, por julgar que uma criancinha como ela não saberia interpretar seus olhares e suspiros. Carolyn entendia o que era ciúme, porque o sentia sempre, ao ver outra pessoa mexer em suas bonecas, brincar com seus cachorros, ou ocupar um pouco do tempo que a mãe deveria dedicar a ela.

Então, sem dificuldade nenhuma, compreendeu que ali aconteceria uma briga assim que ela saísse da mesa, e sentiu um prazer mórbido. Estava de fato ansiosa para que a discussão começasse. Ela a assistiria da escada, para onde a atenção dos três adultos não se voltaria, sem dúvida. Gostava de ver os adultos brigando, não por ter predileção pela discórdia, mas simplesmente porque a dramaticidade teatral que corria nas veias da mãe e nas dela, a fazia apreciar sempre um bom espetáculo, quer estivesse acontecendo num palco, ou na vida. Gostava de assistir às brigas de crianças no parquinho também, apesar de ter horror a sangue. Um simples arranhão a fazia desmaiar. Era das frases fortes que ela gostava. "Eu quero que você morra! Você foi a pior coisa que me aconteceu!" Ah, os textos do palco da vida! Espetáculos desse tipo sempre a deixavam empolgadíssima. Era uma criança terrível? Deixaria que Deus a julgasse. Acreditava que Ele a compreenderia, afinal, estava sempre assistindo a tudo lá de cima também.

Exatamente como ela esperava, sua mãe perguntou-lhe se havia terminado de comer e pediu que saísse da mesa e fosse para seu quarto. Ela beijou a mãe no rosto e subiu as escadas até o andar de cima, depois desceu alguns degraus muito silenciosamente e se sentou na escada, vibrando à espera da primeira palavra. Vinha formigando de curiosidade a respeito do estado do rosto de Gianfrancesco, mas seu bom senso lhe dizia para não tocar no assunto. Talvez os momentos que estavam por vir pudessem explicar tudo sem que ela tivesse que perguntar.

Maria Madalena começou:

— Agnes, quero você fora da minha casa antes do meio-dia. 

Uma sensação gelada, como a bofetada de uma mão fria, atingiu o rosto de Agnes, penetrando sua pele e se espalhando por todo o corpo. Embora tivesse reconhecido a possibilidade daquilo acontecer, na noite anterior aquela ideia já parecia tão vaga, que recebeu a sentença com surpresa. Não estava, de modo algum, preparada para aquilo.

— Madame, por favor. Isso não. Eu não tenho para onde ir — gaguejou, suplicante. 

— Você devia ter pensado nisso antes. Sabia muito bem como ia acabar.

— Diana, ela não fez nada. A culpa toda foi minha. Eu a usei para provocar você. É sério. Eu insisti para que ela ficasse na festa, a todo tempo ela queria voltar para o quarto.

— Não devia nem ter saído dele — respondeu, ríspida, e voltou-se para Agnes: — Quem convidou você?

— Eu… sempre recebi convites para todas as festas.

— E justo à primeira que não recebeu, foi a esta que você veio — Diana se pôs de pé — Você pensou que eu tinha esquecido? Eu não queria você na minha festa! — deu um tapa na mesa — Assim como agora não a quero mais na minha casa!

Gianfrancesco também se levantou, antes de tomar a palavra. Falou, num tom mais alto que seu usual jeito italiano de falar:

— Olhe aqui, Diana: eu não quero você fazendo este tipo de cena como se estivesse coberta de razão.

— Eu não quero brigar com você, Gianfrancesco — declarou firmemente, olhando para a própria mão apoiada na mesa.

— Mas eu quero! Eu também não gostei nada da sua conduta naquela noite!

— Ah, não gostou! Quem é você pra não gostar de qualquer coisa que eu faça? Especialmente depois de transformar minha casa no palco daquele espetáculo absurdo!

— Sou, na prática, o seu marido. Não foi isso o que você me disse, alguns dias atrás? Se eu sou seu marido, oficialmente ou não, eu tenho todo o direito de exigir que você me respeite. Mas não sei, eu sinto algo de falso nessa afirmação. Você me vê realmente como seu marido? Era assim que você agia com Christopher?

Diana ficou calada por um instante, sem saber como responder. Gianfrancesco olhou para Agnes e disse, com aquele velho sorriso cínico:

— Madame não tem mais nada a dizer.

Afastou-se da mesa e acendeu um cigarro. Foi para a sala de estar e soltou a fumaça para cima.

— Eu não terminei.

— Terminou, sim. Faça-me o favor — sentou-se no sofá e decretou: — Agnes não vai embora desta casa. Ela não será prejudicada por algo que você começou.

— A casa é minha e eu dou as ordens aqui! E você, Agnes, já devia estar lá em cima reunindo suas coisas. Vá!

— Agnes, não dê um passo. 

Diana aproximou-se dele, incrédula:

— Você vai me desafiar?

— Vou. Isso é entre eu e você. Agnes não tem nada a ver com isso.

— Ainda que você a tenha usado para me afrontar, como disse. Ela não devia ter cedido! Não devia ter aceitado seus convites. Não devia nem ter aparecido, para começar! Assim como aqueles seus amigos, aqueles vândalos!

— Eles não vêm ao caso. Pare de mudar de assunto.

— Está certo, o assunto é Agnes. Está demitida, e ponto final.

— Não está. Se tiver que demitir alguém, que seja eu. Eu não passo mesmo de um empregado para você. Você até me paga um salário miserável.

— Por que a defende tanto?

— Porque ela é inocente! Estou falando sério, Diana: — pôs-se de pé, e a encarou bem de perto — se ela for embora, eu vou junto.

Um longo momento de silêncio se seguiu. A tensão era quase palpável. Agnes se mantinha imóvel desde o início da conversa. Carolyn, na escada, esperava ansiosa pelo próximo passo.

— Muito bem, Gianfrancesco. Que seja feita a sua vontade. Agnes fica. Você está demitido. Se quiser ir embora, vá. Se quiser ficar, fique. Mas a partir de hoje, não te dou mais um centavo.

— Ótimo — dirigiu-se até as escadas, subiu dois degraus, parou e disse: — Pegue este dinheiro e guarde para o futuro de Carolyn.

— Não coloque minha filha nesta conversa!

— Eu coloco. Aprendi com você este truque. Você coloca Carolyn em todas as nossas discussões, como justificativa para a maneira humilhante com que você me trata. É tudo pelo futuro de Carolyn —  continuou a subir. A menininha recuou antes que fosse vista.

— Humilhante?

Ele parou, no patamar da escada, onde havia uma mesinha, e sobre esta um vaso muito belo, pintado à mão, cheio de rosas amarelas. Por um instante refletiu se valia a pena responder ou não, mas àquela altura, depois de todas as coisas que dissera, achou melhor não guardar mais nada.

— Você só me procura quando seu corpo quer alguma diversão. No resto do dia, não olha para mim. Claro, para você isso não deve ser nada de mais. Qualquer prostituta está habituada a isso, mas eu não estou.

Os lábios de Diana se entreabriram em choque, e ela teve vontade de chorar. Ele prosseguiu:

— Aquela noite foi a gota d'água. Para mim basta disso tudo, eu não sou uma aquisição sua. Estou farto de você me tratar como um vaso bonito!

O som desta última palavra ecoou em conjunto com o ruído estridente daquele vaso se quebrando contra os degraus. Madame Tremaine deu um grito de dor ao ver aquela peça destruída. Havia sido um presente de aniversário de Christopher, e uma das peças de cerâmica mais valiosas daquela casa. Ela chorou pelo vaso antes de perceber as outras razões que tinha para chorar.

A pequena bisbilhoteira levantou-se de onde estava e correu de volta para seu quarto a toda velocidade, antes que ele subisse o bastante para vê-la nas escadas.

Agnes e Lady Tremaine permaneceram na sala, olhando nos olhos uma da outra. Agnes estava a ponto de chorar, mas resistia. Madalena já havia cessado de chorar pelo vaso, mas ainda havia muitas lágrimas de outros sabores a serem vertidas.

— Você conseguiu o que queria, Agnes — acusou, com voz vacilante, por detrás de uma cortina de lágrimas não derramadas — em uma noite, destruiu tudo o que nós tínhamos. Por quê? 

— Não tem o direito de me acusar, Madame. Este tempo todo, eu fui o elo que manteve vocês dois juntos. Tudo o que eu fiz foi dançar com ele, como a senhora dançou com todos os homens daquela festa. 

Colérica, Diana agarrou uma pequenina estátua de porcelana e a atirou na direção de Agnes, mas não acertou.

— Dobre esta língua! Atrevida! Ele não dormiu no quarto dele naquela noite, nem no meu. Você se deitou com ele, não foi?

— Claro que não. O que ele poderia querer comigo? Olhe para mim.

— Não seja sonsa! Você sabe muito bem que ainda é tão desejável quanto qualquer outra. Víbora. Depois de tudo o que eu fiz por você...

— Eu fiz tudo possível para ficarem juntos! Eu o amei no dia em que ele chegou aqui, e desde então eu tenho passado por cima disso, passado por cima de mim, e feito tudo o que está ao meu alcance para mantê-lo ao seu lado. Não vê que se ele fosse embora, eu o perderia também? Quem destruiu o que tinham foi você.

Diana foi tomada por uma onda de raiva, quis bater no rosto de Agnes até torná-la irreconhecível, mas sobre esta onda, logo veio outra, de desespero, e com os olhos inundados, pediu humildemente:

— Poderia fazer alguma coisa por nós agora? Eu não quero que ele vá, Agnes.

Diana se deixou cair sobre o mesmo sofá onde ele havia se sentado, girou o corpo e se debruçou sobre o encosto. Escondeu o rosto nos braços e chorou como uma criança perdida. 

Agnes subiu às pressas, passando por cima dos cacos e das flores, e da água nos degraus, e entrou no quarto de Gianfrancesco, onde o encontrou fechando uma bolsa de couro.

— Gianfrancesco, não vá! Por favor, não vá.

Ele secou uma lágrima que lhe molhou a bochecha, e sem tirar a mão do rosto dela, perguntou:

— Acha que agora, vendo você chorar por mim, eu tenho alguma condição de ficar?

— Se você for, vai ser o fim para mim. Acha que ela não me põe na rua assim que você virar as costas? Fique. Você a ama ainda, não ama?

— Muito, Agnes. Mas não dá mais. 

— Sempre dá. Sempre tem conserto. Pela nossa amizade, não vá embora.

— Como é que você pode falar em amizade quando eu sei que você me ama?

Ela virou o rosto mais para dentro da mão dele, roçando os lábios na palma. Queria beijá-la, mas não o fez. Fez uma última tentativa de esconder o que sentia, soando indiferente por detrás de suas lágrimas.

— Amo o quê, garoto! Deixe de ser bobo. Estou chorando porque meu emprego está por um fio e o único pode salvá-lo está querendo sumir daqui.

— Pare de tentar esconder. Eu não posso mais fingir que não percebo. Você me ama, não ama?

— Amo! — confessou, vencida, afastando-se em direção à janela e virando-lhe as costas — Mas não se preocupe com isso. Até agora não fez diferença. Não vai fazer.

— Não fazia diferença porque eu não sabia. Estava muito cego para ver.

— E vai continuar cego. Eu só estou tentando salvar meu emprego. Sempre estive aqui, no canto… vou continuar no canto. Não vou atrapalhar vocês, prometo. Vá agora, não a deixe sofrer mais.

Ele hesitou por um instante, mas sua loucura por Diana ainda era forte o bastante para fazê-lo ficar. Deixou Agnes e a bolsa de couro para trás, correu para fora do quarto e escada abaixo. Ajoelhou-se aos pés de Diana e encheu-lhe de beijos nos lábios e no pescoço. Ela chorou de alegria ao recebê-lo de volta em seus braços. Pediram um ao outro desculpas e fizeram juras de amor eterno. Agnes, assim como Carolyn fizera, via tudo de um ponto discreto das escadas, mas teve que sair dali. Assistir àquela cena de amor lhe dilacerava o coração.

Fizeram uma viagem para o Sul da França, onde passaram cinco semanas lindas. Para o coração de Agnes, foi um descanso. Carolyn em nenhum momento agiu como se compreendesse a situação que se desenrolava à volta dela. Achava sensato fingir que não sabia do que os adultos não queriam que ela soubesse. Mas se pudesse dar um conselho à Agnes, diria que seria mais fácil para os três se ela arranjasse outro emprego.

Aquelas semanas na França foram como um sonho. Tudo foi perfeito, segundo após segundo. Dias e dias de Sol, vinho e cavalgadas em campos de flores. Mas como todo sonho, cedo ou tarde teve que acabar.

 



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